Evolução clínica e endoscópica após fundoplicatura para tratamento da doença do
refluxo gastroesofágico
GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICA PEDIATRIC GASTROENTEROLOGY
Evolução clínica e endoscópica após fundoplicatura para tratamento da doença do
refluxo gastroesofágico
Clinical and endoscopic outcome after Nissen fundoplication for
gastroesophageal reflux disease
Alessandra Maria Borges VicenteI; Sílvia Regina CardosoII; Maria de Fátima
Correia Pimenta ServidoniII; Luciana Rodrigues de MeirellesIII; Joaquim Murray
Bustorff SilvaIV; Elizete Aparecida Lomazi da Costa-Pinto
IFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - FCM-UNICAMP
IIServiço de Endoscopia Pediátrica, Hospital das Clínicas - HC-UNICAMP;
Departamentos de Anatomia Patológica, Gastrocentro-UNICAMP
IIIDepartamentos de Anatomia Patológica, Gastrocentro-UNICAMP
IVCirurgia Pediátrica e Pediatria - FCM-UNICAMP
Correspondência
INTRODUÇÃO
Na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), a passagem involuntária do
conteúdo gástrico para o esôfago causa repercussão negativa sobre a saúde da
criança(26). Podem ocorrer alterações relacionadas à nutrição, à mucosa
esofágica, à função respiratória ou ao aparecimento de sintomas
neurocomportamentais(6). Para as crianças com DRGE associada a complicações
graves e/ou à doença crônica, as melhores opções terapêuticas são o tratamento
medicamentoso com inibidor de bomba de prótons e a cirurgia antirrefluxo(14,
35).
As recomendações para o uso dos inibidores de bomba de prótons em crianças e
adolescentes são variadas nos diversos países. A falta de dados sobre o uso
desses fármacos em pacientes pediátricos, em longo prazo, é lacuna que limita o
uso clínico. O tempo máximo de uso dessas medicações, registrado como seguro e
eficaz, foi de 36 meses(14, 35).
A técnica de fundoplicatura descrita por Nissen é a mais frequentemente usada
na faixa etária pediátrica(6, 15, 38). O objetivo da cirurgia é interromper o
refluxo gastroesofágico por meio de uma combinação de mecanismos antirrefluxo.
O tratamento cirúrgico está indicado, principalmente, quando há falha do
tratamento clínico ou na presença da DRGE complicada. Fundoplicatura é mais
frequentemente indicada em crianças maiores e naquelas com risco para DRGE
grave, entre elas, encefalopatas crônicos, em particular a encefalopatia
crônica não progressiva (ECNP), pacientes com doença respiratória crônica ou
pacientes operados por atresia de esôfago. Nesses pacientes, morbidade pós-
operatória e insucesso cirúrgico são mais comuns(6, 26).
O índice de falha da técnica cirúrgica pode variar de 5% a 20% das crianças
operadas, dependendo principalmente, da presença de doenças associadas, sendo
que as maiores taxas de recurrência ocorrem em pacientes encefalopatas crônicos
ou com problemas respiratórios crônicos(3, 28, 37, 38). Do ponto de vista
anatômico, as principais causas de recurrência da DRGE são desmanche parcial ou
total da fundoplicatura(25) e, menos frequentemente, a migração da válvula
antirrefluxo para o tórax. A válvula cirúrgica pode gradualmente tornar-se
incompetente, mas não existem informações precisas sobre latência e
regularidade dessa ocorrência(26). O tempo ideal de seguimento nos pacientes
operados e o instrumento adequado de monitorização não estão adequadamente
estabelecidos.
O presente estudo foi realizado com o objetivo de identificar, em crianças e
adolescentes que realizaram fundoplicatura para tratamento de DRGE, a
frequência de anormalidades na válvula antirrefluxo e de complicações
relacionadas à DRGE. A avaliação foi feita por meio do exame de endoscopia
digestiva alta (EDA), comparando as frequências entre os pacientes, de acordo
com a presença de encefalopatia crônica. As informações provenientes poderão
ser úteis para a definição de um protocolo de acompanhamento pós-operatório.
MÉTODOS
Casuística
Estudo transversal e descritivo foi conduzido no período de maio de 2004 a
fevereiro de 2007. As características pós-operatórias da válvula antirrefluxo,
realizada para tratamento de DRGE em 45 crianças e adolescentes foram
examinadas por meio de EDA. Esses pacientes foram identificados pelos registros
cirúrgicos num hospital escola e convocados por telefone e/ou telegrama.
Os critérios de inclusão no estudo foram: 1. pós-operatório de um único
procedimento cirúrgico de fundoplicatura para DRGE, e 2. diagnóstico de DRGE
firmado com bases clínicas e investigação mínima com um exame complementar.
Foram excluídos os doentes com malformação esofágica ou estenose cáustica de
esôfago, os com dados incompletos no prontuário, os que não concordaram em
participar do estudo e aqueles não encontrados pelas vias de comunicação do
Serviço Social do hospital, por meio de telefone ou telegrama.
Noventa e três pacientes foram operados durante o período considerado. Os
motivos que não permitiram a inclusão de 48 pacientes no estudo foram: não
localização (n = 22), não concordância para realizar a avaliação endoscópica (n
= 8), óbito (n = 7), atresia de esôfago ou estenose cáustica de esôfago
associada à DRGE (n = 5), mais que um procedimento cirúrgico de fundoplicatura
(n = 3), cirurgia realizada sem confirmação por exame complementar da DRGE (n =
2) e paciente operado com idade próxima a 19 anos que saiu do acompanhamento no
serviço (n = 1).
A indicação da cirurgia foi baseada na história clínica e nos exames
complementares de investigação. A maior parte dos pacientes (62,2%) fez dois ou
mais exames complementares diagnósticos, confirmando DRGE.
Todos os pacientes haviam sido tratados com medidas posturais antirrefluxo,
agentes procinéticos, inibidores do receptor H2 da histamina e/ou inibidores de
bomba de prótons, previamente à indicação cirúrgica.
Em 35 (77,8%) pacientes a cirurgia foi a descrita por Nissen, com via de acesso
laparoscópica e nos outros 10 por laparotomia (22,2%). Em 17 pacientes a
fundoplicatura foi associada à gastrostomia, pela técnica de Stamm, em 3
pacientes à piloroplastia, pela técnica de Heineke-Mikulicz, e em 3 pacientes a
fundoplicatura foi combinada à gastrostomia e piloroplastia.
Métodos
De maio de 2004 a fevereiro de 2007, os pacientes incluídos foram convocados
para entrevista e exame de EDA. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2007, os
prontuários foram revisados e registrados dados referentes à evolução
(necessidade de nova fundoplicatura e óbito). Desta maneira, o tempo total de
avaliação foi de 12 a 48,2 meses.
Os exames de EDA foram realizados pela equipe de Endoscopia Pediátrica do
hospital escola, utilizando-se o aparelho de videoendoscopia da marca Pentax ou
Olympus. Dedicou-se atenção especial para a região do cárdia, por meio da
manobra de retroversão, para visualização da válvula antirrefluxo.
Foram utilizados como critérios diagnósticos de anormalidades da
fundoplicatura, os descritos por LUOSTARINEN(23):
migração da válvula antirrefluxo para o tórax (válvula íntegra,
porém deslocada), hiato diafragmático alargado, ou
fundoplicatura desfeita parcial ou totalmente: presença de pregas
frouxas e distorcidas (parcial), ou ausência de pregas (total), ou
migração da válvula antirrefluxo para o tórax associado à
fundoplicatura desfeita parcial ou totalmente.
A classificação utilizada para diagnóstico endoscópico de esofagite foi a do
Sistema Los Angeles, criado em 1994 e modificado em 1999(21, 22, 27, 30).
Foi realizada biopsia em esôfago distal em 37 dos 45 pacientes (82,2%). Obteve-
se pelo menos dois fragmentos, com distância proximal mínima de 2 cm da
transição esôfago-gástrica. O estudo histológico foi realizado sempre pelo
mesmo profissional e pelo pesquisador. Os dois fragmentos de tecido foram
mensurados e avaliados, sendo considerado o de maior dimensão, para graduação
histológica. Não houve acesso ao laudo histológico prévio e ao laudo
endoscópico do paciente durante a revisão de lâminas. A classificação utilizada
para diagnóstico histológico de esofagite foi a de GEBOES, publicada em 1991(9,
34):
grau normal
0:
grau a) hiperplasia de zona basal
1:
b)alongamento de papila estromal
c) congestão vascular
grau células polimorfonucleares no epitélio, lâmina própria ou
2: ambos
grau polimorfonucleares com defeito epitelial
3:
grau ulceração
4:
grau epitélio colunar aberrante
5:
Análise dos dados
Os dados obtidos foram armazenados e analisados com o programa SPSS versão 7.5
(SPSS Inc. Chicago, IL, EUA). A comparação de frequências para variáveis
categóricas, entre dois grupos, encefalopatas ou não, foi feita por meio de
tabelas 2 X 2 e aplicado teste do qui ao quadrado ou teste exato de Fisher. O
nível de significância adotado foi de 5 %.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, SP, sem restrições
(parecer número 160/2004). Todos os responsáveis pelos pacientes assinaram
termo de consentimento informado.
RESULTADOS
Descritivo da casuística
O estudo avaliou 45 pacientes que realizaram fundoplicatura para tratamento de
DRGE. Vinte e seis pacientes (57,8%) eram do sexo masculino. A idade, no
momento do estudo e respectiva avaliação endoscópica pós-operatória, variou de
16 meses a 16,9 anos, com média de 7,4 anos, mediana de 7,6 anos e desvio
padrão de 4,4 anos, coincidindo com período pós-operatório mínimo de 12 e
máximo de 30 meses. Oito pacientes foram operados com idade inferior a 1 ano e
26 tinham encefalopatia crônica (57,8%).
EDA pré-operatória
Vinte e seis pacientes tinham realizado EDA no pré-operatório, os diagnósticos
foram de esofagite péptica (22/26), subestenose ou estenose de esôfago (7/26),
hérnia hiatal por deslizamento (7/26) e suspeita de esôfago de Barrett (1/26),
não confirmada na biopsia.
Complicações imediatas pós-fundoplicatura
Sete pacientes (15,5%) apresentaram complicações no pós-operatório imediato ou
precoce, a saber, pneumonia, pneumotórax, infecção no sítio de gastrostomia,
prolapso de mucosa gástrica pelo orifício da gastrostomia com sangramento, e
deiscência da ferida operatória. Somente esta última complicação foi tratada
com novo procedimento cirúrgico. Quase metade (42,8%) dessas complicações
ocorreu em pacientes menores de 1 ano e operados via laparotomia. Embora a
frequência de complicações entre as crianças com encefalopatia crônica (71,5%)
tenha sido superior à observada entre as crianças neurologicamente saudáveis
(28,5%), essa diferença não foi significante. A frequência de complicações foi
superior quando a cirurgia foi realizada por laparotomia (4/10) versus a via
videolaparoscópica (3/35), P= 0,034 (teste exato de Fisher).
EDA pós-operatória
Quanto aos achados endoscópicos pós-operatórios, verificou-se retorno ou
persistência de esofagite péptica em 6 dos 45 pacientes (13,3%). Além deste
achado, foram observados cinco casos de hérnia paraesofagiana, dos quais quatro
eram encefalopatas crônicos. Em três dessas crianças a hérnia estava associada
à presença de esofagite erosiva.
Em três pacientes a válvula antirrefluxo apresentava deslocamento para o tórax,
um dos quais evoluiu para o desmanche parcial da válvula. Este último paciente
foi posteriormente reoperado para a correção deste problema. Um paciente
apresentava desmanche total da válvula, associado à subestenose de esôfago e
esofagite péptica grau D de Los Angeles, sendo necessária nova fundoplicatura.
Não houve diferença significante em relação aos achados endoscópicos
relacionados ao esôfago entre os pacientes com ou sem encefalopatia crônica
(Tabela_1).
Ocorreu melhora da inflamação no esôfago após a cirurgia na maioria dos
pacientes com anormalidades endoscópicas no pré-operatório. A esofagite
desapareceu ou tornou-se mais leve (grau A ou B de Los Angeles) em todos os
exames de EDA no pós-operatório, exceto em um paciente, com diagnóstico de
esofagite grau D de Los Angeles, no pré e pós-operatório.
O status pós-operatório foi classificado como fundoplicatura continente e bem
posicionada em 41 pacientes, fundoplicatura intratorácica em 3 e desmanche
total da fundoplicatura em 1 caso. Não houve associação entre ocorrência de
encefalopatia e alteração endoscópica da fundoplicatura, P = 0,62, teste de
Fisher (Tabela_2).
A presença de esofagite péptica esteve relacionada à presença de anormalidades
na válvula antirrefluxo, P = 0,005, teste exato de Fisher.
A condição da fundoplicatura não se correlacionou com a presença de esofagite
no exame endoscópico de pré-operatório (P = 0,474, teste exato de Fisher),
assim como, não houve correlação com a presença de esofagite grave,
considerando graus C e D de Los Angeles (P = 0,087, teste exato de Fisher). Não
foi verificada correlação estatística entre sucesso da fundoplicatura e
realização de gastrostomia (P = 0,368, teste exato de Fisher) e piloroplastia
(P = 0,713, teste exato de Fisher) no mesmo ato cirúrgico.
A histologia do esôfago distal foi analisada em 36 dos 45 pacientes; em 1
paciente a amostra foi insuficiente e em outros 8 a amostra não foi colhida, já
que no serviço rotineiro, a biopsia só era realizada quando havia anormalidades
da mucosa esofágica. A partir do oitavo paciente incluído no estudo, os autores
passaram a colher amostra para exame histológico em todos os casos. Um
diagnóstico de esôfago de Barrett foi confirmado de imediato ao exame
histológico em um paciente com subestenose associada e esofagite grau 2. Este
paciente apresentava estenose de esôfago ao exame endoscópico de pré-operatório
e necessitou de dilatação. O outro paciente com suspeita endoscópica de esôfago
de Barrett, desde o exame de pré-operatório e com subestenose de esôfago
associada, apresentava biopsia com esofagite grau 1, resolução da subestenose e
ausência de confirmação inicial do diagnóstico de esôfago de Barrett. Essa
confirmação histológica ocorreu após a segunda EDA de controle no pós-
operatório (8 meses após a primeira endoscopia de seguimento).
Evolução dos sintomas no pós-operatório
A maior parte dos pacientes (82,2%) apresentava queixas digestivas no pré-
operatório. A metade (53,3%) relatou melhora ou desaparecimento dos sintomas no
pós-operatório e 20 pacientes (44,5%) relataram melhora parcial com
persistência ou retorno de algum sintoma relacionado com DRGE, sendo o baixo
ganho ponderal o sintoma que mais persistiu.
Em relação aos seis pacientes com esofagite erosiva no exame de pós-operatório,
um com encefalopatia crônica, evoluiu com melhora clínica total, quatro
apresentaram melhora clínica parcial, sendo a metade encefalopatas crônicos e
apenas um paciente, com ECNP, manteve sintomas após a cirurgia, aquele com
subestenose de esôfago e esofagite grau D de Los Angeles.
Os dois pacientes com esôfago de Barrett referiam melhora total dos sintomas no
período pós-operatório.
Não houve relato de aparecimento de qualquer novo sintoma após o procedimento
cirúrgico. Na Tabela_3 há o resumo dos resultados gerais.
DISCUSSÃO
A endoscopia digestiva alta, realizada no período pós-operatório de
fundoplicatura, identificou anormalidades da válvula antirrefluxo em cerca de
10% de 45 crianças e adolescentes. Esta avaliação foi realizada entre o
primeiro e segundo ano após a fundoplicatura e incluiu 57,8% de pacientes
encefalopatas crônicos. Desmanche total da válvula antirrefluxo foi
identificado em um paciente. A endoscopia digestiva alta permitiu a detecção
dos diagnósticos pós-operatórios de esofagite péptica, subestenose péptica de
esôfago e suspeita de esôfago de Barrett, além de permitir a obtenção de
biopsias, sob visualização direta, dos locais macroscopicamente alterados.
Recidiva ou persistência da DRGE foi identificada em seis pacientes.
Intercorrências relacionadas à cirurgia de fundoplicatura estão associadas a
maior gravidade da DRGE e essa ocorrência é frequentemente relacionada a
algumas características clínicas, entre elas associação com pneumopatia e
encefalopatia crônicas(6, 12, 14). Considerando essa premissa, a casuística
analisada no presente estudo incluiu mais da metade dos pacientes pertencentes
a grupo de risco para DRGE grave, implicando em maior morbidade cirúrgica e
maior risco para desmanche da válvula.
Apesar das descrições de maior frequência de complicações cirúrgicas no
paciente encefalopata, este fato não foi estatisticamente comprovado, na
presente casuística. O número total de complicações cirúrgicas imediatas ou
precoces foi relativamente alto (15,5%), mas similar ao observado por outros
autores, que relataram percentuais variando de 0% a 15% em crianças e
adolescentes operados, predominantemente, pela técnica de Nissen(2, 3, 7, 28,
38). As complicações ocorridas no pós-operatório foram estatisticamente mais
frequentes entre os pacientes que realizaram a fundoplicatura de Nissen por
laparotomia. Neste grupo estão incluídas as crianças abaixo de 1 ano, nas quais
a laparoscopia não foi utilizada por limitações de equipamento. Além disso, o
maior índice de complicações está claramente ligado à presença de complicações
relacionadas à ferida operatória, as quais obviamente não ocorrem após a
laparoscopia.
O percentual de anormalidades da válvula antirrefluxo no presente estudo foi de
8,9% (4 em 45 pacientes), compatível com o que é descrito na literatura, com
variação de 5% a 20% (3, 28, 37, 38). Os resultados desta série diferiram do
que foi encontrado no estudo de GUARINO et al.(11), no qual se identificou
anormalidades na válvula antirrefluxo em quase 50% das 109 crianças
neurologicamente saudáveis e sem sintomas respiratórios, avaliadas com tempo
médio de fundoplicatura de 18 meses. ZEID et al.(38) encontraram anormalidades
na válvula antirrefluxo em 3 de 26 crianças neurologicamente saudáveis, com
média de seguimento de 28 meses. Os autores observaram que dois dos três
pacientes com anormalidades na válvula antirrefluxo (desmanche total)
apresentavam estenose de esôfago no pré-operatório, fato semelhante ao
observado no presente estudo, no qual o único paciente com desmanche total da
válvula antirrefluxo apresentou esofagite grau D de Los Angeles associada à
subestenose péptica de esôfago. Aparentemente, casos com esofagite pré-
operatória mais grave dificultam a confecção cirúrgica da válvula, estando
provavelmente associados a maior índice de insucesso. No presente estudo não
foi observado associação estatística entre esofagite grave pré-operatória e
sucesso da fundoplicatura.
Anormalidades na válvula antirrefluxo associaram-se à esofagite péptica, de
maneira semelhante à encontrada por GUARINO et al.(11) nos estudos endoscópicos
realizados entre 1 a 2 anos de pós-operatório. A fundoplicatura intacta parece
prevenir a recurrência da DRGE e a recidiva da doença é mais frequente quando o
exame endoscópico mostra defeitos na válvula antirrefluxo.
Segundo JAILWALA et al.(16), a avaliação de deslocamento e desmanche parcial ou
completo da válvula antirrefluxo tem maior precisão quando avaliada pelo exame
endoscópico que pelo estudo radiológico contrastado. Esses autores encontraram
desmanche da válvula antirrefluxo em três de quatro pacientes com esofagite
péptica à endoscopia digestiva alta. O estudo radiológico contrastado pode
detectar anormalidades estruturais em casos extremos, sendo a visualização
direta oferecida pela EDA mais sensível.
Estudos envolvendo apenas encefalopatas crônicos e a avaliação no pós-
operatório de fundoplicatura evidenciam retorno da DRGE, confirmado por exame
complementar, em 40% a 48% dos casos, e necessidade de nova cirurgia em 15% a
25% dos casos(10, 24). GOESSLER et al.(10) observaram que a recurrência do
refluxo teve correlação significativa com o grau de desnutrição encontrada no
pré-operatório, sendo mais prevalente nos desnutridos graves. Alguns autores
acreditam que o retardo do esvaziamento gástrico também pode contribuir para
maior insucesso cirúrgico(7, 29), assim como episódios de convulsão,
espasticidade e doenças respiratórias associadas, situações em que ocorreria
aumento da pressão intra-abdominal, favorecendo anormalidades na fundoplicatura
e retorno do refluxo(19, 20).
Hérnia paraesofagiana foi diagnosticada em cinco pacientes (11,1%), sendo
quatro encefalopatas crônicos. Ocorrência semelhante à descrita na literatura,
com frequência variando de 2,6% a 16,8% (1, 7, 28). Esta complicação pode levar
à recurrência da DRGE por favorecer alterações na válvula antirrefluxo. A
realização de hiatoplastia robusta é recomendada para evitar esta complicação
(1, 7, 17, 28).
Em estudo multicêntrico recente, foi observado que a prevalência de esôfago de
Barrett, com suspeição ao exame de EDA em crianças e adolescentes é baixa e
reduz-se para menos da metade quando considerado o diagnóstico histológico
confirmatório(5). JONES et al.(18) relataram que pouco mais do que 20% dos
casos de adultos com esôfago revestido por epitélio colunar podem ter o
diagnóstico de metaplasia intestinal especializada em exames subsequentes, o
que justificaria o seguimento destes pacientes. É possível que a presença da
subestenose péptica de esôfago, identificada na endoscopia de pré-operatório,
tenha dificultado a avaliação adequada da mucosa do esôfago distal, diminuindo
a sensibilidade do exame para suspeita de esôfago de Barrett em um dos
pacientes e, assim, prejudicado a coleta de biopsias para o diagnóstico. Como o
aspecto endoscópico da válvula antirrefluxo estava preservado neste paciente, é
pouco provável que o desenvolvimento de esôfago de Barrett tenha ocorrido após
a cirurgia. O mais provável é que o esôfago de Barrett já existia no pré-
operatório e não foi corretamente diagnosticado.
Em crianças, pouca correlação tem sido encontrada entre os achados histológicos
de esofagite e sintomas, achados endoscópicos e achados de monitorização
prolongada do pH intraesofágico, tanto qualitativa como quantitativamente(31,
36). Enquanto várias anormalidades são descritas na esofagite de refluxo, o
critério histológico varia entre os mais experientes patologistas(13) e os
achados não são específicos(33). No presente estudo optou-se pelo critério
histológico apresentado por GEBOES et al.(9), em 1991, e também utilizado por
VANDENPLAS et al.(34). A esofagite de refluxo apresenta-se como lesão
irregular, com lacunas, devendo-se considerar a possibilidade de um paciente
com esofagite endoscópica erosiva apresentar exame histológico normal ou com
alterações de leve a grave intensidade(13).
Os achados desta série de associação entre anormalidades na válvula
antirrefluxo e esofagite, indicam a necessidade de realizar biopsia esofágica
quando há anormalidade na válvula antirrefluxo, mesmo frente a aspecto
macroscopicamente normal da mucosa esofágica.
Os resultados relacionados aos sintomas no pós-operatório são compatíveis com
os resultados encontrados em estudos anteriores, em adultos e em crianças e
adolescentes, mostrando baixa correlação entre sintomatologia e achados
endoscópicos (4, 8, 11, 24, 32). Os sintomas de DRGE podem persistir ou
recorrer mesmo sem anormalidades na válvula antirrefluxo, e pacientes com
anormalidades relacionadas ao esôfago, como esofagite erosiva ou esôfago de
Barrett, podem ser assintomáticos. Estes resultados são recurrentes em estudos
que incluíram pacientes com encefalopatia crônica e neurologicamente saudáveis
(11, 24, 32). Na casuística estudada, a maior parte dos pacientes com
anormalidades relacionadas ao esôfago eram encefalopatas crônicos, o que
prejudicou a confiabilidade quanto à presença ou não de sintomas no período
pós-operatório.
A EDA foi útil para avaliar os pacientes em pós-operatório tardio de
fundoplicatura para DRGE, além de informar objetivamente sobre a condição da
válvula antirrefluxo, permitiu diagnosticar a presença de subestenose,
esofagite péptica e casos suspeitos de esôfago de Barrett, com recurso de
realizar biopsias para confirmação deste último diagnóstico. Acredita-se que
seja método complementar necessário para avaliação de pacientes que realizaram
fundoplicatura, uma vez que o achado de esofagite persistente ou recurrente
apresenta baixa correlação com presença de sintomas clínicos e é específico
para falha do tratamento cirúrgico.
São desejáveis outros estudos com maiores casuísticas, desenhos prospectivos e
longitudinais, com o objetivo de definir um programa de seguimento para os
pacientes operados por DRGE.