Mulher portadora de câncer de mama: percepção sobre a doença, família e
sociedade
Mulher portadora de câncer de mama: percepção sobre a doença, família e
sociedade1
Woman with breast cancer: perception about the disease, family and society
Mujer portadora de cáncer de mama: percepción, sobre Ia enfermedad, familia y
sociedad
Sinvalana Schwerez FunghettoI;Marlene Gomes TerraII; Leila Regina WolffIII;
IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Enfermeira Assistencial do Hospital Moinhos
de Vento- RS, Docente do Centro Universitário La Salle-RS
IIMestre em Educação, Professsora Assistente do Departamento de Enfermagem,
Coordenadora do Curso de Graduação de Enfermagem da UFSM, Membro do GEPES,
Santa Maria/RS
IIIEnfermeira, Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da UFSM,
Mestre em Enfermagem em Saúde Pública, Membro do GEPES, Santa Maria/RS. E-mail
do autor:nursefunghetto@ig.com.br
1 Introdução
O câncer de mama é a neoplasia maligna responsável pelo maior número de óbitos
em mulheres no mundo e estimase cerca de um milhão de casos novos no mundo
inteiro até o final do ano 2000(1),sendo que a metade nos países em
desenvolvimento(2). No Brasil, os óbitos por câncer de mama representam 16% da
mortalidade por neoplasia maligna entre as mulheres, ou 2,3% de todas as causas
de morte. No período de 1976 a 1990 houve 32.966 casos de diagnóstico de câncer
de mama em mulheres. A idade média foi de 53 anos, 95% dos diagnósticos ocorreu
nas idades entre 29 e 79 anos.
No Brasil, a ênfase se dá no tratamento especializado, atestado pelo
inexpressivo número de programas de prevenção e detecção bem planejados,
executados e avaliados pelo alto percentual de diagnósticos de tumores
avançados e pela deficiência de cuidados de reabilitação e paliativos e assim,
no ano de 1999, surgiram 31.200 novos casos de câncer de mama no
País, sendo que estes 34,9% eram em estágio 111 entre os tumores que
mais incidem. Entre nós, brasileiros, encontram-se aqueles que podem
ser evitados (os cânceres do colo uterino, estômago, pulmão e boca) e
curáveis ou controláveis (os cânceres do colo uterino, mama, estômago
e leucemias)(3:313).
No estado do Rio Grande do Sul, o câncer de mama é a neoplasia mais
diagnosticada depois do câncer de pele, superando o câncer de cólon uterino,
tumor mais freqüente em outros estados(4).
No município de Santa Rosa, no ano de 1999, o número de óbitos de mulheres
portadoras de câncer de mama chegou a 1,8% da população feminina e, devido aos
casos de câncer de mama chegarem para a consulta médica em fase adiantada não é
possível a cirurgia conservadora, sendo, então, indicada a mastectomia radical
(1). Assim, como podemos observar, muitas mulheres quando chegam ao hospital já
estão com a doença em fase avançada, levando-nos a crer que está havendo uma
Idcuna no nosso nível primário de saúde. Desta forma, fomos `compreendendo a
importância de implantar Serviços Básicos de Atenção Primária, programas de
assistência à mulher que visassem a uma melhor qualidade de vida e que elas
pudessem ter acesso aos serviços especializados.
A Fundação Municipal da Saúde de Santa Rosa vem desenvolvendo um programa de
controle de câncer de mama que objetiva reduzir a morbi-mortalidade por câncer
de mama no municipio de Santa Rosa, através da detecção precoce de alterações
da mama mediante exame periódico, diagnóstico, tratamento inicial, divulgação e
conscientização do auto-exame nas mulheres do municipio. Sabemos que 90% dos
nódulos da mama são encontrados pela própria paciente, quando esta é ensinada a
realizar o auto-exame de forma clara e precisa, com demonstrações e prática,
havendo um maior comprometimento em realizá-Io mensalmente e, neste sentido, o
ensinamento prático com linguagem apropriada, ressaltando a necessidade de
efetuar o auto-exame de mamas de modo regular, cuidadoso e completo(4).
Toda a população do municipio recebe orientações de como detectar o câncer de
mama, sendo que o profissional deve estar atento aos fatores de risco
condicionantes desta neoplasia. O diagnóstico é realizado na consulta médica ou
de enfermagem, caso haja qualquer alteração, tanto o médico como o enfermeiro
podem solicitar a mamografia, conforme protocolo existente no serviço.
Quando a paciente é encaminhada para fazer a mamografia, entra numa fila de
marcação de exames, sendo que a mesma é priorizada. Após a realização do exame,
esta mulher retorna à unidade sanitária e o médico a encaminha a um
especialista.
Na unidade de internação, após a cirurgia e biópsia, notamos a necessidade de
orientar a paciente, previamente, quanto ao tratamento de quimioterapia, para
que a dietoterapia e a sua inclusão no grupo multiprofissional de apoio
psicológico. De forma que assim que chegasse ao ambulatório, já tivesse
conhecimento do que seria realizado. Isto justifica a inclusão de visitas da
enfermagem, no segundo dia pósoperatório, para orientações de alta quanto: à
reabilitação, aos cuidados com o dreno de "port-vac",à fisioterapia. Lembramos,
que a páciente entra no programa de alta no segundo dia pósoperatório.
Quando esta mulher chega ao ambulatório, é encaminhada a uma consulta de
enfermagem onde lhe é explicado como será o tratamento: seus efeitos, sua
terapêutica, dentre outras coisas implicadas no processo.
O grupo multiprofissional é composto por uma enfermeira, uma mastologista, um
terapeuta ocupacional, uma psicóloga e duas ex-pacientes que já encerraram o
tratamento. As ex-pacientes que integram o grupo auxiliam na troca de
experiências, o que por um lado torna menos estressante o início e a
compreensão do tratamento para as demais mulheres que participam do grupo.
O bom êxito do tratamento está relacionado diretamente ao grau de envolvimento
da mulher e de sua família. Cabe aos profissionais da área da saúde orientar às
mulheres portadoras de câncer de mama, para que as mesmas possam encarar a sua
doença e reabilitação através do autocuidado.
Frente a isto, nós profissionais da saúde precisamos resgatar o compromisso
técnico-político-científico-social, explicando às pacientes sobre o processo
saúde-doença e como prevenir as complicações.
Desta forma, percebemos a importância de conhecermos os aspectos psicológicos
da mulher acometida por uma doença que afeta sua estrutura corporal em um órgão
ligado à feminilidade desta mulher. Em vista disso, é possível acompanhá-Ia no
tratamento, levando-se em consideração que esta mulher é um ser humano e não
apenas uma doença ou um tumor de mamas, mas que tem um nome, uma cultura, uma
família.
Com a finalidade de entender como ocorre a reabilitação da mulher portadora de
câncer de mama, tendo em mente o sentido holístico do ser humano e considerando
a pessoa como o resultado da interação do físico e da mente, propomos este
estudo, fundamentando-o em alguns conceitos da teoria de enfermagem de Imogene
King(5).
Imogene King é uma teórica de enfermagem norteamericana que em 1960, ao
direcionar seus estudos sobre a magnitude de conhecimentos que estão
disponíveis para as enfermeiras, propôs uma estrutura conceitual de referência
para a enfermagem, em resposta aos sobressaltos que o progresso científico e
tecnológico vinham causando sobre a profissão de enfermagem(5).
Esta teórica identifica sua estrutura conceitual como uma estrutura de sistemas
abertos, na qual o foco da enfermagem é o cuidado aos seres humanos, onde eles
tornam-se participantes da dinâmica do cuidado através da racionalização das
informações, interagindo na alocação de recursos, sustentando e desenvolvendo
sua liberdade intelectual e cuidando da sua saúde, quando em circunstâncias de
entender e comunicar as necessidades de ajustamento para a sua reintrodução
pessoal, interpessoal e grupal, fundamentada na interação e percepção do
paciente/enfermeira.
A percepção, ação, reação, interação, focos da teoria de King, são
comportamentos observáveis entre o paciente/ enfermeira no processo de
interação com o ambiente na obtenção de suas metas(5).
2 Objetivo
Considerando a nossa experiência com mulheres portadoras de câncer de mama, o
presente estudo tem como objetivo geral identificar, através de alguns
conceitos da Teoria de Imogene King, a percepção da mulher portadora de câncer
de mama em relação à doença, à família e à sociedadel5l.
3 Descrição do caminhar metodológico
3.1 Campo da Prática
O presente trabalho foram desenvolvido na Sociedade Hospital de Caridade de
Santa Rosa (SHCSR), no turno da manhã, onde exercia a atividade de chefia do
Ambulatório de Oncologia.
3.2 Processo de Enfermagem
A população alvo deste trabalho foi às mulheres portadoras de câncer de mama,
que não tiveram recidiva, encaminhadas da internação, após a cirurgia, para o
ambulatório de oncologia da SHCSR. Foram entrevistadas quatro mulheres, num
grupo de oito pacientes, com idades variando entre 40 e 50 anos, escolhidas
aleatoriamente, pois todas as mulheres do grupo de ambulatório incluidas na
população tinham a possibilidade de pertencer à amostra.
A assistência era realizada as pacientes de forma individual estendendo-se à
família. quando as mesmas estavam presentes. Desta forma, o alerta para "o fato
de que o processo de interação prevê comportamentos observáveis entre duas ou
mais pessoas, ou seja, uma proximidade maior"(6:57). Assim, fomqs percebendo. a
importância do familiar estar mais próximo e ac~panhar a paciente no momento do
atendimento de enfermagem. Neste sentido, a entrevista aberta tem como
finalidade encorajar as pessoas a fornecer informações de suas vidas, seus
pontos de vista e visão do mundo(7).
Optamos durante o estudo pela entrevista semiestruturada e informal,
proporcionando, desta forma, uma melhor interação com as mulheres, permitindo
abordagens pessoais. De acordo com este tipo de entrevista, as questões são
feitas às pessoas diretamente sobre o assunto que se quer compreender.
Procuramos ter o cuidado para não induzir resposta com a pergunta, pois quanto
mais aberta ela for, mais amplitude há para outras perguntas, e mais outras
conforme a necessidade.
O estudo foi realizado durante os meses de agosto de 1999 a setembro de 2000.
Utilizamos o nome de pedras preciosas e semipreciosas para identificar as
mulheres entrevistadas, a omissão dos nomes deve-se à preservação da
identidade, compromisso firmado por ocasião das entrevistas. Asseguramos às
mulheres sigilo absoluto sobre seus dados pessoais, sendo que foi dada ênfase
somente à sua opinião, ao seu comportamento, à interação e transação frente às
questões norteadoras do estudo sobre mulheres portadoras de câncer de mama. As
entrevistas foram realizadas na sala de consulta de enfermagem do hospital e
agendadas de acordo com o início do tratamento no ambulatório.
O ambiente da sala inspirava tranqüilidade e, assim sendo, "este processo de
interação humana com o ambiente influencia o comportamento, proporciona
significado à experiência e representa a imagem e a realidade de cada
individuo"(8).
O material auxiliar era o gravador. Era solicitado que fossem fidedignas em
suas respostas, as quais eram transcritas após as entrevistas, mas eram
comentadas com as mesmas as informações fornecidas.
Assim, iniciamos um processo de interação da entrevistadora com as pacientes,
em que foi possível observamos várias reações, comportamentos e a sensibilidade
das mesmas durante as entrevistas.
Neste sentido, na relação interpessoal profissional paciente, o enfermeiro
através da sua percepção, tem a possibilidade de escolher, de informar, de
compartilhar sentimentos, vivências e experiências, favorecendo desta forma, a
interação e as metas do momento da consulta.
As questões abordadas foram:
1o Qual a sua percepção em relação a sua doença/câncer de mama?
2o Como você percebe a sua relação com a sua família e a sociedade?
Diante das implicações psicológicas do câncer de mama à mulher, é válido
enfatizar a importância da aplicação de alguns conceitos do processo de
enfermagem proposto por Kingonde a estrutura conceitual está identificada por
estrutura de sistemas abertos e a teoria por consecução de metas(5); e, de
acordo com, King centrou seus estudos na teoria geral dos sistemas das ciências
de condutas, identificando nestes níveis distintos de funcionamento, individuo,
grupo e sociedade e, nos três sistemas o elemento básico é o ser humano e cada
indivíduo é um sistema, sendo este dividido em(6:27):
1° Pessoal- aquele em que a pessoa interage com ela mesma.
É como ela se percebe como ser - as características do crescimento e
desenvolvimento, imagem corporal, o tempo e o espaço.
2° Interpessoal - são sistemas formados pela interação entre os seres humanos.
3° Social- "é um sistema de limite organizado de regras sociais, comportamentos
e práticas desenvolvidas para manter os valores e os mecanismos que regulam as
práticas eas regras"(5:115).
Neste processo, torna-se importante à obtenção de metas onde as enfermeiras e
os pacientes possam comunicar as informações e estabelecer metas comuns e,
após, interagir para alcançar estas metas.
As fases do processo estabelecidas são apresentadas a seguir, em que
relacionamos as fases adaptadas da teoria de King com ações de enfermagem, para
possibilitar uma visão geral do desenvolvimento da prática assistencial.
A coleta de dados: Apresentação à mulher com câncer de mama, ao grupo
explicando o trabalho. Era realizada entrevista individual informal semi-
estruturada a paciente e a questão abordada era: Quais as suas expectativas no
seu tratamento? Desta forma, estabelecíamos a interação com as mulheres,
através da observação do seu comportamento, comunicação verbal! não verbal e
entrevista. No decorrer da entrevista captamos dados referentes aos sistemas
Pessoal, Interpessoal e Social.
Diagnóstico de Enfermagem: a partir da entrevista, foram levantados problemas
das pacientes os quais denominamos de situações que foram transcritos após as
entrevistas e ordenados com os sistemas.
Estabelecimentos de metas: levantadas no diagnóstico de enfermagem nas quais
foram discutidas com as pacientes fazendo emergir sugestões interativas para
traçar um plano, através do processo interativo/ educativo, sendo selecionadas
as prioritárias de acordo com as decisões das pacientes e sobre o desejo ou não
de ser atendida.
Avaliação: A avaliação ocorreu pelos resultados comportamentais no momento da
comunicação, a percepção, a interação e a transação da mulher.
Nesta etapa do trabalho, são apresentados os resultados obtidos pela análise
das entrevistas, da percepção/interação com as mulheres com câncer de mama,
tanto na forma de descrição quanto de interpretação, com a finalidade de
analisar, interpretar as respostas das entrevistas quanto à percepção que elas
têm sobre o tema relativo à questão pessoal, interpessoal e social.
Desta forma, realizamos a leitura das situações coletadas nas entrevistas
procurando agrupá-Ias de acordo com a estrutura conceitual de King(5)O
entendimento das situações ocorreu a partir da compreensão de enunciados,
idéias e reações obtidas nas entrevistas com as mulheres com câncer de mama,
identificadas nos referidos sistemas.
4 Percepções das mulheres com câncer de mama
A partir da análise das falas, designamos cada experiência como sendo situações
vivenciadas pelas pacientes e, por situações, no contexto ao longo das
entrevistas.
Primeira situação:sistema pessoal
Entendemos que sistema pessoal é aquele em que a pessoa interage com ela mesma,
percebendo-se, trocando informações com o meio ambiente e com os outros. Assim,
os conceitos relevantes deste sistema são percepção, self, imagem corporal,
crescimento e desenvolvimento, tempo e espaço.
Desde o início do tratamento, observamos a questão da percepção presente na
mulher portadora de câncer de mama em relação à perda do cabelo, à auto-imagem,
ao diagnóstico. Estas experiências se deram num processo dinâmico na busca de
adaptação e equilíbrio, uma vez que passam a conviver com o diagnóstico da
doença, com perdas, alterações da imagem corporal, complicações relacionadas a
sua reabilitação e, ainda, com as incertezas da doença.
Ao realizar a análise das entrevistas, identificamos alguns temas que, juntos,
formaram a estrutura essencial da experiência pessoal da mulher portadora de
câncer de mama frente à doença.
4.1 Diagnóstico da doença de acordo com as mulheres entrevistadas
De acordo com as pacientes, antes do aparecimento da doença, suas vidas
transcorriam de maneira ordenada, com certa rotina e organização. Elas sentiam-
se saudáveis, já que não percebiam qualquer sintoma que se relacionasse à
doença. O significado atribuído ao câncer como doença fatal favoreceu a
percepção da realidade, como identificaremos na fala a seguir:
No início achei que omundo viria abaixo. Puxa como agente era feliz
antes semsaber que tinha este problema, por pouca coisa tu vai ter
problema, reclamar de tudo, então tudo issoeu fui trabalhando e hoje
sou outra mulher que dou valor avida e agente tem que agradecer cada
dia, cada momento atudo aquilo que agente teve, não reclamar outra
coisa do lado de sentir, tu começa pensar puxa vida e daí (Diamante).
Diferentes foram às formas de como e quando descobriram o câncer; para umas
ocorreram durante o autoexame, para outras ocorreram durante uma consulta
médica em que as pacientes buscavam uma melhora da qualidade de vida, conforme
o depoimento a seguir:
[...] eu fui consultar para dor de cabeça, mas não tinha um
neurologista aí eu consultei com uma ginecologista, quando ela me
perguntou se eu tinha algum problema ginecológico eu disse que não
sóum carocinho no seio mas não me incomodava, quando ela viu me disse
tu chama isso de carocinho [...] (Rubi).
Pela fala, a paciente deixa claro que a alteração da rotina, a organização de
vida, o medo do inesperado são algumas das condições que acabam ocasionando a
perda do equilíbrio, da saúde e do self.
Desta forma, "o ser é composto de pensamentos e sentimentos que constituem a
consciência da pessoa sobre a existência individual, a sua concepção de quem é
e o que é". Constitui o mundo interior de uma pessoa, o indivíduo é conhecido
por ele mesmo(5:172). Seguindo esta linha de pensamento, podemos perceber que
saúde é um processo dinâmico do indivíduo no qual a mudança é constante e
permanente e pode ser vista como a capacidade do indivíduo para funcionar em
seus papéis habituais.
Estes relatos demonstram o quanto à mulher é frágil em relação ao assunto do
câncer de mama e o quanto era temido pelas mulheres, visto que ele é descrito
com outros nomes. O aparecimento de sinais de desestruturação do bem-estar
evidenciou um desequilíbrio na vida da paciente que antes era tido como
organizado e agora, tornara-se totalmente incerto.
4.2 Imagem corporal
A aparência, o visual nos é repassado em nossa cultura como o belo, o estar
bonito(a), elegante, sentir-se bem. Para a mulher, a retirada da mama passa a
ser uma realidade anatõmica, corporal e fisiológica que acarreta uma mescla de
sentimentos, como constataremos no depoimento a seguir:
[...] eu me sentia mutilada tanto que quando eu ia tomar banho eu
chorava sempre mas, eu pensava no subconsciente um dia vou fazer a
reposição [...] (Turquesa).
Nas mulheres entrevistadas percebemos uma preocupação em relação a sua imagem
corporal onde algumas delas deixam de se olhar no espelho, de se tocar, ficando
muitas vezes com vergonha das outras pessoas e, para reforçar a nossa idéia
recorremos a definição de ímagem corporal como "a maneira com que a pessoa
percebe a si mesma e a maneira como os outros reagem a sua aparência"(5).
Segunda situação: sistema interpessoal
Na nossa concepção, os Sistemas Interpessoais são formados por seres humanos
interagindo entre si e, à medida que estes se tornam um grupo, aumenta
complexidade de interações, tendo como enfoque principal o ambiente. Para este
sistema, os conceitos relevantes são: interação, comunicação, transação, papel
e estresse.
4.3 Comunicação/relação paciente/profissionais da saúde
Algumas mulheres, após procurarem a assistência, frustraram-se com a baixa
resolutividade dos serviços de saúde e a forma como os profissionais da saúde
se comunicam com as mesmas, o que adiou por diversas vezes o diagnóstico e,
consequentemente, os seus tratamentos, como veremos na fala a seguir:
[...] acho que tinha que mudar os médicos, fazer mamografia sónão
adianta, tem que examinar, sei lá, comigo foi oque aconteceu apesar
que a primeira médica me apalpou [...], talvez se ele tivesse me
examinado [...] (Madrepérola)
Em vista disso é que nós, profissionais da saúde, devemos dar importância às
queixas das pacientes, principalmente às queixas clínicas durante a
assistência:
a informação representa um comportamento básico para a interação e
que compõe a comunicação. Processo de interação social fundamental
nas relações humanas que de acordo com as citações da clientela em
pauta ela se mostra deficiente tanto na meta do cuidar como no
repasse de conhecimentos do cuidado(6:102).
Como podemos observar, com a não valorização dos sinais, sintomas e sentimentos
das mulheres pelos profissionais da saúde e a pouca resolutividade dos serviços
faz com que o diagnóstico precoce não aconteça e, posteriormente, torna a
chance de cura, cada vez, mais remota.
4.4 Relacionamento marital
Quando a mulher faz a cirurgia, acaba afetando a sua auto-estima e,
consequentemente, diminui o grau de satisfação com o seu corpo e isto acaba
influindo na qualidade do relacionamento conjugal.
[..,] orelacionamento com omarido muda, ele gosta do seio, nunca
reclamou mas tu sente que muda ... isso tudo eu percebi [...] (Rubi).
King(5:146) define percepção como:
... representação da realidade que cada pessoa tem. É uma
conscientização das pessoas, objetivos e eventos. É um processo de
atividade humana com o ambiente. É um processo de organização,
interpretação e transformação dos dados sensitivos da memória. A
percepção dá sentido à experiência de cada um, representa a imagem da
realidade de cada.
4.5 O grupo
Mesmo com a doença, há entendimento de que existem doenças piores, e as
mulheres dão importância ao grupo de apoio para compartilhar os seus
sentimentos, ocorrendo uma transação/interação desta com as outras mulheres, e
isto aparece bem quando Madrepérola diz:
[...] ogrupo é uma beleza, eu acho que não só mama deveria ter grupo,
asoutras doenças também intestino, estômago, esôfago, todos tinha que
ter um pouco de carinho (Madrepérola).
Neste sentido, poder conversar claramente e trocar idéias sobre vários aspectos
com outras mulheres que passaram pela mesma experiência ajuda sobremaneira para
encontrar suas próprias soluções. Falar de seus medos, de suas angústias, de
seus sentimentos abertamente, auxilia na elaboração desta nova realidade. Poder
fazê-Io num grupo permite que o paciente encontre com quem se identifique, com
quem falar de igual para igual e sentir que suas angústias não são únicas(9). A
interação é definida como "um processo de percepção e comunicação entre a
pessoa e o ambiente e entre a pessoa e outra pessoa, representada por
comportamentos verbais e não - verbais"(5:141).
4.6 Estágios da doença
Constantemente, a mulher portadora de câncer de mama vivencia uma situação de
estresse, pois ocorrem muitas implicações psicológicas que afetam tanto o lado
físico como o emocional, ocasionando prejuízos para a saúde bem como
acarretando perda da qualidade de vida. Assim, a idéia na relação doença-
estresse refere ser: "um estado dinâmico pelo qual o ser humano interage com o
meio ambiente para manter o equilíbrio para o crescimento, o desenvolvimento e
o desempenho"(5:146).
[...] eu perdi ocabelo, é uma coisa tão natural, tem gente que raspa
porque é bonito, e porque nós por causa de uma doença dessa tem que
usar peruca [...] (Madrepérola)
[...]quando eu ia para obanho eu sóchorava [...]" (Turquesa).
Terceira situação:sistema social
O sistema social é constituído por sistemas menores que compõem grupos com
características e interesses em comum, e acabam influenciando o comportamento
social com a família, com os grupos de trabalho, com os grupos religiosos, com
o sistema educacional, com o sistema de trabalho e com grupos afins.
4.7 A família
De acordo com as colocações feitas por algumas mulheres, observamos que elas
haviam recebido apoio emocional da família.
Desta forma, a participação da famílía, desde o diagnóstico de câncer, é
primordial, e ela deve rapidamente se tornar uma força positiva para o
crescimento interior da mulher(10).
A família representa para estas mulheres um importante apoio para o
enfrentamento da doença, porém, quando isso não acontece, ocorre um certo
sentimento de frustração, fato que identificamos na fala a seguir:
[...] quando eu cheguei para falar com omeu filho ele dizia: Mãe não
chora, tu sabe eu não posso meincomodar, eu tenho problema de coração
(Rubi).
A repercussão de um relacionamento familiar solitário, triste, insatisfatório,
acaba refletindo na reabilitação e tratamento da paciente e, assim, a solidão,
na realidade, não é temida por si mesma, mas pela impressão de desamparo que
provoca(11).
4.8 O Ambiente
O ambiente é requisito fundamental, pois é onde a paciente se integra, onde
acontecem as interações e transações do cuidar e onde é possível a pessoa se
realizar. Quando não se realiza, torna-se difícil à efetivação do processo de
cuidado e, neste sentido, "este processo de interação humana com o ambiente
influencia o comportamento, proporciona significado à experiência e
representação a imagem da realidade do indivíduo"(8:171). Abaixo, constataremos
como foi a percepção em relação ao ambiente.
[...] era muito ruim, péssimo, pior impossível, porque você já
estámal, bom eu tinha amania de dizer estou indo para oabate, porquê
realmente tu sai de casachega aqui aquele ambiente terrível com
quatro sofás, assim aTV na tua frente umas revistas antigas do teu
lado uma pessoapior que você do teu lado, émuito mal feito, deveria
ser assimum ambiente saudável com música ambiental, flores, folhagens
vida dentro dele enão é,de tu chegar no ambiente efalar das
mesmascoisas (Diamante).
O ambiente é uma função de equilíbrio entre as interações internas e externas.
Isso é evidenciada nas falas a seguir(5).
[...] as pessoaschegavam eperguntavam: tu estábem mesmotem certeza?Eu
não sei seera coisa de estarem preocupadas mesmoou por querer
cochichar, podia estar pior (Diamante).
[...] dias dessesuma mulher medisse: Ai como tu estábem! É estou bem
graças aDeus. É pelo menos de rosto [...] (Madrepérola).
5 Considerações finais
Baseado no estudo da percepção/interação das pacientes portadoras de câncer de
mama e nas suas expectativas quanto ao seu tratamento, chegamos às seguintes
considerações:
- durante as entrevistas, observamos que cada paciente reagia diante dos
questionamentos a sua própria maneira. Elas, em sua totalidade, demonstraram
ansiedade antes e durante as entrevistas por reviverem experiências pessoais,
familiares difíceis, porém, na medida em que evoluía o diálogo, o nível da
ansiedade diminuía;
- percebemos, a importância da imagem corporal para a mulher, quando esta se
refere a sua mama, porque interfere diretamente na sua feminilidade e
sexualidade, influindo no grau de satisfação de seu corpo e tornando o seu
relacionamento conjugal insatisfatório; notamos que a mulher com câncer de mama
vivência uma situação de estresse intensa, pois esta afeta tanto o corpo na sua
dimensão física, psíquica e espiritual, ocasionando o desequilíbrio do seu
self;
- observamos que, quando ocorre a interação/transação com outras mulheres que
tem o mesmo diagnóstico e compartilham suas vivências, sentimentos e
experiências, a mulher começa a perceber que ela é semelhante a outra,
inclusive com as mesmas angústias, receios, medos;
- constatamos que a família pode ser considerada como um suporte emocional
importante para o enfrentamento do câncer de mama e que, quando isto não
ocorre, surgem sentimentos de frustração e tristeza;
- sentimos que o ambiente, é requisito fundamental para que a paciente possa se
integrar e fazer com que aconteçam as interações e transação do cuidado.