REBEn: Espaço de difusão para o saber de enfermagem hospitalar - 1951 a 2001
1 Introdução
Esta investigação trata da produção científica da Enfermagem Hospitalar
publicada na REBEn, no período de 1951 a 2001. Enquanto espaço de difusão
profissional mais antigo da Enfermagem no Brasil, a Revista configura-se como
uma base propícia ao desenvolvimento de investigações sobre a evolução e
caracterização do saber de enfermagem.
Nesta pesquisa, Enfermagem Hospitalar significa o atendimento hospitalar
durante as vinte e quatro horas do dia, aproximando-se do significado do termo
hospitalização.
Algumas reflexões sobre o saber de enfermagem foram necessárias, também, para
esclarecer seu direcionamento considerando-se que seus momentos de
desenvolvimento influenciaram a evolução da produção científica profissional de
Enfermagem Hospitalar, assim como a produção de outras áreas da Enfermagem. Se
o saber é considerado como o conjunto de conhecimentos sistematicamente
adquiridos, mais ou menos organizados e suscetíveis de serem transmitidos
através do ensino(1). Na área da saúde, o saber é parte dos instrumentos
utilizados pelos profissionais em sua atuação podendo ser apreendido pela
análise dos conhecimentos que estão na base das ações e práticas de saúde. O
saber de cada profissão organiza-se pela caracterização dos conhecimentos que
subsidiam suas atividades especializadas típicas(2).
O saber de enfermagem no Brasil tem três momentos distintos de acordo com
correntes e com modelos que lhe deram origem(3). No início do século XX, surgiu
o primeiro momento - das técnicas de enfermagem que foram elaboradas e
intensificadas como meios de trabalho que levaram a uma prática funcional de
enfermagem(2). Nas décadas de 30, 40 e 50, as técnicas ainda se caracterizavam
como uma área do saber de enfermagem, por sua ênfase no ensino formal e na
produção de livros texto(3).
Na década de 50, a Enfermagem empreendeu um esforço de organização do seu saber
buscando nas ciências físicas, biológicas e sociais uma fundamentação. O
esforço para introduzir um corpo de conhecimentos teóricos às práticas de
enfermagem proporcionando cientificidade às técnicas, resultou na abordagem dos
princípios científicos - o segundo momento. O final dos anos 60, a etapa atual
da Enfermagem iniciou-se com as teorias de enfermagem, o terceiro momento.
Assim, as teorias resgataram o potencial de conhecimento da Enfermagem
transformado em proposições intelectuais, que possibilitaram a apreensão de
seus momentos produtivos e a constituição de suas articulações sócio -
políticas(4).
Entretanto, naquela época, a ciência de enfermagem não refletia o grau de
maturidade de outras ciências e as teorias não tinham sido suficientemente
testadas para se transformarem em explicações sistemáticas capazes de predizer
e controlar os fenômenos no campo da enfermagem(5). Porém, acreditamos na
confirmação próxima da episteme da Enfermagem, dada a amplitude do conhecimento
profissional existente aliado à busca das enfermeiras pela credibilidade e
confiabilidade da profissão, como projeto epistemológico(6).
Confirmando estas posições, entendemos que a Enfermagem brasileira vem-se
constituindo como uma ciência - em- vias- de- se- fazer?(7).Reforçando esta
idéia, a comunidade científica da Enfermagem vem pontuando a produção do
conhecimento ressaltando-se os avanços para caracterizar a Enfermagem como
ciência stricto sensu.Assim, o refinamento das reflexões sobre o saber
produzido ultrapassa a produção quantitativa enviando, dentre outras
iniciativas, para abordagens classificatórias desse saber.
Neste sentido, desde o II Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem
realizado em 1982, a classificação do saber de enfermagem vem passando por
diversas reformulações. As prioridades e linhas de pesquisa sugiram como a
expressão mais recente dessa busca classificatória(8). Ao lado dessa tendência
vêm surgindo investimentos em reflexões filosófico - epistemológicas sobre o
saber de enfermagem nos temas de eventos científicos da categoria. No 11.0
Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem (ABEn, 2001), por exemplo, foi
apresentoado um trabalho acerca dos constructos epistemológicos e sua
contribuição para a profissão, que teve repercussão compatível com esses
interesses da Enfermagem(7).
O esforço para classificar o saber de enfermagem tem resultado em alguns
artigos publicados que, embora escassos, apontam para investimentos relativos
ao saber profissional. Alguns autores os desenvolveram com diferentes
finalidades(9, 10,11.12.13). Entretanto, nenhum destes artigos procurou
analisar como a oferta de espaço por um periodico contribuiu para a difusão do
saber de uma determinada' área da Enfermagem que, no caso desta pesquisa, é a
área de Enfermagem Hospitalar.
A abrangência, integração e profundidade desta área passaram despercebidas,
devido as influências históricas do modelo biomédico implantado e consolidado
na saúde e na Enfermagem do país. Por conseqüência, a Enfermagem Hospitalar foi
fragmentada em especializações, com características e procedimentos próprios e
pessoal especializado, ficando como uma área que apresenta uma totalidade ainda
inexplorada, também desconsiderada em artigos publicados.
Considerando a problematização apresentada emergiram as seguintes questões
norteadoras para as buscas desta investigação: (a) Como se configura a
caracterização da produção de Enfermagem Hospitalar publicada pela REBEn? (b)
Qual é a contribuição da REBEn enquanto espaço de difusão para o saber da
Enfermagem Hospitalar?
Buscando contribuir com a tendência de refinamento epistemológico atualmente
empreendido em relação ao saber da Enfermagem, o objeto deste estudo é a
produção de artigos de Enfermagem Hospitalar publicados na REBEn. Os seguintes
objetivos foram estabelecidos para orientar a abordagem a este objeto de
estudo: (a) caracterizar os artigos sobre a Enfermagem Hospitalar publicados na
REBEn, no período de 1951 a 2001; (b) analisar a REBEn como espaço de difusão
do saber da Enfermagem Hospitalar.
A Revista é um espaço editorial aberto à difusão do saber produzido na
Enfermagem. No entanto, ao centrar o foco de interesse na Enfermagem
Hospitalar, esta investigação pode contribuir com a demonstração da REBEn,
enquanto um espaço de difusão do saber desta área, principalmente por ser o
único periódico nacional que completa setenta e um anos de existência em 2003
sendo portanto, o mais antigo do Brasil.
2 Referencial teórico-metodológico
A difusão do saber é entendida nesta pesquisa como um processo, até certo ponto
cultural, inerente a um mesmo grupo profissional, a Enfermagem, que adota
estratégias na busca de sua maturidade e organização. Como esta investigação
trata da difusão do saber de Enfermagem Hospitalar através da REBEn foi
necessário considerar o conceito difusãono âmbito das Ciências Sociais.
Assim, a difusão, do inglês diffusion,designa os processos ordenados que
produzem semelhanças culturais em várias sociedades, excetuando-se as
invenções. Confirmando a difusão, o difusionismo, uma corrente antropológica
inglesa, procurava explicar o desenvolvimento cultural através do processo de
difusão de elementos culturais de uma cultura para a outra, por meio de
constantes empréstimos culturais. Segundo esta corrente, as similaridades e
diferenças culturais eram mais atribuídas à presença ou ausência do processo de
difusão, do que a invenções independentes e paralelas em culturas separadas. Os
três tipos distintos de processos históricos de difusão são a difusão primária
ou dispersão cultural, difusão secundária da cultura e difusão por estímulo ou
sugestão da idéia. Eles proporcionam a propagação da cultura(14). Por analogia,
estes processos puderam ser aproximados à difusão de uma área do saber de
enfermagem realizada através de periódicos.
O processo de difusão primária ou dispersão cultural pode expandir uma cultura
por migração de seus portadores. A conseqüência é a propagação de aspectos de
uma cultura através de seus portadores, que os levam para outras culturas.
Aproximando este processo à Enfermagem brasileira pode-se constatar que, desde
o início da implantação do modelo nightingaliano,nos anos 20, a crença vigente
das enfermeiras norte-americanas sobre periódicos foi considerada, em nosso
país. Em 1925, Clara Louise Kienniger, como portadora da cultura da Enfermagem
norte-americana e Diretora da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de
Saúde Pública, aconselhou a primeira turma de formandas para substituírem o
clássico quadro de formatura por uma revista tendo como vantagem, sua
conservação como lembrança. Surgiu então, o primeiro e único número da revista
Pioneira(15).
O processo de difusão secundária da cultura ocorre por empréstimo direto de um
grupo ao outro, inclusive de traços materiais. Este processo de difusão
aproximado à Enfermagem poderia ser encontrado nas experiências de Edith de
Magalhães Fraenkel, em sua ida aos EEUU para estudar Enfermagem em uma escola
da Filadélfia. Seu modo de pensar e suas atitudes parecem ter recebido alguma
influência da diretora desta Escola, Lilian Clayton, que sempre dizia em suas
aulas de Ética: uma profissão parase desenvolver precisa de uma associaçãoe de
uma revista(15).Ao voltar, Edith Fraenkel exerceu cargos de destaque na
Enfermagem do país, sem se esquecer das experiências vividas naquele país,
tanto que participou do próximo processo histórico de difusão na Enfermagem
apresentado a seguir.
No processo de difusão por estímulo basta a sugestão da idéia, para que eIa
possa vir a se propagar em outra cultura. Na Enfermagem, este processo parece
ter acontecido por ocasião do Primeiro Congresso Quadrienal do Conselho
Internacional de Enfermeiras, em 1929 na Cidade de Montreal, Canadá. Durante o
evento, Edith Fraenkel foi convidada por Lilian Clayton para participar da
reunião - jantar das redatoras de revistas de enfermagem dos países membros do
Conselho. Nesta reunião, ela ouviu a afirmação de Clayton para que a Associação
brasileira iniciasse a publicação de uma revista, mesmo que no início ela fosse
de pequeno porte(15).
Após a reunião, ao conversar com as três outras enfermeiras brasileiras que
estavam hospedadas no mesmo hotel, imediatamente estudaram a possibilidade de
criação da revista e traçaram as bases de um plano, para prosseguir com a idéia
ao voltarem para o Brasil. Três anos depois, em maio de 1932, foi lançado o
primeiro número dos Annaes de Enfermagem, que recebeu mais duas denominações
posteriores: Anais de Enfermagem, em 1948 e Revista Brasileira de Enfermagem,
de 1955 até os dias atuais(16).
Estes foram os processos históricos de difusão e sua aproximação à Enfermagem
através da análise dos primórdios da REBEn. Mas, como esta investigação trata
da difusão do saber de Enfermagem Hospitalar, este termo inclui outra conotação
implícita no significado do termo difusão. Ele ganha maior abrangência
incluindo a expansão do saber de enfermagem através da Revista, como expressão
da cultura profissional da Enfermagem. Apesar da Enfermagem ainda não
apresentar um estatuto de ciência, a evolução da REBEn como um espaço de
difusão de seu saber pode ser entendida como meio de refinamento para idéias,
saberes e práticas da profissão, o que aponta para a construção de sua episteme
e propagação da cultura profissional entre as enfermeiras.
Esta vocação da Revista já se fazia presente em 1948, quando sua editora
solicitou que fossem enviados artigos, justamente para que a Revista pudesse
apresentar os problemas de enfermagem relativos a todo o país, como uma
contribuição imprescindível(16). Naquela época, a Enfermagem brasileira buscava
a maturidade e organização de seus profissionais.
Confirmando esta posição, Santos(17) afirma que as próprias condições de
trabalho de uma profissão demonstram o nível de maturidade e a organização de
seus profissionais destacando como fundamentais, a existência de periódicos
(revistas e jornais) e a política editorial da área. Assim, o início da REBEn
há setenta e um anos foi a expressão mais precoce da Enfermagem brasileira em
termos de periódicos e política editorial. Portanto, A Revista apresenta
naturalmente as condições para o desenvolvimento de estudos e investigações
relativos à evolução do saber de enfermágem, através da publicação de seus
artigos.
Esta é uma investigação descritiva de base documental, com abordagem
quantitativa, pois seu corpus de dados constituiu-se dos artigos de Enfermagem
Hospitalar publicados na REBEn no período de 1951 à 2001. Alves - Mazzotti e
Gewandsznajder(18) destacam que revistas, entre outros documentos, podem ser
muito úteis para a compreensão da reconstituição de uma situação passada ou
para a compreensão de um processo ainda em curso. Reforçando esta posição,
Laville e Dionne(19) destacam as publicações científicas dentre as fontes
impressas como base de dados, cuja vantagem da regularidade permite o
seguimento da evolução dos fenômenos e das situações no tempo. Reforçando estas
posições anteriores, Polit e Hungler(20) destacam que os problemas de
tendenciosidade podem estar totalmente ausentes, quando são usados registros,
deles destacando o depósito ou sobrevivência seletivos.
Neste sentido, os exemplares da REBEn relativos aos anos de 1986/ n 4 e 1996/ n
1 não foram examinados por estarem ausentes da coleção consultada na Biblioteca
Setorial de Pós - graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ. Ainda
assim, a ausência de apenas dois exemplares não afetou a representatividade dos
registros necessários ao desenvolvimento desta investigação. Outros aspectos
relativos à metodologia adotada foram: (a) dos artigos publicados em setenta
anos da Revista, àqueles publicados durante cinqüenta anos foram considerados
suficientes para caracterizar as tendências da produção de Enfermagem
Hospitalar; (b), a periodicidade para a organização dos dados da classificação
utilizada foi de três períodos de dezessete anos cada, a saber: 1951 - 1967;
1968 -1984 e 1985 - 2001.
O instrumento para a coleta de dados foi um formulário elaborado em duas
partes, reajustado à medida em que foi utilizado. Sua primeira parte registrou
a identificação e localização de artigos na cOleção da REBEn em itens abertos,
tais como: (a) o nome do artigo; (b) o nome e a origem de seus autores; (c) o
ano e número do exemplar da REBEn no qual ele foi publicado e as páginas do
artigo. A segunda parte do formulário, em itens fechados, apresentou um enfoque
geral aplicável a qualquer tipo de artigo, tais como: (a) o âmbito do artigo:
assistência / cuidado; ensino; exercício profissional e outro; (b) o tipo de
artigo publicado: pesquisa, revisão, relato de epperiência, reflexão ou ensaio,
resumo e outro tipo; (c) a origem ;élo artigo, segundo o estado da federação
referenciado. A seção . denominada Página do estudante apresentou vários tipos
de artigos, o que levou a sua inclusão em outros tipos de artigos adotados na
classificação. E nas seções Carta do leitor, Biografia e Documentário não foram
encontrados artigos relativos à Enfermagem Hospitalar.
As seções da REBEn variaram ao longo do tempo. Para efeitos desta pesquisa
considerou-se as seções existentes em 2002. Como as seções em períodos
anteriores da Revista receberam outras denominações, os artigos publicados
naquelas seções, que não puderam ser inseridos nos tipos atuais de artigos,
foram classificados como outros (atualização, conferência, editorial, aulas e
outros). Ao final da coleta de dados realizada em 2002, foram identificados e
examinados 254 artigos sobre a Enfermagem Hospitalar publicados na REBEn.
O tratamento estatístico - descritivo dos dados coletados foi realizado sob a
forma de freqüência simples e percentual e organizado em quatro tabelas. As
categorias encontradas, produção de artigos pelas áreas envolvidas, âmbitos
apresentados pelos artigos, tipo de artigos e origem dos artigos, foram
analisadas e interpretadas à luz da difusão do saber de enfermagem e das
influências e condições profissionais e sociais mais amplas e existentes no
país, nos períodos considerados.
3 Análise e interpretação dos resultados
Os resultados apresentados a seguir mostram que as áreas de Enfermagem
Hospitalar, Enfermagem Clínico Cirúrgica e Enfermagem de Doenças Infecciosas e
Parasitárias apresentaram uma freq?ência de artigos publicados em cinq?enta
anos que, se considerada de forma isolada, pode levar a conclusão equivocada de
uma baixa produção. Entretanto, a área de Enfermagem Hospitalar não está sendo
considerada em sua totalidade nesta pesquisa, como referido na introdução desta
investigação. Assim, os 254 artigos encontrados são uma produção significativa
em um único e o mais antigo periódico de enfermagem.
3.1 Produção de artigos pelas áreas envolvidas
O número de artigos de Enfermagem Hospitalar apresentou uma freqüência
diversificada no período de 1951 a 2001. Assim, os artigos distribuídos pelas
áreas consideradas nesta pesquisa apresentaram-se da seguinte maneira:
Os dados apresentados nesta tabela evidenciaram algumas tendências que implicam
em análises inerentes ao contexto social e de saúde mais amplos. Os 100 artigos
de Enfermagem Hospitalar (39,37%) mostram que esta área sempre esteve presente
nas conjec ras das enfermeiras, de um ponto de vista mais geral. Ao Iado disto,
os 97 artigos de Enfermagem Clínico - Cirúrgica (38,19%) apontam para a
importância desta área no contexto hospitalar. E os 57 artigos de Enfermagem de
Doenças Infecciosas e Parasitárias (22,44%), incluindo aqueles sobre infecção
hospitalar, apontam para a caracterização de uma área especializada.
O número total de artigos de Enfermagem Hospitalar (f = 254/100%) envia para
uma aproximação com a trajetória evolutiva do modelo de saúde do país. O
período considerado neste estudo, iniciado nos anos 50, coincide com o período
de inversão do modelo de saúde do país. Até os anos 40 este modelo era
sanitarista, com um enfoque preventivo predominante. Com o advento dos
hospitais dos institutos previdenciários nos anos 50, dos hospitais de ensino a
partir dos anos 60 e o incentivo das indústrias multinacionais de medicamentos
e equipamentos hospitalares em consolidação, o modelo sanitarista transformou-
se em um modelo curativo, com um enfoque individual prevalente.
Por conseguinte, o mercado de trabalho para a enfermeira também sofreu esta
inversão, apresentando vagas mais numerosas em hospitais, por volta dos anos 50
(21). Assim, a freq?ência significativa de artigos de Enfermagem Hospitalar
acompanhou os interesses profissionais das enfermeiras e os cenários nos quais
elas trabalhavam.
A similaridade encontrada entre o número de artigos de Enfermagem Hospitalar e
Enfermagem Clínico - Cirúrgica revela a importância desta última área. Ao se
considerar que a área clínica e a área cirúrgica geralmente constituem-se na
oferta mais numerosa de leitos dos hospitais e que a maior demanda da população
por leitos hospitalares incide nestas áreas, tornase compreensível que a
produção de artigos de Enfermagem Clínico - Cirúrgica acompanhe esta tendência.
Reforçando esta posição, a teoria da transição epidemiológica destaca a
inversão do quadro nosológico de saúde, no qual a proeminência das doenças
infecciosas passou a dar lugar às doenças crônico - degenerativas(22). A
freq?ência menos expressiva de artigos de Enfermagem de Doenças Infecciosas e
Parasitárias também pode encontrar apoio nesta teoria.
3.2 Âmbitos apresentados pelos artigos
Para o desenvolvimento da análise dos âmbitos que os artigos de Enfermagem
Hospitalar, Clínico - Cirúrgica e de Doença Infecciosas e Parasitárias
apresentaram, considerouse a totalidade dos 254 artigos identificados. Assim,
os âmbitos configuraram-se como se segue:
O âmbito da assistência / cuidado de enfermagem englobou 66,9% (f = 170) dos
artigos publicados. O âmbito do ensino apresentou 11,8% (f = 30) dos artigos da
área. No âmbito do exercício profissional surgiram 15,7% (f = 40) dos artigos
identificados. Artigos com outros âmbitos apareceram num total de 5,6% (f = 14)
artigos. O âmbito da assistência / cuidado de enfermagem foi o que apresentou o
maior número de artigos.
Considerando as freqüências próximas apresentadas nos âmbitos do ensino e do
exercício profissional, 30 e 40 artigos respectivamente, e a freqüência de
outros âmbitos, 14 artigos, fica claro que estas três áreas hospitalares
envolvidas no estudo (84 artigos) tiveram quase a metade dos artigos publicados
no âmbito da assistência / cuidado de enfermagem (170 artigos) evidenciando o
interesse das enfermeiras assistenciais ou docentes em publicar artigos sobre a
realidade da prática experimentada por elas.
Observando especificamente a distribuição dos artigos no âmbito da assistência
/ cuidado de enfermagem (f = 170) verifica-se que, o período de maior produção
compreendeu os anos de 1968 e 1984, o período intermediário, quando seria
esperado também um aumento de publicações nos últimos dezessete anos (1985 -
2001), para acompanhar a tendência de crescimento apresentado nos primeiros
trinta e quatro anos. Entretanto, verifica-se que a freqüência diminuiu em onze
artigos nos últimos dezessete anos.
Para compreender este aparente decréscimo de produção, deve-se analisar a
expansão dos espaços editoriais para publicação na Enfermagem, com o aumento do
número de periódicos de enfermagem. Até meados dos anos 80 existiam poucos
periódicos específicos da profissão. Todavia, o aumento de cursos de pós -
graduação stricto sensu- cursos de mestrado e, depois, de doutorado em
enfermagem, aliados aos critérios de avaliação da CAPES para estes cursos,
levaram a uma demanda editorial que resultou na criação de outros periódicos
que, somados aos já existentes, tiveram por conseqüência um aumento da oferta
de espaço para publicação, o que pode explicar o decréscimo da freqüência de
artigos na REBEn, no período de 1985 - 2001.
No âmbito do ensino de Enfermagem Hospitalar, verificase que 30 artigos
representam apenas 11,8% da publicação total de artigos em cinqüenta anos.
Embora possa ser considerado um número de menor significação, verifica-se que a
produção de artigos manteve-se estável nos dois primeiros períodos apresentando
um aumento de quase o dobro de artigos no último período. Essa situação
evidencia que, apesar de haver aumentado o espaço editorial para artigos de
enfermagem nos últimos dezessete anos, a tendência de crescimento no número de
artigos sobre o ensino na REBEn expressa o crescente interesse das enfermeiras
em publicar sobre o ensino de enfermagem. Essa tendência mostra que as
enfermeiras talvez tenham recebido influências das mudanças no ensino de
enfermagem ocorridas em função do Parecer CNE n.o 314/94 e da Portaria CNE n.o
1721/94 aliadas às mudanças decorrentes da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.
No âmbito do exercício profissional verifica-se que 4,3% dos artigos foram
publicados no período de 1951 - 1967; 6,3% foram publicados no período de 1968
- 1984; e 5,1% foram publicados entre 1985 e 2001, perfazendo um total de 15,7%
do total de artigos publicados. Neste âmbito, parece que o crescimento de
espaços de publicação de artigos de enfermagem, com o aumento de oferta de
periódicos, teve influência evidenciada pelo decréscimo de artigos publicados
no último período.
O aumento de publicação de artigos no período intermediário (1968 -1984) pode
ser explicado pelas influências decorrentes da organização do sistema de saúde,
com a participação da previdência social, a partir de meados dos anos 70. As
novas demandas criadas pelas exigências do sistema podem ter impulsionado as
enfermeiras para publicarem sobre seu exercício profissional. A criação dos
Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem, com seu papel fiscalizador da
prática, também pode ter sido outra influência significativa para o aumento
desta produção.
Outro aspecto evidenciado pelos dados relaciona-se às iniciativas de
sistematização da educação continuada nos hospitais, que receberam maior
incremento nas duas últimas décadas, principalmente sob a forma de treinamento
profissional. Esta é uma contradição, quando o incremento é comparado com o
decréscimo de publicação de artigos no último período. Entretanto, o aumento de
espaço de publicação de artigos em outros periódicos pode explicar esta
diminuição.
Outros âmbitos de artigos que surgiram nos dados (1951 - 1967: 0,8%; 1968 -
1984: 2,0%; 1985 - 2001: 2,8%) expressavam a preocupação com o fazer e os
procedimentos profissionais. Apesar do total de artigos de outros âmbitos ser
pouco significativo, apenas 14 artigos em 254, verifica-se que eles vêm
aumentando gradativamente. Os interesses sobre temáticas que envolvem questões
relativas ao hospital e que se vinculam indiretamente à Enfermagem, tais como a
coleta de lixo hospitalar, uso de hipoclorito de sódio no material de
inaloterapia, treinamento em serviço ou aspectos preventivos hospitalares não
eram classificáveis nos outros âmbitos adotados pois embora sendo hospitalares,
eles eram inespecíficos quanto as especializações hospitalares. A Enfermagem
também sempre destacou o interesse pelas questões mais gerais relativas à
assistência. Assim, justificase a presença destes artigos.
3.3 Tipos de artigos
Em relação a distribuição dos artigos pelo tipo verificase que, dos 254
artigos consultados, 42% (f = 107) foram de artigos de pesquisa; 32,7% (f = 83)
foram do tipo outros artigos; 15% (f = 38) foram artigos de relato de
experiências; 4,3% (f = 11) foram artigos de reflexão ou ensaio; 3,1 % (f = 8)
foram artigos de revisão; e 2,8% (f = 7) foram resumos. Houve um movimento
crescente de publicação de artigos na Revista nos três periodos considerados (f
= 61, 100 e 94 respectivamente). Embora o último período apresente uma pequena
diminuição do número de artigos, ela pode ser atribuída ao aumento do espaço
editorial para publicação na Enfermagem.
Frente ao aumento significativo de 25,2% (de 5 para 69) dos artigos de pesquisa
de Enfermagem Hospitalar e, a diminuição significativa de 21,9% (de 41 para 9)
do tipo outros artigos em um intervalo de dezessete anos (1968 à 1984),
tornase necessário uma análise comparativa e qualitativa da questão.
Comparando-se as freqüências destes tipos de artigos observa-se que neste mesmo
período intermediário, as freq?ências foram iguais entre os dois tipos de
artigos (33 e 33 artigos respectivamente). No tipo outros artigos foi muito
freq?ente encontrar artigos de atualização ou de conferências, editoriais e
artigos originados de aulas, principalmente no primeiro período (1951 - 1967).
Embora a produção de artigos fosse significativa neste período (f = 41),
percebe-se uma certa imaturidade científica nos artigos da comunidade
profissional, uma fato inerente à idade aproximada de trinta anos do modelo
nightingaliano no país, o que é corroborado pela baixa freqüência de artigos de
pesquisa (f = 5).
Ambas as situações analisadas, aumento de artigos de pesquisa e diminuição dos
artigos do tipo outros artigos, também podem ser explicadas através da criação
dos cursos de pós-graduação stricto sensunas instituições de ensino de
enfermagem, a partir de 1972 e 1986 (mestrado e o doutorado respectivamente). A
produção científica desses cursos associada à exigências de publicação nas
avaliações governamentais (CAPES) criaram uma nova demanda de publicação de
artigos;
Os artigos classificados como relato de experiência aumentaram do primeiro para
o segundo período havendo uma diminuição deste tipo de artigo do segundo para o
terceiro período. A explicação possível para o aumento aproxima-se da análise
realizada para o âmbito de exercício profissional na tabela anterior, que se
refere às influências da organização do sistema de saúde, com a participação da
previdência social, associadas à criação dos Conselhos Federal e Regionais de
Enfermagem. E a análise para a diminuição de artigos situa-se na ampliação do
número de periódicos de enfermagem no último período.
Os artigos classificados como revisão, resumo e reflexão ou ensaio apresentaram
freqüências menos significativas. Os artigos de revisão apresentaram
freqüências decrescentes, o que pode ser explicado pela migração de artigos
para outros periódicos de enfermagem, principalmente no último período, o que
também parece ter afetado a freqüência dos dois outros tipos de artigo - resumo
e reflexão ou ensaio.
3.4 Origem dos artigos
Para considerar a qualidade de difusão da REBEn é fundamental a análise da
origem de seus artigos. Essa origem assim configurou:
Dos 254 artigos, os estados com maior freqüência de publicação foram os de São
Paulo (f = 122) e Rio de Janeiro (f = 42). Os estados que apresentaram
freqüências baixas (f = ou > 4 e < ou = 10), mas ainda assim importantes foram
Rio Grande do Sul (f = 10), Bahia e Minas Gerais (f = 9), Paraíba e Distrito
Federal (f = 5) e Pernambuco e Ceará (f = 4).
Quanto à produção de artigos nos períodos adotados no estudo, verifica-se que a
freqüência aumentou do primeiro para o segundo período, (de 61 para 100
artigos) havendo uma queda insignificante no terceiro período (de 100 para 93
artigos). Ao prosseguir com a análise da tabela, ainda é possível identificar
que muitos Estados, apesar de não terem produzido sistematicamente,
apresentaram 1 ou 2 artigos, ao longo do tempo. São eles: Sergipe e Amazonas
(1951 -1967); Maranhão (1968 - 1984); Rondônia e Rio Grande do Norte (1985 -
2001). O caso de um artigo internacional, tradução de autora norteamericana,
publicado no períodO de 1968 - 1984, destaca-se pois na época a REBEn não
pretendia apresentar um perfil internacional.
Os três períodos apresentaram artigos sem definição de origem com percentuais
muito próximos. Entretanto, esta situação é mais facilmente compreendida quando
verifica-se que, no primeiro período inexistiam normas para publicação (f = 9).
As exigências para publicação surgiram durante o segundo período, o que
coincide com a menor freqüência de artigos sem a deflnição de origem (t = 4).
Apesar do terceiro período apresentar uma freq?ência similar a do segundo (f =
5), podese supor que estas normas foram aplicadas com maior rigor na última
década, dentre elas a obrigatoriedade de registro de origem do autor do
manuscrito, por força de uma política editorial mais clara e consistente na
área da Enfermagem e das aspirações dos periódicos brasileiros em serem
reconhecidos como periódicos de circulação internacional.
4 Considerações finais
Frente aos resultados encontrados nesta pesquisa, a REBEn confirmou-se como um
espaço de difusão para o saber da Enfermagem Hospitalar. A caracterização de
seus artigos acompanhou os movimentos presentes na Enfermagem em busca de
maturidade e organização de seus profissionais evidenciando as influências
determinadas pelas condições estabelecidas no contexto social brasileiro mais
amplo.
Os processos históricos de difusão e sua aproximação à Enfermagem através da
análise dos primórdios da Revista também evidenciam a propagação e expansão do
saber da Enfermagem Hospitalar, como expressão de uma cultura profissional, que
vem sendo divulgada em âmbito nacional. A análise da difusão do saber da
Enfermagem Hospitalar mostrou também que, embora em maior ou menor grau nos
períodos considerados, o saber advindo das técnicas de enfermagem, dos
princípios científicos e das teorias de enfermagem, como ele é classificado por
Almeida(3), influenciou a produção de artigos da área ainda coexistindo
atualmente.
Nestes setenta e um anos, a evolução da REBEn como um espaço de difusão do
saber da Enfermagem Hospitalar proporcionou um meio para o refinamento de suas
idéias, saberes e práticas contribuindo significativamente para a busca de um
estatuto de ciência para a profissão.