O efeito do consumo crônico de etanol na absorção duodenal de ferro em
camundongos
GASTROENTEROLOGIA EXPERIMENTAL EXPERIMENTAL GASTROENTEROLOGY
O efeito do consumo crônico de etanol na absorção duodenal de ferro em
camundongos
The effect of chronic ethanol consumption on duodenal absorption of iron in
mice
Kelly Renata SabinoI; Andy PetroianuII; Luiz Ronaldo AlbertiI; Adriana Nunes
MachadoIII
ISanta Casa de Belo Horizonte
IIDepartamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG
IIIMédica
Correspondência
INTRODUÇÃO
O ferro é essencial ao metabolismo, atuando diretamente nas reações celulares
ou como cofator para centenas de proteínas(2, 6, 19). A quantidade total de
ferro presente no corpo humano é de aproximadamente 4 g, permanecendo constante
durante toda a vida adulta, devido ao balanço entre a sua absorção e excreção
(6).
Embora pouco conhecidos, existem mecanismos fisiológicos destinados a garantir
a manutenção do conteúdo total de ferro dentro de estreita faixa de
concentração sérica. O seu conteúdo total é determinado mais pela limitação a
sua entrada no organismo, do que pela excreção aumentada, que constitui via
habitual de equilíbrio dos eletrólitos(1, 2, 3).
Além dos mecanismos reguladores da mucosa intestinal, o aporte de ferro do
organismo é determinado por sua biodisponibilidade, que está relacionada à
estrutura química, pH intraluminar presença de compostos facilitadores de sua
absorção na dieta(6, 14, 16, 17, 23).
Não há absorção de ferro no estômago, apesar de ser o ácido do estômago
responsável pela emulsificação dos alimentos ingeridos, liberação do ferro e
sua redução para a forma férrica, processos fundamentais para absorção desse
elemento pela mucosa intestinal(6). A maior parte da absorção de ferro ocorre
no duodeno e no jejuno proximal. No entanto, se houver aceleração do transito
sua absorção é reduzida(2, 7).
As células das criptas duodenais detectam a necessidade de ferro e preparam o
enterócito maduro para a absorção desse metal. Estudos recentes evidenciam que
a hepadicina, um peptídio sintetizado no fígado, é fundamental para mediar aos
enterócitos, macrófagos e outras células do corpo a demanda de ferro(12).
Quando ocorre aumento da necessidade de ferro, a concentração da hepadicina
diminui, aumentando a absorção do ferro. A concentração de transferrina atua
como regulador da produção de hepadicina(8, 21).
A absorção do ferro inorgânico é influenciada por múltiplos fatores. Quando ele
é ingerido isoladamente ou associado a proteínas animais e ácido ascórbico, sua
absorção aumenta, enquanto a ingestão do ferro associado a cereais, celulose e
hemicelulose, pectina, cálcio ou outros metais apresenta absorção reduzida(1,
13, 22).
O papel da ingestão alcoólica na absorção intestinal de ferro ainda não está
definido, apesar de ser observado aumento de aproximadamente 30% na quantidade
de ferro presente no fígado de pacientes alcoolistas, independentemente da
gravidade da lesão hepática(4, 15). Segundo alguns autores, há aumento da
absorção de ferro quando ingerido com bebida alcoólica(4, 15, 16). Por outro
lado, deficiência nutricional associada ao alcoolismo reduz o nível de ferro
sérico e resulta em anemia(12, 17). Este estudo teve como objetivo verificar a
absorção de ferro no duodeno e a influência do consumo prolongado do etanol em
sua absorção.
MÉTODO
Este estudo foi realizado de acordo com as recomendações das Normas
Internacionais de Proteção aos Animais e foi submetido a aprovação do Comitê de
Ética em Experimentação Animal (CETEA) da Universidade Federal de Minas Gerais.
Foram estudados 10 camundongos machos da raça Swiss, com peso inicial entre 25
e 30 g, obtidos no biotério da Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. Os
camundongos foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos:
grupo 1 (n = 5) - controle
grupo 2 (n = 5) - submetidos a ingestão prolongada de álcool etílico.
Para a indução do alcoolismo, foi ofertada como única fonte de água uma solução
aquosa, que continha inicialmente 50 mL/L de etanol, com aumentos semanais
progressivos da concentração alcoólica de 50 mL/L até a concentração final de
200 mL/L, que foi mantida por 13 semanas. Esta concentração de etanol
administrada aos animais baseou-se em Gomes-Ayala et al.(10). Previamente, em
estudo piloto, cinco animais foram mortos na 12ª semana, para estudo da
alcoolemia, dosagem de gama glutamiltransferase e estudo histológico do fígado
para verificar se os animais tinham alcoolemia crônica. Os animais receberam
ração padrão para camundongos.
Decorrido o período de acompanhamento, os animais foram privados de alimento
por 12 horas e submetidos a anestesia geral com injeção de pentabarbitúrico
(tiopental®, Cristália, Itapira, SP) na dose de 3,5 mg/animal (90 mg/kg) e
citrato de fentanila (fentanil®, Janssen-Cilag, São Paulo, SP) 2,5 µg/animal
(60 µg/kg) por via intraperitonial. Foi realizada uma incisão abdominal mediana
e dissecou-se o duodeno com preservação do pedículo vasculonervoso. Isolou-se a
parte proximal do estômago e todo o duodeno até o jejuno proximal. Por uma
abertura gástrica pré-pilórica, introduziu-se uma cânula, que atravessava o
piloro até a parte proximal do duodeno, para perfusão dos fluidos. Através do
jejuno proximal foi introduzida outra cânula em direção ao duodeno distal, para
a coleta dos fluidos. Ambas as cânulas foram amarradas com fio de seda 2-0(9,
10). As bordas da incisão abdominal foram aproximadas e cobertas por gazes
embebidas em solução salina, para evitar a desidratação e o ressecamento do
conteúdo intra-abdominal.
Todos os animais foram submetidos a perfusão intestinal com solução fisiológica
(0,0099 g/L de CuSO4 5H2O, 0,0057g/L de ZnCO3, 0,440 g/L de NaH2PO4H2O, 0,335
g/L de Cl2Mg6H2O, 0,697 g/L de Ca2H2O, 0,600 g/L de NaHCO3,8,020 g/L de ClNa e
1,0 g/L de glicose) à temperatura ambiente, pH 6,4, a velocidade de 9 mL/h,
durante 20 minutos, com objetivo de limpar a alça intestinal. Em seguida, foi
iniciada a perfusão com solução fisiológica adicionada de FeSo4 7H2O (Labsynth,
São Paulo, SP) na concentração de 0,016 g/L de ferro elemento associado a 0,145
mg/dL de ácido ascórbico (Labsynth, São Paulo, SP) à velocidade de infusão de 9
mL/h, por um período de 120 minuto, também de acordo com Gomes-Ayala et al.(9,
10).
Todo o efluente foi colhido em períodos de 20 minutos e medido em proveta
graduada. A concentração de ferro do efluente foi dosada por espectrofotometria
de chama, por analisador automático (Merck, modelo mega). Em seguida, calculou-
se a quantidade de ferro que foi absorvida, pela diferença de concentração
desse elemento no líquido infundido e no efluente.
A comparação da absorção do ferro no duodeno utilizou o teste estatístico de
Mann-Whitney para a comparação entre a quantidade de ferro absorvida nos
diferentes tempos no mesmo animal, assim como a absorção total de ferro entre
os diferentes grupos. O teste de Kruskal-Wallis comparou a quantidade de ferro
absorvida entre os diferentes grupos por tempo. Os valores foram considerados
significativos para P<0,05(15, 20).
RESULTADOS
Todos os animais permaneceram sem anormalidades aparentes durante o período de
acompanhamento.
Não houve diferença entre ferro no duodeno de camundongos controle, absorção de
7,71% do ferro total infundido, quando comparados com os submetidos ao consumo
prolongado de álcool, com absorção de 8,06% do ferro total infundido (P=
0,9096) (Tabela_1)
Houve intensa captação de ferro pelo duodeno de ambos os grupos nos primeiros
20 minutos, com média de 34,65% no grupo com ingestão prolongada de álcool e
20% nos controles. A concentração de ferro absorvido reduziu nos tempos
seguintes, sendo a variação significante no grupo controle (P= 0,0122) e houve
aumento da absorção, após 100 minutos, sem significância (P = 0,2963). No Grupo
2, a captação de ferro aumentou aos 80 minutos (P= 0,6761), seguida de queda em
sua absorção (P= 0,0367) nos 100 minutos, resultando em eliminação média de
5,75%do ferro infundido nesse período (Tabela_2).
DISCUSSÃO
Neste experimento não houve mudança na absorção de ferro no duodeno de
camundongos submetidos a ingestão prolongada de álcool etílico. Resultados
semelhantes foram encontrados em ratos por Murray e Stein(18) e em indivíduos
alcoolistas por Chapman et al.(4),. No entanto, existem na literatura outros
experimentos que apresentam dados discordantes, com aumento da absorção de
ferro após consumo crônico de etanol(5, 11, 12, 15).
Os resultados conflitantes podem ser decorrentes dos diversos métodos
utilizados nos experimentos, assim como, de estoques de ferro inadequados,
hemólise e anemia sideroblástica, condições que se encontram frequentemente
associadas ao alcoolismo(4, 15).
Chapman et al.(4) não encontrou alteração na captação de ferro nos indivíduos
alcoolistas que possuíam estoque de ferro orgânico normal; no entanto, houve
aumento na absorção desse elemento nos pacientes com anemia, indicando que o
consumo crônico de álcool etílico não afeta a absorção intestinal de ferro.
A absorção de ferro no organismo ocorre em três etapas: captação pela mucosa,
retenção no enterócitos e transferência para o plasma(1, 2, 6). Este
experimento visou à primeira fase desse processo.
Grande quantidade de fatores externos interfere na absorção de ferro,
dificultando a compreensão dos mecanismos reguladores da concentração desse
metal no organismo(1, 3, 5, 7, 8, 11, 13, 14, 17, 21). No presente estudo,
procurou-se reduzir a influência externa no mecanismo de absorção, através da
perfusão de solução salina com ascorbato de ferro II em alça isolada.
Durante os primeiros 20 minutos, ambos os grupos apresentaram captação maior de
ferro. Esse achado corrobora com a hipótese já descrita na literatura de que as
células colunares da mucosa intestinal incorporam o ferro intrínseco do
organismo, o que resulta na ocupação parcial dos receptores para esse elemento.
Em presença de quantidade excessiva de ferro, os receptores podem saturar-se,
dificultando a entrada de ferro proveniente do lume intestinal(1, 2, 6).
CONCLUSÃO
No presente estudo, não foi observada alteração na absorção duodenal de ferro
após ingestão prolongada de solução aquosa de álcool etílico. Nos primeiros 20
minutos, a captação de ferro pelo duodeno é maior.