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BrBRCVHe0004-28032008000200003

BrBRCVHe0004-28032008000200003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2008
Issue0002
Article number00003

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Complicações imediatas e tardias após cirurgia de reservatório ileal na polipose adenomatosa familiar ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Complicações imediatas e tardias após cirurgia de reservatório ileal na polipose adenomatosa familiar

Short-term and long-term postoperative complications after ileal pouch-anal anastomosis in familial adenomatous polyposis

Raquel Franco Leal; Maria de Lourdes Setsuko Ayrisono; Cláudio Saddy Rodrigues Coy; João José Fagundes; Juvenal Ricardo Navarro Góes Grupo de Coloproctologia, Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestório, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP Correspondência

INTRODUÇÃO A polipose adenomatosa familiar (PAF) é uma doença hereditária de caráter autossômico dominante, igualmente distribuída entre os sexos. Origina-se, principalmente, a partir da mutação na linhagem de células germinativas no gene da polipose adenomatosa coli (PAC), resultando em formação de centenas de pólipos colorretais. A principal característica clínica é a evolução para câncer colorretal em quase 100% dos casos, geralmente antes dos 40 anos de idade, se a cirurgia não for realizada. A incidência é de 1/7.000 nascimentos, no entanto, esta estimativa é incerta, uma vez que a doença não é óbvia ao nascimento e algumas vezes pode se manifestar na ou décadas de vida, nas formas atenuadas da doença(2, 3, 4, 29).

A retocolectomia total com confecção de reservatório ileal (RI) é a cirurgia de escolha para a PAF. Desde o seu advento, no final da década de 70(27, 30, 42), o RI tem sido a reconstrução cirúrgica ideal nesses doentes, uma vez que possibilita a retirada de toda a mucosa do cólon e do reto com potencial de formação de pólipos, como também evita a ileostomia definitiva(18, 21, 42).

Este procedimento está indicado nos doentes com PAF que possuem muitos pólipos retais, em geral mais do que 20, ou presença de pólipos com displasia de alto grau no epitélio, condições predisponentes para desenvolvimento de câncer retal (17).

Por ser cirurgia de maior complexidade, os doentes submetidos ao RI estão sujeitos a maior ocorrência de possíveis complicações tanto no pós-operatório imediato quanto tardio, quando comparados àqueles nos quais se faz apenas colectomia total e anastomose ileorretal. No entanto, de maneira geral, a retocolectomia total com RI apresenta aceitável morbidade e baixa mortalidade nos doentes portadores de PAF(9, 18, 21, 24).

Este estudo teve como objetivo demonstrar as complicações pós-operatórias da cirurgia do RI em doentes com PAF que possuíam acometimento colorretal, acompanhados no Ambulatório de Coloproctologia de hospital universitário e compará-las com dados da literatura.

MÉTODOS Trata-se de estudo retrospectivo, descritivo, a partir da análise de prontuários. De janeiro de 1984 a dezembro de 2006, 69 doentes com PAF foram submetidos a retocolectomia total com RI, pelo Grupo de Coloproctologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP.

Obtiveram-se dados gerais como sexo, idade, tempo de seguimento pós-operatório, técnica cirúrgica utilizada, além das complicações ocorridas no pós-operatório imediato (até 30 dias) e tardio.

Quarenta e um doentes (59,4%) eram do sexo feminino, com média de idade, no momento da cirurgia, de 29,6 (13'58) anos. O achado anatomopatológico de adenocarcinoma colorretal in situ ocorreu em 10 doentes (14,4%). Todos foram submetidos a mucosectomia e anastomose ileoanal manual por via endoanal, na linha pectínea, utilizando fio de poliglactina 3.0, sutura com pontos separados. Também foi realizada ileostomia de proteção(15). Em 87% dos doentes, empregou-se a técnica de preservação da arcada do cólon direito(13), como um suplemento à irrigação do RI.

Quanto ao tipo de reservatório utilizado, em 45 doentes (65,2%) foi do tipo " J" (42), 15 (21,7%) em " S" (30) e 9 (13%) em dupla câmara(12). Os reservatórios em " S" e em dupla câmara foram confeccionados com sutura manual, pontos contínuos com fio de poliglactina 3.0 e os em " J" , em sua maioria (35 casos ' 77,8%), foi realizada sutura com grampeador linear.

Os critérios de inclusão foram doentes com PAF submetidos a cirurgia de RI. Os doentes que perderam seguimento não foram excluídos e nestes foram analisadas as complicações até o momento da perda do acompanhamento em ambulatório. O tempo médio de pós-operatório foi de 82 (2-280) meses, sendo que sete doentes perderam seguimento após 3 anos de acompanhamento.

RESULTADOS Doze doentes (17,4%) evoluíram com obstrução intestinal que necessitou de laparotomia. A causa da obstrução foi aderência com acotovelamento de alças de delgado em nove casos, obstrução no local da ileostomia em outros dois e por tumor desmóide em outro. Este último, localizado no mesentério do delgado, foi considerado irressecável à laparotomia e a doença está controlada por meio do uso de antiinflamatório não-esteroidal e tamoxifeno. Não houve complicações relacionadas a estas reoperações (Figura_1).

Estenose cicatricial da anastomose ileoanal ocorreu em 11 casos (15,9%), sendo necessária dilatação com resolução do quadro.

Sete doentes (10,1%) evoluíram com sepse pélvica, necessitando de drenagem por via abdominal ou via pós-anal. Em dois casos foi necessária a retirada do RI da pelve e sua exteriorização na parede abdominal como ostomia (Figura_2).

Isquemia do RI ocorreu em três doentes (4,3%). Um necessitou de laparotomia no dia de pós-operatório, com exteriorização do mesmo na parede abdominal em forma de ostomia. Outro apresentou isquemia crônica, evoluindo com estenose do reservatório. No terceiro doente ocorreu eliminação espontânea do RI após a necrose, no 30º dia de pós-operatório. Não houve mortalidade e a cirurgia de re-reservatório ileal foi empregada em dois destes doentes após 35 meses, em média, da primeira cirurgia, com boa evolução imediata e tardia.

Complicações decorrentes do fechamento da ileostomia ocorreram em quatro casos (5,8%), sendo dois abscessos intra-cavitários, que necessitaram de drenagem cirúrgica. Um doente evoluiu com enterite pseudomembranosa e óbito. Outro apresentou abdome agudo obstrutivo e perfurativo após 3 anos da reconstrução do trânsito intestinal, evidenciando-se à laparotomia, distensão de alças de delgado com perfuração do íleo à montante do local de fechamento da ileostomia, que se apresentava com estenose. Realizou-se sutura da perfuração, dilatação da estenose, lavagem da cavidade e drenagem. O doente evoluiu para óbito no 15º dia de pós-operatório por choque séptico.

A ileíte do reservatório ou " pouchitis" foi evidenciada através do exame endoscópico em dois doentes (2,9%) no pós-operatório tardio. Eles apresentavam febre, aumento do número de evacuações e mialgia. As manifestações clínicas e endoscópicas regrediram após o uso de antibióticos e enemas de corticóide.

Estenose da alça aferente ao RI ocorreu em dois casos (2,9%), com resolução após dilatação com balão pneumático por via endoscópica.

Fístulas relacionadas ao RI ocorreram em dois doentes (2,9%), sendo uma fístula reservatório-vaginal (1,4%), tratada com exteriorização do reservatório na parede abdominal, reservatório refeito (re-reservatório) 24 meses após. Em um doente (1,4%) ocorreu deiscência parcial da anastomose diagnosticada por meio de exame radiográfico contrastado, antes do fechamento da ileostomia.

Um doente (1,4%) evoluiu com abscesso abdominal após 15 dias de uma laparotomia por obstrução intestinal devido a aderências, sendo esta no 25º dia de pós- operatório da cirurgia do reservatório. Realizou-se drenagem cirúrgica com boa evolução (Figura_3).

Dois óbitos (2,9%), mencionados anteriormente, ocorreram no pós-operatório tardio, na evolução de complicações da cirurgia de fechamento da ileostomia. A morbidade, em geral, foi verificada em 44 doentes (63,8%).

DISCUSSÃO Desde a primeira descrição do emprego do RI por PARKS e NICHOLLS(30), em 1978, é aceito que a retocolectomia total com confecção do RI é a cirurgia ideal para o tratamento da PAF com acometimento colorretal, sendo associada à baixa mortalidade e morbidade aceitável, como visto nesta casuística, sendo de 2,9% e 63,8%, respectivamente, ressaltando-se que a mortalidade foi devida a complicações decorrentes do fechamento da ileostomia. Estes dados são próximos aos da literatura, que variaram entre 0% e 0,9% para mortalidade(7, 8, 9, 18, 21, 24, 29, 34, 35) e a taxa de morbidade variando de 13% a 63%. No entanto, em muitos estudos não foram incluídas todas as complicações, sendo enfocadas apenas aquelas consideradas mais importantes(8, 26, 32, 39). No presente estudo considerou-se como morbidade e mortalidade, todas as complicações imediatas, tardias e inclusive as decorrentes do fechamento da ileostomia. Ressalte-se que a colectomia total com anastomose ileorretal constitui a melhor opção para os doentes com PAF com pouco ou nenhum acometimento retal, os quais não foram abordados neste estudo.

LOVEGROVE et al.(24) em uma metanálise, verificaram obstrução intestinal em 17,7% dos pacientes com PAF operados. Outro estudo(35) mostrou 10% de obstrução intestinal após o fechamento da ileostomia de proteção, que necessitou de laparotomia. DOZOIS et al.(7) verificaram 19%, sendo que 5% apenas necessitaram de tratamento cirúrgico. A obstrução intestinal é complicação comum verificada após a cirurgia do RI, sendo de 17,4% no presente estudo.

A incidência da estenose cicatricial da anastomose ileoanal variou de 5% a 38% na literatura(23, 26, 32, 37). Esta grande diferença pode ser explicada em parte, pela variabilidade na definição das estenoses. PRUDHOMME et al.(32) verificaram que 12% dos doentes com PAF com RI evoluíram para estenose da anastomose, sendo que as estenoses com componente fibroso importante eram devidas, principalmente, a complicações como abscesso, fístulas e retração do RI. Na presente casuística, observaram-se 15,9% desta complicação, no entanto todas foram resolvidas com dilatação anal, não sendo necessária ressecção da fibrose com avanço mucoso, como é utilizado nas estenoses com fibrose mais acentuada. Desta forma, pode-se verificar que não constituíram morbidade importante para os doentes.

A isquemia aguda do reservatório constitui uma das causas de perda do RI, com necessidade de laparotomia e exérese do mesmo. A isquemia pode ser também lenta e tardia e, neste caso, poderá ocorrer disfuncionalização progressiva com fibrose do RI e até necessidade de remoção do mesmo. LOVEGROVE et al.(24) mencionaram 4,5% e LEPISTÖ et al.(22), 5,3% de falência do reservatório por isquemia, próximo ao encontrado neste estudo, de 4,3%. Mesmo assim, em dois dos três casos que evoluíram com isquemia do RI, esta poderia ter sido atribuída a não preservação da arcada do cólon direito, pois foram operados no início da casuística, quando não se realizava esta técnica(13). Ainda, deve-se destacar que as anastomoses sempre foram realizadas na linha pectínea, demandando maior alongamento do mesentério do delgado e, portanto, mais sujeitos à isquemia do RI.

Estenose da alça aferente ao RI, bem como complicações decorrentes do fechamento da ileostomia não foram mencionadas isoladamente na literatura.

Apesar desta última complicação ser inerente a qualquer procedimento de fechamento de estoma, nos doentes de PAF com reservatório ileal pode, eventualmente, resultar em maior morbidade.

A ileíte do reservatório ileal ou " pouchitis" ocorre na PAF em 3% a 14% dos casos, sendo uma complicação importante no pós-operatório tardio(1, 19, 24, 25, 28, 41). A causa desta inflamação inespecífica ainda é desconhecida, mas está associada à presença de crescimento acentuado de bactérias, devido à atrofia da mucosa intestinal secundária ao processo inflamatório(5). O diagnóstico se baseia em aspectos clínicos, endoscópicos e histológicos(36). No entanto, este último aspecto parece não interferir substancialmente para o diagnóstico, como SHEN et al.(38) mostraram por meio do índice de atividade de " pouchitis" modificado. Observou-se na presente casuística 2,9% de ileíte do reservatório, índice este abaixo do referido pela literatura. Pode-se considerá-lo como sendo baixo e provavelmente deva-se ao fato de se fazer a preservação da arcada do cólon direito, o que impediria isquemias subclínicas, que desencadeariam o processo inflamatório.

A ocorrência de fístula relacionada ao RI no presente estudo (2,9%) está abaixo da encontrada em outras casuísticas, de 5% a 16%(6, 33, 40). A presença de fístula, que pode ser vaginal, perianal ou perineal, está mais relacionada à doença de base do que à própria técnica cirúrgica utilizada(10), ou seja, os doentes com PAF têm baixo risco para esta complicação, quando comparados aos doentes com doença inflamatória intestinal, submetidos a cirurgia do reservatório ileal(31, 33, 40). Da mesma maneira, apesar da sepse pélvica estar mais relacionada aos doentes com doença inflamatória intestinal, esta complicação é causa importante de morbidade no pós-operatório da cirurgia do RI na PAF. Observaram-se 10,1% de evolução com sepse pélvica neste estudo, próximo ao encontrado na literatura. HEUSCHEN et al.(20) observaram 9,2% em sua casuística e TJANDRA et al.(41), 8% nos doentes com PAF. No entanto, LOVEGROVE et al.(24) em metanálise recente, encontraram apenas 1,7% de ocorrência de sepse pélvica, o que diferiu do resultado encontrado na presente casuística e em todos os demais apresentados.

De qualquer modo, as fístulas e a sepse pélvica são as causas de morbidade após a cirurgia do RI, de mais difícil manejo e que freqüentemente deixam seqüelas ou mesmo resultam na perda do reservatório. Os possíveis fatores que podem desencadear o acúmulo de secreção purulenta na pelve são, principalmente, ocorrência de hematomas retidos e infectados, localizados posteriormente ao RI, e fístulas da sutura do reservatório ileal.

Têm-se observado tendência à diminuição do número de complicações nas análises realizadas no decorrer de outros estudos que revelam a experiência do próprio grupo(11, 14, 15, 16). Assim, a recomendação é que tais procedimentos devam ser realizados por cirurgiões experientes na indicação do tratamento cirúrgico da PAF com escolha da técnica adequada. É importante que tenham experiência na preparação da arcada vascular do íleo terminal visando o RI alcançar com facilidade o canal anal para se evitar tensão na anastomose, assim como comprometimento da viabilidade do RI. Por último, lembrar que o RI excisado por complicações pode ser refeito e que tal procedimento pode ainda oferecer boa qualidade de vida ao doente(14).

CONCLUSÕES A morbidade e mortalidade de 63,8% e 2,9%, respectivamente, foram de acordo com o observado na literatura, e aceitáveis para uma cirurgia complexa como é a retocolectomia total com confecção do reservatório ileal, levado à linha pectínea e em dois tempos operatórios. Apesar da obstrução intestinal ter sido a complicação mais freqüente, é de fácil resolução na maioria dos casos e mesmo aqueles que necessitaram de laparotomia, a morbidade foi pequena. A isquemia do reservatório ileal e a sepse pélvica foram menos freqüentes, mas constituíram importante complicação relacionada à perda ou disfuncionalização do reservatório.

A crescente experiência com este procedimento tem propiciado maior segurança na sua execução e, apesar de ainda existir percentagem razoável de complicações, estas têm sido menos significativas, o que tem estimulado a sua indicação.

Desta forma, é importante atentar para os fatores que eventualmente possam desencadear estas complicações e tentar evitá-las. Além disso, estes resultados têm implicações importantes como informações aos doentes com PAF que são candidatos à cirurgia do reservatório ileal.


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