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BrBRCVHe0004-28032008000100015

BrBRCVHe0004-28032008000100015

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2008
Issue0001
Article number00015

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Avaliação dos potenciais evocados relacionados a eventos (ERP-P300) em pacientes com cirrose hepática sem encefalopatia ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Avaliação dos potenciais evocados relacionados a eventos (ERP-P300) em pacientes com cirrose hepática sem encefalopatia

Evaluation of the event-related potential (ERP-P300) in patients with hepatic cirrhosis without encephalopathy

Vinicius TeodoroI, II; Maurício Bragagnolo Jr.III; Lígia LucchesiII; Mário KondoIII; Sérgio TufikII IDepartamento de Gastroenterologia IIDepartamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP Correspondência

INTRODUÇÃO A cirrose hepática (CH) é um processo crônico e irreversível, resultado do aumento difuso da atividade fibroblástica no fígado, em resposta a determinadas agressões continuas ao órgão(19). A fibrose resulta da cicatrização que se segue à destruição do hepatócito e com o colapso da trama de reticulina que o sustenta, resultando na desorganização da arquitetura hepática. A alteração na estrutura hepática faz compressão dos ramos terminais da veia porta, provocando aumento da resistência local. O aumento da pressão local provoca o desvio do fluxo sangüíneo venoso proveniente das veias mesentérica superior e esplênica, rico em substâncias resultantes da digestão, que deixam de ser metabolizadas pelo fígado e acabam circulando diretamente para o sistema nervoso central(32).

Os pacientes cirróticos podem apresentar um ou dois tipos de manifestações clinicas: as relacionadas diretamente à necrose hepatocelular, causando perda da função hepática e sinais ou sintomas das complicações da cirrose devido à hipertensão portal. A evolução do paciente é assintomática e insidiosa, marcada por sintomas inespecíficos (anorexia, perda de peso, fraqueza, osteoporose), dificultando o diagnóstico precoce. As principais causas da cirrose hepática são os agentes tóxico-químicos (álcool e drogas) e as infecções virais crônicas (hepatites B e C)(1). Atualmente aumento do número de pacientes com cirrose decorrente de hepatite C, estimando-se em 200 milhões de portadores do vírus no mundo(31). O diagnóstico de cirrose e sua incidência têm crescido em nosso meio, tendo sido responsável por 40.000 internações hospitalares e mortalidade de 7,79 por 100 mil habitantes em 2002(4).

As alterações neuropsiquiátricas, agudas ou crônicas, decorrentes da disfunção hepática e/ou da hipertensão portal, podem ser sumarizadas como encefalopatia hepática (EH)(6). As alterações cognitivas, comportamentais e motoras mais comumente encontradas na EH manifesta, incluem desde distúrbios mínimos de atenção, de memória, de sono(12) e motores (distúrbios extrapiramidais), até quadros mais graves de comprometimento do sistema nervoso central com torpor, delírio, confusão mental e coma(2, 8). O quadro inicial de EH, no qual não são encontradas alterações ao exame clínico-neurológico, é denominado de encefalopatia hepática mínima (EHM) ou latente(21). As atividades motoras e intelectuais mais complexas, como conduzir veículos ou aprender novas tarefas são afetadas desde estágios iniciais da cirrose(37), indicando algum prejuízo cognitivo. As dificuldades no reconhecimento destas alterações, inicialmente sutis, levaram à elaboração de diversas baterias de testes(18, 30, 33)para seu correto diagnóstico. FERENCI e LOCKWOOD(10) em uma força tarefa, sugeriram o uso de testes neuropsicológicos (teste de conexão numérica A e B, Digit Symbol ou Digit Span) e, quando possível, associar testes neurofisiológicos (ERP-P300 e EEG) para o diagnóstico da EHM.

Um dos meios mais efetivos para avaliar objetivamente as funções cognitivas é medir a atividade eletrofisiológica do sistema nervoso central através dos ERP (20), que constitui instrumento valioso para estudar a atividade neuronal gerada durante o processamento de novas informações(26). O teste mais freqüentemente usado para provocar o aparecimento do ERP é a tarefa auditiva discriminatória utilizando o paradigma " oddball" , na qual é solicitado aos testados detectar estímulos auditivos alvo e ocasionais, intercalados entre estímulos auditivos padrões mais freqüentes(5). Mudanças na latência do componente P3 ou P300 têm sido associadas com variáveis cognitivas como memória (9), tomada de decisão(15) e expectativa(7).

Diversos estudos utilizaram o ERP-P300 para a avaliação dos distúrbios cognitivos em pacientes com cirrose. WEISSENBORN et al.(38) e DAVIES et al.(8), em 1990, publicaram os primeiros trabalhos utilizando o ERP-P300 com esta finalidade. Entretanto, estudos posteriores(18, 33, 34)que também utilizaram o ERP-P300 com o mesmo objetivo, obtiveram resultados diferentes, com número elevado de cirróticos com EHM. De acordo com SAXENA et al.(33), uma variabilidade importante da incidência de EH e da EHM, atingindo até 84% dos pacientes com cirrose, dependendo do método utilizado para seu diagnóstico.

A presença de distúrbios cognitivos na encefalopatia hepática tem efeito negativo sobre a qualidade de vida e o prognóstico dos pacientes com cirrose (24, 30). Entretanto, não se dispõe ainda de métodos diagnósticos ditos padrão- ouro para diagnosticar essa síndrome, principalmente em seus estágios iniciais (16).

O objetivo deste estudo foi verificar a utilidade do uso do ERP-P300, para avaliar os distúrbios cognitivos presentes nos pacientes com cirrose hepática sem encefalopatia e compara-los com um grupo controle. A utilização deste instrumento em pacientes com encefalopatia hepática foi amplamente descrita na literatura(18, 33, 34) e é eminentemente clínica, razão pela qual optou-se por estudar somente pacientes sem sinais de alterações ao exame clínico- neurológico.

MÉTODOS O protocolo de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo ' Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.

Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar da pesquisa.

No período de maio 2003 a maio de 2005 foram selecionados 50 pacientes (40 homens), de idade entre 31 e 65 anos (Tabela_1), diagnosticados com cirrose hepática e sem sinais clínicos de encefalopatia hepática. Todos foram provenientes do ambulatório de cirrose hepática, do Serviço de Gastroenterologia do Hospital São Paulo, São Paulo, SP. O diagnóstico de cirrose hepática foi feito através de exames clínicos, laboratoriais, ultra- sonografia ou exame histopatológico, quando possível. Os critérios de exclusão utilizados foram os seguintes: sangramento digestivo nos últimos 6 meses, insuficiência renal (definida como creatinina sérica >2,0 mg/dL), diagnóstico de carcinoma hepatocelular, uso de benzodiazepínicos nas últimas 2 semanas, uso de álcool nos últimos 6 meses, idade inferior a 18 anos ou superior a 65 anos.

O grupo controle foi formado por 35 voluntários sadios com idade entre 20 e 65 anos selecionados entre os familiares saudáveis dos pacientes e obedecendo aos mesmos critérios de exclusão pré-estabelecidos para o grupo cirrótico.

A avaliação inicial incluiu anamnese detalhada, avaliação da classe socioeconômica através do critério ABA/ABIPEME (Associação Brasileira de Anunciantes/Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado), exame clínico geral, exame neurológico e psiquiátrico convencional, exames laboratoriais e definição da etiologia da cirrose, quando possível. Os exames laboratoriais realizados após jejum de 12 horas e também seus resultados constam da Tabela_2. A classificação de Child-Pugh(29) foi utilizada como forma de diferenciação da gravidade entre os grupos (Tabela_1).

O ERP-P300 foi realizado sempre pelo mesmo examinador, num mesmo ambiente, com iluminação e temperatura padronizadas, sempre no mesmo horário (9 horas da manhã), para evitar variação circadiana(25). Eletrodos ativos foram colocados nas posições FZ, CZ e PZ, de acordo com o sistema internacional 10-20.

Eletrodos de referência foram colocados em A1 e A2, ligados entre si. O eletrodo terra foi posicionado em FPZ. Foram também colocados eletrodos acima da sobrancelha direita e no canto externo do olho esquerdo para controle do eletro-oculograma. O paradigma utilizado foi o " oddball" . Os estímulos auditivos foram apresentados bilateralmente através de fones de ouvido com tons de 70 dB e dois tons foram apresentados de forma aleatória: estímulo raro, de 1500 Hz (com 20% de probabilidade de aparecimento) e estímulo freqüente, de 800 Hz (com 80% de probabilidade de aparecimento). O intervalo entre os estímulos foi fixado em 2 segundos. Foi pedido ao testado que apertasse um botão todas as vezes que escutasse um som raro, com a mão dominante, tão rapidamente quanto possível. Foram obtidas médias de 30 registros de estímulos raros, livres de artefatos. Todos os procedimentos foram repetidos, para permitir a replicação das ondas obtidas e facilitar a identificação dos componentes.

Para comparação das médias das latências, optou-se por dividir os grupos conforme faixa etária, devido à conhecida influência da idade sobre a latência do P300(11, 25). Dividiu-se o grupo doente (D), em D1 (n = 15) com idade de 25 a 45 anos, e D2 (n = 35) com idade entre 46 a 65 anos. Da mesma forma, foi dividido o grupo controle (C), em C1 (n = 19) e C2 (n = 16). Para a construção do banco de dados e cálculos estatísticos, foi utilizado o programa Statistica da Stat Soft 1995-2001. As variáveis foram expressas como média ± desvio padrão e todos os grupos estudados apresentavam distribuição com curva normal pelo teste de Kolmogorov e Sminorv. Para a comparação das variáveis entre o grupo estudado e o grupo controle foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes ou análise de variância. Para o estudo de correlações entre as variáveis foi utilizado o teste de correlação de Spearman. O nível de significância de 0,05 foi utilizado em todos os testes.

RESULTADOS Os pacientes com CH no presente estudo obtiveram a média da latência do ERP- P300 estatisticamente superior às médias obtidas no grupo controle (Figura_1).

A latência média do grupo D1 foi de 349,69 ms versus grupo C1 com 328,10 ms e com valores de t = 2,29 com P = 0,03. A latência do grupo mais idoso (D2) foi de 372,41 ms versus C2 de 344,62 ms e de t = 2,56 com P = 0,01 (Tabela_3).

Para verificar se o uso crônico de álcool em uma parte da presente amostra de pacientes com cirrose teria influência nos resultados do ERP-P300, o grupo de cirróticos foi subdividido em dois subgrupos: o primeiro foi formado por pacientes com história prévia de uso abusivo de álcool e o segundo, por pacientes sem história prévia de uso abusivo de álcool. Após a divisão utilizou-se o teste t de Student para a comparação das médias das latências do ERP-P300 entre os dois subgrupos e não foi observada diferença estatisticamente significante entre eles (P = 0,67). Da mesma forma, a gravidade da disfunção hepática, avaliada pela classificação Child-Pugh não interferiu significantemente nos valores médios da latência da onda ERP-P300 no grupo avaliado (P = 0,38). Também não foi encontrada correlação significativa entre amônia e a latência do ERP-P300 no grupo de pacientes com cirrose (r = 0,26).

DISCUSSÃO Desde a primeira descrição da onda P300 por SUTTON et al.(35), em 1965, muito se tem aprendido sobre o significado deste componente. A utilização do ERP-P300 como método de avaliação e rastreio dos prejuízos na função cognitiva, vem a cada dia aumentando seu campo de aplicação. A geração da onda P300 do ERP é complexa e, provavelmente, envolve diferentes centros e circuitos neuronais.

Inicialmente foi sugerido por HALGREN et al.(13)e McCARTHY et al.(22)que a geração da onda P300 seria em áreas hipocampais do lobo têmporo-medial, entretanto estudos subseqüentes demonstraram que a formação hipocampal apenas influenciaria indiretamente a geração do potencial P300(23). Atualmente a junção têmporo-parietal(17) vem sendo reconhecida como região principal para a geração desse potencial. Resumidamente, o estimulo neural inicia-se em áreas fronto-córtico-subcorticais(28) e, possivelmente, se irradia para o outro hemisfério via corpo caloso(28), chegando às áreas associativas hipocampais subcorticais centrais e parietais do lobo temporal, representando o período de resposta do córtex de associação ao estimulo proveniente do córtex primário (36). O gerador ou geradores específicos ainda permanecem incertos.

WEISSENBORN et al.(38) utilizaram diversos testes neurofisiológicos (EEG, ERP- P300 e potencial visual evocado) em 66 pacientes com cirrose hepática de diversas causas, excluindo as provocadas por álcool ou tóxicas e encontraram prolongamento da latência do ERP-P300 em 90% dos pacientes nos estágios iniciais de EH, sendo 19% dos pacientes sem sinais clínicos de EH. Esse estudo demonstrou a sensibilidade do ERP-P300 para o diagnóstico da EH, principalmente em seus estágios iniciais. O trabalho de DAVIES et al.(8), que utilizaram potenciais ERP-P300, EEG e teste de conexão numérica-A em 33 cirróticos de diversas causas, também descreveram latência aumentada do ERP-P300 no grupo com cirrose e com sinais clínicos de EH. Nesse trabalho não foi encontrada diferença significante entre o grupo com cirrose sem sinais clínicos de EH e o grupo controle, diferentemente do que foi encontrado por WEISSENBORN et al.

(38). Em estudo recente, HOLLERBACH et al.(14) investigaram 45 pacientes com cirrose, mas sem história prévia de uso abusivo de álcool, e encontraram atraso na latência da onda P300 em 35% deles, dos quais 44% não apresentaram sinais clínicos de EH.

Os diversos estudos apresentados valorizam o resultado do ERP-P300, entretanto a variação nos critérios de inclusão e exclusão utilizados, bem como do modelo do experimento, levou ao número alto na variação das percentagens de pacientes cirróticos sem sintomas clínicos de EH, mas com alteração no ERP-P300, como descrito por SAXENA et al.(34) que, ao avaliarem diversos estudos em cirróticos, observaram variação de 30% até 84% na prevalência de EHM nesse grupo. Conclui-se que essa variação dependeria principalmente do método utilizado para o diagnóstico da EH, dos diferentes critérios de inclusão e exclusão e independeria da causa da cirrose(34). A utilização de testes padronizados ajudaria a diminuir essa variação. No grupo estudado, a causa da cirrose não influenciou os resultados do ERP-P300, como demonstrado em outros estudos(8, 27). Também devem ser considerados fatores de variabilidade como temperatura, nível de luz e ritmo circadiano(25).

Sumarizando, a utilização de diversas baterias de testes neurofisiológicos e neuropsicológicos para o diagnóstico dos distúrbios cognitivos nos pacientes com cirrose, resulta em importante variação na sua incidência. O uso apenas de testes neuropsicológicos, como preconizados por WEISSENBORN et al.(38), usando apenas lápis e papel, é interessante, mas são testes que necessitam de devida normatização, muitos deles influenciados pela baixa escolaridade(3) e dependem de correção para a idade. A possibilidade de se utilizar um teste simples e independente de fatores de variação importantes, facilitaria o diagnóstico da EHM e diminuiria a variação encontrada na sua incidência. O ERP-P300 devidamente utilizado fornece informações importantes sobre a função cognitiva do paciente e a sua latência é uma medida do tempo de processamento de informações que, no grupo cirrótico, apresentou retardo significativo quando comparado ao grupo controle. Este retardo poderia estar ligado a um déficit de memória de curto prazo, atenção e concentração(9, 25). É, também, um instrumento de utilização simples e não influenciado diretamente pelo nível de escolaridade(36). De acordo com diversos estudos bem conduzidos, a origem da cirrose (alcoólica versus outras) parece não interferir na comparação das médias da latência do ERP-P300 entre os grupos(8, 27).

CONCLUSÃO Os achados do presente estudo demonstram a utilidade do ERP-P300 para o rastreio e diagnóstico de EHM nos pacientes com cirrose hepática. Além disso, a realização do ERP-P300 é simples, depende de fatores controláveis de variação e tem fácil reprodutibilidade.


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