Detecção de linfonodo sentinela no câncer colorretal: importância, técnicas e
resultados
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
O câncer colorretal é a segunda causa de morte por câncer nos Estados Unidos da
América; 25 360 novos casos são esperados para o ano de 2006, resultando em 56
290 óbitos relacionados a esta doença, observando-se significante aumento na
sua incidência(1). No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer ' INCA, Rio de
Janeiro, RJ, estimou para 2006 o surgimento de 26 000 novos casos(7).
A maior incidência de casos ocorre na faixa etária entre 50 e 70 anos, mas as
possibilidades de desenvolvimento já aumentam a partir dos 40 anos.
O tratamento desta enfermidade exige abordagem multidisciplinar de cirurgião
oncológico, oncologista clínico, patologista, radiologista, médico nuclear e
radioterapeuta, entre outros, pois cada vez mais requer novas técnicas e
modalidades concorrentes.
Considerando-se que o estádio clínico patológico ainda é o fator prognóstico
que mais influencia a sobrevida destes pacientes no momento do diagnóstico, a
acuidade de tal estádio se torna fundamental para a escolha do tratamento mais
eficiente.
Os pacientes com linfonodos comprometidos por neoplasia apresentarão melhor
sobrevida após tratamento adjuvante com quimioterapia. Neste caso particular,
ao contrário do câncer de mama e do melanoma, no câncer colorretal o status
linfonodal não altera a programação nem a radicalidade da cirurgia, e sim o
prognóstico e o tratamento complementar desses pacientes.
O mecanismo de melhora da acuidade do estudo linfonodal se concretiza na medida
em que é obtido para analise histopatológica, volume menor e mais
representativo de tecido linfonodal selecionado para estudo mais detalhado,
podendo ser multi-seccionado e ultra-estagiado com métodos convencionais
aliados aos de imunoistoquímica, fornecendo assim o diagnóstico de
micrometástases linfonodais, que potencialmente modifica os atuais parâmetros
de estádio da doença colorretal maligna.
A detecção do linfonodo sentinela (LS) é técnica relativamente simples com uma
curva de aprendizado aparentemente curta, podendo ser realizada através de
cromato-identificação com corante azul ou linfocintigrafia por meio de
radiofármaco e aferição de radioatividade com probe manual intra-operatório ou
mesmo ex-vivo pós-ressecção da peça cirúrgica.
O presente estudo foi desenhado no sentido de se determinar a viabilidade e a
segurança da detecção do LS no câncer de cólon utilizando cromatografia com
corante azul e linfocintigrafia mesentérica intra-operatória. Propõe-se,
também, avaliar se a adição do método cintigráfico altera os achados intra-
operatórios, e por fim analisar a incidência de mudança de estádio dos
pacientes submetidos a estes métodos, bem como de alterações anatômicas da
drenagem linfática que porventura comprometessem a margem cirúrgica de
ressecção.
LITERATURA
A menção à terminologia LS foi primariamente empregada por GOULD et al. (6), em
1960, porém o primeiro relato de aplicação do conceito funcional de LS surgiu
em 1977, feito por Ramon Cabanas de Assumpção(4), cirurgião paraguaio,
utilizando como modelo o câncer escamoso de pênis. Porém, a literatura
concernente ao LS em câncer colorretal somente surge em publicações científicas
no final da década de 90.
Não obstante, relatos vindos do John Wayne Cancer Institute da Califórnia,
chefiado pelo eminente Dr. Morton(12) e Giuliano, já mostravam a importância
desta técnica para câncer de mama e melanoma maligno de pele. A utilização de
LS em câncer colorretal somente ganhou a literatura com trabalhos provenientes
dos Estados Unidos da América, em particular dos grupos do McLaren Regional
Medical Center e da Universidade de Michigan, capitaneados por Sukamal Saha e
Anton Bilchik, que se interessaram pelo tema produzindo com seus
correligionários uma série de trabalhos sobre o tema exposto, a despeito de
citações genéricas ao método em outras publicações.
Portanto, SAHA et al.(13) publicaram no ano de 2000 o primeiro estudo
prospectivo em LS no câncer colorretal, propondo a utilização de corante azul,
no caso particular o lymphazurin a 1% aplicado na camada subserosa de 86
pacientes com câncer colorretal. A identificação do LS foi possível em 85 dos
86 pacientes (98,8%). Foram encontrados de um a quatro LS, sendo a média de 1,6
por paciente. Em 19,2% dos pacientes, o LS era o único local de metástase
linfonodal. O percentual de falso-negativo foi de 3,5% (metástase saltatória)
(13).
Atenção deve ser dada a esse grupo de 19,2%, onde somente foram encontradas
metástases no LS, pois esses terão potencial de melhorar sua sobrevida em até
33% com o tratamento complementar quimioterápico(8).
Contribuição importante foi dada pela adição de estudo radioisotópico na
identificação do LS, conforme publicado por MERRIE et al.(11) em 2001, porém
neste estudo o cirurgião realizava a injeção do radiotraçador no perioperatório
e o patologista fazia a identificação do LS em uma gama-câmera "ex-vivo". O
grupo de KITAGAWA(9) da Universidade de Keio, no Japão, apresentou em 2001 no
congresso da ASCO (American Society of Clinical Oncology) e publicou em 2002 a
experiência com 56 pacientes submetidos a identificação de LS com radiotraçador
e probe intra-operatório e concluiu que ocorre diminuição do percentual de
falso-negativo e aumento da acuidade na identificação do LS.
Publicações mais recentes, como a de BERTOGLIO et al.(3), dão conta de que as
metástases linfonodais podem se resumir ao LS em até 28,6% dos casos.
BEMBENECK et al.(2) publicaram estudo em que tanto LS, quanto os não-sentinelas
mereceram igual estudo e processamento histopatológico e imunoistoquímico e foi
demonstrado que o status do LS traduz com 95% de acuidade o estádio final.
MATERIAL E MÉTODO
Foram submetidos a cirurgia para tratamento de adenocarcinoma de cólon,
histologicamente diagnosticado, 31 pacientes consecutivos, sendo 19 do sexo
masculino e 12 do sexo feminino, com idade entre 38 e 76 anos, média de58,3
anos. O estudo foi realizado no Instituto Nacional de Câncer e em clínica
privada, sendo todas as cirurgias realizadas por um único cirurgião (P.B.).
Os critérios de inclusão utilizados foram: paciente com diagnóstico endoscópico
e histopatológico de adenocarcinoma do cólon, lesão obedecendo a critérios
oncológico-cirúrgicos de ressecabilidade e, por fim, pacientes operados com
intenção curativa. Como critérios de exclusão, utilizou-se a presença de lesão
sincrônica no intestino grosso, de natureza maligna ou inflamatória, ressecção
colorretal prévia e doença metastática à distância, evidenciada tanto no
estádio pré-operatório, quanto no ato cirúrgico (Tx Nx M1) (Quadro_1).
O corante utilizado para identificação de LS por técnica de linfocromatografia
foi o azul patente (Aventis Farma) a 1% e para linfocintigrafia intra-
operatória a solução de fitato marcado com 99mTecnécio (Figura_1). Para
aferição de atividade radioativa foi utilizado o Neoprobe Surgical Navigator®
(Figura_2).
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A técnica de infusão de contraste e radiotraçador foi idêntica. Utilizando-se
seringa de 1 mL foi administrado 1 mL de solução em situação subserosa dividida
pelos quatro pontos cardeais ao redor da lesão (Figura_3), logo após a
mobilização das aderências do cólon à goteira parietocólica, com identificação
do LS após 10 a 15 minutos de injeção, através de incisão no peritônio que
recobre o mesocólon e pesquisa visual (corante) e com probe radioidentificador
nos casos de administração de radiotraçador.
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Os linfonodos foram estudados com 20 cortes, sendo 10 com hematoxilina e eosina
e, em caso negativo, mais 10 cortes foram realizados para estudo de
imunoistoquímica com pancitokeratina.
Os 18 pacientes foram prospectivamente randomizados em dois grupos, sendo o
grupo 1 composto de 18 pacientes submetidos a identificação de LS com azul
patente, marcação com sutura do(s) mesmo(s) e, em seguida, a realização de
linfadenectomia radical proposta pelo grupo de patologia colorretal do INCA.
Nos 13 pacientes do grupo 2, a identificação do LS foi realizada com azul
patente e linfocintigrafia perioperatória, marcação com sutura do(s) mesmo(s)
e, em seguida, a realização de linfadenectomia radical proposta pelo grupo de
patologia colorretal do INCA.
RESULTADOS
Foi possível identificar LS nos 31 pacientes que compõem a presente série; no
entanto, nos paciente em que a linfocintigrafia foi empregada o número médio de
linfonodos foi maior (1,85 × 2,11).
O percentual de falso-positivo foi de zero, assim como o de metástases
saltatórias, no entanto, caso estas ocorressem (falso-negativo) não
determinariam alteração na radicalidade da cirurgia empregada, pois a técnica e
a identificação do LS em câncer colorretal não prevê o abandono da
linfadenectomia criteriosa. O número de LS identificados em 31 pacientes foi de
61, perfazendo a média de 1,96, variando de 1 a 3 por paciente (Tabelas_1, 2).
Em cinco casos do grupo 2 (azul + radiotraçador) ocorreu discordância em
relação ao LS e ambos foram considerados sentinela (casos 1, 5, 9, 10 e 13)
(Tabela_2).
Em todos os casos houve concordância entre a situação oncológica de
comprometimento do LS e do restante dos linfonodos e em quatro casos (dois do
grupo 1, casos 7 e 13, e dois do grupo 2, casos 3 e 12) apenas o LS era
positivo para malignidade (12,9%). Em todos estes casos o achado foi de
micrometástase, identificada por hematoxilina e eosina e imunoistoquímica.
DISCUSSÃO
Sendo o câncer colorretal a causa mais freqüente de óbito entre todos os
tumores gastrointestinais malignos nos Estados Unidos e o terceiro maior
responsável por morte por câncer no Brasil, percebe-se a importância de se
viabilizar melhores resultados para o tratamento desta patologia. O mais
importante fator prognóstico é o estádio do tumor no momento do diagnóstico e a
presença de linfonodos comprometidos nestes pacientes, diminui a sobrevida em 5
anos em aproximadamente 20% a 30%. Infelizmente, dos 50% de pacientes
diagnosticados em estágio inicial (ausência de metástase linfonodal, estágio I
ou II da AJCC - American Joint Comittee on Câncer) 20% a 30% morrerão em 5
anos, em conseqüência de metástases à distância ou recidiva locorregional(5).
Estes resultados não esclarecidos podem se dever à ausência de diagnóstico de
micrometástases já estabelecidas nos linfonodos e não diagnosticadas pela
histopatologia convencional. Vários métodos, incluindo multisecção nodal,
solventes de gordura e imunoistoquímica já foram utilizados, porém consomem
quantidade de tempo e recursos incompatíveis com o uso em larga escala.
O LS é descrito como o primeiro linfonodo de drenagem do local do tumor e
possui o maior potencial de conter micrometástases, quando estas estão
presentes(12). Porém, após a ocorrência de identificação de mais de um LS em
grande parte dos casos de câncer de cólon, a definição evoluiu para qualquer
linfonodo que receba drenagem linfática direta do local da lesão(16). Com a
identificação de um a quatro linfonodos que obedeçam à definição citada, torna
possível ao patologista estudo mais detalhado deste tecido que seria o
principal abrigo de comprometimento linfonodal, através de múltiplas secções do
tecido linfonodal e estudo histopatológico e imunoistoquímico deste material,
possibilitando assim, o diagnóstico de micrometástases linfonodais nos
pacientes com câncer colorretal.
Uma vez identificados esses pacientes com micrometástases, os mesmos deverão
ser estratificados com o objetivo de selecionar os possíveis candidatos à
quimioterapia adjuvante visando a melhora de sobrevida. Essa estratificação
deve contemplar os pacientes com metástase linfonodal identificada à
microscopia com hematoxilina e eosina que, por sua vez, devem ser referidos
para tratamento adjuvante. Quanto aos casos cuja micrometástase for
identificada apenas à luz da imunoistoquímica, ou portadores de ninhos
celulares malignos ou células malignas isoladas, devem ter seu caso avaliado em
caráter individual pela falta de evidência na literatura vigente.
Em estudo de TURNER et al.(15), onde todos os linfonodos foram estudados com
imunoistoquímica, sendo sentinela e não-sentinela, 29% dos pacientes que
previamente apresentavam linfonodos negativos, mostraram doença linfonodal.
Para a questão do estádio destes pacientes sugere-se um modelo que contemple os
pacientes com doença linfonodal restrita ao LS. Em apresentação preliminar no
Congresso da Sociedade Latino-Americana de Coloproctologia de 2003, sugeriu-se
a criação de um grupo N micro para as micrometástases identificadas à
hematoxilina e eosina e menção aos pacientes com doença identificada por
imunoistoquímica ou ninhos de células ou, ainda, células neoplásicas isoladas
como grupos de risco elevado para recidiva, em contraste com pacientes com LS
realmente negativo, como sustentado por estudo recente(10) que, ao contrario do
câncer de mama, os ninhos celulares e células tumorais isoladas não podem ainda
ser consideradas evidências para indicação de tratamento complementar. Mesmo as
micrometástases propriamente ditas, têm valor prognóstico questionado em uma
série de estudos, destacando-se o da universidade do Chile(10).
Outro aspecto de vital importância e que deve ser ressaltado é a questão do
falso-negativo no LS (metástase saltatória). Como assumido anteriormente, em
câncer de cólon a linfadenectomia cirúrgica radical não é alterada em função do
status de doença no LS, logo o falso-negativo não tem a menor importância do
ponto de vista terapêutico, uma vez não alterando a ressecção, a positividade
linfonodal será avaliada de forma convencional em todos os linfonodos da peça
cirúrgica, a despeito do status do LS.
Desta forma, a identificação de LS para estudo detalhado é técnica que apenas
acrescenta 15 minutos ao procedimento cirúrgico e pode oferecer ao paciente uma
chance de sobreviver até 33% a mais do que o faria caso sua metástase
linfonodal não fosse identificada à luz da metodologia atualmente empregada. No
momento, a maioria dos estudos tem relatado aumento do estádio da ordem de 20%
(2). No presente estudo encontraram-se 61 LS em 31 pacientes operados, variando
de 1 a 3 LS. Em todos os casos, pelo menos um linfonodo foi identificado como
sentinela. A utilização do radiotraçador permitiu, além de confirmar a condição
de sentinela em seis casos, ainda acrescentou em cinco LS que não se coraram
com azul patente (5/13), sendo chamados quentes e não azuis. Experiência
semelhante foi demonstrada por SAHA et al.(14), em 2004, oportunidade em que
foi evidenciado aumento de acuidade com adição de técnica cirúrgica
radioimunoguiada.
CONCLUSÃO
A identificação e análise do(s) linfonodo(s) sentinela é viável, a técnica é
relativamente simples e, principalmente, produz alteração no estádio do câncer
de cólon.
As técnicas de cromatoidentificação e radioguiada empregadas parecem seguras,
de forma que a superposição das técnicas mostrou melhorar a acuidade da
pesquisa do LS nesta casuística.
Não houve drenagem aberrante que alterasse margem de ressecção cirúrgica nesta
experiência.
O percentual de aumento do estádio identificando possíveis candidatos a
tratamento adjuvante foi de 12,9% (4 em 31), sendo a este grupo oferecida a
chance de, através de quimioterapia adjuvante, aumentar sua sobrevida.