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BrBRCVHe0004-28032006000100013

BrBRCVHe0004-28032006000100013

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2006
Issue0001
Article number00013

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Prevalência de constipação em adolescentes matriculados em escolas de São José dos Campos, SP, e em seus pais GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICAPEDIATRIC GASTROENTEROLOGYINTRODUÇÃO Constipação intestinal é um distúrbio que acomete indivíduos em qualquer momento da vida, do recém-nascido(6) ao idoso(6, 22). Estudos realizados no Brasil mostraram elevada prevalência de constipação em lactentes, pré-escolares e escolares, com valores variando entre 17,5% e 36,5%(2, 16, 18, 20, 24).

A fisiopatologia da constipação é complexa e de etiologia multifatorial. Dentre os fatores etiológicos destacam-se as práticas alimentares, círculo vicioso de evacuação dolorosa gerando comportamento de retenção fecal, distúrbios da motilidade intestinal e fatores constitucionais e hereditários(12, 13, 15, 17).

No entanto, pouco se sabe a respeito da influência dos fatores hereditários na fisiopatologia da constipação, isto é, da relação de concordância de constipação em filhos e seus pais.

Por sua vez, não foram encontrados estudos que avaliem exclusivamente a prevalência de constipação em adolescentes que, em geral, são incluídos em estudos realizados com adultos(1, 10).

Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de constipação em adolescentes e em seus pais biológicos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS Neste estudo transversal, foi analisada uma amostra de conveniência de adolescentes matriculados em escolas de São José dos Campos, cidade do interior do Estado de São Paulo. Sua população é de, aproximadamente 500.000 habitantes, possui 132 escolas da rede municipal, 87 escolas da rede estadual e 114 escolas particulares regularizadas. Foram escolhidas cinco escolas (Escola Municipal de Educação Infantil Professora Maria de Melo; Escola Estadual Major Aviador José Mariotto Ferreira; Colégio Joseense; Colégio Anchieta e Colégio Olavo Bilac) em que a direção se prontificou a colaborar na coleta de dados.

Participaram do estudo os alunos com idade entre 10 anos e 18 anos e seus respectivos familiares (pai e mãe) que, voluntariamente, decidiram participar da pesquisa. Foram distribuídos alguns questionários para alunos com faixa etária de 9 anos e 9 messes e 18 anos e 7 meses. Um envelope lacrado foi-lhes entregue na sala de aula, contendo três questionários (um para o aluno, outro para a mãe e outro para o pai) e o termo de consentimento livre e esclarecido.

Não houve contato entre os pesquisadores e os alunos e/ou pais. Um professor ou orientador pedagógico explicou o conteúdo do questionário, no que se refere ao assunto abordado, o motivo e a importância da pesquisa, e esclareceu dúvidas quanto ao seu preenchimento.

O questionário destinado ao aluno continha questões de múltipla escolha, formuladas com linguagem simples e de fácil compreensão, que foram validadas em estudo piloto prévio com adolescentes da mesma faixa etária. As questões abordavam o hábito intestinal (freqüência das evacuações, dor ou dificuldade, tempo gasto no ato da evacuação), características das fezes (consistência, formato, presença de sangue), dor abdominal, complicações da constipação (escape fecal, enurese, comportamento de retenção), presença de outras doenças e uso de medicamentos. Idade, data de nascimento e sexo também foram dados solicitados.

O questionário destinado ao pai e à mãe continha questões de múltipla escolha, formuladas com linguagem simples e de fácil compreensão, que abordavam os parâmetros abaixo citados para a definição de constipação segundo os critérios de Roma II para adultos(23).

Constipação em adolescentes foi caracterizada pela eliminação de fezes com consistência obrigatoriamente endurecida e ocorrência de, pelo menos, uma das seguintes características: dor ou dificuldade para evacuar, escape fecal, sangue. Fezes com formato de cíbalos ou em pelotas grandes e secas e intervalo entre as evacuações maior ou igual a 3 dias foram considerados critérios que isoladamente caracterizam constipação(2, 8).

Constipação em adultos foi caracterizada, segundo os critérios de Roma II(23), pela presença de dois ou mais dos seguintes parâmetros, por no mínimo 12 semanas, não necessariamente consecutivas, nos 12 meses anteriores ao estudo: esforço para evacuar, fezes endurecidas ou em cíbalos, sensação de evacuação incompleta, sensação de obstrução ou bloqueio anorretal e manobras manuais para facilitar a evacuação (parâmetros que devem estar presentes em mais de 25% das evacuações) e/ou menos de três evacuações por semana.

Foram entregues nas escolas 2.500 questionários. Destes, 372 (14,9%) foram devolvidos respondidos. As informações foram codificadas e armazenadas em um banco de dados. A análise estatística foi realizada com o emprego do software SigmaStat® for Windows 2.0. A concordância entre a presença de constipação nos adolescentes e seus pais foi avaliada pelo coeficiente kappa que foi interpretado de acordo com os limites propostos por LANDIS e KOCH(11): <0,00, inadequada; 0,00 a 0,20, muito leve; 0,21 a 0,40, leve; 0,41 a 0,60, moderada; 0,61 a 0,80, substancial; 0,81 a 1,00, quase perfeita.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, tendo sido solicitado consentimento esclarecido por escrito para os adolescentes e seus pais.

RESULTADOS Dos 372 alunos, 23 (6,2%) não preencheram a informação sobre o sexo. Estes questionários não foram considerados na análise dos resultados. Assim, dos 349 questionários analisados, 141 (40,4%) foram preenchidos por adolescentes do sexo masculino e 208 (59,6%) do sexo feminino.

A idade máxima foi de 223 meses (18 anos e 7 meses) e a idade mínima de 117 meses (9 anos e 9 meses). A média (desvio-padrão) de idade em meses foi de 147 (18,4) meses, ou seja, 12 anos e 3 meses e a mediana foi igual a 142 meses (11 anos e 10 meses).

Dos 349 adolescentes, 78 apresentaram constipação, ou seja, a prevalência de constipação na população estudada foi igual a 22,3%. A prevalência de constipação foi maior entre as meninas (27,4%), do que entre os meninos (14,9%), sendo a diferença estatisticamente significante (P = 0,025) (Tabela 1).

Em relação à faixa etária, a prevalência de constipação foi de 20,9% entre 9 anos e 9 meses e 14 anos, e 32,5% entre 14 e 18 anos e 7 meses. A diferença entre os valores encontrados nas duas faixas etárias não foi estatisticamente significante (P = 0,144), conforme os dados apresentados na Tabela_2.

Dos 349 pais, 274 (78,5%) responderam ao questionário, sendo encontrada prevalência de constipação igual a 7,3% (20/274). Entre as mães, 322 (92,3%) das 349 responderam ao questionário, sendo que 88 delas tinham constipação (27,3%). A prevalência de constipação nos pais foi inferior à observada nas mães, sendo a diferença estatisticamente significante (qui-quadrado, c2 = 38,69; P<0,001).

A Tabela_3 apresenta a relação de constipação no adolescente com a presença de constipação na mãe. De acordo com o teste de McNemar, não se observou discordância estatisticamente significante (P = 0,176) e o coeficiente kappa mostrou concordância muito leve (kappa = 0,12). A Tabela_4 apresenta a relação de constipação no adolescente com a sua presença no pai. De acordo com o teste de McNemar, observou-se discordância estatisticamente significante (P <0,001) e o coeficiente kappa mostrou concordância muito leve (kappa = 0,05).

DISCUSSÃO A prevalência de constipação nos adolescentes (22,3%) estudados é alta e encontra-se na faixa de valores encontrados em lactentes, pré-escolares e escolares (17,5% a 36,5%) de várias regiões do Brasil(2, 16, 18, 20, 24). Vale ressaltar que a faixa etária correspondente à adolescência não foi avaliada especificamente em nenhum destes estudos realizados no Brasil. No realizado em Porto Alegre(24) foi avaliada a prevalência de constipação em 1.005 crianças com idade entre 0 e 12 anos. No entanto, não se informa a ocorrência de constipação entre os 10 e 12 anos, sendo que nas 82 crianças com idade maior do que 5 anos, a ocorrência de constipação foi igual a 22,5%. Nos demais estudos (2, 16, 18, 20), foram analisadas crianças com idade inferior a 10 anos, o que limita a comparação direta dos resultados desta série com adolescentes. Da mesma forma, estudos estrangeiros(1, 10) que avaliaram adultos, incluindo na faixa etária o período de adolescência, não informaram a prevalência de constipação especificamente nesta faixa etária. Parcela da variabilidade nas prevalências de constipação observada nos diferentes estudos, provavelmente, relaciona-se a diferenças nas definições de constipação adotadas em vários estudos. Neste estudo, foi adotada a definição proposta por um grupo de pediatras-gastroenterologistas, com representantes de todos os continentes do mundo. Destaca-se que a definição de constipação em crianças e adolescentes continua sendo motivo de discussão na literatura(3, 8, 14, 19). Para os adultos, foi utilizada a classificação de Roma II que, por exigir que se informe a presença do sintoma por mais de 25% do período considerado, provavelmente, seja mais difícil de ser obtida com fidelidade no período da adolescência. Na definição utilizada no presente estudo prevaleceu o conceito de hábito intestinal, no sentido de refletir as características mais freqüentes das fezes e de eventuais manifestações associadas à evacuação (dor, esforço, dificuldade).

Na presente série, constipação foi mais freqüente no sexo feminino (27,4%), do que no masculino (14,9%). Este resultado mostra que na adolescência, o padrão de distribuição por gênero obedece ao que se observa na idade adulta. Por outro lado, antes dos 10 anos de idade, pode-se observar resultados conflitantes(16, 18, 20). Deve ser registrado que este estudo foi planejado para avaliar adolescentes, ou seja, alunos com idade entre 10 e 20 anos. Entretanto, na ocasião do trabalho de campo foram distribuídos alguns questionários para alunos com idade entre 9 anos e 9 meses e 10 anos, cursando série em que geralmente são matriculados alunos com mais de 10 anos. No momento da análise dos resultados considerou-se desnecessário excluir estas informações. No que ainda se refere à faixa etária, seria interessante a realização de estudo no futuro, incluindo grande número de adolescentes, distribuídos dos 10 aos 20 anos, para verificar em qual momento da adolescência ocorreria aumento da prevalência no sexo feminino, demonstrando a época a partir da qual a constipação passa a predominar nesse sexo. Deve ser assinalado que entre os progenitores dos adolescentes avaliados neste estudo, observou-se maior prevalência de constipação nas mães (27,3%) do que nos pais (7,3%), confirmando os achados de literatura que mostram que entre os adultos, constipação acomete mais mulheres que homens(7, 10, 20). Vale ressaltar que são necessários estudos prospectivos para verificar se a presença de constipação na adolescência tende a permanecer na fase adulta, levando em conta que, no presente estudo, a prevalência nas adultas do sexo feminino foi semelhante à das adolescentes, enquanto que no sexo masculino foi maior nos adolescentes do que em seus pais.

Em relação à concomitância de constipação no adolescente e em seus respectivos progenitores biológicos, observou-se ser muito leve entre constipação no adolescente e na mãe (kappa = 0,12) e também muito leve entre constipação no adolescente e no pai (kappa = 0,05). Este resultado confirma o caráter multifatorial da constipação funcional, mostrando que outros fatores, além do hereditário, participam de seu processo etiopatogênico. A discordância estatisticamente significante revelada pelo teste de McNemar, entre os adolescentes e seus pais, indica que a probabilidade de presença de constipação no adolescente e ausência nos pais é maior do que a presença de constipação no pai e ausência no adolescente. Este resultado, provavelmente, é conseqüência da maior prevalência de constipação nos adolescentes.

No estudo de KEUZENKAMP-JANSEN et al.(9) realizado com pacientes adultos com constipação, menciona-se que a ocorrência de antecedente familiar de constipação é muito comum. Em estudo realizado no Brasil(24) foi observada constipação em 9,9% dos pais e em 48,4% das mães de crianças com constipação; no entanto, não foi informada sua ocorrência nos pais das crianças sem constipação. Este aspecto foi avaliado em dois estudos realizados na Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo. Num deles (17), envolvendo crianças com constipação atendidas em ambulatório especializado, que foram comparadas com crianças sem constipação, constatou-se antecedente materno positivo de constipação em 38,6% das mães de crianças com e em 41,4% das mães de crianças sem constipação. Quanto aos pais, observou-se tendência estatística (P = 0,06) de associação de constipação nos pais e seus filhos(17). Em outro estudo realizado na Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo(4), constatou-se tendência de maior proporção de antecedente de constipação entre as mães de crianças com constipação. No presente estudo, utilizou-se o coeficiente kappa para avaliar a intensidade da concordância de constipação em adolescentes e seus pais (Tabelas 3, 4). Observou-se que a concordância de constipação nos adolescentes foi muito leve tanto com os pais, quanto com as mães. Conforme mencionado, este resultado sugere que o fator hereditário não tem grande participação na etiopatogenia da constipação nos adolescentes estudados.

A alta prevalência de constipação e suas complicações fazem com que certos autores a considerem como relevante problema de saúde pública(16, 18). Neste sentido, é importante o reconhecimento precoce da constipação e a adoção de medidas para seu controle, em função das conseqüências negativas associadas ao diagnóstico tardio, que acarreta prejuízo financeiro por gerar tratamentos prolongados e caros e, às vezes, hospitalizações por uso inapropriado de laxantes que podem causar distúrbios hidroeletrolíticos. Não devem ser esquecidas as repercussões no âmbito psicológico como a baixa auto-estima que leva a problemas de relacionamento e socialização(21). Devem ser mencionadas, ainda, as complicações orgânicas, como infecções do trato urinário, escape fecal, dor abdominal crônica recurrente, sangramento retal, diverticulose, trombose hemorroidária, fissura anal, prolapso retal, proctite e até, mais raramente, o câncer de cólon(5, 13, 15).

Antes de finalizar, deve ser mencionado que no presente estudo o baixo índice de resposta dos questionários (14,9%) foi um dado surpreendente. Não se investigou as razões deste dado de maneira sistemática, mas possível explicação é o fato de que nossa população não esteja habituada a participar de projetos de pesquisa. Algumas famílias mencionaram preocupação de que as informações fornecidas pudessem ser utilizadas com outras finalidades, apesar do contrário ter sido informado no termo de consentimento. Outros aspectos também podem ter contribuído para o baixo índice de retorno dos questionários como a natureza do assunto abordado e a falta de disponibilidade de tempo por todos os componentes da família para responderem-no.

Os resultados obtidos neste estudo são um alerta por mostrar elevada prevalência de constipação em adolescentes. É importante que se desenvolvam programas educacionais que estimulem os adolescentes a procurar orientação para o controle da constipação, uma vez que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem reduzir o risco das complicações futuras da constipação, especialmente as mudanças dietéticas e do estilo de vida.

Concluindo, constipação intestinal é um distúrbio funcional com alta prevalência na adolescência. Não se constatou concordância relevante entre constipação nos adolescentes e em seus progenitores.


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