Avaliação da ressecção hepática em pacientes cirróticos com carcinoma
hepatocelular
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Avaliação da ressecção hepática em pacientes cirróticos com carcinoma
hepatocelular
Evaluation of hepatic resection for hepatocellular carcinoma on cirrhotic
livers
Maurício SilvaI; Angelo Alves de MattosII; Paulo Roberto Ott FontesI, III;
Fábio Luiz WaechterI, IV; Luiz Pereira-LimaI, III
ITransplante Hepático e Cirurgia Hepatobiliopancreática, Santa Casa de Porto
Alegre
IIDisciplinas de Gastroenterologia, Fundação Faculdade Federal de Ciências
Médicas de Porto Alegre, RS
IIIDisciplinas de Cirurgia Geral, Fundação Faculdade Federal de Ciências
Médicas de Porto Alegre, RS
IVDisciplinas de Técnica Operatória, Fundação Faculdade Federal de Ciências
Médicas de Porto Alegre, RS
Correspondência
INTRODUÇÃO
O carcinoma hepatocelular (CHC) é um tumor maligno primário do fígado que se
caracteriza por ser, em regra, complicação da doença hepática crônica e
apresentar íntima relação com fatores ambientais, o que acarreta considerável
variação em sua distribuição mundial(6, 25).
Sua incidência tem aumentado nas últimas décadas em diversos países(6, 11, 40).
Estimativas sugerem que 564.000 novos casos surgiram durante o ano 2000, sendo
que 398.364 acometeram o gênero masculino(45). Representando 5,6% das
neoplasias que ocorrem na espécie humana(16), encontra-se entre as 10 mais
freqüentes. Acomete, fundamentalmente, fígados cirróticos, com incidência anual
variando entre 2% e 6%, se a doença for secundária à infecção crônica pelo
vírus da hepatite C(15); 2% e 8% nos casos em que o vírus da hepatite B for o
agente agressor(4) e, em média, 5% quando a hemocromatose hereditária estiver
presente(14). Considerando-se o uso crônico de etanol, observa-se que essas são
as quatro condições que conferem os maiores riscos para o surgimento do CHC(7).
Aliada à elevada prevalência, empresta prognóstico empobrecido aos doentes.
Assim, determina sobrevida em 5 anos, menor que 5% entre os pacientes
cirróticos, se não for realizada conduta terapêutica efetiva(25).
Uma vez estabelecido o diagnóstico de CHC, torna-se fundamental que seja
ofertada a conduta terapêutica mais apropriada para o paciente. De modo geral,
analisam-se características relacionadas ao tumor (tamanho, número,
localização) e ao paciente (condição clínica global, grau de disfunção
hepática, presença de hipertensão portal). Quando se opta por uma conduta com o
intuito curativo, advoga-se a utilização do transplante ortotópico de fígado
(TOF), a ressecção hepática (RH) ou a ablação percutânea(8).
Em relação à RH, a maioria dos grupos restringe a indicação cirúrgica para
tumores únicos e, no que se refere ao tamanho do tumor, não está definido um
ponto de corte exato que contra-indique esse tratamento(8). Ressalte-se que
essa opção não trata a doença de base nos casos em que a cirrose esteja
presente.
O TOF apresenta resultados satisfatórios no tratamento do CHC em fígados
cirróticos. Essa conquista foi obtida, principalmente, através do estudo
realizado por MAZZAFERRO et al.(29), que demonstrou que, se o TOF fosse
realizado em pacientes com nódulo único com até 5 cm ou até três lesões, com a
maior medindo até 3 cm, sem evidência de invasão linfática ou vascular, os
resultados seriam semelhantes àqueles encontrados em pacientes cirróticos sem
essa neoplasia. Seria, portanto, o tratamento ideal a ser oferecido aos
pacientes cirróticos, acometidos de CHC. No entanto, os problemas relacionados
à captação de órgãos limitam a sua indicação.
Aspecto que deve ser considerado é que, uma vez estabelecida a indicação de
TOF, fica justificada a utilização de tratamentos neo-adjuvantes durante o
tempo em lista. Essa conduta se apoia em estudos que demonstram a possibilidade
de progressão da neoplasia durante esse período, o que pode inviabilizar que o
TOF seja realizado(18, 23, 28). As opções terapêuticas utilizadas com esse
propósito são, fundamentalmente, a RH, a quimioembolização e a ablação
percutânea(27, 28, 29). Importante mencionar que, a despeito da escolha por um
método específico, o tempo em lista pode ser um fator a ser considerado para a
tomada de decisão. MAJNO et al.(28) sugerem que, quando esse intervalo for
menor que 6 meses, apenas a observação desses pacientes pode ser realizada.
O objetivo desse estudo foi avaliar a efetividade do tratamento cirúrgico para
o CHC, em pacientes com cirrose hepática, em um hospital geral.
MÉTODOS
O presente estudo avalia uma coorte de pacientes cirróticos submetidos ao
tratamento cirúrgico para o CHC entre os anos de 1996 e 2005 na Irmandade Santa
Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS. Foram incluídos todos os casos que
realizaram o procedimento com um dos médicos integrantes da Equipe de
Transplante Hepático e Cirurgia Hepatobiliopancreática. Os casos em que a RH
foi ofertada como tratamento para pacientes em lista de espera para o TOF
também foram considerados.
Realizou-se pesquisa no setor de internação hospitalar para identificação dos
pacientes. Os prontuários foram revisados para verificação das variáveis em
estudo contempladas no protocolo de trabalho. Quando, eventualmente, não foi
possível a identificação de todas as variáveis, houve contato com o paciente ou
familiar para complementação das informações exigidas. Posteriormente,
localizou-se o material enviado para análise histopatológica com o objetivo de
se realizar revisão histológica das lesões, por um único patologista.
A causa da cirrose foi definida como secundária ao VHB na presença do antígeno
de superfície do VHB (HBsAg), ao VHC na positividade do exame qualitativo de
reação de cadeia da polimerase específico para esse vírus e secundária ao uso
de álcool quando a ingesta fosse maior que 40 g/dia, durante 10 anos para
homens e 20 g/dia, no mesmo período, para mulheres.
O grau de disfunção hepatocelular foi aferido através da classificação de
Child-Pugh-Turcotte (Child)(37) e " Model for End-Stage Liver Disease"
(MELD),calculado mediante fórmula matemática que contempla os valores de
creatinina, bilirrubina total (BT) e relação normalizada internacional, no
endereço eletrônico da " United Network for Organ Sharing and Transplantation"
: www.unos.org/resources/MeldPeldCalculator.
Foram avaliados parâmetros clínicos, laboratoriais, endoscópicos e
histopatológicos. Os parâmetros clínicos analisados foram idade, sexo, história
de ascite e encefalopatia portossistêmica. A sobrevida foi definida como o
número de meses em que o paciente viveu após a realização da RH. Recidiva
tumoral (RT) foi identificada através de exames de imagens (ecografia e
tomografia computadorizada). Os parâmetros laboratoriais estudados foram as
dosagens séricas de albumina, BT, atividade de protrombina, creatinina e alfa-
fetoproteína (AFP). A dosagem dos exames precedeu, no máximo, 1 semana a data
da cirurgia, com exceção da AFP que se admitiu até 30 dias. A endoscopia
digestiva alta demonstrou a presença ou ausência de varizes gastroesofágicas.
Os parâmetros histopatológicos estudados foram tamanho, número, grau de
diferenciação celular, presença de lesões satélites e invasão vascular.
A pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
Irmandade Santa Casa de Porto Alegre.
Nas análises de sobrevida foi utilizado o método Kaplan-Meier com teste Log
Rank para verificar possíveis diferenças entre as curvas de sobrevida entre os
grupos. Os dados foram analisados utilizando-se o software SPSS 12.0 e o nível
de 5% de significância para os testes. Para variáveis quantitativas, foram
calculadas as médias e os desvios-padrão, com um intervalo de confiança
definido em 95% (IC 95%). Para testar a associação entre variáveis categóricas
foi utilizado o teste exato de Fisher.
RESULTADOS
Resultados gerais
Foram analisados os dados de 22 pacientes. Destes, 17 eram homens. A idade
variou entre 48 e 80 anos, com média e desvio-padrão de 62,09 e 8,35 anos,
respectivamente.
A causa da cirrose foi VHC em 10 casos, VHC associada a álcool em 4, VHB em 3,
álcool em 2, medicamentosa em 1 (uso crônico de alfa-metildopa) e criptogênica
em 2 casos.
Em relação ao grau de disfunção hepatocelular, as classificações Child A e B
contemplaram 15 e 5 casos, respectivamente. Em dois casos não foi possível
estabelecer o Child devido à ausência de todos os dados para o cálculo dessa
classificação.
Quando se adotou a classificação MELD, foi observada a média de 9,75.
Dezenove pacientes realizaram endoscopia digestiva alta, sendo constatada a
presença de varizes esofágicas em 16 casos.
Dezoito pacientes apresentavam lesão única, sendo que o tumor media mais de 5
cm em sete casos. Três pacientes apresentavam duas lesões e a neoplasia era
multinodular em um caso.
Identificaram-se nove casos que contemplaram critérios para serem submetidos ao
TOF. Cinco pacientes realizaram a RH durante o período em lista de espera.
Entre esses, três faleceram antes da realização do TOF, um paciente realizou o
transplante com boa evolução pós-operatória, sem evidência de recidiva tumoral,
e um está aguardando a realização do TOF. Os demais quatro casos apresentaram
contra-indicações sociais para sua realização.
Em três casos o tumor foi classificado como pouco diferenciado e em cinco, como
bem diferenciado. Os demais casos apresentavam grau moderado de diferenciação
celular. Invasão microvascular foi identificada em 16 e a presença de lesões
satélites foi descrita em 17 casos.
Sobrevida após ressecção cirúrgica
A sobrevida dos pacientes variou entre 10 dias e 120 meses, com média de 33,5
meses (IC 95%:12,2-50,8). Para esse desfecho, foram analisados 22 pacientes. A
sobrevida em 1, 3 e 5 anos foi de 61,90%, 16,67% e 11,11%, respectivamente.
Esse resultado está representado na Figura_1.
Ocorreram 16 óbitos durante o seguimento. Em três casos, esse evento aconteceu
nos primeiros 3 meses (mortalidade pós-operatória imediata de 13,63%).
Identificação de fatores prognósticos
Não se identificou diferença nas curvas de sobrevida, quando correlacionada aos
níveis séricos de BT e AFP. Em relação ao grau de disfunção hepatocelular,
tanto quando se estratificaram os pacientes em Child A e B, quanto os casos com
MELD menor ou igual e maior que 10, também não foi identificada diferença nas
curvas de sobrevida.
Quando se compararam as curvas de sobrevida dos pacientes que apresentavam
lesão única menor ou igual a 5 cm, com aqueles com lesão maior ou múltiplas,
não se identificou diferença.
Por outro lado, houve diferença nas curvas de sobrevida em relação à invasão
microvascular que, quando presente, determinou sobrevida de 18,6 meses (IC 95%:
10,6-26,6), contrastando com 89 meses (IC 95%:46-132) nos casos em que esse
achado não foi encontrado. Esta diferença foi relevante sob o ponto de vista
estatístico (P = 0,0158). Já no que se refere a lesões satélites, não foi
encontrada diferença (P = 0,156).
Esses resultados podem ser visualizados na Tabela_1.
Recidiva tumoral
Entre os 22 pacientes analisados, 19 foram avaliados para a RT (excluindo-se os
3 óbitos no período pós-operatório imediato). Treze casos (68,40%) apresentaram
RT, sendo que 12 faleceram devido a complicações relacionadas à progressão da
neoplasia. Um paciente faleceu no 4º dia após a realização de nova cirurgia
para tratamento de RT.
Em 11 pacientes foi possível identificar quando ocorreu a RT, sendo que, em 9
(69,20%), esse evento foi identificado dentro de 12 meses posteriores à RH. O
tempo médio da identificação da RT foi de 8,9 meses com variação de 3 a 25
meses. Os demais seis pacientes não apresentaram RT e todos eles estavam vivos
ao final do seguimento.
Quando foi avaliada a possibilidade de RT e a presença de invasão
microvascular, observou-se relação com significância estatisticamente
significante (P = 0,003). Entre os 13 pacientes que apresentaram RT, a presença
de invasão microvascular foi identificada em 12 e, nos demais 6 casos sem RT,
este evento foi identificado apenas em 1 caso.
Não foi identificada a associação entre a RT com a presença de lesões satélites
na análise histopatológica (P = 0,071). Entre os 13 pacientes que apresentaram
RT, a presença de lesões satélites foi identificada em 12. No entanto, este
evento foi identificado em três dos demais seis casos.
DISCUSSÃO
Diversos estudos foram realizados com o propósito de se avaliar os resultados
do tratamento cirúrgico para o CHC(39). A partir da metade da década de 90,
estudos com maior representatividade científica foram publicados, servindo, até
os dias de hoje, como elementos de referência para os conhecimentos e
recomendações relacionados ao tratamento do CHC(9, 10, 12, 17, 19, 21, 22, 34,
35, 41, 43).
Houve inúmeros fatores que contribuíram para que os resultados da RH no
tratamento do CHC apresentassem mortalidade pós-operatória e sobrevida tardia
aceitáveis(39). Entre estes, ressaltam-se o aperfeiçoamento das técnicas
cirúrgicas e anestésicas(42), a identificação de neoplasias em fases iniciais
(33) e o aprimoramento dos conhecimentos relacionados à adequada seleção dos
pacientes e dos métodos de estádio(8).
Os resultados dos principais estudos com objetivo sobreposto ao estabelecido no
presente estudo, podem ser observados na Tabela_2.
No Brasil, identificou-se um estudo onde foi avaliada a RH no tratamento do CHC
publicado por HONÓRIO et al.(23). Neste trabalho, entre os 12 pacientes
analisados, observou-se média de sobrevida de 14,8 meses.
No presente estudo, a média da sobrevida encontrada foi de 33,5 meses, sendo
que a mesma foi em 1, 3 e 5 anos, de 61,90%, 16,67% e 11,11%, respectivamente.
Percebe-se que a sobrevida, em todos os períodos analisados, foi menor em
relação àquelas relatadas nos diferentes estudos indicados. Os resultados
encontrados foram desanimadores, fundamentalmente, quando se analisou a
sobrevida ao final do 3º e 5º anos.
Com a intenção de que fossem aprofundados os conhecimentos sobre as diferentes
opções terapêuticas com intuito curativo, foi publicado, em 1999, estudo que
demonstrou que o paciente ideal para ser submetido a RH era aquele que
apresentava gradiente de pressão venosa hepática menor que 10 mm Hg, bem como
valor de BT menor que 1 mg/dL. Se alguma dessas variáveis estivesse presente, o
paciente deveria, idealmente, ser candidato ao TOF, por apresentar maior
sobrevida em 5 anos. Esse estudo considerou apenas tumores menores que 5 cm
(26).
No presente estudo, identificou-se que, entre os 11 pacientes que apresentaram
nódulo único, medindo até 5 cm, em 9 foi demonstrada a presença de hipertensão
portal significativa, inferida pela identificação de varizes gastroesofágicas
ao estudo endoscópico e, em 5 casos, os valores de BT estavam acima do limite
superior à normalidade. Deste modo, mesmo avaliando casos que teoricamente
poderiam ser beneficiados pela cirurgia, do ponto de vista das características
do tumor, a intervenção teria sua indicação reavaliada, uma vez que o perfil
dos pacientes não preenchia os critérios atualmente preconizados. Deve-se levar
em conta, no entanto, ser este um estudo retrospectivo, que avaliou pacientes
incluídos desde 1996, quando então os critérios de indicação cirúrgica não
estavam estabelecidos como nos dias atuais.
Apesar de não haver um ponto de corte definido que contra-indique a RH para
casos de CHC em fígados cirróticos, o fato é que a maior parte dos grupos
restringe sua indicação para casos com tumores medindo até 5 cm(8). Do mesmo
modo, sempre quando se encontra mais que uma lesão, o TOF é indicado
inicialmente, desde que se respeitem os critérios para a sua realização(29).
Ao ser estabelecido o período pós-operatório imediato de 3 meses, observaram-se
3 mortes entre os 22 pacientes estudados. Esse achado representa mortalidade de
13,63% nesse período. Diversos estudos têm demonstrado diminuição dessa
mortalidade nos últimos anos. Enquanto que na década de 80 a mortalidade pós-
operatória variava entre 10% e 20%, estudos atuais demonstram que 5% dos
pacientes falecem nesse período(3, 13, 36, 44). Difícil estabelecer comparações
entre os resultados encontrados nesse estudo e aqueles citados pela literatura,
porém fica sugerido que as características dos pacientes possam predispor a
maior risco de morte nesse período. Na tentativa de identificar esses
pacientes, importante estudo foi desenvolvido por BALZAN et al.(3),
demonstrando que, se o paciente apresentasse no 5º dia após a realização da RH,
valor de BT maior que 50 μml/L (3 mg/dL), associado à atividade de protrombina
menor que 50%, a probabilidade de óbito secundário à disfunção hepatocelular
era de 59% em 2 meses, contrastando com apenas 1,2% nos casos em que nenhum
desses parâmetros fosse identificado.
A tentativa de se obter parâmetros relacionados ao prognóstico que predisponham
a melhor sobrevida em pacientes cirróticos com CHC e submetidos a RH é objetivo
constante. Entre os diversos parâmetros elencados na literatura, salienta-se o
papel dos níveis séricos de BT e AFP, o grau de disfunção hepatocelular, o
tamanho e número de lesões e a presença de lesões satélites e de invasão
microvascular(8). Não se encontraram resultados com significância estatística
nas curvas de sobrevida, no momento em que essas variáveis foram analisadas,
salvo quando se avaliou a presença de invasão microvascular, observando-se pior
prognóstico em relação aos casos em que esse evento ocorreu, quando comparados
ao grupo sem esse achado.
A presença de invasão microvascular é importante fator que, independente da
presença de cirrose hepática, empresta mau prognóstico aos doentes(19, 21, 24,
46). Desta forma, vai-se ao encontro da opinião de autores que sugerem ser este
o principal fator prognóstico no que se refere à sobrevida(20, 32, 33, 38).
Não se encontrou associação entre as outras variáveis estudadas. Entre os
motivos para esse achado, entende-se ser relevante o fato de que, apesar de ser
número representativo de casos para apenas uma equipe cirúrgica, sob o ponto de
vista epidemiológico, esse número pode ser pouco expressivo, o que certamente
gera reflexos na avaliação estatística.
A RT é aspecto que deve ser avaliado quando são estudados os resultados de
diferentes tratamentos relacionados a neoplasias. A despeito de a RH oferecer,
em alguns casos, sobrevida em 5 anos sobreposta àquela encontrada com o TOF,
diferentes estudos demonstram que a RT é bem maior, ao redor de 70%, quando se
considera o período de 5 anos após a cirurgia(1, 26, 34).
No presente estudo, entre os 13 pacientes que apresentaram RT, observa-se que,
em 9, o diagnóstico foi estabelecido no 1º ano de seguimento. Estudos
demonstram que, quando a RT ocorre dentro dos primeiros 3 anos, a possibilidade
de disseminação local do tumor deve ser primariamente considerada(24, 32), o
que, mais uma vez, pode refletir os critérios de seleção utilizados na época da
cirurgia.
As reflexões que surgem sobre esse aspecto claramente reforçam o conhecimento
de que o TOF é o tratamento ideal para CHC em pacientes cirróticos, pois além
da remoção da neoplasia, é removido também o restante do parênquima hepático
com eventuais tumores incipientes, diminuindo consideravelmente a possibilidade
de RT ou surgimento de novos tumores(7, 8).
Estudos sugerem que a presença de lesões satélites e invasão microvascular são
os principais fatores predisponentes ao surgimento de RT(1, 26, 32, 34, 38). Na
presente série, possivelmente em decorrência do número de pacientes estudados,
apenas se constatou uma associação com a presença de invasão microvascular.
O TOF é realidade em diversos Estados brasileiros, porém, devido ao longo tempo
de espera a que os pacientes estão submetidos, fica justificada a utilização da
RH com o intuito de que seja evitada a progressão da neoplasia e a conseqüente
exclusão da lista para o procedimento. No presente estudo, a RH foi utilizada
com esse propósito em cinco casos, sendo que três faleceram em lista de espera
por complicações relacionadas à RT, um foi submetido ao TOF, estando vivo e
livre de neoplasia e um paciente aguarda o procedimento, sem evidência de RT.
Ressalta-se não haver embasamento científico consistente em se firmar a
superioridade de um método a ser proposto, quando o paciente se encontra na
lista de espera (RH, ablação percutânea e quimioembolização)(27, 28, 30). Em
regra, poder-se-ia ofertar alternativa terapêutica aos pacientes quando o
período de espera fosse superior a 6 meses e o método a ser empregado estaria
na dependência da experiência local(28).
Outro aspecto que deve ser contemplado quando se analisa o papel da RH, refere-
se aos resultados conflitantes dos estudos. Assim, ADAM et al.(1) publicaram
estudo que demonstrou diminuição da sobrevida quando a RH foi utilizada como
ponte para o TOF, em comparação ao TOF realizado sem ressecção prévia. Por
outro lado, no mesmo ano, BELGHITI et al.(5) relataram bons resultados nessa
situação, sugerindo que o TOF poderia inclusive ser dispensado nos casos em que
o paciente não apresentasse RT e, se esse evento ocorresse, o procedimento
poderia ser indicado sem comprometer os resultados do procedimento.
O " Barcelona Clinic Liver Cancer" relatou estudo prospectivo(38) no qual o TOF
era indicado, após a RH, nos casos em que a possibilidade de RT fosse elevada
(presença de nódulos satélites, tumores pouco diferenciados, invasão
microvascular ou margens cirúrgicas comprometidas). Foram analisados 17
pacientes, sendo que 8 apresentavam tais características. Entre estes, em sete
foi identificada a presença de RT no explante, contrastando com dois casos em
que esse evento foi encontrado no grupo de baixo risco. Sugeriu-se, portanto,
que o TOF deveria ser indicado, de imediato, após a RH nos casos em que fosse
elevada a possibilidade de RT.
A despeito dos estudos aqui apresentados, reitera-se a importância do trabalho
realizado por LLOVET et al.(26) que demonstra, baseado na determinação do
gradiente de pressão venosa hepática e no nível sérico de bilirrubinas, a
melhor abordagem a ser ofertada a essa população de pacientes.
Considerando os dados obtidos com este trabalho, julga-se que, apesar do
pequeno número de pacientes, o tratamento cirúrgico para o CHC, em fígados
cirróticos, não apresentou bons resultados no que se refere aos principais
desfechos analisados: mortalidade pós-operatória imediata, sobrevida tardia e
recidiva tumoral. A razão principal identificada é que a maior parte dos
pacientes extrapolou os limites atualmente preconizados pela literatura médica
no sentido de que sejam otimizados os resultados com essa alternativa
terapêutica. Torna-se fundamental, portanto, reflexões no sentido de se adotar
uma seleção mais apropriada dos casos.