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BrBRCVHe0004-28032007000200013

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variedadeBr
ano2007
fonteScielo

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Câncer do esôfago em paciente com megaesôfago chagásico ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE

Câncer do esôfago em paciente com megaesôfago chagásico

Esophageal cancer in patient with chagasic megaesophagus

Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry; Mauro Masson Lerco; Walmar Kerche de Oliveira Departamento de Cirurgia e Ortopedia ' Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP Correspondência

INTRODUÇÃO O câncer de esôfago constitui a oitava neoplasia, em termos de incidência mundial. O diagnóstico desta doença, é realizado na maioria dos casos em fase avançada, razão pela qual a afecção está associada a altas taxas de morbidade e mortalidade(34).

O tumor maligno do esôfago ocorre com maior freqüência em indivíduos de idade avançada e do sexo masculino(9), em geral associado a fatores como etilismo e tabagismo(11), ingestão de alimentos ou bebidas quentes(1, 18, 23, 25, 32), vírus, deficiências vitamínicas(27); higiene oral deficiente, ingestão de substâncias cáusticas(22, 31), divertículo de Zenker(24) e megaesôfago(2).

O tipo histológico mais freqüente é o carcinoma espinocelular. Nas últimas décadas a incidência de adenocarcinoma do esôfago tem aumentado, associada à metaplasia epitelial, complicação grave da doença do refluxo gastroesofágico (16, 29).

A prevalência do câncer do esôfago em pacientes com megaesôfago chagásico é variável. BRANDALISE et al.(3) analisaram a evolução de 140 pacientes com megaesôfago e verificaram que 9,2% destes desenvolveram câncer do esôfago.

Estudo semelhante conduzido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, por PINOTTI et al.(21), mostrou a ocorrência de 12 casos de câncer de esôfago em 308 portadores de megaesôfago (3,9%).

O objetivo deste trabalho foi analisar os aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes com a associação megaesôfago e câncer do esôfago.

MÉTODOS Foram estudados de maneira retrospectiva, 40 pacientes com câncer do esôfago atendidos no período de 1993 a 2003. Esta casuística é constituída de 36 homens e 4 mulheres, com idades variando entre 35 e 72 anos (média de 55 anos). Os pacientes foram divididos em 2 grupos de 20: * grupo 1: pacientes com câncer do esôfago e megaesôfago * grupo 2: pacientes com câncer do esôfago Os pacientes de ambos os grupos apresentavam queixa de disfagia e foram submetidos a exames radiológico e endoscópico de esôfago, tomografia computadorizada de tórax e abdome e broncoscopia. Aqueles do grupo 1 referiam antecedentes epidemiológicos para doença de Chagas, confirmada através da reação sorológica de Machado Guerreiro.

A análise dos prontuários permitiu a obtenção de dados referentes a idade, sexo, hábitos (etilismo e tabagismo), tipo histológico do tumor, localização da lesão, diferenciação celular, estádio, tratamento e sobrevida.

Dos 20 pacientes do grupo 1, 6 apresentavam associação com megacólon, 1 com cardiopatia e 4 haviam sido operados, visando o tratamento do megaesôfago.

Visando a homogeneidade das amostras, para o grupo 2 foram selecionados 20 pacientes com câncer do esôfago atendidos no mesmo período e com as mesmas características demográficas, tipo histológico do tumor, estádio dos pacientes do grupo 1 e sobrevida informada pelos familiares.

Os dados foram submetidos a análise estatística(19) (teste exato de Fisher e análise de variância). O nível de significância utilizado foi de 5%.

RESULTADOS a) Distribuição dos pacientes por sexo e idade A distribuição dos pacientes por sexo não mostrou diferença na comparação entre os grupos, pois havia 18 homens e 2 mulheres em cada casuística estudada. A idade média dos pacientes com megaesôfago e câncer (grupo 1) foi de 56,1 ± 8,8 anos e naqueles do grupo 2, de 54,7 ± 9,8 anos. A análise estatística não mostrou diferença significante entre os grupos (P = 0,64).

b) Localização do tumor Nos pacientes com a associação megaesôfago e câncer, a distribuição das lesões foi homogênea, pois em 8 doentes o tumor estava situado no terço superior, 8 no terço médio e 4 no inferior. Naqueles com câncer do esôfago (grupo 2), as lesões predominaram no terço médio. Todavia esta diferença não mostrou significância estatística (P = 0,08) (Tabela_1).

c) Hábitos Dos 40 pacientes estudados, 29 referiam a ingestão de bebidas alcoólicas em altas doses e por tempo prolongado, associada ao tabagismo. Essa associação foi observada em 10 pacientes do grupo 1 e em 19 do grupo 2. Os três pacientes que negavam os hábitos de etilismo e tabagismo tinham megaesôfago chagásico (Tabela 2).

d) Tipo histológico e diferenciação celular do tumor O exame anatomopatológico das lesões demonstrou a presença de carcinoma espinocelular nos 40 pacientes desta casuística. A distribuição dos pacientes quanto a diferenciação celular dos tumores encontra-se na Tabela_3.

e) Estádio do tumor e do megaesôfago O estádio do tumor foi efetuado após análise dos exames radiológicos e endoscópicos, que evidenciavam a extensão da lesão, invasão de órgãos contíguos (traquéia, brônquios) ou metástases à distância (pulmonar ou hepática). Em 18 doentes do grupo 1 e em 19 do grupo 2 o tumor encontrava-se nos estádios III e IV (classificação TNM da União Internacional Contra o Câncer ' UICC 1987).

O estádio do megaesôfago, baseado na avaliação dos esofagogramas, permite observar que em 21% dos casos os pacientes encontravam-se em fase incipiente (grau I), em 47,4% fase não-avançada (graus II e III) e 31,6%, fase avançada (grau IV)(26).

f) Sobrevida A sobrevida dos pacientes do grupo 1 foi de 8 ± 8,8 meses, naqueles do grupo 2 de 5,8 ± 5 meses (P = 0,34).

A sobrevida dos pacientes segundo o grau da diferenciação celular, não mostrou diferença significante (Tabela_4).

g) Tratamento O tratamento cirúrgico paliativo foi a opção terapêutica adotada na maioria dos pacientes. Em apenas um paciente do grupo 1 foi realizada a ressecção do esôfago e esofagogastroplastia (Figuras_1 e 2, Tabela_5). O tratamento radioterápico foi realizado em 9 pacientes do grupo 1 e em 10 do grupo 2, tendo em vista a irresecabilidade da lesão.

DISCUSSÃO Após a descrição da associação megaesôfago e câncer por FAGGE (1872) citado por CÂMARA-LOPES(5), vários trabalhos foram publicados, confirmando o achado desse autor(2, 3, 4, 5, 12, 17).

Em levantamento sobre o assunto em questão, encontrou-se apenas um estudo onde os autores não reconhecem como válida a associação entre megaesôfago e câncer (6). Essa assertiva baseia-se em estudo retrospectivo de 153 doentes com câncer do esôfago atendidos em período de 11 anos, no qual não se observou nenhum caso de megaesôfago. Todavia, na presente série, o resultado foi diferente, pois a análise dos protocolos de 165 pacientes com câncer de esôfago e seguidos em igual período mostrou a existência de 20 doentes com megaesôfago (grupo 1).

A prevalência de câncer do esôfago em pacientes com megaesôfago no serviço onde o presente estudo foi desenvolvido, é de 10%. Este resultado é semelhante ao observado por BRANDALISE et al.(3), porém superior ao relatado por outros autores(4, 5, 21, 30).

Quanto à localização do tumor, a análise estatística não demonstrou diferença significativa no comportamento dos dois grupos de pacientes, embora a predileção pelo terço médio tenha sido observado apenas naqueles com tumor esofágico não associado a megaesôfago. A distribuição homogênea das lesões, como observado nos pacientes do grupo 1 deste estudo, foi também referida por STREITZ et al.(30). PINOTTI et al.(21) e BRANDALISE et al.(3) relatam que a localização preferencial dos tumores foi o terço distal.

O antecedente de alcoolismo associado ao tabagismo por longo período de tempo foi referido por 29 pacientes, sendo 10 do grupo 1 e 19 do grupo 2, diferença significante (P <0,006). Os três pacientes desta casuística que negavam tais hábitos pertenciam ao grupo 1, levando à hipótese de que o único fator responsável pela degeneração da mucosa esofágica tenha sido a esofagite crônica, decorrente da proliferação bacteriana provocada pela estase alimentar característica do megaesôfago.

O estudo anatomopatológico dos pacientes desta série mostrou que o tumor esofágico era do tipo espinocelular em ambos os grupos. A associação do carcinoma espinocelular em paciente com megaesôfago foi relatada por vários autores(4, 17, 20). O adenocarcinoma do esôfago pode também ser observado no seguimento de pacientes com megaesôfago submetidos a dilatação da cárdia ou miotomia da transição gastroesofágica(7, 10, 12), pois tais procedimentos reduzem a pressão no esfíncter inferior do esôfago, predispondo ao refluxo gastroesofágico(14, 15). Este pode apresentar a complicação metaplasia intestinal (Barrett), lesão precursora do adenocarcinoma esofágico. O problema do câncer do esôfago no pós-operatório tardio de miotomia é enfatizado com tal veemência por CAMARA-LOPES(5), a ponto de o autor recomendar a ressecção esofágica como única opção terapêutica para o megaesôfago, mesmo em fase não avançada da doença.

A diferenciação celular dos tumores nos pacientes com megaesôfago não diferiu daqueles do grupo 2 (P = 0,35), mostrando comportamento biológico semelhante nos dois grupos.

LAMB et al.(17) relataram um caso de carcinoma espinocelular precoce em paciente com megaesôfago submetido a esofagectomia, com boa evolução.

Infelizmente os pacientes estudados nesta casuística não tiveram o diagnóstico realizado em fase precoce, pois a maioria encontrava-se nos estádios III e IV da doença. A manifestação clínica do câncer do esôfago em geral é tardia, pois a disfagia ocorre quando a luz esofágica está severamente comprometida.

Considerando que os pacientes com megaesôfago apresentam a dilatação esofágica, o diagnóstico tardio é facilmente compreensível nesta situação. A dificuldade diagnóstica é agravada nesses pacientes, pois a avaliação radiológica fica prejudicada, uma vez que ingestão de grande volume da solução baritada acoberta a lesão(21).

O diagnóstico do tumor em fase avançada aliado à desnutrição e deficiência imunológica própria do megaesôfago(8), restringem as opções terapêuticas cirúrgicas, levando a adoção de condutas paliativas e conseqüente sobrevida reduzida, como a observada nos pacientes desta série (Tabela_4), semelhante à relatada pela maioria dos autores(4, 10, 21). HAAGEDOORN et al.(13) afirmam que pacientes com tumor bem diferenciado têm, em geral, prognóstico melhor que aqueles com tumor mal diferenciado. Todavia, na presente casuística este resultado não foi observado em nenhum dos grupos estudados (Tabela_4: P = 0,36 para o grupo 1 e P = 0,91 para o grupo 2).

Dos 40 pacientes estudados nesta pesquisa, em apenas 1 com câncer e megaesôfago foi possível realizar a ressecção esofágica. Em nove pacientes do grupo 1 não foi indicada gastrostomia ou jejunostomia, pois a luz esofágica ampla ainda permitia razoável aporte nutricional.

Segundo SAFATLE-RIBEIRO et al.(28), o doente com megaesôfago apresenta todos os fatores relacionados com a carcinogênose esofágica, tais como deficiências vitamínicas, decorrentes da desnutrição crônica, presença de substâncias mutagênicas na luz do órgão, resultante da proliferação bacteriana, além do alcoolismo e tabagismo, comuns nos pacientes com esta afecção.

Assim, o paciente com megaesôfago necessita de seguimento clinico e endoscópico, com vistas à detecção precoce do tumor, propiciando tratamento adequado e cura da neoplasia.

YAMAMURO et al.(33) salientam que a endoscopia convencional não é suficiente para o seguimento desses pacientes e recomendam o uso de solução de lugol, técnica que permite a obtenção de biopsias dirigidas, em áreas não coradas, aumentando a positividade do exame e possibilitando a detecção dos tumores em fase precoce.

CONCLUSÃO A análise dos resultados da presente casuística permite as seguintes conclusões: O prognóstico dos pacientes com câncer do esôfago e megaesôfago é sombrio e não difere daqueles sem megaesôfago.

No paciente com megaesôfago o tumor pode se localizar em qualquer porção do órgão.


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