Aplicação do escore MELD em pacientes submetidos a transplante de fígado:
análise retrospectiva da sobrevida e dos fatores preditivos a curto e longo
prazo
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Aplicação do escore MELD em pacientes submetidos a transplante de fígado:
análise retrospectiva da sobrevida e dos fatores preditivos a curto e longo
prazo
The application of MELD score in patients submitted to liver transplantation -
A retrospective analysis of survival and the predictive factors in the short
and long term
Ilka de Fátima Santana Ferreira BoinI; Marília Iracema LeonardiI; Elisabete
Yoko UdoI; Tiago Sevá-PereiraI; Raquel Silveira Bello StucchiII; Luiz Sergio
LeonardiIII
IUnidade de Transplante de Fígado do Hospital de Clínicas da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - FM-UNICAMP
IIDepartamento de Clínica Médica FM-UNICAMP
IIIDepartamento de Cirurgia da FM-UNICAMP
Correspondência
INTRODUÇÃO
O transplante de fígado vem sendo usado como terapia para doenças hepáticas
terminais desde a década de 80, após sua aprovação pelo National Health
Institute (EUA), em 1983. Desse tempo em diante, o número de transplantes de
fígado no mundo tem aumentado e, conseqüentemente, constatou-se aumento na
mortalidade nas listas de espera dos centros transplantadores em geral.
Uma estratégia utilizada, habitualmente, tem sido a utilização de doadores
conhecidos como não ideais, limítrofes, com critério expandido ou marginais.
Doadores apresentando sorologias para hepatite B ou C, enxertos com esteatose
em graus variáveis, doadores depois de parada cardíaca e enxertos provenientes
de doadores idosos têm sido utilizados com resultados aceitáveis. Outra
estratégia utilizada tem sido a aplicação de fígado bipartido e a doação
intervivos.
Mesmo com a adoção destes novos critérios, observam-se ainda, mundialmente,
altos índices de mortalidade em lista de espera.
Desde 1968 realizam-se transplantes de fígado no Brasil. O programa de captação
de órgãos foi iniciado primeiramente em São Paulo, em 1991 e a distribuição era
feita para as equipes credenciadas junto à Secretaria de Estado da Saúde do
Estado de São Paulo. Após este período, criaram-se as leis sobre a autorização
familiar para fins de realização de transplante cadavérico e sobre o
cadastramento de candidatos a receptores de fígado com doador cadáver(7, 8, 9,
10, 11).
Diversos escores médicos são usados como modelos de prognóstico de gravidade na
literatura médica - alguns focalizam a saúde em geral e outros são específicos
de algumas doenças. A classificação de Child-Turcotte modificada por PUGH et
al.(42), em 1973, foi o modelo vigente até o final da década de 90 para a
avaliação da doença hepática crônica. Recentemente, o escore MELD (Model End-
Stage Liver Disease), foi descrito por MALINCHOC et al.(34), em 2000, como um
modelo matemático capaz de predizer a sobrevida nos primeiros 3 meses em
pacientes submetidos a colocação da derivação percutânea transjugular intra-
hepática portossistêmica (TIPS).
FREEMAN e EDWARDS(21) conduziram um estudo e reportaram que o tempo em lista de
espera não deveria ser o único critério utilizado para alocação de órgãos, pois
não estaria relacionado com a mortalidade observada em lista; também referiram
que já havia evidência de que a sobrevida após transplante era menor em
pacientes mais graves.
Em 2001, KAMATH et al.(30) relataram estudo validando o escore MELD como medida
de risco de mortalidade para pacientes com doença hepática crônica em fase
terminal e que poderia ser utilizado como ordenação de gravidade para alocação
de órgãos. Outras publicações mostraram que a presença de hiponatremia e ascite
persistente pode auxiliar a identificação de um tipo de paciente que apresenta
alto índice de mortalidade a despeito de escores MELD, usualmente menores que
15(28).
Alguns autores, no Brasil, procuraram estudar a utilização desse critério de
ordenação de gravidade, seja comparando a classificação de Child-Turcotte-Pugh
(CTP) mostrando sua validade ou questionando a alocação de órgãos por lista
única pela gravidade do doente com doença hepática crônica(6, 14, 36, 47, 48,
49, 50).
Segundo BAMBHA e KAMATH(3), a introdução do escore MELD tem melhorado a locação
de órgãos para transplante de fígado. FREEMAN(22) e FREEMAN et al.(21, 23, 24)
reportaram que houve na era pós-MELD 12% menos inscrições de pacientes com MELD
menores do que 10. Houve aumento de 10,2% no número de transplantes realizados
e diminuição de 3,5% de óbito em lista de espera.
O escore MELD foi maior na era pós do que na pré-MELD. Verificaram também que
não houve diferenças estatísticas significantes quando se analisou a sobrevida
pós-transplante de fígado, embora o paciente mais grave (conceito de "sickest
first" (em pior estado clínico)), tivesse sido transplantado e o tempo de lista
tenha sido reduzido de 656 para 416 dias(2, 3, 20, 21, 31).
Estudo de 105 pacientes com síndrome hepatorrenal sugere que o escore MELD pode
ser bom preditor de mortalidade para pacientes com síndrome hepatorrenal tipo 2
em pacientes com MELD maior ou igual a 20(1, 2). A sobrevida em 3 meses foi
maior que 90% para pacientes com MELD menor ou igual a 20 e de 60% para os com
MELD maior que 20. O escore MELD mostrou-se como melhor preditor de sobrevida
do que a falência renal isolada, provavelmente porque o modelo matemático
abrange as avaliações hepática e renal concomitantemente.
Em 2006, o consenso nacional (MESSAGE) para estudos do escore MELD(4, 5, 6, 7,
8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 25) não incorporou o
sódio sérico ou a presença de ascite ao escore MELD.
FENG et al.(19), em estudo realizado em 20.023 transplantes de fígado,
analisaram 90.882 doadores (UNOS/OPTN-USA)(18) em receptores adultos e
identificaram fatores com significante risco de perda do enxerto. Por meio do
modelo de regressão de Cox conseguiram identificar sete características que,
independentemente, foram capazes de predizer riscos de falência de enxerto de
modo significativo (idade do doador acima de 40 anos, doação após parada
cardíaca, realização de bipartição do fígado, ser afro-americano, altura e
causa da morte encefálica). Criaram um índice de risco do doador (IRD) que pode
ser informado aos centros transplantadores.
SILBERHUMER et al.(48), em estudo retrospectivo, examinaram uma combinação
entre o escore MELD, delta-MELD e doador com critério expandido (DCE).
Concluíram que o delta-MELD foi significantemente maior em pacientes que foram
a óbito e, quando associado a pelo menos dois critérios expandidos, foi
significantemente associado à falência do enxerto e óbito. Concluíram que
receptores mais graves não devem receber órgãos de DCE.
Questionamento feito por CHOLONGITAS et al.(15) foi o fato de, estando o
paciente mais grave em primeiro lugar em lista de espera, nem sempre receberá o
melhor órgão e sim o que lhe for designado e certamente esta atitude não lhe
dará a melhor chance de sobrevida. Descrevem ainda que o impacto da mortalidade
foi avaliada em 15 estudos envolvendo 20.456 pacientes. Em 11 estudos (19.311
pacientes), observaram níveis de escore MELD entre 24-40, com baixa
probabilidade de sobrevida(24).
No Brasil a ordenação do critério MELD foi feita em maio de 2006(8), mas a
análise do presente estudo foi proposta para os pacientes submetidos a
transplante antes da Portaria Ministerial 1160/GM.
O objetivo deste estudo foi verificar a aplicação do escore MELD como predição
da sobrevida após o transplante.
MÉTODOS
A presente investigação foi realizada por intermédio de um banco de dados
coletados prospectivamente. Trata-se de estudo de coorte longitudinal
retrospectivo, feito em um único centro, com 312 transplantes de fígado
realizados em 290 pacientes na Unidade de Transplante Hepático do Hospital de
Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, SP, no período
de junho de 1994 a julho de 2006.
População de estudo
Os pacientes incluídos, independentemente da raça ou do sexo, eram adultos
(maiores de 18 anos) e foram submetidos a transplante de fígado pela técnica de
preservação da veia cava do receptor ("piggy-back"), independentemente do tipo
de reconstrução venosa supra-hepática realizada.
Dentre os 312 transplantes de fígado excluíram-se os 22 retransplantes
realizados. Dos 290 pacientes foram excluídos 58 (crianças, insuficiência
hepática fulminante, uso de técnica tradicional, uso de enxertos duplos,
dextrocárdicos e uso de enxertos reduzidos).
Os 232 pacientes foram estudados desde a inclusão na lista e realização do
transplante, sendo os mesmos acompanhados no Ambulatório da Unidade de
Transplante Hepático da instituição até a ocorrência do óbito ou por
solicitação de transferência para outro centro transplantador.
Todos receberam o enxerto hepático de doadores cadáveres. A distribuição
vigente foi por ordem cronológica de inscrição, segundo as portarias
ministeriais vigentes até julho de 2006.
As variáveis coletadas do doador, fornecidas pela Organização de Procura de
Órgãos (OPO-UNICAMP), foram: sexo, idade (anos), raça, peso (kg), altura (cm),
tipo sangüíneo, tempo de tubagem orotraqueal (horas), valor da creatinina
sérica (mg/dL), valor da bilirrubina total sérica (mg/dL), valor do sódio
sérico (mEq/L), valor da aspartato aminotransferase (AST) sérica em UI/L,
antecedente de alcoolismo (sim ou não), antecedente de infecção na internação
que precedeu a morte encefálica (sim ou não), antecedente de parada
cardiorespiratória (PCR) na internação que precedeu à morte encefálica (sim ou
não), antecedente de hipotensão arterial na internação onde ocorreu a morte
encefálica (sim ou não), causa da morte encefálica, local de retirada e
distância (km) até o centro transplantador, presença de esteatose macro ou
microgoticular (a biopsia hepática foi realizada quando a macroscopia indicava
alguma alteração) e número de critérios expandidos.
As variáveis pré-operatórias do receptor, anotadas imediatamente antes da
realização do transplante, foram: sexo, idade, peso (kg), altura (cm), IMC
(índice de massa corporal em kg/m2), doença, CTP e data da cirurgia. Os valores
a seguir foram os da data da inclusão do paciente em lista e aqueles
imediatamente anterior à cirurgia do transplante: international normalized
ratio (INR) bilirrubina total sérica (mg/dL), valor da creatinina sérica (mg/
dL), depuração de creatinina estimada (mL/minuto/1,73 m2), sódio sérico (mEq/
L), glicemia (mg/dL), albumina (g/dL). Calculou-se o escore MELD na data de
inclusão do paciente em lista e imediatamente antes do transplante.
As variáveis intra-operatórias do receptor foram: a) em minutos: tempo de
isquemia quente, tempo de isquemia fria, tempo da hepatectomia e tempo de
cirurgia; b) em unidades transfundidas: concentrados de hemácia, plasma fresco
congelado, plaquetas, albumina, crioprecipitado e sangue recuperado (mL).
As variáveis pós-operatórias do receptor foram: tempo de estadia na UTI (dias),
tempo de tubagem orotraqueal (horas), tempo de internação hospitalar (dias),
valor máximo da creatinina sérica nos primeiros 7 dias (mg/dL), depuração de
creatinina referente a este valor, valor máximo de alanino aminotransferase
(ALT) nos primeiros 7 dias (UI/L), valor máximo de INR nos primeiros 7 dias,
realização ou não de retransplante, grau de disfunção do enxerto, presença ou
não de falência primária do enxerto, causa da morte e registro da data da
última visita até 30 de dezembro de 2006 ou do óbito.
Definição de conceitos
a) Escore MELD
O escore MELD foi calculado segundo a fórmula abaixo, disponível em: http://
www.unos.org/resources/MELDPeldCalculator.asp
{0,957 x log e [creatinina (mg/dL)] + 0,378 x log e [bilirrubina (mg/dL)] +
1,120 x log e (INR) + 0,643} * 10
Os receptores foram analisados em dois grupos acima ou igual a MELD 25 e acima
ou igual a MELD 20 para efeito de análise e correlação com outras variáveis.
b) Delta-MELD
O escore delta-MELD(17, 21) foi definido como sendo o valor do MELD calculado
na data da cirurgia do transplante de fígado subtraído do valor do MELD na
época da inscrição do paciente na Central de Transplante da Secretaria do
Estado da Saúde de São Paulo.
c) Depuração de creatinina
A depuração de creatinina foi calculada segundo a fórmula de COCKCROFT e GAULT
(16) = [{140-idade (anos)} x peso (kg) / 72 x creatinina sérica (mg/dL)] x 0,85
(para mulheres), medida esta expressa em mL/min/1,73m2.
d) Classificação de Child-Turcotte-Pugh (CTP)
Utilizou-se a classificação de Child-Turcotte, modificada por Pugh et al. em
1973(43), para a colocação dos pacientes em lista única de espera de
transplante de fígado(7).
e) Hiponatremia
Foi definido como hiponatremia a concentração de sódio sérico igual ou inferior
a 130 mEq/L, de acordo com a classificação do Clube Internacional de Ascite
(32).
f) Graus de disfunção do enxerto
Foi considerado como PCR o paciente que foi a óbito durante a realização do
transplante de fígado, independente da causa. Foi considerado como falência
primária do enxerto o paciente que foi a óbito nos primeiros 7 dias, segundo o
conceito da UNOS (United Network Organ Sharing)(18), que a define como presença
de AST maior que 5000 UI/L e INR maior ou igual a 2,5 ou acidose (pH <7,30 -
arterial ou pH <7,25 - venoso) ou lactato maior ou igual a 4 mMol/L). Foi
considerado como disfunção primária do enxerto o paciente que apresentou
disfunção grave do enxerto e que foi a óbito nos primeiros 30 dias. Foi
considerado como disfunção do enxerto (DF) o paciente que apresentou dosagem
sérica de ALT acima de 1000 UI/L (DF1); DF2 quando a ALT ficou entre 1001 UI/
L e 2499 e DF3 quando a dosagem foi maior que 2500 UI/L. Esta classificação foi
adaptada dos critérios de HEISE et al.(27), em 2003.
g) DCE
DCE ficou como sendo o número de variáveis do doador fora do padrão ideal(12)
proposto por SILBERHUMER et al.(48), que variaram de 1 até 5.
h) IRD
Utilizou-se o IRD relatado por FENG et al.(19), que leva em consideração o
tempo de isquemia fria, a causa da morte do doador (traumática, anóxica,
acidente vascular hemorrágico e outras; a idade, altura, distância da cidade de
procedência e raça do doador (branca, negra e outras)). Foram agrupados em
intervalos de risco, relacionados à probabilidade de sobrevida, conforme
citação dos autores, em intervalos: IRD menor ou igual a 1,20; entre 1,21 e
1,40; entre 1,41 e 1,60; entre 1,61 e 1,80; maior que 1,81 e o ponto de corte
foi 1,7, de acordo com MALUF et al.(35).
Para estudo da probabilidade de sobrevida, a idade ideal considerada 50 anos,
utilizando como referência HOOFNAGLE et al. (29).
A anestesia utilizada foi geral, endovenosa, com ventilação controlada mecânica
e monitorização hemodinâmica contínua, de acordo com o protocolo do
Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
O protocolo de imunossupressão utilizado foi o esquema tríplice com: a)
inibidores de calcineurina: ciclosporina A na dose de 4-8 mg/kg/dia em duas
doses diárias, procurando-se alcançar níveis entre 200-400 ng/mL nos primeiros
3 meses, 150-300 ng/mL até o 6º mês e de 80-150 ng/mL após o transplante ou
tacrolimus na dose de 0,1 mg/kg/dia, em duas doses diárias, procurando-se
alcançar níveis entre 8-12 ng/mL nos primeiros 6 meses e entre 5-10 ng/mL após;
b) inibidores da síntese de purina: azatioprina 50 mg/dia (usada até 1999),
micofenolato mofetil na dose de 1000 a 2000 mg/dia após 2000 e micofenolato
sódico na dose de 720 a 1480 mg/dia, após 2006; c) corticoesteróides:
metilprednisolona 1,0 g após a reperfusão, 200 mg no 1º dia, 100 mg no segundo
e redução até 20 mg até o 7º dia e manutenção desta dose até o 30º dia, 15 mg
até o 60º dia, 10 mg até o 90º dia pós-operatório e retirada do medicamento,
com exceção dos pacientes com doença auto-imune.
Análise estatística
A caracterização das variáveis dos casos da amostra encontra-se na Tabela_1. A
curva ROC ("receiver operating characteristic curve") foi utilizada para se
verificar o poder de discriminação do escore MELD, delta-MELD, e CTP para a
predição de mortalidade. Para se verificar associação ou comparar proporções
foi utilizado o teste do Qui ao quadrado ou teste exato de Fisher, quando
necessário.
O estudo dos vários fatores associados ao óbito foi realizado por meio da
análise de regressão logística (modelo logito). Inicialmente, foi realizada
análise univariada de cada um dos fatores de interesse, previamente
selecionados por sua importância clínica e a seguir foi feita análise múltipla,
usando-se o critério passo a passo.
A análise da sobrevida foi realizada utilizando-se o método de Kaplan-Meier e a
comparação entre as distribuições foi realizada usando-se o teste log-rank.
Utilizou-se a análise de regressão de Cox para a variável tempo de sobrevida
ajustada para as condições clínicas. O nível de significância (P) adotado em
todas as análises foi de 5%. Foi utilizado o programa Statistica 7.0 (2005) -
EUA para a realização dos testes estatísticos e gráficos.
RESULTADOS
Dos 232 pacientes, 170 (73,3%) eram homens e 62 (26,7%) mulheres, com idade
média de 46,4 ± 10,3 anos. A hepatite por vírus C foi a causa mais freqüente
(119 = 51,1%). A maioria (83,6%) dos pacientes apresentou IMC <30. A causa da
morte encefálica do doador foi traumática em 123 (53,1%), seguida do acidente
vascular cerebral hemorrágico em 84 (36,2%). Detectou-se que 13 (6,9%)
pacientes necessitaram de retransplante.
A utilização da curva ROC mostrou que as variáveis MELD e delta-MELD não foram
boas para discriminar significantemente os que sobreviveram, daqueles que foram
a óbito no período pós-operatório. O que se pode observar é que o ponto de
corte (índice de Youden) foi 20 para MELD, >-1,5 para delta-MELD, significando
que quanto maior o valor, maior é o risco de óbito. Apenas o escore Child-Pugh
(corte >11,5) foi capaz de diferenciar significantemente um grupo do outro (P =
0,02).
A influência do número de critérios expandidos do doador sobre a presença de
disfunção ou falência do enxerto encontra-se na Figura_1.
Após análise de regressão univariada, verificou-se que os pacientes com maior
risco de óbito foram: os que receberam maior quantidade de hemácias (a cada
unidade de hemácias o risco de óbito aumenta 6% ou 1,06 vezes), menor valor de
depuração de creatinina (a cada unidade, o risco de óbito diminui 2%), maior
valor de ALT após o transplante (a cada 1.000 UI/L de ALT o risco de óbito
aumenta 24%) e maior idade do doador (receptores de doadores com 50 ou mais
anos de idade têm risco 5 vezes maior de óbito).
A seguir, efetuou-se um modelo múltiplo com as variáveis de hemoderivados e,
pelos resultados, verificou-se influência significativa apenas da variável
quantidade de hemácias transfundidas em relação ao óbito (P = 0,001; OR = 1,14;
IC = 1,06-1,22).
Pela análise da regressão de Cox para a variável dependente 'tempo de
sobrevida', estratificada para variável sódio menor ou igual a 130 mEq/L, pode-
se observar que para cada unidade a mais de hemácias transfundida a razão de
risco aumenta 4%. Para cada 1.000 mL de sangue recuperado o risco aumenta 8,5%.
Para cada 1.000 UI/L de ALT o risco aumenta 8%.
Pela análise de regressão de Cox para a variável dependente 'tempo de
sobrevida', estratificada para a variável MELD acima ou abaixo de 20, pôde-se
observar que para cada unidade a mais de hemácias transfundida a razão de risco
aumenta 5,2%. Para cada 1 000 mL de sangue recuperado o risco aumenta 9,5%.
Para cada 1.000 UI/L de ALT o risco de óbito aumenta 5,4% e para cada unidade a
mais de sódio do doador o risco aumenta 2,1%. (χ2 = 99,659; P <0,0001).
Observou-se que apresentaram menor sobrevida: os pacientes com MELD igual ou
maior que 25, os pacientes hiponatrêmicos, os receptores com IRD estratificado
maior de 1,7 e aqueles que utilizaram doadores acima de 50 anos (Figuras_2_a
5).
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos neste estudo mostraram que a causa mais freqüente das
doenças hepáticas que levaram ao transplante foi a hepatite por vírus C. A
idade média observada foi de 46,4 anos, com predominância do sexo masculino
(73,28%). A mortalidade ocorreu mais entre as mulheres. MACHICAO et al.(33)
admitem também que a incidência mais freqüente foi de pacientes com hepatite C,
do sexo masculino e com idade média semelhante entre os pacientes submetidos a
transplante de fígado.
FENG et al.(19) relataram um estudo realizado em 20.023 transplantes de fígado
e analisaram 90.882 doadores (UNOS/OPTN-USA)(18, 40) em receptores adultos e
identificaram fatores com significante risco de perda do enxerto. Criaram IRD,
que pode ser informado aos centros transplantadores e possibilitar melhores
alocações minimizando a morbidade e a mortalidade dos receptores.
Neste estudo, a maior causa de mortalidade do doador foi o trauma
cranioencefálico (53,03%), seguido de acidente vascular cerebral hemorrágico
(36,20%). A cidade de procedência do doador variou e observou-se que a captação
local foi baixa, devendo ser estimulada tanto a notificação, quanto a busca
ativa para que estes índices possam ser melhorados. Quando se procede à
captação em cidades mais longínquas, obtém-se, proporcionalmente, maior tempo
de isquemia fria. Neste estudo o uso de doadores com IRD maior que 1,7 resultou
em menor sobrevida. Entretanto, não foi observada diferença quando este índice
foi associado à estratificação do escore MELD.
Na presente série, o uso de doadores com 50 anos ou mais aumentou o risco de
óbito em 5 vezes na análise univariada. Mesmo sabendo do risco do uso de
doadores 'idosos', observou-se na literatura o uso dos mesmos e afirmação
indubitável é que, o fundamental para alocação de órgãos em transplante,
permanece sendo a necessidade de doadores para que os mesmos ocorram.
Em alguns estudos observa-se que a sobrevida declina rapidamente durante o 1º
ano após o transplante e se mantém em um patamar após este período(26), sendo
de 83% ao final de 12 meses, de 72% após o 5º ano e 58% ao final de 10 anos e a
sobrevida para os pacientes com escore MELD acima de 36, ao final do 10º ano,
foi de 40%(22, 23, 24, 25, 26, 27). No Brasil a sobrevida tem sido menor e isto
pode ser devido ao expressivo número de doadores com critérios expandidos
utilizados(45).
No presente estudo, o escore MELD médio e a pontuação de Child-Pugh, e o tempo
de isquemia fria foram semelhantes aos encontrados na literatura(26, 44), sendo
observado que os pacientes de MELD menor que 25 apresentaram maior tempo de
sobrevida.
RUSSO(46) ressaltou, analisando alguns trabalhos(4, 5, 28), que o sódio sérico,
independentemente, foi fator de risco para mortalidade em análise multivariada.
Em relação à hiponatremia, observou que os pacientes hiponatrêmicos apresentam
menor sobrevida a curto e a longo prazo.
MACHICAO et al.(33) afirmaram que a implementação do escore MELD não teve
influência significante para se verificar a ocorrência de falência renal
(depuração de creatinina abaixo de 60 mL/min/1,73 m2) nos primeiros 2 anos após
transplante de fígado, mesmo utilizando receptores com níveis de creatinina
mais altos do que na era pré-MELD.
Neste estudo, utilizando os critérios propostos por PARAMESH et al.(41),
verificou-se não haver diferença estatisticamente significante em relação à
sobrevida, entre pacientes com ou sem disfunção renal.
A prevenção de perda excessiva de sangue é um importante objetivo durante a
realização de transplante de fígado, em conseqüência da associação com
prolongada recuperação, aumento da morbidade e diminuição da sobrevida. Embora
transfusões maciças ainda aconteçam, 10% a 50% das cirurgias de transplante
cursam sem requerer transfusões de sangue(13, 37, 38, 39, 43). No presente
estudo, 8,62% dos pacientes não foram submetidos a transfusão sangüínea durante
a realização do transplante de fígado.
A transfusão de mais de seis unidades de concentrados de hemácias tem sido
relacionada à reduzida sobrevida após o transplante de fígado(43). É notória a
associação de politransfusão e complicação pós-operatória, mas poucos estudos
têm demonstrado a associação de número de concentrados de hemácias
transfundidas como fator preditivo de sobrevida.
XIA et al.(51) estudaram retrospectivamente um grupo de 124 pacientes
submetidos a transplante e concluíram que aqueles com escores MELD altos
exigiram maior quantidade de hemoderivados e vasopressores. A média do escore
MELD obtido pelos autores foi de 22 (no grupo que foi politransfundido) e de 13
(no grupo sem politransfusão). As morbidades associadas à politransfusão foram
a presença de síndrome hepatorrenal, de ascite, de encefalopatia e de varizes
esôfago-gástricas.
Nesta série observou-se que os pacientes submetidos a politransfusão
apresentaram menor sobrevida, incluindo aqueles que utilizaram a recuperação
sangüínea autóloga. É interessante esta observação, já que com a aplicação do
escore MELD trabalha-se com doentes cada vez mais graves e sujeitos a esta
intercorrências clínicas.
O uso do critério MELD é interessante na alocação de órgãos num sistema que
envolve grande número de equipes transplantadoras e número significativo de
pacientes em lista de espera. Observa-se que os pacientes hiponatrêmicos, não
sendo contemplados com situação especial, terão menor sobrevida tanto em lista
de espera, conforme relatado na literatura, assim como após a realização do
transplante.
A utilização de receptores mais graves associada a doadores com critério
expandido, podem levar a menor sobrevida e talvez a utilização do IRD seja útil
para melhorar a alocação dos órgãos disponíveis.
Concluindo, observou-se que, embora se tenha estudado e analisado vários
parâmetros dos doadores e dos receptores, quanto mais grave o receptor, maiores
chances de morbidade e mortalidade deverão ser previstas e coibidas. No Brasil,
além da escassez de doadores, pode-se utilizar número substancial de doadores
com critérios expandidos. A adição desses critérios tem aumentado o potencial
de doação de órgãos, mas torna necessário ajuste entre a oferta de doadores com
muitos critérios expandidos a receptores mais graves. A transfusão maciça deve
ser evitada, o uso de doadores idosos deve ser criterioso e os pacientes
hiponatrêmicos devem ser contemplados com algum tipo de bonificação.