Efeito do lipopolissacarídio bacteriano sobre o esvaziamento gástrico de ratos:
avaliação do pré-tratamento com Nw-nitro-L-arginine methyl ester (L-NAME)
GASTROENTEROLOGIA EXPERIMENTALEXPERIMENTAL GASTROENTEROLOGYINTRODUÇÃO
O esvaziamento gástrico (EG) é um processo complexo de transferência ordenada
do conteúdo gástrico para o intestino delgado, resultante da ação de mecanismos
estimuladores e inibitórios que controlam a atividade motora do estômago,
piloro e duodeno(16).
O lipopolissacarídio (LPS) bacteriano, por via intravenosa, determina retardo
do EG de uma refeição líquida em ratos. Este fenômeno guarda relação com a dose
da endotoxina, ocorre precocemente e há evidências da participação do nervo
vago no mesmo(9). Foi também observado que o pré-tratamento com o próprio LPS
aboliu este efeito, reproduzindo o fenômeno de tolerância precoce, já descrito
para outras alterações produzidas pela endotoxina(10). Mais recentemente, foi
verificado, in vivo, que o pré-tratamento intravenoso (iv) com azul de metileno
ou com a dexametasona bloqueou o retardo do EG precoce e tardio,
respectivamente, determinado pela toxina(11). Estas observações sugerem a
participação do óxido nítrico (ON) no fenômeno, visto que o azul de metileno
bloqueia a guanilato-ciclase, inativa o ON e inibe as ON sintetases (ONS)(18).
A síntese do ON, a partir de L-arginina, depende da ação das ONS constitutivas,
nc-ONS (ou ONS I), e ec-ONS (ou ONS III), no sistema nervoso e endotélio
vascular, respectivamente, e da i-ONS (ou ONS II), induzida pela endotoxina ou
citocinas(13, 21). A dexametasona bloqueia a indução da i-ONS(11, 13, 21).
O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito do bloqueio da produção do ON pelo
uso de Nw-nitro-L-arginine methyl ester (L-NAME), um inibidor competitivo das
ONS, sobre a ação do LPS no esvaziamento gástrico em ratos.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados ratos Wistar, machos, SPS ("specific pathogen free"), com 8-10
semanas de vida, pesando entre 220-280 g, fornecidos pelo Biotério Central da
Universidade Estadual de Campinas. Antes do estudo, os animais permaneceram
pelo menos 2 semanas adaptando-se às condições do laboratório, com temperatura
entre 22-26°C, ritmo de luz/penumbra de 12/12 horas, recebendo água e ração
(Labina, Purina) ad libitum. O estudo foi realizado obedecendo às recomendações
do COBEA (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal).
As drogas utilizadas foram o LPS de E. coli 055:B5 (Sigma) na concentração de
50 µg/mL e Nw-nitro-L-arginine methyl ester (L-NAME) (Sigma) nas concentrações
0,5, 1, 2,5 e 5 mg/mL. Foi utilizada como veículo a solução salina estéril e
livre de pirogênio. Em todos estudos os volumes administrados iv, utilizando
uma das veias da cauda do animal, foram equivalentes para cada animal e para
cada aplicação (0,1 mL/100 g de peso do animal).
No pré-tratamento, os animais foram divididos em quatro grupos definidos pelas
doses de 0 (veículo), 0,5, 1, 2,5 e 5 mg/kg de peso de L-NAME, administradas 10
minutos (min) antes do tratamento com veículo (C) ou LPS (50 µg/kg de peso). O
EG foi avaliado 60 min após o término da injeção do tratamento.
Os estudos foram realizados entre 14-17 h do dia, após 24 horas de jejum
alimentar, com livre acesso à água, o qual era suspenso no momento da prova.
Para o estudo do EG, a refeição de prova (RP) consistiu de 2 mL/100 g peso de
rato de uma solução aquosa de NaCl a 0.9% (p/v), contendo 6 mg/dL de fenol
vermelho como marcador. Em todos experimentos, a avaliação do EG foi feita
indiretamente, com os animais acordados, através da determinação da percentagem
(%) de retenção gástrica (RG) do fenol vermelho da RP recuperado do conteúdo
gástrico 10 min após sua administração orogástrica, utilizando técnica
padronizada(3, 5).
Na análise estatística foi empregada ANOVA, seguida quando indicado, do teste
de Tukey para comparação entre os pares (a= 0,05, para ambos testes).
RESULTADOS
Os resultados são apresentados na Figura_1. No grupo pré-tratado com veiculo e
tratado com LPS, os animais apresentam RG (média = 57%) significativamente mais
elevada em relação aos seus controles, que receberam veículo nas duas ocasiões
(38,1%), confirmando estudos anteriores sobre o efeito da endotoxina no EG(9,
10, 11). O pré-tratamento com as diferentes doses de L-NAME não modificou a RG
nos animais controles do tratamento.
O grupo pré-tratado com L-NAME, na dose de 1 mg/kg, apresentou redução discreta
no efeito do LPS sobre a RG (52%), contudo, suficiente para que a RG não
diferisse significativamente do seu controle tratado com veículo (35,9%).
O pré-tratamento com doses mais elevadas de L-NAME (2.5 e 5 mg/kg) determinou
aumento significativo da RG nos animais que receberam endotoxina (74,7% e
80,5%, respectivamente), em relação aos seus controles (40,5% e 38,7%,
respectivamente) e àqueles pré-tratados com salina e que receberam a mesma
toxina como tratamento.
DISCUSSÃO
Há consenso na literatura de que o EG está retardado durante a endotoxemia
induzida por LPS. Como o estômago proximal, que inclui o fundo gástrico,
participa do EG de líquidos(22), o efeito do LPS poderia ser devido à liberação
de ON neste segmento. Em condições inflamatórias induzidas por LPS, o
relaxamento que ocorre no fundo gástrico parece estar relacionado com a
produção local ON(7). Em estudo anterior, apresentaram-se evidências da
participação do ON no retardo, determinado pelo LPS, do EG de uma refeição
líquida em ratos(11).
Na presente observação, a redução discreta do efeito no EG determinada pela
endotoxina, em conseqüência do pré-tratamento com L-NAME na dose de 1 mg/kg, é
uma indicação adicional da participação do ON no fenômeno. Contudo, a razão da
acentuação do retardo do esvaziamento, observada com doses maiores do inibidor
da ONS em animais tratados com LPS, é desconhecida.
Possível explicação poderia estar na atividade da região antroduodenal, que é
crucial na regulação do EG, onde o ON é o neurotransmissor não-colinérgico não-
adrenérgico, que exerce ação inibitória tônica na região pilórica(1). Estudo in
vitro sugere que o LPS no esfíncter pilórico, de forma diferente do que ocorre
nos esfíncteres esofágico inferior e anal, determina atenuação do relaxamento
não-colinérgico não-adrenérgico com aumento da contração da musculatura lisa
pela ativação de receptores colinérgicos muscarínicos, contribuindo assim, para
o retardo do EG induzido pela toxina(12). Sendo assim, o pré-tratamento com
doses elevadas de um inibidor potente da ONS, como o L-NAME, poderia determinar
em conseqüência, diminuição local de ON e acentuação do retardo do EG nos
animais tratados com LPS, pelo aumento da resistência ao fluxo da refeição
através deste esfíncter.
Tornando mais complexa a interpretação dos resultados deste estudo, tem sido
proposto que administração de um inibidor de ONS na primeira fase da exposição
ao LPS, como no presente caso, inibe o ON produzido pela ativação das ecONS,
agravando o efeito deletério da toxina sobre o sistema vascular intestinal(4).
Este fenômeno seria conseqüência da liberação concomitante, induzida pela
toxina, de fatores no endotélio (endotelinas) que, pelo bloqueio do ON,
predominariam com conseqüente vasoconstrição(19, 20, 21). O LPS, em ratos,
determina diminuição da pressão arterial e do fluxo sangüíneo mesentérico,
fenômenos atenuados pelo pré-tratamento com L-NAME(2, 14). Contudo, foi
constatado que há também, com a administração do L-NAME, diminuição do fluxo
sangüíneo capilar na mucosa do sistema digestório, aumentado pela administração
de LPS(4, 15, 17). Assim, é possível admitir que, nas condições experimentais a
que os animais foram submetidos no presente estudo, haja comprometimento da
microcirculação das camadas musculares do sistema digestório.
Por outro lado, redução acentuada do fluxo sangüíneo no mesentério modifica a
atividade motora gastrointestinal de forma bifásica, ocorrendo inicialmente
aumento, com duração de alguns minutos, seguido posteriormente de redução(8,
24). Adicionalmente, em leitões recém-nascidos, a hipoxemia e redução do fluxo
sangüíneo gástrico resultaram em retardo do EG(23). Também foi descrita
alteração bifásica, característica do trânsito gastrointestinal, na endotoxemia
induzida pelo LPS, que é acelerado na fase inicial (aos 90 minutos após a
administração) seguido de diminuição posterior, fatos atribuídos às alterações
na motilidade intestinal. Estes fenômenos ocorrem concomitantes com o retardo
do EG(6).
Desta forma, em termos especulativos, o comprometimento da microcirculação da
víscera, com o incremento da dose do inibidor da ONS, em animais tratados com
LPS, poderia ser um dos fatores que determinou o aumento da RG neste estudo.
Para definir se isto atuaria isoladamente ou em associação com a disfunção
pilórica, seriam necessários outros experimentos, utilizando métodos adequados
para avaliar essas hipóteses.
Em conclusão, o pré-tratamento com L-NAME com dose baixa (1 mg/kg) determinou
redução discreta no efeito de retardo do EG determinado pelo LPS in vivo e
aumento significativo do retardo com doses mais elevadas (2,5 e 5 mg/kg), doses
estas que, per se, não interferem no esvaziamento.