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BrBRCVHe0034-71672005000200014

BrBRCVHe0034-71672005000200014

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2005
Issue0002
Article number00014

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Trajetória do enfermeiro em um hospital universitário em quatro décadas: pressupostos de inovação de seu papel gerencial REVISÃO

Trajetória do enfermeiro em um hospital universitário em quatro décadas: pressupostos de inovação de seu papel gerencial

The path of nurses at a university hospital throughout four decades: starting points to innovate their management role

Trayectoria del enfermero en un hospital universitario en cuatro décadas: presuposiciones de innovación de su papel gerencial

Maria Auxiliadora TrevizanI; Isabel Amélia Costa MendesII; Simone de GodoyIII; Leila Maria Marchi AlvesIV; Eliana Llapa RodriguezV IEnfermeira. Professor Titular. Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. trevizan@eerp.usp.br IIEnfermeira. Professor Titular. Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. iamendes@eerp.usp.br IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Especialista em Laboratório. Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. sig@eerp.usp.br IVEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem Fundamental. Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem.

imarchi@eerp.usp.br .

VEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem Fundamental. Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem.

eliestom@eerp.usp.br

1. INTRODUÇÃO O processo de socialização organizacional é tido como aquele através do qual a pessoa aprende valores, normas e expectativas de comportamento de modo a participar da vida organizacional num processo contínuo durante sua carreira.

Ao administrador compete não apenas identificar a cultura da organização e sua influência no processo de gestão, mas é fundamental que ele tenha compreensão de como essa cultura é disseminada ou aprendida pelos seus integrantes, o que possibilita e favorece suas ações administrativas(1).

Os métodos de orientação e socialização são relevantes na manutenção, consolidação e desenvolvimento da cultura organizacional. Tem-se considerado que embora o processo de socialização formal tenha um timing e duração determinados, durante toda a sua permanência numa organização o empregado está em constante socialização, uma vez que novos comportamentos são esperados frente aos novos desafios(2). Desta forma, através da condução bem sucedida do processo de socialização haverá melhores e mais oportunos ajustes dos novos trabalhadores à cultura organizacional.

A socialização pode ser entendida como um processo de desenvolvimento de papéis, dado que papel é o comportamento esperado de um indivíduo quando ocupa determinada situação social. De acordo com essa definição, o autor argumenta que, "praticamente todos os atos sociais podem ser pensados como constituindo comportamentos de papéis, no sentido de que, do ator individual, espera-se que responda com desempenho às expectativas legítimas que percebe dos outros significativos em seu ambiente social"(1).

A importância da estrutura interna nos contextos de socialização, foi realçada, focalizando-se dois elementos essenciais nesses contextos: - o sistema de papéis e a distribuição de poder. O sistema de papéis que se vincula à conformação de status sociais, expectativas de comportamentos, direitos e responsabilidades é altamente relevante na socialização, pois abarca identidades específicas, comportamentos, valores e crenças. Quanto à distribuição de poder, o autor assevera que o indivíduo tem poder considerável sobre os socializados quando seu status formal no grupo implica na socialização dos demais(3).

Tomando a prática assistencial hospitalar podemos dizer que o processo de socialização do profissional enfermeiro nesse contexto se deu e tem se dado, quase que exclusivamente, orientado para os padrões normativos da organização em questão. Assim, as expectativas que determinam padrões de comportamento do enfermeiro e sua atuação em consonância com os requisitos de um sistema de papéis racional e burocrático têm lhe reservado uma postura disciplinada, de disciplinador, de obediência a normas, obtendo, portanto, a confiança do administrador hospitalar de que cumprirá e fará cumprir suas ordens. Por razões que mereceriam investigações mais apuradas, o enfermeiro tem demonstrado facilidade em adaptar-se a obrigações, a disciplinas, em manter-se submisso a normas e rotinas a ponto de transferi-las de meios para fins em si mesmas o que provoca rigidez e faz surgir o excessivo formalismo e o ritualismo em seu trabalho. Essa postura do enfermeiro alicerçada em valores da organização hospitalar tem impedido, muitas vezes, o profissional de potencializar suas ações em função dos valores profissionais incorporados através do processo de socialização profissional(4).

No início dos anos 70 se alertava(5) para a severidade do conflito profissional burocrático enfrentado pelas enfermeiras norte-americanas, o qual culminava com uma condição denominada choque da realidade caracterizada como perniciosa para o profissional, para a profissão e para a sociedade. Alega que o tipo de preparo profissional, a configuração de papéis e as características estruturais da organização são fatores que interferem nesse conflito e nas suas conseqüências.

Em nosso meio, as lealdades conflitantes frente aos sistemas profissional e burocrático da organização têm sido causadas pela indefinição do papel do enfermeiro na ambiência do hospital. Embora no discurso o enfermeiro reconheça o seu compromisso com a profissão, na prática evidencia-se quase que somente seu envolvimento e comprometimento com a organização, fragilizando sua própria identidade ou mesmo impossibilitando sua conformação. Assim sendo, a utilização dos recursos humanos da enfermagem, especificamente dos enfermeiros, nos serviços assistenciais em âmbito hospitalar tem se mostrado inadequado e insuficiente face ao compromisso da profissão e dos profissionais de garantir assistência qualificada e personalizada aos clientes. Essa inadequacidade e insuficiências demonstradas decorrem basicamente de questões intrínsecas às estruturas das instituições de saúde e de questões relativas ao próprio serviço de enfermagem.

A seguir, analisaremos cinco estudos clássicos da literatura brasileira sobre a função/papel do enfermeiro, desenvolvidos nas ultimas quatro décadas do século XX, no mesmo hospital, com o objetivo de comparar os resultados dessas pesquisas, dela extrair pontos de congruência, delimitações e possibilidades que permitam apontar direções que possam viabilizar ações mais efetivas e pertinentes no que afeta o papel do enfermeiro, com a pretensão de somar esforços aos que se dedicam ao tema. A trajetória metodológica abrangeu análise secundária de cinco estudos clássicos da literatura brasileira, desenvolvidos em quatro décadas, sobre a função do enfermeiro.

2. TRAJETÓRIA DO ENFERMEIRO EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO - ANÁLISE DE SEU PAPEL Investigando a distribuição do trabalho de enfermagem nesse hospital, Ferreira- Santos & Minzoni(6), em 1968, apontaram que, em relação ao comportamento da enfermeira, foi elevado o índice de dedicação em atividades administrativas relacionadas à organização de seu setor de trabalho. Verificaram que essa profissional gasta aproximadamente 20% de seu tempo em atividades de outras categorias, inclusive da secretária da unidade. Indicaram também baixo índice de realização de atividades junto ao cliente. As autoras consideram a evidência de um problema sério para a enfermagem brasileira ao constatarem que a prática observada é muito diferente dos anseios da profissão, em termos dos papéis da enfermeira.

Ao situar a enfermeira no hospital, Ferreira-Santos(7) analisou em 1973, as expectativas da administração hospitalar e do serviço de enfermagem, dos médicos, dentre outros agentes que mantém interação com a profissional em questão, em relação a sua atuação. Investigando as tarefas exercidas pelas enfermeiras, verificou sua vinculação à ética burocrática da organização hospitalar, encontrando correspondência entre as expectativas mencionadas e a realidade observada, ou seja, os papéis desempenhados apóiam e dão retorno positivo aos desejos expressados pelas instâncias superiores do hospital e do serviço de enfermagem e pelos médicos, apesar de ficarem aquém do preconizado e esperado pela profissão. Para a autora tal conduta é ambivalente, pois as enfermeiras, sujeitos da pesquisa, consideram a assistência ao paciente sua função essencial. Observamos assim os conflitos de papéis que poderiam estar afligindo as enfermeiras nessa situação real, dificultando e até impossibilitando o desempenho de ações cientificamente orientadas pela formação profissional.

Em 1978, analisando as funções dos enfermeiros no referido hospital, através de observação da prática e entrevistas, Trevizan(8) constatou os seguintes resultados: de 853 atividades observadas, 575 se relacionam às atividades administrativo-burocráticas, 164 atividades que devem ser delegadas ao pessoal auxiliar e a pessoas de outros serviços, 83 referentes à assistência direta ao cliente e 31 vinculadas ao ensino e à pesquisa, concluindo que a maioria das funções realizadas não é respaldada pelos valores da profissão incorporados no processo de socialização profissional. A autora referiu que 40% dos enfermeiros entrevistados consideram que a assistência direta ao paciente pode ser delegada a outras categorias da enfermagem; entretanto, 70% desses profissionais indicaram que a falta de tempo para se ocuparem dessas atividades tem sido motivo de frustração e insatisfação. Vemos mais uma vez a ambivalência relacionada ao papel do enfermeiro.

Com a convicção de que os enfermeiros privilegiavam o desempenho gerencial, uma década depois Trevizan(4) analisou tais funções, por eles exercidas, à luz de uma tipologia das funções administrativas burocráticas e não-burocráticas. A autora encontrou que 74% das funções administrativas são de caráter burocrático. Comenta que as forças propiciatórias da burocratização do trabalho da enfermeira são oriundas de três fontes: o serviço de enfermagem, a organização hospitalar e a expectativa médica.

Frente às imposições do processo organizacional hospitalar, a autora afirma que enfermeiro deve assumir e exercer funções gerenciais, mas enfatiza que o conteúdo e a forma dessa gerência precisam focalizar a assistência ao cliente.

Desta forma, conciliando gerência e assistência o enfermeiro terá novo ânimo para reorientar e reativar seu potencial profissional.

Em 1995, Ferraz(9) admite em sua análise que o panorama descrito por Trevizan4 não se modificou; ou seja, os enfermeiros continuam realizando suas funções gerenciais predominantemente orientados para a tecnoburocracia hospitalar. Para a autora "é angustiante ver o profissional enfermeiro envolvido com as atividades tão vazias de conteúdos de enfermagem" e argumenta que dos depoimentos dos atores sociais investigados os mais veementes apontam para a necessidade de mudanças no papel do enfermeiro(9). Cabe salientar que a composição dos atores sociais, participantes desta pesquisa, é a seguinte: elementos da administração superior e intermediaria da enfermagem, o superintendente do hospital, diretores dos departamentos de apoio médico, apoio técnico, apoio administrativo, diretor da divisão médica, enfermeiros, auxiliares e atendentes de enfermagem e médicos docentes e residentes. Assim, podemos observar que transformações no papel do enfermeiro e conseqüentemente na sua prática assistencial e gerencial começam a ser requeridas por diversos agentes do conjunto hospitalar, inclusive pelo superintendente e médicos, cujas demandas em relação ao comportamento do enfermeiro estimulavam esse profissional a manter a burocratização de seu trabalho, como indicam os estudos mencionados(4,6-9).

Comparando os dados das investigações apresentadas podemos repetir e reafirmar que a prática do enfermeiro na esfera hospitalar tem se dado de modo a privilegiar valores organizacionais pautados na burocratização em detrimento dos valores profissionais, propiciando a ocorrência de ambivalência, frustração e conflitos no profissional. Assim sendo, dos problemas e desafios com que se depara a enfermagem brasileira, a indefinição do papel do enfermeiro é uma situação que está a exigir uma vigorosa determinação das lideranças de enfermagem, tanto da academia como da prática assistencial.

A seguir, abordaremos considerações sobre pressupostos para o papel do enfermeiro, com vistas à reorientação de sua postura gerencial.

3. PRESSUPOSTOS PARA O PAPEL DO ENFERMEIRO Considerando o desafio de qualificar o atendimento prestado pelos hospitais públicos, põe-se em discussão (10), dentre outros pontos, a necessidade da criação da "lógica do compromisso com a qualidade do atendimento aos clientes internos e externos", enfatizando que "a idéia de cliente legítimo portador de direitos e necessidades" como o foco das atenções e intenções do processo gerencial da instituição hospitalar, expressa de início empenho para a mudança na cultura organizacional. Para o autor, esse empenho envolve "um bom tempo de maturação para a mudança, paciência, negociação e muito investimento em desenvolvimento e sensibilização das equipes de saúde"(10).

Fugindo das atividades do papel convencional de gerência, o enfermeiro poderá assumir nova postura e integrar-se nesse inovador processo gerencial, compreendendo que "o conceito de cliente, nos hospitais públicos, de ser trabalhado a partir de uma ética de solidariedade e compromisso com a construção da cidadania"(10).

Compreendemos que o enfermeiro encontra em sua unidade de produção de serviço uma oportunidade singular de trabalhar em função de seus clientes. Desta forma, fundamentará o seu papel gerencial na flexibilidade, nos pressupostos da profissão, dirigindo suas ações para a satisfação das necessidades dos clientes, tanto externos como internos, considerando seus valores, seu potencial, suas diferenças e diversidades.

O modelo organizacional da prestação da assistência deverá sofrer as adaptações necessárias tendo em vista a viabilização da participação e da interferência de todos os envolvidos, permitidas no novo processo gerencial que tem como centro o conceito de cliente, emanando maior efetividade da prática assistencial de enfermagem.

Consideramos que é preciso muito investimento para que o enfermeiro assuma e concretize esse novo papel. Trata-se de papel complexo que busca união, requer parcerias, cumplicidade nas relações e na coexistência interdependente.

Mas, reconhecendo o hospital universitário como um centro profissional de saúde que enfatiza a qualidade do tratamento e da assistência dispensados aos clientes, assim como o ensino e a pesquisa sendo, portanto, uma instituição imprescindível para a assistência, para o desenvolvimento da ciência e para a formação de recursos humanos da área o enfermeiro refletirá e sentirá a importância da condução bem sucedida de seu papel alicerçado em competências profissionais e sociais, caracterizando sua identidade nesse contexto e na sociedade.

Nesse sentido, esse profissional será orientado através de nova socialização ou ressocialização organizacional, uma vez que dele novos comportamentos são esperados. Os padrões inovadores certamente trarão benefícios não para as instituições de saúde, para as organizações de enfermagem, para a classe profissional, para os clientes internos e externos, mas sobretudo para o próprio enfermeiro na busca da plena satisfação profissional.

As escolas de enfermagem talvez tenham que reformular aspectos da socialização profissional no que tange ao papel gerencial do enfermeiro à luz de perspectivas mais flexíveis e humanas.


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