O modo de vida da mãe e a saúde infantil
RELATO DE EXPERIÊNCIA
PRÁTICAS CUIDATIVAS
O modo de vida da mãe e a saúde infantil1
Jane Lynn Garrison Dytz
Professor Adjunto, Departamento de Enfermagem, Faculdade Ciências da Saúde,
Universidade de Brasília
Existe uma correlação entre saúde infantil e certos indicadores
socioeconómicos, mas há outras variáveis importantes que interferem na saúde da
criança em razão dela estar irremediavelmente ligada à mãe e dela depender
para sobreviver. Esse campo mais amplo se refere às condições gerais de vida,
como alimentação, moradia, saneamento, acesso à assistência à saúde, nível de
escolaridade, bem como o estilo de vida da mãe, definido como uma série de
aspectos comportamentais de natureza sociocultural. O presente estudo teve como
objetivo investigar o modo de vida materno, visando identificar até que ponto
as políticas de saúde estão atendendo às necessidades de mães e crianças
identificadas como população-alvo. Para tal, analisou-se as políticas de saúde,
que contribuíram, de forma direta e indireta, para melhorar o nível de saúde do
segmento materno-infantil nos últimos 30 anos, bem como os modelos
epidemiológicos que serviram de base para a elaboração dessas políticas, cada
qual com um enfoque diferente do processo saúde-doença: Medicina Preventiva
que buscou o entendimento da determinação da doença através de uma visão
multicausal, da noção de processo como parte da doença (tempo, história) e da
noção de prevenção como melhor forma de cuidar da saúde para evitar doenças;
Atenção Primária de Saúde que enfatizou o papel dos serviços públicos de saúde
em intervir em defesa dos mais pobres, com base no pressuposto de que as
estruturas socioeconómicas não são, por natureza, igualitárias; Promoção da
Saúde que adota um enfoque até certo ponto semelhante, porém destacando a
necessidade de se formar grandes coalizões para promover políticas e estilos de
vida mais saudáveis.
A amostra foi composta por 17 mães, na faixa etária de 19 a 29 anos, de baixa
escolaridade, residentes em três núcleos populacionais localizados na periferia
do Distrito Federal, contatadas nas unidades básicas de saúde e,
posteriormente, entrevistadas em seus domicílios, utilizando-se como
metodologia a história de vida tópica para captar as necessidades, preocupações
e estratégias utilizadas na criação dos filhos, bem como, determinações sociais
mais amplas. Ao lado de cada história de vida foi adotada a técnica de
observação participante o que possibilitou observar e retratar as condições de
moradia, o aspecto e comportamento dos filhos e outros aspectos relacionados à
vizinhançã e comunidade. A classificação dos dados fez-se a partir das
estruturas de relevância estabelecidas pelas próprias informantes em suas
narrativas. Assim, os dados foram agrupados em onze categorias empíricas: cinco
relacionadas às condições gerais de vida e seis referentes ao estilo de vida,
como organização da vida doméstica, dos cuidados maternos, da rede de apoio
social, entre outros.
Os resultados revelam um perfil geral das famílias que se mostrou mais ou menos
homogêneo entre si, apesar da grande distância geográfica entre os locais
pesquisados. São famílias constituídas por jovens casais, com uma média de dois
filhos, metade tendo crescido no Distrito Federal e o restante migrado, em anos
recentes, da zona rural em busca de melhores condições de vida. Vivem em
moradias precárias, construídas de forma irregular e de dimensão bastante
reduzida, porém, providas de saneamento e outros serviços públicos essenciais.
Poucas famílias possem moradia própria, a maioria vive em locais alugados ou
cedidos. O homem é o principal provedor da família, a maioria sobrevivendo de
biscates, já que a falta de creches ou outro tipo de apoio em relação às
crianças pequenas impede que a mãe busque trabalho fora de casa e contribua
para incrementar a baixa renda familiar. As condições de vida dessas famílias
são marcadas principalmente por dificuldades financeiras, falta de emprego e
uma infra-estrutura comunitária mínima onde predominam carências patentes no
que tange à segurança pública, escolas, creches, serviços de saúde e outras
áreas relacionadas à qualidade de vida. As crianças e mães são usuárias
freqüentes da unidade básica de saúde, sendo relativamente fácil o acesso aos
programas preventivos de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento
infantil e do pré-natal. Mas, apesar de vacinadas e terem um acompanhamento
médico regular, as crianças apresentam uma situação de saúde caracterizada por
subnutrição e episódios recorrentes de infecções respiratórias. As mães, ainda
jovens, apresentam poucos problemas de saúde, porém já com uma tendência em
apresentar doenças crônicas ligadas ao estresse, resultante de uma rotina
cotidiana monótona e fastidiosa na qual predomina a falta de lazer e distração,
o que acaba desmotivando-as e fazendo-as sentirem-se prisioneira do lar. As
mães desempenham uma função decisiva na família, desde a criação e educação dos
filhos até o manejo das enfermidades, enfrentando, contudo, muitas dificuldades
em relação a essas tarefas, ocasionadas, em parte, pela falta de conhecimento.
Isso porque são escassas as oportunidades que essas mães têm para trocar
experiências e conhecimentos entre si ou ter acesso a outras informações que
necessitam. Falta, por exemplo, acesso à informação em saúde relativa à
contracepção, gestação, trabalho de parto, puerpério e às patologias, suas
etiologias e tratamentos. Elas possuem um saber global, cunhado no senso comum
e integrado às suas condições materiais de existência. Ao mesmo tempo,
valorizam o saber médico- científico e buscam conduzir a criação dos filhos
segundo as normas da puericultura cujos preceitos já foram incorporados por
elas. Como as mães estão excluídas do sistema produtivo ou não estão inseridas
ativamente, elas têm pouca visibilidade social e poder de mobilização o que
limita, de certa forma, sua capacidade de tomada de decisões e de senso de
autonomia, restrito quase que exclusivamente a assuntos domésticos.
Concluiu-se que as ações básicas de saúde estão sendo implantadas e atingindo
seus objetivos, embora exista um grande descompasso entre as diretrizes
políticas e o trabalho desenvolvido na rede pública de saúde. Isso está visível
na péssima infra-estrutura, filas intermináveis, baixa resolutividade,
deterioração da qualidade da assistência prestada pelos serviços e
insensibilidade por parte do pessoal médico e de enfermagem em relação aos
problemas que as famílias pobres enfrentam. Para conseguir um aprimoramento da
saúde infantil, é preciso melhorar a situação da mãe, o que aponta para a
necessidade de se repensar o papel da unidade básica de saúde, sobretudo no
sentido de torná-la um espaço importante de fortalecimento das políticas de
promoção da saúde. Uma nova função para a unidade básica seria funcionar como
centro de vivência comunitária onde uma série de atividades poderiam estar
disponíveis para a população. Quanto às implicações que esse estudo têm para o
trabalho da enfermagem, considera-se fundamental que o enfermeiro mude seu
enfoque tradicional de trabalho, centrado no modelo biológico, e ofereça um
cuidado de enfermagem mais criativo e integrado com o de profissionais de
várias áreas, ampliando, dessa forma, sua inserção no processo de trabalho em
saúde.
1 Tese de Doutorado. USP, EERP, Ribeirão Preto, 1998, financiada parcialmente
pela CAPES. Orientadora: Dra. Semiramis Melani Melo Rocha.