Infecção pelo vírus da hepatite c em pacientes em hemodiálise: prevalência e
fatores de risco
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
Pacientes com doença renal crônica (DRC) em hemodiálise (HD) são especialmente
predispostos à contaminação pelo vírus da hepatite C (VHC). Estudos realizados
no mundo inteiro demonstram que, apesar das diversas medidas adotadas nas
unidades de HD, a infecção pelo VHC continua prevalente. O VHC constitui-se
hoje na principal causa de doença hepática entre os doentes com DRC em
tratamento dialítico(4, 38, 57, 59).
A prevalência da infecção pelo VHC nas unidades de HD varia conforme o país em
estudo. Na Holanda, 3% dos indivíduos em HD têm hepatite C, enquanto na
Moldávia 75% dos doentes com DRC em HD apresentam infecção pelo VHC.
Geralmente, taxas mais elevadas são observadas em países em desenvolvimento(12,
25, 27,46, 51). O censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia de 2007 mostrou
que a prevalência média do anti-VHC nas unidades de hemodiálise do Brasil foi
de 9,1%(55), mas estudos publicados nos últimos anos mostram taxas variáveis,
com prevalências de 12% e 52% nos pacientes com DRC em unidades de diálise de
Belo Horizonte e Fortaleza, respectivamente(37, 43).
Entre os doentes com DRC em HD, diversos fatores de risco envolvidos na
infecção pelo VHC têm sido identificados. Dentre os principais, figura a
transfusão de sangue, o tempo de HD, a modalidade de diálise (HD ou diálise
peritonial) e a prevalência da infecção na unidade(18,27, 32, 34, 49). Com o
advento do rastreamento sorológico nos doadores de sangue no início dos anos 90
e o uso rotineiro da eritropoetina humana para tratamento da anemia do paciente
com DRC, observou-se redução significativa nas taxas de prevalência do VHC nas
unidades de HD(25, 26, 42, 44). Entretanto, estudos epidemiológicos têm
demonstrado que a principal forma de contaminação pelo VHC, atualmente, nas
unidades de HD é a nosocomial(2, 35, 37, 41). Os principais mecanismos
envolvidos neste modo de transmissão são o reuso de dialisadores, a
contaminação interna das máquinas de HD e contaminação das mãos de membros do
staff e de objetos compartilhados entre os pacientes(19, 26, 37). Surtos de
hepatite C aguda ocorrem em unidades de diálise do mundo inteiro e na sua
maioria são associadas à quebra das normas de biossegurança pelos funcionários
das unidades. Compartilhamento de frascos multidose de heparina, o ato de não
trocar as luvas ou de não lavar as mãos após contato entre os pacientes têm
sido relatados em diversos estudos como causas de transmissão do VHC(2, 3, 14).
Para o diagnóstico da hepatite C, a pesquisa sorológica do anticorpo anti-VHC
pelo ensaio imunoenzimático (ELISA) de terceira geração é o exame utilizado
para rastreamento da infecção em pacientes em HD(8). É um teste altamente
sensível, mas sua sensibilidade pode estar reduzida entre os doentes com DRC,
com até 12% dos pacientes podendo apresentar resultado falso-negativo(46). Isto
ocorre devido à redução da imunidade humoral e celular observada nestes
pacientes ou corresponde ao período de janela imunológica(39). Para confirmação
da replicação viral é necessária a pesquisa qualitativa do HCV-RNA pela reação
em PCR. Os pacientes com DRC em diálise infectados pelo VHC têm níveis menores
de replicação viral quando comparados a pacientes não-urêmicos. Alguns estudos
relatam que a redução da carga viral é decorrente da adesão do vírus à
superfície da membrana do dialisador, da destruição de partículas virais pela
pressão hidráulica do sangue durante a diálise e da migração do VHC para o
espaço do dialisato(25). Nos pacientes candidatos a tratamento são necessárias
a quantificação do HCV-RNA (carga viral) e a determinação do genótipo. Ambas
são importantes fatores preditivos de resposta à terapia antiviral(8, 39, 54).
A história natural da infecção pelo VHC nos doentes com DRC em HD ainda não
está completamente esclarecida. Entre os motivos que têm dificultado o
conhecimento da evolução da hepatite C crônica na população de diálise está o
curso longo e insidioso da doença, estendido por décadas, e que frequentemente
é interrompido pela alta morbidade e mortalidade cardiovascular do renal
crônico, impedindo a determinação acurada das consequências da doença(22,38).
Estudos recentes têm demonstrado que pacientes com DRC em HD infectados pelo
VHC apresentam taxa de mortalidade superior àquela observada em pacientes sem
hepatite C crônica(11, 22, 25, 37).
Assim, a identificação da hepatite C crônica e dos fatores de risco envolvidos
na infecção, nessa população de pacientes, é de suma importância para que
medidas possam ser tomadas com o intuito de prevenir ou atenuar esse agravo.
Portanto, os objetivos do presente estudo foram avaliar a prevalência da
hepatite C e investigar os fatores associados à infecção pelo VHC entre
pacientes de uma unidade de HD na cidade de Juiz de Fora, MG.
MÉTODOS
Para determinação da prevalência do VHC realizou-se estudo transversal no
período de janeiro a dezembro de 2007, na unidade de hemodiálise Nefroclin, na
cidade de Juiz de Fora, MG. Durante o estudo, 262 pacientes estiveram em
tratamento hemodialítico. Destes, 26 foram excluídos: 13 por realizarem
tratamento em período inferior a 3 meses, 7 por tratamento em regime de
trânsito, 4 por serem portadores de infecção pelo vírus B da hepatite, 1 por
ser portador de co-infecção pelos vírus B e C e 1 por ter realizado HD para
tratamento de insuficiência renal aguda. Portanto, 236 pacientes foram
incluídos no estudo.
Dos 236 pacientes, 208 (88,1%) responderam ao questionário padrão para obtenção
de dados demográficos e epidemiológicos que contemplou as seguintes variáveis:
sexo, idade, tempo de HD, história de transfusão de sangue, número de
transfusões recebidas, uso de drogas ilícitas, tratamento prévio com diálise
peritonial, transplante renal prévio, tratamento em outra unidade de diálise,
orientação sexual, alcoolismo, história de doença sexualmente transmissível
(DST), número de parceiros sexuais, procedimento médico invasivo, tratamento
odontológico, tatuagens, ''piercing'', acupuntura e doença renal de base. Vinte
e oito (11,9%) pacientes não responderam ao questionário. Os principais motivos
para a não-resposta foram: recusa em responder (n = 5), transferência de
unidade de diálise (n = 3), transplante renal (n = 2), abandono do tratamento
(n = 3) e óbitos (n = 15).
A pesquisa do anticorpo anti-VHC foi realizada em todos os pacientes da unidade
de HD através do ELISA de terceira geração (AxSYM HCV 3,0 Abbott Laboratório do
Brasil Ltda. - Divisão de Diagnósticos). Nos pacientes anti-VHC positivo foi
realizada a pesquisa qualitativa do HCV-RNA pelo método da transcrição reversa-
PCR (RT-PCR) (Amplicor-Roche Diagnostic System). A sensibilidade do teste,
definida pelo fabricante, é de 50 UI. Este teste foi realizado em duas amostras
diferentes com intervalo de tempo entre elas de pelo menos 3 meses. Foram
considerados portadores de infecção pelo VHC indivíduos com anti-VHC positivo
(ELISA de terceira geração) em duas determinações (amostras diferentes) e com a
pesquisa qualitativa do HCV-RNA (RT-PCR) positiva. Os pacientes com anti-VHC
positivo, mas com a pesquisa qualitativa do HCV-RNA por RT-PCR negativa foram
considerados não infectados pelo VHC. Em todos os pacientes, a atividade da ALT
foi determinada (Método Dimension Clinical Chemistry System-Behring). O limite
superior da normalidade (LSN) para ambos os sexos foi de 65 U/L. Foi calculado
o valor médio da ALT por 12 meses consecutivos para cada paciente. Os testes
sorológicos e bioquímicos foram realizados no laboratório da Santa Casa de
Misericórdia de Juiz de Fora, enquanto os testes moleculares foram realizados
no Núcleo de Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD), em Belo Horizonte, MG.
Com relação à unidade de diálise, destaca-se que pacientes positivos e
negativos para o VHC compartilharam a mesma sala de hemodiálise, mas foram
dialisados em máquinas separadas e receberam assistência de enfermagem por
equipes exclusivas. As centrais de reprocessamento de dialisadores são
separadas conforme a presença ou não do VHC. Os portadores do vírus B da
hepatite são dialisados em sala separada. As sessões de HD foram de 4 horas, 3
vezes por semana e os pacientes realizaram as sessões de HD sempre nos mesmos
dias, horários e máquinas. A heparinização foi administrada em dose única no
início da sessão de HD.
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Juiz de Fora (Protocolo 862.168.2006). O paciente era
incluído após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
A análise estatística foi realizada utilizando-se o SPSS 13.0 (SPSS, Chicago,
IL, EUA). Foram realizados testes de igualdade de médias, através do teste T
para amostras independentes. Esse teste foi precedido pelo teste de Levene para
igualdade de variância. Além dos testes para diferenças de médias, fez-se ainda
a análise de variância (ANOVA). Aplicou-se também o teste qui ao quadrado
(análise bivariada) para testar independência entre as variáveis categóricas.
Todas as variáveis que se mostraram significativas na análise bivariada, foram
posteriormente estudadas através de análise multivariada em um modelo de
regressão logística. O nível de significância utilizado nos testes foi de 5%
(significância: P<0,05).
RESULTADOS
Do total da amostra, 61% (144/236) dos pacientes eram do sexo masculino. A
média de idade observada foi de 55,1 ± 14,6 anos. O tempo médio de hemodiálise
foi de 46,2 ± 44,5 meses e 77,1% dos pacientes estavam em tratamento
hemodialítico por tempo inferior a 5 anos. Transfusão de sangue foi realizada
em 74% dos pacientes, sendo que 88% deles receberam mais de uma transfusão.
Nenhum dos pacientes fez uso de drogas ilícitas injetáveis e antecedentes de
DST foram observados em 10,1% dos pacientes. A causa da DRC foi desconhecida em
29,2% (69/236) e secundária ao diabetes mellitus e à hipertensão arterial em
21,6% (51/236) e 17,8% (42/236) dos pacientes, respectivamente (Tabela_1).
A prevalência de pacientes com anti-VHC positivo foi 14,8% (35/236). Entre os
pacientes anti-VHC positivo, 71,4% (25/35) apresentaram evidência de replicação
viral. Entre os 10 pacientes anti-VHC positivo com HCV-RNA por RT-PCR negativo
estão incluídos 4 pacientes que foram submetidos a terapia antiviral devido à
hepatite C aguda no ano de 2005 e obtiveram resposta virológica sustentada.
Portanto, a prevalência de infecção crônica pelo VHC observada foi 10,6% (25/
236). Entre os portadores de hepatite C crônica, 64% (16/25) foram do sexo
masculino e 80% (20/25) apresentaram idade superior a 40 anos e tempo de
tratamento com HD acima de 5 anos. A média do tempo de HD entre os pacientes
infectados pelo VHC foi significantemente maior (120,5 ± 55 meses) quando
comparada a de pacientes não infectados pelo VHC (37,4 ± 33,6 meses, P<0,001)
(Tabela_2).
Entre os indivíduos infectados pelo VHC, a principal causa de DRC não foi
reconhecida em 36% (9/25) dos pacientes, seguida pela nefropatia hipertensiva
em 20% (5/25).
A média da ALT observada na amostra foi de 34,8 ± 9,5 U/L. Portadores de
infecção pelo VHC apresentaram níveis maiores de ALT quando comparados aos não
infectados (44,1 ± 13,5U/L vs 33,5 ± 8,0 U/L, P<0,001). Não houve diferença
significante no valor médio da ALT entre os pacientes anti-VHC positivo/HCV-RNA
negativo e os anti-VHC negativo. Doentes com DRC parecem apresentar menores
níveis de ALT quando comparados a indivíduos não-urêmicos, por motivos ainda
não plenamente esclarecidos. Diversos estudos têm sugerido que, nesta população
especial, a adoção de um ponto de corte de 60% do LSN da ALT se correlaciona
melhor com a presença de infecção pelo VHC. No presente estudo, quando foi
utilizado este nível de ALT, 25,1% (49/195) dos pacientes apresentaram elevação
de ALT. Entre os indivíduos infectados pelo VHC, 50% (12/24) apresentaram ALT
acima de 60% do LSN, enquanto 21,6% (37/171) daqueles não infectados
apresentaram este comportamento (P<0,001).
Com relação às variáveis epidemiológicas verificadas, na análise comparativa
entre pacientes com e sem infecção pelo VHC, foram estatisticamente
significantes na análise bivariada o tempo médio de HD, a realização prévia de
diálise peritonial, história pregressa de transfusões sanguíneas, o número de
transfusões de sangue e história de DST (Tabela_3).
Após análise multivariada, somente o tempo de HD e história de DST foram
associados de modo independente à infecção pelo VHC (Tabela_4). Com base nos
resultados obtidos no modelo de regressão logística analisando-se apenas os
dois fatores de risco acima, estimou-se que um paciente com mais de 10 anos de
HD possui OR de 73,9 (IC 95%: 17,5-311,9) quando comparado àquele com até 5
anos de HD. Os pacientes com história de DST apresentaram OR de 4,8 (IC 95%:
1,1-19,9) em relação aos pacientes sem DST (Tabela_5).
DISCUSSÃO
Este é o primeiro estudo que verificou a prevalência e os fatores de risco
envolvidos na infecção da hepatite C em pacientes de uma unidade de HD na
cidade de Juiz de Fora, MG, sendo similar a alguns estudos nacionais(1, 10, 20,
28, 39), em particular quanto a avaliar a ocorrência de infecção pelo VHC em
fase de replicação viral. A prevalência de 14,8% de pacientes anti-VHC
positivos encontrada neste estudo foi alta, considerando-se as taxas observadas
na população em geral(8). Entretanto é semelhante àquelas verificadas nas
unidades de HD dos estados de Minas Gerais (13%) e Mato Grosso (16,9%), e na
cidade de Goiânia (16,5%), porém menor que os dados obtidos em Porto Alegre
(31,2%), Fortaleza (52%) e em países em desenvolvimento como Arábia Saudita
(46,7%) e Tunísia (51%)(13, 20, 36, 37, 43, 50, 51, 53).
O teste ELISA de terceira geração é um importante instrumento para avaliação da
infecção pelo VHC nas unidades de HD. Entretanto, o uso isolado deste teste não
é capaz de estabelecer o diagnóstico de replicação viral atual, que é
primordial para o estabelecimento de condutas posteriores. Embora tenha
sensibilidade e especificidade adequadas em doentes com DRC, resultados falso-
positivos e falso-negativos podem ocorrer, expondo os pacientes em HD a risco
elevado de transmissão nosocomial da infecção(9,39). Neste estudo, os 35
(14,8%) pacientes anti-VHC positivos foram submetidos a pesquisa qualitativa do
HCV-RNA por RT-PCR, que foi positiva nas duas amostras testadas em 25 (71,6%)
pacientes. A proporção (71,6%) de pacientes anti-VHC positivo com replicação
viral (infecção crônica pelo VHC) foi semelhante aos diversos estudos
publicados na literatura(10, 20, 32, 51, 56).
Desta forma, 10,6% da amostra total (25/236) foram considerados portadores de
infecção crônica pelo VHC. O achado de pacientes anti-VHC positivo/HCV-RNA
negativo (10/35) pode ser justificado de algumas formas. A presença de níveis
de replicação viral inferiores ao limite de detecção do teste utilizado no
presente estudo. A presença de infecção oculta pelo VHC, que é definida
atualmente pela detecção do HCV-RNA no tecido hepático isoladamente ou neste e
em células mononucleares periféricas. Tal situação foi recentemente descrita e
tem sido observada em doentes com DRC em HD(7). A ocorrência de viremia
intermitente na amostra utilizada, embora não tenham recomendações consensuais
na literatura sobre o número de amostras a serem testadas e o intervalo de
tempo entre elas para afastar definitivamente esta possibilidade(29), a
realização de duas amostras com intervalo de 3 meses, conforme realizado no
presente estudo torna improvável este fato. Outra explicação é o resultado
falso-positivo do anticorpo anti-VHC. Entretanto, é sabido que o teste ELISA de
terceira geração apresenta elevada especificidade em doentes com DRC em HD.
Vale ressaltar que neste estudo foram considerados anti-VHC positivo aqueles
pacientes com dois testes positivos em amostras diferentes. Finalmente, o
anticorpo anti-VHC geralmente persiste após depuração do VHC, seja ele
espontâneo ou após sucesso da terapia antiviral(9, 20, 26). Diversos estudos
sorológicos e ou moleculares têm demonstrado declínio no mundo inteiro da
prevalência e da incidência da infecção pelo vírus C nas unidades de HD,
mostrando a importância das estratégias de saúde pública, como a triagem com o
anti-VHC nos doadores de sangue e das medidas de controle e prevenção da
hepatite C nas unidades de HD(13, 18, 23, 34). Segundo a Sociedade Brasileira
de Nefrologia (SBN), a prevalência do anticorpo anti-VHC nos centros de diálise
de todo o Brasil foi de 19,9%, em 2000 e 9,1%, em 2007, redução de 50% em menos
de 10 anos(55).
Quanto à doença de base, a causa da DRC foi indeterminada em 29,2% dos casos,
seguida por diabetes mellitus (DM) e hipertensão arterial, o que contrasta com
estudos realizados no Brasil que mostram a hipertensão arterial como a
principal causa de DRC(55). Balbo et al.(6) demonstraram que a DM foi a
principal causa de DRC em pacientes encaminhados para tratamento dialítico no
ambulatório de nefrologia do Hospital das Clínicas de São Paulo(6). Tais
resultados prenunciam no Brasil a tendência mundial a ser a DM a principal
causa de DRC.
Na presente série, a média anual da ALT foi significativamente maior entre os
portadores do VHC quando comparada àquela observada entre os não infectados.
Não obstante, o valor da média anual da ALT nos pacientes infectados pelo VHC
estava dentro da variação laboratorial de referência considerada como normal.
Sabe-se que, por razões ainda não totalmente elucidadas, os pacientes com DRC
em HD cursam com valores de ALT menores que os pacientes com função renal
normal(25, 26, 27). Por este motivo, neste cenário clínico, vários estudos têm
sugerido a necessidade de reduzir o LSN da ALT, objetivando aumentar a
sensibilidade dessa enzima como preditor de viremia em pacientes HCV-RNA
positivos(24, 31, 42). Também é importante salientar que, devido à viremia
intermitente observada no paciente em HD e ao padrão flutuante da ALT, medida
isolada desta enzima não deve ser utilizada como ferramenta preditora de
viremia(10, 20, 21, 24,36, 38).
Interessante que o número de hemotransfusões não foi associado de forma
independente à infecção pelo VHC pela análise de regressão logística. Enquanto
alguns estudos têm demonstrado que pacientes com DRC em HD anti-VHC positivo
receberam maior número de transfusões de sangue e/ou hemoderivados que
pacientes sem evidência sorológica de infecção pelo VHC(14, 33, 46, 49, 57),
outros trabalhos, inclusive no Brasil, não verificaram esta associação(15, 39,
45). É admissível que a triagem do anti-VHC em bancos de sangue, instituída no
Brasil em 1992 e o uso rotineiro da eritropoetina humana no serviço onde este
estudo foi desenvolvido no tratamento da anemia dos doentes com DRC tenha
contribuído para a redução da transmissão do VHC pós-transfusional na unidade
de HD.
Diversos estudos têm sugerido que a duração da diálise é fator de risco
associado de modo independente à infecção pelo VHC(16, 17, 27). A probabilidade
de infecção aumenta consideravelmente após 10 anos de HD(31, 43, 45, 46,49,
60). Carneiro et al.(12), em estudo realizado em unidades de diálise da cidade
de Goiânia, GO, demonstraram que pacientes em HD por mais de 3 anos
apresentaram risco de aquisição do VHC 13,6 vezes maior quando comparados aos
pacientes com menos de 1 ano de tratamento. Freitas et al.(28), em estudo
envolvendo unidades de HD de Campo Grande, MS, encontraram risco de infecção
pelo vírus C 58 vezes maior nos pacientes com mais de 7 anos de HD, quando
comparado àqueles com menos de 5 anos de terapia dialítica. Os resultados
observados nesta casuística coincidem com os dados da literatura e mostram que
o tempo em HD foi associado de forma independente à contaminação pelo VHC. De
fato, pacientes com mais de 10 anos de HD apresentaram risco 74 vezes maior que
pacientes com até 5 anos de HD. Estes dados confirmam a importância do tempo de
HD como variável associada à infecção pelo VHC. Por outro lado, na presente
série, a diálise peritonial não foi associada de modo independente a maior
risco de aquisição do VHC. De acordo com esse achado, encontra-se bem
documentado que os pacientes em diálise peritonial apresentam risco menor de
aquisição do VHC do que pacientes em HD(30, 37, 40, 52). Justifica-se este
achado pela ausência de acesso vascular e de circulação extracorpórea, pela
menor necessidade transfusional e pelo fato do procedimento ser realizado em
nível domiciliar(35).
No presente estudo, encontrou-se associação entre DST e infecção crônica pelo
VHC. Pacientes com história positiva para DST apresentaram chance 4 vezes maior
de aquisição do VHC, quando comparados a indivíduos sem antecedentes de DST.
Segundo estudos recentes, o exercício de práticas sexuais de risco, a
multiplicidade de parceiros sexuais e antecedentes de DST é sabidamente
associada à contaminação pelo VHC(4,5, 47, 58). Nos Estados Unidos, atualmente,
a transmissão sexual é a segunda via mais comum para aquisição do VHC em
indivíduos com hepatite C aguda(58). Segundo dados do CDC(47), a prevalência de
anti-VHC positivo entre pessoas com evidência de prática sexual de risco
(heterossexuais atendidos em clínicas de DST e prostitutas), que negam uso de
drogas injetáveis é em média de 6%. Brandão e Fuchs(8), analisando fatores de
risco para infecção pelo VHC em doadores de sangue no sul do Brasil,
demonstraram que doadores que tiveram uma ou mais DST durante a vida,
apresentaram um OR 6 vezes maior para presença do vírus C. Em doentes com DRC
em HD não há estudos demonstrando associação de DST e infecção pelo VHC.
Concluindo, a prevalência de infecção pelo VHC em pacientes acometidos por DRC
em HD foi relativamente elevada (10,6%). A média da atividade da ALT foi
significativamente maior nos pacientes infectados pelo VHC, o que sugere que a
ALT elevada pode ser um instrumento preditor de viremia. No presente estudo, a
história de DST foi associada de modo independente à infecção crônica pelo VHC
e o tempo de tratamento dialítico foi o principal fator de risco relacionado à
infecção crônica pelo VHC. Tal fato ratifica os estudos atuais que destacam a
transmissão nosocomial como principal via de transmissão do VHC em unidades de
hemodiálise. Desta forma, a rigorosa observância das normas de precauções
universais faz-se necessária para reduzir a propagação da infecção dentro das
unidades de HD.