Pancreatite aguda experimental induzida pela L-arginina: avaliação histológica
e bioquímica
GASTROENTEROLOGIA EXPERIMENTALINTRODUÇÃO
A pancreatite aguda pode apresentar-se como um distúrbio suave e autolimitado,
ou sob a forma de doença grave de evolução muitas vezes fatal(21, 25). Apesar
das modernas tecnologias disponíveis(4, 8, 17), ainda persistem dúvidas acerca
de inúmeros aspectos da patogenia e fisiopatologia da doença e, portanto, da
melhor terapêutica a ser adotada(3, 21). Baseados nestes fatos, pesquisadores
têm buscado métodos de indução de pancreatite através de meios experimentais em
diferentes espécies animais(2, 3, 13, 22). O modelo adequado deve ser
tecnicamente simples e possuir características evolutivas que provoquem no
animal alterações pancreáticas semelhantes àquelas observadas em seres humanos.
Com esse propósito, executou-se um modelo de pancreatite aguda experimental que
utiliza a L-arginina, aminoácido essencial, barato e disponível no comércio,
que administrado por via intra-peritonial, desencadeia pancreatite aguda em
ratos(6, 12, 16, 19, 23, 24)e permite estudar as alterações histológicas e
bioquímicas durante a instalação, desenvolvimento e reparação do processo
inflamatório pancreático.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais de experimentação
Caracterização da amostra ' Utilizaram-se no experimento 105 ratos Wistar
(Rattus norvegicus ' Rodentia ' Mammalia) machos, albinos não-isogênicos, com
peso compreendido entre 182,4 g ± 12,6 g, fornecidos pelo Biotério do Instituto
de Tecnologia do Paraná, Curitiba, PR, e manipulados conforme normas para
trabalhos experimentais publicadas no livro de GOLDIM e RAYMUNDO(10).
Ambiente de experimentação
O experimento deste estudo foi executado no Laboratório de Microbiologia e
Imunologia da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, Curitiba, PR.
Delineamento experimental
Dividiu-se a amostra em 2 grupos, conforme demonstrativo abaixo:
Injeção da L-arginina
Preparo da solução 'Foram pesados 20 g de L-arginina (Merck® artigo 1.01542),
diluindo-se em volume final de 100 mL de solução fisiológica, ajustando-se o pH
entre 6,8'7,4 com solução tampão de fosfatos. Esterilização em membranas de
0,22 µ (Millipore®). Preparo imediato antes do uso.
Injeção por via intraperitonial 'Ratos machos Wistar nutridos com alimentação
específica para a espécie ad libitum, eram distribuídos aleatoriamente em
caixas de polipropileno identificadas, com cinco animais cada e que foram
deixados em jejum durante a noite prévia ao experimento. Após pesagem, os
animais receberam injeção intraperitonial de 500 mg/100 g de peso corporal de
L-arginina. O volume total calculado foi dividido em doses iguais e injetado em
duas etapas com intervalos de 15 minutos, em um dos quadrantes inferiores
abdominais. Os ratos controle receberam o mesmo volume de solução fisiológica
0.15 M. Todos os animais receberam alimentação à vontade após a injeção.
Coleta de amostras e sacrifício de animais
Análise laboratorial ' Para a coleta de sangue, os animais foram anestesiados
por inalação com éter sulfúrico e cuba plástica apropriada. A seguir, foram
colocados em decúbito dorsal e com seringa de 10 mL e agulha de 25 x 8 mm
procedia-se à punção cardíaca transtorácica. O sangue coletado foi centrifugado
a 700 rpm durante 10 minutos, separando-se a seguir o soro para as
determinações de amilase através do método enzimático cinético a 405 nm,
efetuadas em equipamento automatizado ' Sistema COBAS ' MIRA "S".
Análise Histológica 'Após a coleta de sangue, os animais foram recolocados em
cuba sob inalação letal de éter sulfúrico. Posteriormente ao sacrifício, os
animais foram submetidos a abertura ampla da cavidade abdominal, sendo retirado
o pâncreas para avaliação histológica.
O pâncreas retirado era colocado em formaldeído a 10% pelo período mínimo de 48
horas para adequada fixação. Secções foram feitas através do longo eixo da
glândula, coradas com hematoxilina-eosina e examinados por microscopia óptica
(2). Todos os cortes histológicos foram examinados sem o conhecimento do grupo
a que pertenciam e ao período em análise. Foram considerados os seguintes
padrões histológicos: edema, infiltração inflamatória, hemorragia e necrose
parenquimatosa(20, 24). O padrão histológico foi definido de acordo com a
presença e predominância das alterações microscópicas descritas no Quadro_1.
Estudo estatístico
Nas comparações entre dois grupos independentes, o teste aplicado foi o de
Mann-Whitney e quando da comparação de mais de dois grupos independentes, o
teste aplicado foi o de Kruskal-Wallis. Em todos os testes foi adotado o nível
de significância de P <5%(7, 9).
RESULTADOS
Níveis de Amilase
Na Tabela_1 são apresentados, para cada grupo e em cada momento analisado, as
médias, os desvios-padrão e os valores de P obtidos através da aplicação do
teste de Mann-Whitney.
Observou-se que na avaliação realizada nos períodos de 6, 12, 24, 72 horas e 7
dias, as médias dos valores de amilase nos grupos controle e experimento são
significativamente diferentes ao nível de 5%.
O Gráfico_1 apresenta a evolução dos valores médios de amilase ao longo dos
períodos analisados nos dois grupos.
Exame histológico
Para a análise dos exames histológicos no grupo experimento, os resultados
foram ordenados de acordo com as diversas combinações dos níveis de gravidade
de edema e necrose, da situação menos grave para a mais grave (de 1 a 13),
determinando-se estas ordenações por graus. Os números de casos observados,
segundo esta ordenação, e os graus médios em cada período do estudo são
apresentados na Tabela_2.
O Gráfico_2 apresenta os graus médios (gravidade) relativos ao exame
histológico para cada um dos momentos do estudo.
Analisando os resultados dos testes e os graus médios, observou-se que a
situação histológica agravou-se significativamente a partir de 6 horas até 24
horas. De 24 horas a 48 horas, não se observou diferença significativa nos
aspectos histológicos. A histologia demonstrou aspecto de agravamento no
período compreendido entre 48 e 72 horas e melhora progressiva do 3º dia para 7
dias e 14 dias.
No grupo controle, a análise microscópica do parênquima pancreático estava
histologicamente preservada em todos os momentos considerados. As Figuras_1 e 2
mostram fotos do pâncreas após injeção de L-arginina.
DISCUSSÃO
TANI et al.(24), demonstraram novo modelo experimental de pancreatite aguda
necrotizante em ratos induzido por uma única injeção intraperitonial 9+de L-
arginina. Em trabalhos anteriores, neste laboratório, observou-se que a injeção
de L-arginina em dose única de 500 mg/100 g de peso corpóreo, em ratos pesando
entre 350 g e 450 g, produz mortalidade em decorrência de trombose mesentérica.
Assim, no presente estudo, a dose total foi dividida em duas injeções, com
intervalo de 15 minutos e os ratos selecionados pesando, desta vez, 130 g a 150
g, com o intuito de excluir tal intercorrência.
Neste estudo, os níveis de amilase sérica permaneceram constantes nos animais
do grupo controle, mas elevaram-se significativamente nos animais que receberam
injeção de L-arginina. Todos os animais que receberam L-arginina
intraperitonial demonstraram aumento na atividade da amilase sérica mais
pronunciado no período de 12 horas e retornaram aos níveis dos controles em 48
horas. Embora os níveis séricos de amilase tenham demonstrado maior elevação
entre 12 e 24 horas após a injeção de L-arginina, a maioria das alterações
severas, como a necrose de células acinares, foi encontrada em 72 horas. A
significativa redução de síntese das enzimas pancreáticas, em período
subseqüente às 72 horas após indução de pancreatite, pode resultar em
diminuição dos seus níveis séricos. Nesta etapa, observou-se que os valores de
amilase foram significativamente menores nos ratos do grupo com pancreatite,
quando comparados com o controle no período de 72 horas e que retornaram aos
níveis basais em 2 semanas, acompanhando a regeneração pancreática, como
evidenciado pelos padrões histológicos neste período de evolução.
Estes achados permitem referir que os níveis de amilasemia não se correlacionam
diretamente com a gravidade da inflamação. A maior parte dos autores são
concordes quanto à especificidade da elevação da amilase sérica ser deficiente
como valor de prognóstico da pancreatite aguda(18). Até mesmo a correlação
inversa entre este parâmetro e a severidade da lesão pancreática aguda, como
observada nos períodos de 72 horas e 7 dias deste experimento, foram descritas
e atribuídas ao declínio na capacidade de secreção quando o dano celular
pancreático é severo(1, 5). Esta análise é compatível com a observação de que
os níveis mais altos de amilase sérica são encontrados nos modelos
experimentais de pancreatite caracterizados por edema intersticial e morte
mínima de células(11). No presente estudo e em concordância com estudo
previamente realizado(20), o edema pancreático, que não é indicador de
severidade, demonstrou melhor correlação com a hiperamilasemia, sendo que os
índices usuais para o diagnóstico de pancreatite severa, como necrose acinar,
apresentam correlação inadequada ou mesmo inversa com o nível da amilase
sérica.
No exame histológico, após a injeção de L-arginina durante os períodos de 6, 12
e 24 horas, verificou-se infiltração progressiva no interstício e tecido
pancreático de leucócitos polimorfonucleares, linfócitos e macrófagos. Após 6
horas da aplicação de L-arginina, não se observaram edema intersticial
pancreático ou necrose de células acinares. Após 12 horas, observou-se edema
intersticial com discreta infiltração de células inflamatórias e, decorridas 24
horas, evidenciaram-se ácinos separados por importante edema intersticial. No
período entre 24 e 48 horas não ocorreram alterações histológicas
significativas.
Evidenciou-se que, a partir do 2º dia, iniciaram-se focos de necrose nas
células acinares e que a necrose comprometia grande parte do parênquima,
provocando desordem da arquitetura pancreática, lesões de células acinares e
intenso processo inflamatório agudo ao progredir de 72 horas. Nesta fase do
estudo, constatou-se que as células acinares pancreáticas haviam sido
progressivamente destruídas, que os ductos pancreáticos encontravam-se
dilatados e repletos de muco, enquanto as ilhotas de Langerhans pareciam
preservadas. O estudo histológico, 7 dias após a aplicação de L-arginina,
mostrou melhora considerável do edema e da necrose pancreática. Embora se devam
considerar as dificuldades em estimar a percentagem de extensão da necrose
tecidual, os baixos níveis de enzimas pancreáticas séricas nestes períodos
sugerem significativa necrose das células acinares. Ao final do estudo
observou-se, pela histologia do 14º dia pós-injeção de L-arginina, que a
arquitetura original pancreática havia sido restaurada.
Trabalhos recentes utilizando modelo experimental de pancreatite aguda induzida
pela L-arginina em ratos, sugerem que esta induz apoptose e expressão do gene
da proteína associada à pancreatite em célula acinar pancreática(14). Outras
alterações, como ativação NF-Kappa B(19), fator de crescimento fibroblástico
FGF-7 e FGF-10(12), efeito exercido pela L-arginina como precursora do óxido
nítrico no sistema circulatório e, mesmo, pela regulação da circulação
pancreática(15, 23), bem como o papel de radicais livres derivados do oxigênio
têm sido estudadas na patogênese da inflamação e da fibrose pancreática(6, 16).
Enfatiza-se que, embora a patogênese da pancreatite aguda induzida pela L-
arginina permaneça indefinida, a metodologia empregada neste modelo
experimental mostra-se útil e torna-se alternativa para o estudo da mesma.
CONCLUSÕES
Provocando-se pancreatite aguda em ratos machos da raça Wistar, pela injeção
intraperitonial de L-arginina através da metodologia empregada e baseado nos
resultados obtidos, concluiu-se que:
Os níveis séricos de amilase mostraram-se capazes de contribuir para o
diagnóstico da pancreatite aguda, porém não se correlacionam com a gravidade
das lesões pancreáticas.
A administração de L-arginina na dose 500 mg/100 g de peso corpóreo induz
pancreatite aguda necrotizante que por não ser fatal, permite avaliar todas as
fases da inflamação pancreática aguda, ou seja, desde sua instalação à
regeneração do órgão.