Avaliação inicial dos gradientes sistêmicos e regionais da pCO2 como marcadores
de hipoperfusão mesentérica
GASTROENTEROLOGIA EXPERIMENTALEXPERIMENTAL GASTROENTEROLOGYINTRODUÇÃO
Apesar dos recentes avanços nos métodos de imagem e no cuidado dos doentes
críticos, a taxa de mortalidade do abdome agudo vascular nas últimas duas
décadas continua praticamente inalterada(23, 37, 39). Vários são os fatores
relacionados à baixa sobrevida (~7% a 40%) dos pacientes com isquemia
mesentérica. Inicialmente, a doença vascular mesentérica acomete geralmente
pacientes idosos com várias doenças associadas, dificultando, desta forma, o
controle metabólico e infeccioso no pós-operatório. Além disso, o quadro
clínico e o exame físico nas fases iniciais da doença são inespecíficos,
dificultando o diagnóstico precoce mesmo para o mais experiente dos cirurgiões
(17, 29).
Vários métodos têm sido utilizados com a finalidade de diagnosticar
precocemente a isquemia mesentérica e de certa forma, melhorar o prognóstico
destes pacientes, incluindo parâmetros laboratoriais, ultra-sonografia,
tomografia computadorizada, endoscopia, angiografia, oximetria endoluminal,
laser-Doppler entre outros(17, 29).
Recentemente, a tonometria, mensurando o CO2 da mucosa do trato digestivo, tem
sido utilizada para a avaliação da perfusão no território esplâncnico em
diversas situações clínicas, incluindo sépsis, pós-operatório de transplante
hepático e cirurgias cardíacas, entre outros(12, 15, 19, 24, 26, 32, 33, 36).
Além disso, a tonometria permite o cálculo do pH intramucoso, que tem sido
utilizado não só como marcador de mortalidade em pacientes críticos, mas também
como guia na otimização das manobras de ressuscitação neste tipo de doentes(16,
22, 24, 38).
Neste estudo, teve-se como objetivo avaliar as alterações imediatas dos
gradientes regionais da pCO2, induzidas pela isquemia e reperfusão mesentérica.
Adicionalmente, determinou-se outros marcadores sistêmicos de hipoperfusão
esplâncnica foram capazes de detectar precocemente as alterações circulatórias
ocorridas na mucosa intestinal após oclusão da artéria mesentérica superior.
MÉTODO
Este projeto foi previamente aprovado pela Comissão Científica e Comitê de
Ética do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo, em conformidade com as normas internacionais para
utilização de animais de experimentação.
Preparação animal
Utilizaram-se sete cães sem raça definida, com peso de 20,6 ± 1,1 kg. Os
animais foram submetidos a um período de jejum de 12 horas, porém com livre
acesso a água. A anestesia foi realizada com sulfato de morfina (1,5 mg - IM),
seguida da injeção intravenosa de pentobarbital sódico, 25 mg/kg. Após a
entubação orotraqueal, os animais foram submetidos a ventilação mecânica. O
respirador foi ajustado para obtenção de uma pCO2 arterial inicial de 35 a 45
mm Hg, com 1,0 de fração inspirada de oxigênio. Doses adicionais de
pentobarbital (2 mg/kg) foram utilizadas quando necessárias. Após a
cateterização vesical com sonda de Foley, os animais foram posicionados em
decúbito dorsal sobre colchão térmico com a finalidade de se manter a
normotermia ao longo do procedimento. Durante todo o protocolo experimental,
assim como no decorrer do período de preparação cirúrgica (75 ± 15 min) foi
realizada a reposição volêmica com solução fisiológica 0,9%, na dose de 10 mL/
kg/h, através de uma bomba de infusão automática (Harvard Apparatus,
Massachusetts, EUA), com a finalidade de se compensar as perdas insensíveis.
Através de uma cervicotomia direita, foi exposta a artéria carótida comum,
sendo posicionado um cateter de politelieno (PE240) no interior da aorta
torácica, para a medida da pressão arterial média e colheita de sangue para
análise gasométrica e medidas do pH, bicarbonato, déficit de bases, hematócrito
e hemoglobina. Através da veia jugular externa direita, foi introduzido cateter
de Swan-Ganz® 93A-131H-7F (Baxter Health Care Corporation, Irvine, CA, EUA),
cuja extremidade distal foi posicionada na artéria pulmonar, por meio da
análise das curvas de pressão. Este cateter foi conectado ao monitor de débito
cardíaco (Vigilance, Baxter Edwards Critical Care, Irvine, CA, EUA), para
medida da pressão média da artéria pulmonar, débito cardíaco e colheita do
sangue venoso misto.
As medidas pressóricas foram realizadas através da conexão dos respectivos
cateteres a transdutores de pressão (Transpac Disposable Transducer, Abbott,
Chicago, IL, EUA) ligados a um sistema de aquisição de dados biológicos (modelo
MP 100, Biopac System Inc., Goleta, CA, EUA) sendo os mesmos registrados em
computador através de software específico (ACqKnowledge® III MP 100 WSW).
Previamente à abertura do abdome, 0,1 mg/kg de atropina foi aplicada por via
endovenosa, com o objetivo de relaxar a musculatura intestinal e facilitar a
instrumentação cirúrgica.
O acesso à cavidade abdominal foi obtido por incisão mediana. Com a finalidade
de se evitar possíveis variações anatômicas e manutenção da circulação
colateral através da parede intestinal, realizou-se a secção do jejuno proximal
e o íleo distal (cerca de 10 cm de distância do ligamento de Treitz e da
válvula ileocecal, respectivamente). Em seguida, todas as conexões com o
intestino (linfáticos, mesentério e tecido conectivo) foram ligadas à base do
mesentério, excetuando a artéria e veia mesentérica superior. Um fluxômetro
ultra-sônico, previamente calibrado, foi posicionado ao redor da veia
mesentérica superior (T206 small animal blood flowmeter - Transonic Systems
Inc., Nova York, EUA) para a medida contínua do fluxo sangüíneo deste vaso
(FSVMS). Um outro laser-Doppler (angle probe, tipo R) foi fixado a serosa do
íleo, com fita adesiva de cianoacrilato de dupla face, e conectado a um monitor
BLF-21D (Transonic Systems, Inc, Ithaca, Nova York, EUA).
Realizou-se pequena incisão no íleo terminal e um cateter TRIP® Tonometric
Catheter - 16F (Tonometrics Division, Helsinque, Finlândia) foi introduzido em
direção proximal e posteriormente fixado com sutura em bolsa. Este cateter foi
conectado ao sistema de leitura TONOCAP® (Datex-Engstrom Division, Helsinque,
Finlândida), permitindo a medida da pressão parcial de dióxido de carbono da
mucosa intestinal (prCO2).
Um cateter de polietileno multiperfurado foi introduzido na veia mesentérica
superior para coleta de sangue do leito mesentérico. As amostras de sangue
provenientes da aorta, artéria pulmonar e veia mesentérica superior foram
analisadas imediatamente após a sua coleta pelo analisador de gases Stat
Profile Ultra Analyzer (Nova Biomedical, Waltham, MA, EUA).
Após o término da cirurgia, a cavidade abdominal foi fechada temporariamente
com pinças de Backals.
Protocolo experimental
Quarenta e cinco minutos após o final da preparação, foram obtidas as medidas
basais (MB). Em seguida, realizou-se a oclusão da artéria mesentérica superior
com pinça vascular por 45 minutos (isquemia intestinal, II-45). Após este
período, os animais foram observados por mais 2 horas (reperfusão, R0 a R120).
Após o restabelecimento do fluxo na artéria mesentérica, a cavidade abdominal
foi fechada com sutura contínua, em plano único, com fio de algodão 3-0.
Variáveis analisadas
As pressões arterial média e da artéria pulmonar, o fluxo sangüíneo da veia
mesentérica superior e da serosa jejunal (FSVMS e FSSJ, respectivamente) foram
avaliados continuamente. O débito cardíaco (DC) foi determinado pela técnica de
termodiluição, utilizando injeção em bolus de 3 mL de solução salina isotônica
a 20ºC, a cada 15 minutos.
O déficit de bases, pH, pCO2, pO2, saturação de hemoglobina, hematócrito e o
bicarbonato nas amostras de sangue proveniente da aorta abdominal, artéria
pulmonar e veia mesentérica superior foram avaliados nos momentos basais (MB),
no período de isquemia intestinal (II-45), e 30, 60 e 120 minutos após a
reperfusão intestinal (R30, R60 e R120, respectivamente).
O pCO2 da mucosa ileal (prCO2) foi avaliado automaticamente a cada 15 minutos.
O pH intramucoso intestinal (pHi) foi determinado de acordo com o método de
FIDDIAN-GREEN et al.(14), usando uma modificação da equação de Henderson-
Hasselbach: pHi = 6,1 + log([HCO3-]/prCO2 x 0,031), onde HCO3- é a concentração
arterial de bicarbonato (mmol/L) e prCO2 representa a medida da pressão parcial
de dióxido de carbono obtido através da tonometria.
A oferta, consumo e taxa de extração sistêmica e intestinal de oxigênio (DO2
sist, VO2sist, TEO2sist, DO2intest, VO2intest e TEO2intest, respectivamente)
foram calculadas utilizando fórmulas padrão. Três gradientes da pressão parcial
de dióxido de carbono (pCO2) foram calculados: (1) diferença entre a pCO2 da
veia mesentérica e o sangue arterial, (2) diferença da pCO2 da artéria pulmonar
e do sangue arterial, e (3) diferença da pCO2 obtida tonometricamente (mucosa
intestinal) e a pCO2 do sangue arterial, (Dvm-apCO2, Dap-apCO2 e Dt-apCO2,
respectivamente).
Metodologia estatística
Os resultados são apresentados como média ± erro padrão. Análise estatística
foi realizada usando o software Statistic Package for Social Sciences for
Windows (versão 6,0 - SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Foi utilizada análise de
variância controlada pelo teste de Tukey. Diferença estatística foi considerada
para valores de P menores que 0,05.
RESULTADOS
A oclusão da artéria mesentérica superior por 45 minutos não esteve associada a
alterações significativas na hemodinâmica sistêmica, com manutenção das
pressões arterial média e da artéria pulmonar, pressão de capilar pulmonar e do
débito cardíaco próximos aos valores basais (PAM, PMAP, PCP e DC,
respectivamente). Redução significativa da saturação venosa de oxigênio no
sangue venoso misto foi observada durante a isquemia intestinal e permaneceram
inalterados durante toda a fase de reperfusão mesentérica (Tabela_1). No
território mesentérico, durante o período de oclusão da artéria mesentérica,
observou-se aumento progressivo da prCO2 (44,2±6,3 para 86,8±5,6 mm Hg), e
redução do pH intramucoso intestinal (7,35±0,05 para7,05±0,02). Em relação aos
gradientes da pCO2 analisados, pôde-se observar aumento significativo do Dvm-
apCO2 (1,7 ± 0,5 para 5,7 ± 1,8 mm Hg) e do Dt-apCO2 (8,2 ± 4,8 para 48,7 ± 4,6
mm Hg) no final do período de isquemia (Tabela_2; Figuras_1 e 2).
A reperfusão do território mesentérico proporcionou a restauração imediata e
sustentada do FSSJ, permanecendo estes próximos aos valores basais durante toda
a fase de reperfusão. Apesar do FSVMS ter apresentado restauração completa nos
primeiros 5 minutos após o restabelecimento do fluxo intestinal, este parâmetro
sofreu redução progressiva durante a fase de reperfusão (Figura_1).
Observou-se redução significativa da oferta de oxigênio intestinal (67,7 ± 9,9
para 38,8 ± 5,3 mL/min) e da saturação venosa de oxigênio do sangue mesentérico
(94,9 ± 1 para 87,6 ± 2,3 %); com aumento proporcional da TEO2intest de 5,0 ±
1,1% para 12,4 ± 2,7% (Figura_3; Tabela_2).
O Dap-apCO2 não sofreu variação durante todo o protocolo experimental (Figura
3). Não houve correlação entre os três gradientes da pCO2 analisados (Dt-apCO2,
Dvm-apCO2 e Dap-apCO2) (Figura_4).
DISCUSSÃO
No presente estudo, pôde-se observar que a tonometria é capaz de detectar
precocemente as alterações de fluxo da mucosa intestinal após oclusão da
artéria mesentérica superior. Adicionalmente, demonstrou-se que as variações
dos gradientes regionais e/ou sistêmicos de CO2 (Dvm-apCO2 e Dap-apCO2,
respectivamente) não se correlacionam com o fluxo da mucosa intestinal durante
o fenômeno de isquemia e reperfusão (I/R) mesentérica.
Alguns estudos demonstraram que a hipoperfusão intestinal pode se desenvolver
na ausência de alterações laboratoriais (lactato e pH arterial) e da
hemodinâmica sistêmica(24, 26). Esses parâmetros geralmente estão alterados
somente em casos avançados, onde a isquemia mesentérica irreversível já está
estabelecida e as manobras terapêuticas de "resgate" apresentam valor limitado.
Desta forma, testou-se a hipótese de que a avaliação da perfusão intestinal
através da tonometria poderia detectar precocemente as alterações
microcirculatórias durante a isquemia mesentérica, podendo constituir método
extremamente útil na avaliação inicial do abdome agudo vascular.
O aumento desproporcional da pCO2 venosa ou da diferença venoarterial da pCO2
sistêmica ou regional, tem sido demonstrado em estados de hipoperfusão de
diversas etiologias(2, 4, 6, 7, 8). Dois mecanismos podem ser responsáveis pela
elevação do CO2 no sangue venoso. Inicialmente, essas alterações podem ser
decorrentes do acúmulo do CO2 gerado aerobicamente, devido à remoção inadequada
deste metabólito (estados de hipoperfusão). Além disso, a hipercarbia tecidual
pode estar associada à hipoxia e ativação do metabolismo anaeróbico. Nesta
situação, o aumento dos valores do dióxido de carbono ocorre devido ao
tamponamento do excesso dos íons hidrogênio pelo bicarbonato(11, 32, 38).
Neste estudo, observou-se a redução significativa da oferta esplâncnica de
oxigênio durante a fase de reperfusão, com aumento compensatório da TEO2intest,
mantendo praticamente inalterado o consumo de oxigênio intestinal. Desta forma
pode-se inferir que, o aumento nos valores da pCO2 intestinal e do Dt-apCO2
foram decorrentes da estagnação de CO2 na camada mucosa e não da produção
anaeróbica de CO2 durante a fase de reperfusão, visto que a DO2intest crítica
necessária para ativar o metabolismo anaeróbico, de cerca de 9,7 ± 2,7 mL/min/
kg, não foi atingida(1, 18, 27, 35). Outro achado que corrobora com esta
hipótese foi que os valores de bicarbonato e lactato, tanto sistêmicos e
regionais (possíveis marcadores da ativação do metabolismo anaeróbico),
permanecerem praticamente inalterados durante todo o protocolo experimental.
A redução de aproximadamente 38% do FSVMS esteve associada ao aumento
progressivo não só do Dt-apCO2, mas também do gradiente de CO2 entre a veia
mesentérica e o sangue arterial (Dvm-apCO2). Entretanto, o aumento do Dt-apCO2
(8,2 ± 4,8 para 48,7 ± 4,6 mm Hg) foi proporcionalmente maior quando comparado
com o aumento da Dvm-apCO2 (1,7 ± 0,5 para 5,7 ± 1,8 mm Hg), refletindo o
efeito mais deletério da hipoperfusão na camada mucosa, conforme demonstrado
anteriormente por DIEBEL et al.(11). Outro achado que corrobora com essa
hipótese foi a ausência de correlação entre o Dvm-apCO2 e o Dt-apCO2,
refletindo magnitudes diferentes de redução de fluxo entre as diferentes
camadas intestinais(6, 9, 30, 31).
Vários fatores estão relacionados à predisposição precoce da mucosa intestinal
ao fenômeno de isquemia. A arquitetura da vilosidade intestinal, caracterizada
pela formação de um ângulo reto entre a arteríola intestinal e a artéria da
vilosidade, promove redução do hematócrito na extremidade da vilosidade
intestinal, com conseqüente baixa tensão de oxigênio local, fenômeno denominado
plasma skimming. Além disso, a proximidade entre a arteríola e a vênula dentro
da vilosidade intestinal, permite a formação de mecanismo de contracorrente
onde substâncias altamente difusíveis, como o oxigênio, possam entrar em
equilíbrio entre os territórios venoso e arterial, promovendo um curto-circuito
e conseqüente redução progressiva da pressão parcial de oxigênio de 100 mm Hg
na base da vilosidade para 30 mm Hg na sua extremidade distal(32).
Esses mecanismos em condições fisiológicas não são deletérios. Entretanto,
quando o organismo é submetido a um processo de déficit de oxigênio, eles podem
ser extremamente nocivos, culminando com a alteração da barreira mucosa,
permitindo desta forma, a translocação de bactérias e toxinas e desencadeamento
da síndrome de resposta inflamatória sistêmica(5, 10, 25).
Durante a restauração do fluxo intestinal, ocorre grave lesão de isquemia e
reperfusão, promovendo a produção local de radicais livres de oxigênio. Estes
são capazes de destruir macromoléculas intracelulares, desencadeando uma reação
em cadeia, culminando com grave lesão celular. A favor dessa hipótese pode-se
observar que o pré-tratamento com anti-oxidantes ou mesmo o bloqueio da enzima
xantina-oxidase, promove proteção significativa contra a lesão de reperfusão
após episódio de isquemia esplâncnica induzida pelo choque hemorrágico ou
oclusão da aorta abdominal(28). Além disso, o fenômeno de I/R pode também
ativar e liberar mediadores inflamatórios como as prostaglandinas e o
complemento, desencadeando um processo de atração e ativação leucocitária, e
conseqüente obstrução da microcirculação pela adesão e agregação dessas
células, apesar do restabelecimento do fluxo sangüíneo nos grandes vasos(3).
Apesar da redução do FSVMS estar relacionada à disfunção circulatória regional,
não se pode desprezar as alterações hemodinâmicas sistêmicas ocorridas neste
estudo. Após o restabelecimento do fluxo sangüíneo intestinal, observou-se
redução significativa e proporcional da DO2sist e do débito cardíaco, mantendo
desta forma, a relação FSVMS/DC praticamente inalterada. Esses efeitos
hemodinâmicos são, provavelmente, decorrentes da liberação de fatores
cardiodepressores na circulação sistêmica e do acúmulo de líquido no terceiro
espaço, conforme demonstrado após o fenômeno de I/R de diversos órgãos.
Uma das questões deste estudo foi se as alterações de fluxo avaliadas através
dos gradientes da pCO2 regional (Dvm-apCO2 e Dt-apCO2) poderiam ser detectadas
através de variações do gradiente sistêmico da pCO2 (Dap-apCO2), visto que
aproximadamente 20% do débito cardíaco é direcionado para o território
mesentérico. Entretanto não foi possível correlacionar as alterações sistêmicas
e regionais de pCO2 neste modelo experimental. Dois fatores podem explicar os
achados: inicialmente, após o fenômeno de I/R mesentérica, o fluxo sangüíneo
venoso intestinal encontra-se reduzido, diminuindo desta forma a remoção do CO2
desta região (total pCO2 outflow reduction), conforme descrito anteriormente
por HEINO et al.(20). Além disso, um efeito "dilucional" do sangue proveniente
de outras partes do organismo, pode ter atenuado a contribuição da pCO2 do
sangue mesentérico na concentração de CO2 do sangue venoso misto.
Talvez um período maior de isquemia intestinal, e conseqüentemente o aumento
mais pronunciado da concentração de CO2 na veia mesentérica superior, pudesse
ser capaz de alterar Dap-apCO2. Entretanto, o objetivo do presente trabalho foi
determinar se algum marcador sistêmico de hipoperfusão (Dap-apCO2, lactato ou
bicarbonato) poderia detectar de maneira precoce as alterações perfusionais na
camada mucosa intestinal.
Vale a pena ressaltar ainda que as variações do gradiente mucosa-arterial de
CO2 (Dt-apCO2) não se correlacionam apenas com o a perfusão da mucosa
intestinal, mas também com o grau de lesão histológica em que esta camada se
encontra, conforme demonstrado recentemente por IWANAMI et al.(21). Desta
forma, acredita-se que a tonometria possa constituir método de grande valia não
só na avaliação, mas também na estratificação do abdome agudo vascular.
O calculo do pH intramucoso apresenta varias limitações, uma delas é a
utilização do bicarbonato arterial para calculo do pHi. Em casos de isquemia
mesentérica isolada, o nível do bicarbonato local (mesentérico) pode ser menor
que aquele apresentado sistemicamente (arterial). Por outro lado, em estados de
choque com concomitante acidose sistêmica, o bicarbonato intramucoso gástrico
e/ou intestinal se apresenta maior que o sistêmico. Além disso, outras causas
de hipercarbia sistêmica e acidose metabólica, sem hipoperfusão, podem também
alterar o cálculo do pHi, apesar da preservação da perfusão da mucosa
intestinal. Devido a estas limitações, optou-se por considerar o Dt-apCO2 como
marcador da perfusão mesentérica, evitando desta forma, os potenciais erros na
avaliação perfusional decorrentes do uso do pHi(6, 32, 38).
Uma das limitações neste protocolo experimental foi o posicionamento da sonda
de tonometria no íleo terminal, o que por razões óbvias, não pode ser aplicado
na prática clinica. Apesar de WALLEY et al.(40) demonstrarem que as variações
do pH intramucoso ocorrem de maneira mais precoce na mucosa ileal, outros
estudos experimentais demonstram que as alterações da pCO2 na camada mucosa
ocorrem de maneira simultânea e paralela nas diferentes regiões do sistema
digestório(13, 40).
Desta forma, acredita-se que as alterações da pCO2 intestinal observadas ao
longo deste estudo, possam ser comparáveis às variações da concentração de CO2
gástrica ou mesmo colônica. Recentemente, RUETTIMANN et al.(34) utilizaram em
um paciente com trombose da veia mesentérica superior, a tonometria gástrica
como método para a avaliação da perfusão do intestino remanescente no período
pós-operatório. A avaliação do pH intramucoso gástrico foi capaz de evitar
reoperações, assim como a realização de métodos diagnósticos mais invasivos,
reduzindo desta forma os custos hospitalares.
Apesar das limitações do presente estudo, como o curto período de isquemia
intestinal, pode-se concluir que a tonometria permite detectar de maneira
precoce a redução de fluxo intestinal. Além disso, demonstrou-se que as
variações dos gradientes regionais e/ou sistêmicos de CO2 não são capazes de
avaliar a magnitude da redução de fluxo da mucosa intestinal durante o fenômeno
de I/R mesentérica. Desta forma, acredita-se que a tonometria poderia ser
utilizada como método extremamente útil no diagnóstico precoce do abdome agudo
vascular. Entretanto, um estudo prospectivo seria necessário para avaliar as
possíveis aplicações práticas e limitações técnicas deste método.