A construção do projeto pedagógico: uma experiência coletiva
DIRETRIZES CURRICULARES - IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO - RELATOS DE EXPERIÊNCIA
DAS DCN
A construção do projeto pedagógico: uma experiência coletiva
Design of a pedagogical project: a collective experience
La construcción del proyecto pedagógico: una experiencia colectiva
Maria Josefina da SilvaI; Maria Fátima Maciel AraújoII;Glória da Conceição
Mesquita LeitãoIII
IEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Adjunto do Curso de Enfermagem /
UFC, Coordenadora de Graduação, E-mail: mjosefina@terra.com.br
IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Adjunto do Curso de Enfermagem
/ UFC, Vice-coordenadora de Graduação
IIIEnfermeira, Doutora em Saúde Pública, Professora Adjunto do Curso de
Enfermagem / UFC
1 A Mudança necessária
A reforma sanitária iniciada nos anos 70, ainda durante o período autoritário,
tem como corolário o sistema Único de Saúde proposto na VIII Conferência
Nacional de Saúde . A saúde é pensada como determinada pelas condições
materiais do viver cotidiano, assumindo configurações diferentes de acordo com
a posição que se ocupa no processo produtivo e existencial na sociedade. Surge,
então, a necessidade de repensar a prática da enfermagem, de modo a adequá-la
às novas exigências doutrinárias, políticas, sociais e ideológicas que
orientaram, naquele momento, o pensamento em saúde no Brasil e na América
Latina.
A enfermagem é instada, através da avaliação dos organismos internacionais, a
atuar de forma mais efetiva nas questões de saúde, conforme se depreende da
análise da OPAS:
[...] hay evidencias en muchos países que Ias profesionales de
enfermería de Ia salud pública han mostrado un alto grado de mayor
experticia en Ios aspectos de prevención de Ias enfermedades y de
promoción de Ia salud; Ias enfermeras ofrecen servicios en una amplia
variedad de formas, diagnostican problemas de salud, proveen
enseñanza a Ios pacientes y familias, realizan consejería, hacen
seguimiento de Ios cuidados, colaboran con otros profesionales,
remiten pacientes, administra y controla tratamientos, manejo de
casos (case management) etc(1:1).
Embora a OPAS não tenha se referido ao momento em que se elaborava uma nova
proposta de modelo assistencial no país, é um indicativo do que estava
paralelamente acontecendo, na maioria dos países, desenvolvidos ou não. O
malogro do modelo biomédico, com a ineficácia, ineficiência e iniqüidade e
insatisfação dos cidadãos unificou o reconhecimento da necessidade de mudanças,
embora sua natureza fosse um tema polêmico, derivando para vários sistemas
explicativos dependendo da corrente teórica que apoiava a avaliação(2).
Neste contexto, a enfermagem participa como elemento contribuinte de maior
eficiência, na medida em que é capaz de promover atenção à saúde com menor
custo e igual eficácia que outros profissionais de saúde. Sobre isso
[...] os estudios sobre costo efectividad de los servicios de
enfermería, realizados por diferentes agencias y en distintos países
muestran que Ios cuidados de enfermería son similares en calidad a
los proveídos por otros profesionales de Ia salud incluyendo los
médicos(1:1).
A necessidade de mudança se faz imperiosa. No ano de 1987 realiza-se no país,
seminários regionais com o objetivo de discutir o perfil e competência do
enfermeiro dentro do Projeto Nova Universidade promovido pelo MEC/SESU. Naquele
primeiro momento, as discussões foram dirigidas para os temas conceituais e
filosóficos relacionados com aspectos importantes da profissão do enfermeiro,
buscando aglutinar as várias correntes teóricas da enfermagem brasileira. A
abordagem da temática foi diversificada, incluindo o materialismo histórico, a
dialética, a fenomenologia, o positivismo(3).
A síntese dos seminários indica o perfil profissional - saber atuar como:
membro da equipe de saúde, líder da equipe de enfermagem; possuir conhecimentos
científicos e habilidades técnicas no processo de cuidar; ter consciência,
autonomia, compromisso profissional e responsabilidade ética; ser capaz de
promover mudanças no processo saúde-doença do homem em seu ambiente. Indica as
competências traçadas: profissional de saúde com especialidade em enfermagem;
atuar no ensino, no processo de cuidar e na pesquisa; utilizar o processo de
enfermagem em bases científicas; visar a promoção, manutenção e a recuperação
da saúde do indivíduo, família e comunidade e atuar nos três níveis de
complexidade dos sistemas de saúde. A grade curricular para atender a este
perfil e competências: enfermeiro generalista com formação baseada em teorias,
fundamentação nas ciências da saúde, comportamental, social, economia e
antropologia. Propõe, também, que após dois anos de prática profissional se
especialize nas sub-áreas da enfermagem nos diversos níveis(3).
O processo decorrente resulta na aprovação da Portaria n° 1721, de 15 de
dezembro de 1994, e estabelece um novo currículo com quatro áreas: ciências
biológicas, sociais e humanas; fundamentos de enfermagem; assistência em
enfermagem e administração em enfermagem.
O Curso de enfermagem da UFC, na ocasião com um currículo datado de 1985,
desencadeia a reestruturação curricular procurando atender as exigências da
Portaria. Realizam-se várias oficinas para discussão, então uma comissão é
instituída para a construção doa proposta curricular. A nova proposta é
aprovada e entra em vigência em 1997.
Ficaram evidentes importantes lacunas no novo currículo com a retirada das
disciplinas de educação em saúde; nutrição em enfermagem e doenças
transmissíveis. Embora seus conteúdos devessem fazer parte das disciplinas que
englobam o cuidar no ciclo vital. A intenção de manter tais conteúdos das
disciplinas suprimidas do currículo em vigência não se concretizou na prática;
o que restou foi ministrado tão diluído que o aluno, na maioria das vezes, não
percebe nenhuma organicidade.
Ao mesmo tempo em que se investiu na adequação curricular foi promulgada a Lei
de Diretrizes e Bases (Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996) alterando
significativamente os princípios que nortearam a proposta curricular da
Portaria n. 1721.
As diretrizes curriculares, conforme disposto no inciso II do artigo 53 da LDB
reforça a flexibilização dos currículos de graduação e rompe com a rigidez dos
currículos mínimos, retirando do seu texto esta denominação.
A Associação Brasileira de Enfermagem por meio da comissão de especialistas do
MEC participou da elaboração das diretrizes curriculares para a enfermagem e
influiu positivamente no texto final destas, e foram aprovadas em setembro de
2001, através do parecer CNE/CES n. 1.133/2001.
A aprovação do novo Projeto Pedagógico de Enfermagem da UFC a preocupação com o
andamento dos dois currículos em vigor (o antigo e o novo), além do
desconhecimento por uma parcela substancial de docentes quanto as mudanças
estabelecidas pela LDB de 1996, não estimulou novas discussões que servissem de
orientação para a elaboração de um novo projeto político pedagógico, de acordo
com as diretrizes da Lei.
Relendo os anais de vários eventos de enfermagem percebe-se que a nova
linguagem e as mudanças doutrinárias provocadas pela LDB demoraram a ser
compreendidas em sua plenitude e profundidade pelos que pensam as bases do
ensino de enfermagem. Acrescente-se a isto, a diversidade de bases teóricas que
fundamentam o caminho desta formação. No relatório final do 2º SENADEn -
Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem no Brasil -
ocorrido em 1997 em Santa Catarina, foi proposto que a ABEn organizasse uma
pauta de reuniões com as escolas de enfermagem para discussão das implicações
da LDB para a enfermagem. No 3º SENADEn, realizado em 1998 no Rio de janeiro
teve como tema central As diretrizes para a Educação em enfermagem no contexto
da LDB com o objetivo de formular propostas de diretrizes curriculares para a
formação dos profissionais de enfermagem. O 4º SENADEn, ocorrido em 2000 em
Fortaleza, aprofundou tais discussões agora voltadas para a construção do
projeto político pedagógico. Nos 5º e 6º SENADEn as discussões foram
direcionadas para o eminente Exame Nacional de Cursos- o Provão.
Entende-se que ainda não há clareza de como conduzir a formulação de outro
Projeto Político Pedagógico para a maioria dos que estão na docência. A UFC só
recentemente emitiu documento com proposta de Projeto a ser submetido à
apreciação da comunidade acadêmica.
2 O caminho para a construção do Projeto político pedagógico do Curso de
enfermagem da UFC.
A implantação do currículo 97/1, orientado pela Portaria n. 1721/97 provocou a
realização de oficinas pedagógicas para consolidar as mudanças ocorridas nas
disciplinas e ajustar as prováveis lacunas que fatalmente ocorreriam .Assim, as
duas primeiras foram direcionadas para a articulação das disciplinas e destas
com os semestres, de modo a dar organicidade ao currículo. As diretrizes
curriculares propriamente ditas, e ainda em processo de implementação, foram
assunto marginal ao tema central destas oficinas.
A terceira Oficina Pedagógica realizada em 2001 objetivou socializar entre os
docentes as informações sobre as diretrizes e sensibilizá-los para as mudanças
pedagógicas que "são processuais e se constituem no tempo pela dinâmica da
articulação entre a subjetividade (vontade de mudar) e a objetividade
(condições objetivas para que as mudanças ocorram)"(4:6).
A metodologia adotada para a Oficina, que contou inicialmente com a
participação de docentes e discentes em número reduzido, foi de um trabalho de
grupo eminentemente prático, com textos de apoio sobre o perfil do curso de
enfermagem elaborado na oficina anterior, e com as diretrizes curriculares em
sua versão definitiva. Os trabalhos consistiram na adequação das exigências
profissionais diante das tendências para a prática em saúde. O momento
seguinte, com a participação de profissionais da rede assistencial, foi de
revisão dos marcos conceituais de modo a manter a coerência destes com o perfil
do egresso. Finalizou-se com um esquema de trabalho, aprovado em assembléia,
baseado nas dimensões que deverão ser consideradas por ocasião da avaliação das
condições de oferta do Curso, cujo cronograma ainda não foi definido.
As tendências consideradas para a prática da enfermagem foram: a preocupação
com as dimensões ético-bioética e espiritual; a análise dos contextos das
políticas de saúde: a formação para o empreendedorismo; o desenvolvimento
tecnológico e científico; a diversificação dos espaços de prática; a educação
continuada.
Ante as tendências apontadas para a prática da enfermagem para as décadas
vindouras acredita-se que o egresso do Curso de enfermagem da UFC desenvolva:
capacidade empreendedora; novos conceitos sobre mercado de trabalho; atitude
pró-ativa; capacidade de atuação em ambientes atuais e futuros; capacidade de
negociação; capacidade de liderança e tomada de decisão fundamentada em valores
éticos; integração da educação em saúde nos processos de ensino-aprendizagem;
oportunidades e vivências de experiências de aprender a aprender dentro e fora
do contexto da enfermagem; criar espaços de convivência e torças entre
professores, alunos e equipe de trabalho; visão globalizada na atuação focal;
competência profissional; criatividade; espaços de aprendizagem para
incorporação de novos conceitos e práticas; contexto social para a saúde;
processo de trabalho para o cuidado responsável até a alta; compromisso social
pata atuar com redes sociais de apoio; participação em trabalhos comunitários e
política; agilidade na incorporação de novos conhecimentos; uso consciencioso
de tecnologias; corporativismo.
A adequação do perfil do egresso às exigências das diretrizes curriculares
levou em conta os seguintes aspectos considerados de relevância: manutenção das
competências e habilidades contidas no perfil profissional do enfermeiro
formado pela UFC; ênfase quanto aos aspectos éticos e políticos, quanto a
capacidade empreendedora e a negociação; capacitação dos alunos para uso
consciencioso de tecnologias disponíveis e agilidades na incorporação de novos
conhecimentos; valorização da orientação humanística e holística; promover a
formação pedagógica; manter a formação do profissional voltada para os níveis
de assistência primário, secundário e terciário;institucionalização das
parcerias entre as instituições de ensino e assistência; capacitação para a
busca de próprio bem-estar como cidadão e profissional, para a adoção de
estilos de vida saudáveis; exercício do poder de negociação, além da
capacitação para a reflexão e a crítica.
As competências e habilidades requeridas para o exercício profissional foram
organizadas de acordo com as Diretrizes curriculares: Atenção à saúde: sendo a
atenção a saúde o núcleo da prática da enfermagem, estes profissionais devem
estar aptos a: - desenvolver o processo de cuidar humanizado, com competência e
criatividade, utilizando a ciência, a arte, a ética e a sensibilidade, com base
nas ciências biológicas , humanas e sociais. Devem desenvolver processo de
cuidar em enfermagem em todas as suas etapas, tendo por base os preceitos bio-
psico-sócio-cultural e espiritual a indivíduos, famílias e grupos sociais, nos
diferentes cenários de atuação profissional, contemplando as fases de
desenvolvimento humano, do perfil epidemiológico, do desenvolvimento
tecnológico e de políticas de saúde. O processo de cuidar deve ser continuo e
integrado com os demais profissionais do sistema de saúde; o enfermeiro deve
atuar sempre de forma crítica e reflexiva, e entender sua prática como prática
social. Comunicação: a comunicação, compreendida como a verbal, não verbal,como
as habilidades de escrita e leitura e o domínio de outras línguas e da
tecnologia de comunicação e informação. Requer do profissional de enfermagem as
competências para: desenvolver processo de comunicação e de relações
interpessoais efetivos, utilizando-se das diferentes formas de comunicação.
estabelecer comunicação efetiva com seus pares, com equipes multiprofissionais,
com indivíduos, famílias e grupos sociais, sujeitos do processo de cuidar.
Levar em conta os aspectos éticos. Administração e gerenciamento: parte
integrante do processo global de atenção à saúde requer dos enfermeiros as
competências para desempenhar atividades administrativas nos diferentes níveis
do cuidado e dos serviços de saúde. Para desenvolver autonomia e pensamento
crítico-reflexivo. Integrar-se na equipe de saúde multiprofissional nos
contextos da prática profissional. Para exercer funções de liderança no
processo de cuidar em enfermagem. Educação Permanente: o moderno mundo do
trabalho, em constante desenvolvimento e o surgimento de novos conhecimentos
exige que o enfermeiro tenha competência para buscar conhecimentos para o
desempenho das atividades ético-técnico-científicas nos diversos campos de
atuação profissional, considerando a educação formal, não formal e a pesquisa;
saiba fazer uso do conhecimento científico/tecnológico como instrumento de
interpretação profissional. Social e política: sendo o enfermeiro parte
integrante do contexto social e político onde realiza sua prática profissional
deve estar habilitado a desenvolver compromisso político-social nos âmbitos da
clientela, da equipe, da instituição e da categoria; capacidade de refletir
sobre o mundo do trabalho, ter compromisso ou responsabilidade social
propiciando o exercício da cidadania; a compreender a evolução histórica e
social da enfermagem; a estabelecer relações com o contexto social participando
dos órgãos representantes de classe e outros afins.
Foi definido como perfil profissional do egresso de enfermagem a formação
generalista, humanística, a capacidade de conhecer e intervir no processo
saúde-doença no diferentes níveis de atenção à saúde, tendo como eixo condutor
as ações de promoção da saúde, a prevenção das doenças no âmbito da
assistência, o ensino e a pesquisa pautadas no princípios éticos. Para o
delineamento deste perfil profissional as(os) futuras(os) enfermeiras(os) devem
receber uma formação que embasada em três dimensões: O sabercomo formação
intelectual e científica; saber ser como orientação humana profissional; saber
fazer como desempenho operativo idôneo e étic, caracterízando uma tendência de
elaboração curricular tendo como eixo as competências.
É tomando este norte, elaborado pelo conjunto dos que vivenciam a formação do
enfermeiros pela UFC que está sendo encaminhado a elaboração do nosso projeto
político pedagógico.
A comissão formada para este fim elaborou cinco oficinas com a participação de
enfermeiros de várias áreas de atuação com o objetivo de levantar as crenças, a
cultura institucional e a natureza da enfermagem a partir de vários olhares.
Estas oficinas foram realizadas por área: hospitais públicos e privados, saúde
coletiva, tanto no campo do planejamento estuaual e municipal; hospital e
maternidade da UFC, e enfermeiras do PSF. A oficina planejada para os docentes
e discentes não se realiaram por falta de quorum. Em síntese, o resultado
destas oficinas contribuiram para orientar a elaboração do marco filosófico do
curso.
O conceito de natureza que norteou as discussões nas oficinas foi de que é
sinônimo de essência. Conjunto de propriedades que definem uma coisa. Tudo
aquilo que é próprio do indivíduo naquilo que em um ser é inato e espontâneo
(5).
A síntese dos debates evidenciou que a natureza da enfermagem é de que é a
profissão que está permanentemente com o cliente nos mais distintos espaços
sociais, praticando o cuidado fundado em metodologias cientificamente e em
equipe. Ela surge da necessidade de ajudar, ou seja, da caridade, evoluindo
para um fazer científico cujos componentes incluem, além da competência técno-
científica: amor, compromisso e doação para com o próximo. Este cuidado exige
visão prospectiva, habilidade de comunicação e qualidade; interação do físico,
do biológico e do ambiental de modo a satisfazer as necessidades de sua
clientela. Por ter o cuidado como essência há necessidade de um saber
multidimensional, contextualizado, ultrapassando a dimensão biológica e
transdisciplinar.
Para a construção coletiva das crenças que estão presentes no fazer da
enfermagem adotamos conceito de crença segundo o qual:"[...] a noção de
crença resulta [...] na atitude pela qual afirmamos, com certo grau de
probabilidade ou de certeza, a realidade ou a verdade de uma coisa, embora não
consigamos comprová-la racional e objetivamente"(6:203).
As crenças que emergiram das discussões podem ser assim sintetizadas: o
enfermeiro está melhor qualificado para atuar no gerenciamento das ações de
saúde por força de uma formação multidisciplinar, voltada para os aspectos
multidimensionais do cliente, seja ele o indivíduo, grupos sociais ou famílias.
É um profissional capaz de atuar proativamente, como agente de transformação na
realidade, com forte conhecimento científico, habilidoso, com autocontrole, e
capacidade de promover uma assistência de qualidade. Emergiu, também, a
necessidade de ênfase na dificuldade que o enfermeiro tem para lidar com
problemas internos da profissão; a idéia de que o enfermeiro é polivalente, o
que leva a desvios de função exigidos pelas instituições empregadoras; a pouca
cientificidade no exercício profissional o que leva ao desinteresse pelo estudo
em situações de prática; a crença de que o enfermeiro só sabe trabalhar para a
população mais pobre resulta na falta de investimento em tecnologias próprias;
o estereotipo da enfermeira como profissão subordinada ainda está presente na
sociedade, expresso no pouco estímulo ao jovem para ingressar na profissão.
O conceito de cultura adotado para nortear as discussões durante as oficinas
[...] um conjunto de modos de vida criados, aprendidos e transmitidos
de uma geração para outra, entre os membros de uma determinada
sociedade. Neste significado, cultura não é a formação de um
indivíduo na sua humanidade ou a sua maturidade espiritual, mas é a
formação coletiva e anônima de um grupo social nas instituições que o
definem(6:211).
O referencial de cultura da enfermagem pode ser assim expresso: dicotomia do
saber pensar e do saber fazer, embora haja um direcionamento em agregar estes
valores para impulsionar a enfermagem no rumo de uma valorização social;
trabalho caritativo, donativo, sem remuneração; alguns espaços onde já se busca
o aperfeiçoamento através da pós-graduação stricto sensu e latu sensu. Há,
ainda, uma cultura de delegação de atribuições e responsabilidades; um não
assumir o espaço social e profissional; não investimento no estudo sistemático;
dificuldade em trabalhar num processo ensino-serviço de forma colaborativa;
cobrança excessiva, submissão à equipe de saúde e des- reconhecimento
institucional pelo seu trabalho. Por fim, há a cultura do status diferenciado
dependente do espaço da prática profissional.
Para a elaboração do currículo baseado em competências, de acordo com as
diretrizes curriculares para a enfermagem, é necessária a participação dos
enfermeiros assistenciais e da área de planejamento. Para tanto, foi enviado
para os vários serviços de saúde da cidade, um instrumento por meio do qual
foram levantadas as práticas institucionais, os conhecimentos, as habilidades e
atitudes e necessários e a apreciação dos enfermeiros sobre o núcleo da sua
prática profissional. Com isto quer-se construir as competências que devam
fazer parte da formação de graduação, entendendo-se que este é um processo
contínuo. Além do mais, a graduação é muito mais uma certificação de
conhecimentos que uma etapa fechada na formação profissional.
Procurou-se com esta participação definir o que deve estruturar a graduação de
modo a contemplar as mais variadas possibilidades de encaminhamento
profissional. É preocupante a tendência cada vez mais forte dentro da
enfermagem, de tornar o enfermeiro egresso da graduação um híbrido entre o
sociólogo, o político, o assistente social e outros, distanciando-o do seu
núcleo profissional que é o cuidar. Outra preocupação é a prática cujas
fronteiras de competência são cada vez mais tênues o que reforçam a necessidade
desta especificidade do fazer da enfermagem.
3 Dificuldades e desafios da construção do projeto pedagógico
Vive-se um momento de crise no Curso de Enfermagem da UFC. Completou-se 25 anos
de instalação a pouco mais de dois anos o que provocou uma saída substancial de
docentes, por conta da aposentadoria. Como é do conhecimento de todos, o MEC
abandonou a política de reposição de aposentados, as vagas que surgem no
departamento não lhe garantem reposição, voltam inespecificamente para a
universidade. A reposição foi foi insignificante, dado o volume de trabalho que
o Departamento de Enfermagem executa. Isto refletiu diretamente na continuidade
dos trabalhos relacionados ao projeto político pedagógico. A gravidade da
situação pode ser expressa na saída de sete docentes, por aposentadoria, apenas
este ano sem a menor perspectiva de reposição.
A substituição destes docentes por professores temporários esbarra na falta de
candidatos, uma vez que a UFC oferece salários aviltantes em comparação ao
oferecido pelos outros cursos e pelo Programa de Saúde da Família.
A dificuldade maior atualmente é a participação dos poucos docentes do quadro
da UFC, que estão com pouquíssima disponibilidade de participar das discussões
necessárias a construção do PPP uma vez que a maioria participa da graduação e
da pós-graduação stricto sensue lato sensu. Optou-se por fazer todo o processo
mais lentamente, considerando os aspectos aqui colocados, aproveitando os
poucos espaços para a participação coletiva, ocasião em que foram apontadas
estratégias para corrigir as dificuldades identificadas no andamento curricular
pelos alunos que participaram do Provão 2002. Os resultados práticos destas
reuniões já conheçam a serem observados nas adequações das disciplinas, cujas
avaliações foram consideradas mais problemáticas. Também, a coordenação da
Graduação tem feito reuniões com alunos de vários semestres avaliando as
lacunas do currículo. Estas informações deverão orientar a mudança da estrutura
curricular; os conteúdos fundamentais em cada área temática para as
competências requeridas; as metodologias a serem adotadas e o processo de
avaliação de conhecimentos.
O desafio que se coloca é a construção de um projeto pedagógico que reflita, o
mais próximo possível, a formação da prática, de modo a que esta seja
transformadora e divulgadora da natureza da enfermagem: CUIDAR - na perspectiva
de melhorar a vida do cidadão-cliente. Este desafio só poderá ser vencido com o
conjunto dos que estão na formação, na assistência, no planejamento de
políticas de saúde e nos que estão no processo de formação. Espaço e tempo são
aspectos importantes neste processo. O adágio popular diz que uma distância,
por maior que seja, se vence dando um passo de cada vez. O tempo também
conspira contra a qualidade do fazer, quando estabelece prazos às vezes
inexeqüíveis Este desafio entre o tempo, a qualidade e as circunstâncias é que
se procura vencer.