Câncer do esôfago em paciente com megaesôfago chagásico
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE
Câncer do esôfago em paciente com megaesôfago chagásico
Esophageal cancer in patient with chagasic megaesophagus
Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry; Mauro Masson Lerco; Walmar Kerche de
Oliveira
Departamento de Cirurgia e Ortopedia ' Faculdade de Medicina de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP
Correspondência
INTRODUÇÃO
O câncer de esôfago constitui a oitava neoplasia, em termos de incidência
mundial. O diagnóstico desta doença, é realizado na maioria dos casos em fase
avançada, razão pela qual a afecção está associada a altas taxas de morbidade e
mortalidade(34).
O tumor maligno do esôfago ocorre com maior freqüência em indivíduos de idade
avançada e do sexo masculino(9), em geral associado a fatores como etilismo e
tabagismo(11), ingestão de alimentos ou bebidas quentes(1, 18, 23, 25, 32),
vírus, deficiências vitamínicas(27); higiene oral deficiente, ingestão de
substâncias cáusticas(22, 31), divertículo de Zenker(24) e megaesôfago(2).
O tipo histológico mais freqüente é o carcinoma espinocelular. Nas últimas
décadas a incidência de adenocarcinoma do esôfago tem aumentado, associada à
metaplasia epitelial, complicação grave da doença do refluxo gastroesofágico
(16, 29).
A prevalência do câncer do esôfago em pacientes com megaesôfago chagásico é
variável. BRANDALISE et al.(3) analisaram a evolução de 140 pacientes com
megaesôfago e verificaram que 9,2% destes desenvolveram câncer do esôfago.
Estudo semelhante conduzido na Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, SP, por PINOTTI et al.(21), mostrou a ocorrência de 12 casos de câncer
de esôfago em 308 portadores de megaesôfago (3,9%).
O objetivo deste trabalho foi analisar os aspectos clínicos e epidemiológicos
de pacientes com a associação megaesôfago e câncer do esôfago.
MÉTODOS
Foram estudados de maneira retrospectiva, 40 pacientes com câncer do esôfago
atendidos no período de 1993 a 2003. Esta casuística é constituída de 36 homens
e 4 mulheres, com idades variando entre 35 e 72 anos (média de 55 anos). Os
pacientes foram divididos em 2 grupos de 20:
* grupo 1: pacientes com câncer do esôfago e megaesôfago
* grupo 2: pacientes com câncer do esôfago
Os pacientes de ambos os grupos apresentavam queixa de disfagia e foram
submetidos a exames radiológico e endoscópico de esôfago, tomografia
computadorizada de tórax e abdome e broncoscopia. Aqueles do grupo 1 referiam
antecedentes epidemiológicos para doença de Chagas, confirmada através da
reação sorológica de Machado Guerreiro.
A análise dos prontuários permitiu a obtenção de dados referentes a idade,
sexo, hábitos (etilismo e tabagismo), tipo histológico do tumor, localização da
lesão, diferenciação celular, estádio, tratamento e sobrevida.
Dos 20 pacientes do grupo 1, 6 apresentavam associação com megacólon, 1 com
cardiopatia e 4 já haviam sido operados, visando o tratamento do megaesôfago.
Visando a homogeneidade das amostras, para o grupo 2 foram selecionados 20
pacientes com câncer do esôfago atendidos no mesmo período e com as mesmas
características demográficas, tipo histológico do tumor, estádio dos pacientes
do grupo 1 e sobrevida informada pelos familiares.
Os dados foram submetidos a análise estatística(19) (teste exato de Fisher e
análise de variância). O nível de significância utilizado foi de 5%.
RESULTADOS
a) Distribuição dos pacientes por sexo e idade
A distribuição dos pacientes por sexo não mostrou diferença na comparação entre
os grupos, pois havia 18 homens e 2 mulheres em cada casuística estudada. A
idade média dos pacientes com megaesôfago e câncer (grupo 1) foi de 56,1 ± 8,8
anos e naqueles do grupo 2, de 54,7 ± 9,8 anos. A análise estatística não
mostrou diferença significante entre os grupos (P = 0,64).
b) Localização do tumor
Nos pacientes com a associação megaesôfago e câncer, a distribuição das lesões
foi homogênea, pois em 8 doentes o tumor estava situado no terço superior, 8 no
terço médio e 4 no inferior. Naqueles com câncer do esôfago (grupo 2), as
lesões predominaram no terço médio. Todavia esta diferença não mostrou
significância estatística (P = 0,08) (Tabela_1).
c) Hábitos
Dos 40 pacientes estudados, 29 referiam a ingestão de bebidas alcoólicas em
altas doses e por tempo prolongado, associada ao tabagismo. Essa associação foi
observada em 10 pacientes do grupo 1 e em 19 do grupo 2. Os três pacientes que
negavam os hábitos de etilismo e tabagismo tinham megaesôfago chagásico (Tabela
2).
d) Tipo histológico e diferenciação celular do tumor
O exame anatomopatológico das lesões demonstrou a presença de carcinoma
espinocelular nos 40 pacientes desta casuística. A distribuição dos pacientes
quanto a diferenciação celular dos tumores encontra-se na Tabela_3.
e) Estádio do tumor e do megaesôfago
O estádio do tumor foi efetuado após análise dos exames radiológicos e
endoscópicos, que evidenciavam a extensão da lesão, invasão de órgãos contíguos
(traquéia, brônquios) ou metástases à distância (pulmonar ou hepática). Em 18
doentes do grupo 1 e em 19 do grupo 2 o tumor encontrava-se nos estádios III e
IV (classificação TNM da União Internacional Contra o Câncer ' UICC 1987).
O estádio do megaesôfago, baseado na avaliação dos esofagogramas, permite
observar que em 21% dos casos os pacientes encontravam-se em fase incipiente
(grau I), em 47,4% fase não-avançada (graus II e III) e 31,6%, fase avançada
(grau IV)(26).
f) Sobrevida
A sobrevida dos pacientes do grupo 1 foi de 8 ± 8,8 meses, naqueles do grupo 2
de 5,8 ± 5 meses (P = 0,34).
A sobrevida dos pacientes segundo o grau da diferenciação celular, não mostrou
diferença significante (Tabela_4).
g) Tratamento
O tratamento cirúrgico paliativo foi a opção terapêutica adotada na maioria dos
pacientes. Em apenas um paciente do grupo 1 foi realizada a ressecção do
esôfago e esofagogastroplastia (Figuras_1 e 2, Tabela_5). O tratamento
radioterápico foi realizado em 9 pacientes do grupo 1 e em 10 do grupo 2, tendo
em vista a irresecabilidade da lesão.
DISCUSSÃO
Após a descrição da associação megaesôfago e câncer por FAGGE (1872) citado por
CÂMARA-LOPES(5), vários trabalhos foram publicados, confirmando o achado desse
autor(2, 3, 4, 5, 12, 17).
Em levantamento sobre o assunto em questão, encontrou-se apenas um estudo onde
os autores não reconhecem como válida a associação entre megaesôfago e câncer
(6). Essa assertiva baseia-se em estudo retrospectivo de 153 doentes com câncer
do esôfago atendidos em período de 11 anos, no qual não se observou nenhum caso
de megaesôfago. Todavia, na presente série, o resultado foi diferente, pois a
análise dos protocolos de 165 pacientes com câncer de esôfago e seguidos em
igual período mostrou a existência de 20 doentes com megaesôfago (grupo 1).
A prevalência de câncer do esôfago em pacientes com megaesôfago no serviço onde
o presente estudo foi desenvolvido, é de 10%. Este resultado é semelhante ao
observado por BRANDALISE et al.(3), porém superior ao relatado por outros
autores(4, 5, 21, 30).
Quanto à localização do tumor, a análise estatística não demonstrou diferença
significativa no comportamento dos dois grupos de pacientes, embora a
predileção pelo terço médio tenha sido observado apenas naqueles com tumor
esofágico não associado a megaesôfago. A distribuição homogênea das lesões,
como observado nos pacientes do grupo 1 deste estudo, foi também referida por
STREITZ et al.(30). PINOTTI et al.(21) e BRANDALISE et al.(3) relatam que a
localização preferencial dos tumores foi o terço distal.
O antecedente de alcoolismo associado ao tabagismo por longo período de tempo
foi referido por 29 pacientes, sendo 10 do grupo 1 e 19 do grupo 2, diferença
significante (P <0,006). Os três pacientes desta casuística que negavam tais
hábitos pertenciam ao grupo 1, levando à hipótese de que o único fator
responsável pela degeneração da mucosa esofágica tenha sido a esofagite
crônica, decorrente da proliferação bacteriana provocada pela estase alimentar
característica do megaesôfago.
O estudo anatomopatológico dos pacientes desta série mostrou que o tumor
esofágico era do tipo espinocelular em ambos os grupos. A associação do
carcinoma espinocelular em paciente com megaesôfago foi relatada por vários
autores(4, 17, 20). O adenocarcinoma do esôfago pode também ser observado no
seguimento de pacientes com megaesôfago submetidos a dilatação da cárdia ou
miotomia da transição gastroesofágica(7, 10, 12), pois tais procedimentos
reduzem a pressão no esfíncter inferior do esôfago, predispondo ao refluxo
gastroesofágico(14, 15). Este pode apresentar a complicação metaplasia
intestinal (Barrett), lesão precursora do adenocarcinoma esofágico. O problema
do câncer do esôfago no pós-operatório tardio de miotomia é enfatizado com tal
veemência por CAMARA-LOPES(5), a ponto de o autor recomendar a ressecção
esofágica como única opção terapêutica para o megaesôfago, mesmo em fase não
avançada da doença.
A diferenciação celular dos tumores nos pacientes com megaesôfago não diferiu
daqueles do grupo 2 (P = 0,35), mostrando comportamento biológico semelhante
nos dois grupos.
LAMB et al.(17) relataram um caso de carcinoma espinocelular precoce em
paciente com megaesôfago submetido a esofagectomia, com boa evolução.
Infelizmente os pacientes estudados nesta casuística não tiveram o diagnóstico
realizado em fase precoce, pois a maioria encontrava-se nos estádios III e IV
da doença. A manifestação clínica do câncer do esôfago em geral é tardia, pois
a disfagia ocorre quando a luz esofágica está severamente comprometida.
Considerando que os pacientes com megaesôfago apresentam a dilatação esofágica,
o diagnóstico tardio é facilmente compreensível nesta situação. A dificuldade
diagnóstica é agravada nesses pacientes, pois a avaliação radiológica fica
prejudicada, uma vez que ingestão de grande volume da solução baritada acoberta
a lesão(21).
O diagnóstico do tumor em fase avançada aliado à desnutrição e deficiência
imunológica própria do megaesôfago(8), restringem as opções terapêuticas
cirúrgicas, levando a adoção de condutas paliativas e conseqüente sobrevida
reduzida, como a observada nos pacientes desta série (Tabela_4), semelhante à
relatada pela maioria dos autores(4, 10, 21). HAAGEDOORN et al.(13) afirmam que
pacientes com tumor bem diferenciado têm, em geral, prognóstico melhor que
aqueles com tumor mal diferenciado. Todavia, na presente casuística este
resultado não foi observado em nenhum dos grupos estudados (Tabela_4: P = 0,36
para o grupo 1 e P = 0,91 para o grupo 2).
Dos 40 pacientes estudados nesta pesquisa, em apenas 1 com câncer e megaesôfago
foi possível realizar a ressecção esofágica. Em nove pacientes do grupo 1 não
foi indicada gastrostomia ou jejunostomia, pois a luz esofágica ampla ainda
permitia razoável aporte nutricional.
Segundo SAFATLE-RIBEIRO et al.(28), o doente com megaesôfago apresenta todos os
fatores relacionados com a carcinogênose esofágica, tais como deficiências
vitamínicas, decorrentes da desnutrição crônica, presença de substâncias
mutagênicas na luz do órgão, resultante da proliferação bacteriana, além do
alcoolismo e tabagismo, comuns nos pacientes com esta afecção.
Assim, o paciente com megaesôfago necessita de seguimento clinico e
endoscópico, com vistas à detecção precoce do tumor, propiciando tratamento
adequado e cura da neoplasia.
YAMAMURO et al.(33) salientam que a endoscopia convencional não é suficiente
para o seguimento desses pacientes e recomendam o uso de solução de lugol,
técnica que permite a obtenção de biopsias dirigidas, em áreas não coradas,
aumentando a positividade do exame e possibilitando a detecção dos tumores em
fase precoce.
CONCLUSÃO
A análise dos resultados da presente casuística permite as seguintes
conclusões:
O prognóstico dos pacientes com câncer do esôfago e megaesôfago é sombrio e não
difere daqueles sem megaesôfago.
No paciente com megaesôfago o tumor pode se localizar em qualquer porção do
órgão.