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BrBRCVHe0034-71672005000500003

BrBRCVHe0034-71672005000500003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2005
Issue0005
Article number00003

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Estratégias gerencias na implantação do Programa de Saúde da Família PESQUISA

Estratégias gerencias na implantação do Programa de Saúde da Família

Managerial strategies in the implantation of Family Health Program

Estrategias gerenciales en la implantación del Programa Salud de la Familia

Mônica Aguilar Estevam DiasI; Fátima Teresinha Scarparo CunhaII; Wellington Mendonça de AmorimIII IEnfermeira Residente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP/UNIRIO).

monicaguilar@click21.com.br IIDoutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunto da EEAP/UNIRIO.

fscarparo@openlink.com.br IIIMestre em Enfermagem. Professor Assistente da EEAP/UNIRIO.

amorim.w@bol.com.br

1. INTRODUÇÃO A priorização do Programa Saúde da Família (PSF) pelo Ministério da Saúde faz parte da estratégia de reorganização da atenção básica e do modelo assistencial preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O PSF incorpora e reafirma os princípios do SUS - universalização do acesso, descentralização da gestão, integralidade e eqüidade da atenção e participação da comunidade, demonstrando potencial para contribuir na construção de um modelo de saúde resolutivo e integral em municípios de pequeno e médio porte. O desafio atual é estender essa potencialidade às capitais e cidades de grande porte, acima de 100.000 habitantes.

Assim como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS, o PSF foi formulado a partir de experiências oriundas de outros países e incorporadas pelo governo brasileiro, adequando-as à nossa realidade. Uma década após a criação do Programa Saúde da Família, encontra-se implantado em mais da metade dos municípios brasileiros e em todos os estados do Brasil.

O PSF surgiu em março de 1994, sendo apresentado como a estratégia capaz de provocar as seguintesmudanças: a) romper com o comportamento passivo das unidades básicas; 2) estender as ações de saúde para junto da comunidade.

O real significado é a substituição da lógica da demanda espontânea pela ação programática. A equipe de saúde da família assume o desafio da atenção contínua e pautada nos princípios da promoção da saúde e prevenção da doença.

A proposta do PSF requer uma ampla transformação no sistema de atenção à saúde, o que implica na ruptura da dicotomia entre as ações de saúde coletiva e de atenção médica individual. Entendemos que, para alcançar tal transformação se faz necessário ofertar ações de saúde de forma eficaz e eficiente, mas também de forma mais humana; ou seja, é necessário mudar o processo de trabalho em saúde. Mudança esta que beneficia tanto o cidadão usuário do sistema, como o profissional de saúde. Analisar a atenção integral à saúde significa observar em cada pessoa sua individualidade, suas necessidades específicas, ampliando assim as possibilidades do sujeito de exercer sua autonomia(1).

O Programa Saúde da Família possibilita amplo acesso aos serviços de saúde e atenção integral, adequado às necessidades individuais e coletivas, com qualidade e resolutividade, para todos os brasileiros(2).

O predomínio da expansão do PSF em municípios pequenos e médios justifica-se pelo modelo de incentivo financeiro que favorece os municípios com cobertura igual ou superior a 50%. O atual desafio do Ministério da Saúde é estender esta cobertura aos grandes centros urbanos, em especial, às principais capitais do país.

Com o propósito de investigar os aspectos relacionados à expansão do PSF no município do Rio de Janeiro, uma capital com aproxima-damente 6 milhões de habitantes e complexa rede de serviços de saúde, selecionamos para nosso estudo a sua implantação na Área Programática 5.3 (A.P. 5.3), localizada na zona oeste do município. O ponto de partida reside nas atividades acadêmicas desenvolvidas na disciplina Estágio Curricular da Atenção à Saúde Coletiva, sub-área de Gerência da Atenção à Saúde Coletiva, do Curso de Graduação em Enfermagem, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Estudar a atuação gerencial do Enfermeiro/a e as características necessárias para o sucesso da expansão do PSF nesta área, com uma combinação onde predomina uma ampla rede básica de saúde, comunidades extremamente carentes e extensos vazios sanitários foram fatores relevantes para a escolha da comunidade.

Apesar dos bons resultados com as experiências piloto do programa no município, a expansão começou a ser efetivada em 1999 quando a SMS/RJ decidiu ampliar este modelo de assistência. A seleção das áreas obedeceu a diversos critérios, destacando-se a demanda das organizações comunitárias, solicitando serviços de saúde, em especial, em áreas desprovidas de assistência.

O estudo se limita a uma comunidade, cujo nome fictício será Esperança, onde estão sendo implantadas 8 equipes, correspondendo ao maior número de equipes de Saúde da Família em uma mesma comunidade na AP 5.3.

Os outros critérios de escolha de Esperança se basearam no número de equipes de saúde da família, o maior comparado com outras comunidades; na conversão de uma unidade básica em módulo de saúde da família, situada geograficamente no centro da comunidade; e na constante violência sofrida pelos moradores na disputa pelo poder do tráfico.

Levando em consideração que o sucesso do PSF depende, em grande parte, das estratégias de implantação utilizadas e dos profissionais envolvidos neste processo, que se tornam atores sociais-chave, surgiram os seguintes questionamentos: 1) quais as estratégias utilizadas na implantação de equipes do Programa Saúde da Família em uma comunidade localizada numa região considerada um vazio sanitário?; 2) Como o enfermeiro está inserido na coordenação do processo de implantação do PSF nesta comunidade? O objeto do estudo foi o processo de implantação de equipes do Programa Saúde da Família em uma comunidade no bairro de Santa Cruz, no município do Rio de Janeiro, caracterizado por exclusão social, violência e práticas públicas de saúde parcializadas.

Nossos objetivos buscaram identificar as estratégias utilizadas pela gerência local na implantação do PSF nesta comunidade; descrever os mecanismos de participação comunitária no processo de implantação e analisar a inserção do Enfermeiro/a na coordenação desse processo.

2. METODOLOGIA É uma pesquisa descritiva, de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso com o objetivo de descrever as características de determinada população ou fenômeno (3). Os sujeitos do estudo foram o supervisor operacional do PSF, o coordenador da CAP 5.3 e o presidente do Conselho Distrital de Saúde da AP 5.3. A coleta de dados foi realizada através de três instrumentos, cada um específico para cada sujeito. Foi elaborada uma entrevista piloto, a qual foi realizada com o supervisor operacional do PSF. Uma vez que esta contemplou um dos objetivos, prosseguimos às seguintes, por meio de entrevistas semi-estruturadas. Após serem transcritas, foram devolvidas para que os entrevistados revisassem suas falas. Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, obedeceu aos requisitos da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

A pesquisa de um ou poucos casos fornece base frágil para a generalização, mas o propósito do delineamento como estudo de caso é o de identificar possíveis fatores que influenciaram no processo gerencial de implantação do PSF nesta área.

Estamos nos referindo às estratégias gerenciais que permitam uma transformação no processo de trabalho, visando assegurar a integralidade da atenção e a responsabilização dos profissionais para com a saúde dos usuários. Consideramos que a equipe selecionada para gerenciar o processo de implantação do PSF deve estudar aspectos relacionados às necessidades de saúde dos usuários/cidadãos, aos recursos humanos, bem como as características geográficas e epidemiológicas da comunidade abrangida pelo programa.

3. RESULTADOS 3.1 Caracterização da área de estudo A investigação é resultado de reflexões iniciadas na Coordenação de Área de Planejamento (CAP) da AP 5.3, uma das dez áreas que compõe a divisão do município do Rio de Janeiro e compreende os bairros de Santa Cruz, Sepetiba e Paciência, com uma população em torno de 340.000 habitantes(4).

O interesse em estudar este tema se , especialmente, pela caracterização da Área Programática 5.3, que conta com quinze unidades públicas de saúde, sendo quatorze destinadas à atenção básica no modelo assistencial piramidal do SUS, com gerência municipal, e um hospital geral com gerência estadual.

Como estratégia facilitadora da implantação das equipes de Saúde da Família na zona oeste do município, a SMS/RJ realizou convênio com uma congregação de faculdades particulares, localizadas nesta área da cidade. Os recursos financeiros são repassados para as faculdades, que se responsabilizam pela locação e adequação dos imóveis que sediarão os módulos assistenciais do programa e pela seleção e treinamento dos profissionais de saúde que atuarão nestes módulos.

Segundo dados colhidos na CAP 5.3a, esta AP apresenta características desfavoráveis em relação às outras áreas da cidade, tais como: nos anos 70 teve início um processo de remoção de moradores de favelas da zona sul para os chamados conjuntos habitacionais ou abrigos provisórios; área sujeita a inundações devido às condições topográficas de altitude baixa em relação ao nível do mar; 1406 logradouros e 38 conjuntos habitacionais; os três bairros da AP 5.3 (Santa Cruz, Sepetiba e Paciência) apresentam crescimento populacional anual acima da média de crescimento anual de todo o município, mesmo sendo a área mais distante da região central.

De acordo com as informações evidenciadas, esta área encontra-se bastante afetada pelo descaso político e social, situação agravada principalmente pela ocupação desordenada e desenfreada.

Esperança é uma comunidade que apresenta conformação de um círculo. Ela tem três vias principais de acesso e uma unidade básica na região central. Ao realizar o planejamento, pensou-se em colocar as equipes de saúde do seguinte modo: quatro equipes na unidade central, duas equipes próximas a uma das vias e outras duas próximas a outra via de acesso.

Comunidades como a de Esperança, são estigmatizadas e situam-se na base do sistema hierárquico de regiões que compõem uma metrópole, nas quais a marginalidade reside e os problemas sociais agregam-se, atraindo a atenção desigual e negativa da mídia, dos políticos e dos governos. Estes territórios são conhecidos como "regiões-problema", porque têm ou se crê que tenham excesso de crime, de violência, de vício, caracterizando-se como de forte desestruturação social.

3.2 Condições sócio-econômicas do vazio sanitário A comunidade estudada se caracteriza pela presença de grupos populacionais de risco social. O somatório de pobreza e falta de oportunidades, estreitamente relacionadas entre si, resulta em uma comunidade caracterizada pela segregação social e urbana, falta de coesão, alta taxa de desemprego, falta de serviços públicos essenciais, com pouco acesso e baixa qualidade de políticas de educação, saúde e saneamento, além da submissão ao crime organizado e violência.

É neste contexto perverso que o consumo de drogas tem crescido grandemente entre as parcelas mais pobres da população no Brasil e em particular, nas capitais mais desenvolvidas, muito afetadas pelas falhas da escola e do mercado de trabalho, alimentados pela falta de esperanças e de perspectivas para o futuro. O sofrimento e a desesperança estão por demais presentes na vida dos seus moradores, expostos a precárias condições de vida.

A pobreza é um comparativo conceitual e sua qualidade relativa aos outros gira em torno da desigualdade social(5). Consideramos que esta pobreza seja resultante, em parte, de políticas públicas que provocam privações materiais e exclusões sociais. Oferecendo-lhes mais saúde, haverá oportunidade do exercício da cidadania, participação e interação com a sociedade civil e o poder público.

Deste modo, os cidadãos podem vir a transformar a estrutura econômica, social e cultural de suas comunidades e ganhar em qualidade de vida.

A atenção primária passa a servir como porta de entrada para o sistema de saúde e deve resolver uma gama de necessidades que sobrepõe a esfera da intervenção curativa individual. É o que chamamos necessidades básicas de saúde(6).

A principal inquietação na expansão do PSF em Esperança foi a presença da violência como influenciador da relação profissional de saúde-usuário no PSF. A violência influencia não somente o indivíduo, mas também sua família, afetando intimamente os laços afetivos, desestruturando-a de forma expressiva. A valorização da família está fortemente representada nas classes populares, sendo resultante do modo como os trabalhadores vivem sua condição de classe social menos favorecida, com seus desejos, projetos e limites e não produto da imposição de valores próprios de outras categorias e classes(7). Considera-se a família como espaço centralizador da agregação dos indivíduos, elemento fundamental no contexto social, devendo ser objeto prioritário e de focalização do cuidado.

3.3 O papel do enfermeiro na gerência do PSF Dentre os profissionais envolvidos no estudo, dois enfermeiros são diretamente responsáveis pela implantação do PSF na área, o supervisor operacional do PSF e o coordenador da Área Programática 5.3. Está incluso também na relação de atores sociais significantes, o presidente do Conselho Distrital de Saúde.

Os conselhos atuam na formulação de estratégias e no controle da execução das políticas de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros(8). Através destes órgãos, a comunidade pode reivindicar prioridades e fornecer subsídios aos gestores do sistema.

Apesar da variedade de categorias profissionais nas equipes, um estudo preliminar de caráter analítico referente à implantação e funcionamento do PSF no país(9) constatou que a categoria de Enfermeiro se destaca nas coordenações estaduais de Saúde da Família, representando 40% do total de membros das equipes, seguido do assistente social, com 24% de representatividade. Este dado expressa o papel primordial do Enfermeiro/a na capacitação/supervisão dos agentes comunitários de saúde e na coordenação das equipes de SF.

A Enfermagem é um campo profissional composto de várias categorias profissionais, comprometida com a saúde do ser humano e com a coletividade, atuando na promoção, proteção, recuperação e reabilitação das pessoas. O enfermeiro é um agente de mudanças pois visa encontrar relações entre o homem e o meio ambiente em seu processo vital(10). Portanto, identificar as necessidades de saúde na/da comunidade e propiciar canais de comunicação e participação efetiva são ações estratégicas na atuação do Enfermeiro/a.

Este novo modo de organizar a atenção à saúde constitui um estímulo desafiador para o Enfermeiro, que deve levar em consideração o envolvimento, no seu agir, com os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais relevantes para o processo de transição, consolidação e expansão do PSF.

Para participar do processo de implantação, torna-se necessário conhecer o espaço geográfico e social no qual as famílias se inserem e os principais agravos de saúde que vivenciam; ou seja, é preciso conhecer o perfil epidemiológico e social da área delimitada. Nesta perspectiva, o Enfermeiro gerente do PSF deve enfocar os problemas de saúde da população numa concepção de melhoria das condições de vida. Pesquisar as estratégias deste processo nos traz conhecimento acerca da atuação de profissionais enfermeiros-gerentes, sobre a capacidade de administrar os fatores que influenciam na organização da atenção à saúde, principalmente com uma visão a médio e longo prazo.

3.4. A reorganização do modelo assistencial: o PSF e seu potencial desafiador Para contemplar os principais objetivos do SUS, é necessária a oferta de uma atenção básica capaz de promover e realizar ações de saúde coletiva, atendendo tanto a demanda espontânea quanto programada. Demanda refere-se a `tradução' de necessidades mais complexas do usuário, ao seu pedido explícito. Na verdade, são as necessidades moldadas pela oferta que os serviços trazem(11).

A atenção básica encontra-se em permanente organização a partir da concepção de que, para modificar aspectos condicionantes do processo saúde-doença, é preciso olhar o indivíduo como constituinte de uma unidade por vezes indivisível, especialmente se tratando de atenção primária, ou seja, de uma unidade denominada família. Assim, a atenção à unidade família passa a ser um importante objeto das práticas de saúde, enfatizada justamente no PSF.

O PSF parece ter se tornado unanimidade nacional, referida como a principal estratégia para solucionar os males da saúde pública seja no universo político- partidário das corporações profissionais da saúde, no setor de formação em saúde e na própria comunidade(12).

Esse novo modelo, idealizador ou prático, está inovando na maneira de atender mais sensível e "calorosamente" o usuário de seus serviços. Justifica-se a afirmação do autor pelo fato de que o programa, nas grandes cidades, é prioritariamente implantado em comunidades inteiramente desprovidas de qualquer atenção à saúde e com péssimas condições de vida. Geralmente estas comunidades apresentam altos índices de desemprego, analfabetismo e violência. Sua implantação surge como meio de solucionar os fatores que interferem na saúde pois realiza a promoção da saúde através da intersetorialidade.

Nesse sentido, o sujeito 1 afirma que as questões que a saúde não consegue resolver são "renda, saneamento básico, transporte, habitação, coisas que (...), mesmo trabalhando com a intersetorialidade, trabalhando com as outras secretarias, são muito difíceis de resolver".

Neste contexto de carências e exclusão, a intersetorialidade ganha relevância, seja através de ações de geração de empregos, de educação formal, ou ainda, na questão da violência, através do conhecimento do perfil da clientela adscrita ao módulo de Saúde da Família: Os agentes comunitários são próprios da comunidade e fica mais fácil de detectar os problemas. Muitas vezes este problema não é ligado à medicina, mas é um problema social. Nós, as autoridades, teremos um acesso rápido a estas informações para tentar resolver. Saneamento básico é uma delas. Normalmente dentro do gabinete, sem ver a realidade, você não atende esta demanda(D3).

A intersetorialidade configura modificações muito mais abrangentes que a capacidade de intervenção das equipes, por mais comprometidas e qualificadas que sejam. Outro princípio fundamental é a integralidade da atenção à saúde.

Ao conceituar integralidade sob a ótica das necessidades de saúde: "a integralidade deve ser fruto do esforço e confluência dos vários saberes de uma equipe multiprofissional, no espaço concreto e singular dos serviços de saúde, sejam eles uma equipe de Programa Saúde da Família ou um hospital"(11). Esta seria a integralidade "focalizada". No entanto, ressalta que uma outra dimensão da integralidade da atenção surge a partir da articulação de cada serviço de saúde, "uma rede muito mais complexa composta por outros serviços de saúde e outras instituições não necessariamente no setor saúde"(11). Esta visão sobre integralidade deve constituir um esforço intersetorial que vise a melhoria das condições de vida.

Dentre os princípios e diretrizes que serão contemplados com o SUS na implantação do PSF, destaca-se "...principalmente a integralidade, porque vão passar a dar atendimento integral" (D1).

Tal fala contradiz ambos os discursos a seguir sobre os fluxos de referência e contra-referência, que não caracterizam uma rede na AP 5.3: "Tem a questão dos exames, da referência; se não tem para onde encaminhar esses exames, especialidades, o programa não dará certo" (D3).

A gente vai ter que lidar com uma questão que é muito complicada que é a referência. A gente consegue com o programa 80% de resolutividade e 20% a gente tem que encaminhar. Enquanto tiver que encaminhar, tem dificuldade porque a área não tem tantos recursos de especialidades.

Os recursos que tem no município do Rio de Janeiro são muito longe daqui, então a gente não consegue referenciar (D2).

Refletindo sobre o processo de trabalho dos profissionais do PSF, torna-se insubstituível a criação de vínculos efetivos entre usuário/família e os membros da equipe multiprofissional, estabelecendo-se uma relação de confiança e empatia(11). O profissional, seja em qualquer nível de atenção, deve dar ouvidos não somente às necessidades apresentadas, como também aos sinais não expressos verbalmente.

A partir desta etapa, a gerência local, componente de um sistema regionalizado e hierarquizado, deve trabalhar para que cada instituição de saúde funcione como uma rede(11).

Para ocorrer a implantação do PSF, é preciso que haja um comprometimento por parte da gestão local e que esta funcione como elemento articulador da atenção básica e dos demais níveis de atenção, a fim de transformar o modelo assistencial tradicional. A gerência atua na organização do processo de trabalho em saúde, tornando a oferta de assistência mais qualificada, na busca da atenção integral à saúde(13).

O processo de implantação do PSF vem sendo gerenciado, a nível local, pelo coordenador da AP 5.3 e pelo supervisor operacional do PSF. Este cargo foi criado para supervisionar a equipe multiprofissional de apoio técnico e representar o gestor local, a SMS-RJ. A estratégia utilizada por esta CAP constitui uma replicação da experiência de implantação em outra comunidade da AP 5.3: Esta organização vem desde 2000, quando nós organizamos, (...) o PSF de Antares. A partir daí, o processo de expansão foi um processo natural que as estruturas estavam montadas. A gente esta dando seguimento a proposta inicial (D1).

Quanto às indicações para supervisores operacionais: Os supervisores operacionais foram escolhidos pela coordenação, não passaram por uma seleção. São pessoas que reconhecidamente trabalharam com o programa ou que tinham alguma afinidade com o programa e que eram de confiança da coordenação, que foram chamados (D2).

Quanto a atuação do supervisor: Atualmente fica na parte administração da implantação, onde este procura imóveis para alocar as equipes que vão trabalhar, conversa com as associações de moradores (entidades locais) sobre a implantação do programa, orienta os profissionais sobre como eles vão atuar no programa, realiza o treinamento, conversa com as unidades básicas que vão servir de referência para as equipes trabalharem esta referência. O grupo de apoio técnico oferece apoio as equipes..

Trabalha também avaliando os indicadores (SIAB)... (D2).

O sujeito 2, apesar de caracterizar sua função como administrativa, trabalha com questões políticas, de capacitação, de planejamento e gerência do processo de trabalho das equipes, que ultrapassam os limites administrativos tradicionais. A política de recursos humanos para esta área da cidade enfrenta grandes problemas, como na seguinte afirmação: Tem que haver uma condição de garantir essa política de fixação de pessoal, principalmente a de nível superior. Essa política não pode ser feita igual se faz em toda a cidade do Rio de Janeiro. Porque aqui na região , além de difícil acesso tem a questão do risco pelo poder paralelo...(D3).

As dificuldades na fixação de profissionais de saúde nesta área da cidade residem na grande distância da região central do município do Rio de Janeiro e no convívio constante com a violência com influente poder paralelo. O poder paralelo dos traficantes de drogas ilícitas influi no trabalho das equipes causando certo receio ao grupo de apoio técnico, como identificado abaixo: Nós iremos trabalhar em uma comunidade onde tráfico de drogas.

Onde pode andar, onde não pode, tiroteio. Então vamos ter dificuldade na lotação e fixação de profissional.. uma questão também política porque você entra numa comunidade com um programa como este e às vezes as pessoas ligadas a movimentos comunitários tentam se apropriar do programa como se fossem elas que tivessem levado e tentam influenciar na contratação de agentes comunitários (D2).

A autonomia local poderá ser construída com a definição de políticas e ações que dêem garantias de condições adequadas de trabalho para os profissionais e promovam a democracia através da participação comunitária. Se a clientela confia na gerência local, legitima-se a autonomia com a implementação de ações voltadas para o coletivo.

A respeito do estudo sobre municipalização da saúde no Brasil, para realizar a municipalização dos serviços de saúde e das políticas públicas que condicionam a saúde é fundamental que se aumente a capacidade de decisão local, a autonomia, bem como o controle e a participação social, representando assim uma efetiva distribuição de poder(14).

O controle social está na Lei 8142/1990, que regulamenta a participação popular através dos conselhos de saúde e das conferências de saúde. É através dos conselhos de saúde que a comunidade pode agir no sentido de duas outras possibilidades de participação e reivindicação: fornecimento de subsídios às autoridades gestoras do sistema e preposição de medidas de interesse da coletividade.

As implicações da implantação do PSF na comunidade são, na opinião do depoimento que se segue: Haverá uma modificação na forma como a comunidade irá lidar com o serviço de saúde. Uma modificação na relação que as pessoas irão ter com o serviço de saúde e, conseqüentemente, aumentarão os vínculos e o trabalho de co-responsabilidade entre os moradores e os profissionais de saúde (D1).

Sobre a percepção dos usuários, informa o sujeito 3 que "A posição do usuário hoje é o que ele está vendo. Primeiro, a implantação aqui está muito lenta. Nós temos quatro meses com as casas alugadas e ainda não estamos vendo obras.

Então o usuário esta naquela, querendo ver para crer".

A participação popular possibilita ao usuário acompanhar e fiscalizar as políticas de saúde, constituindo uma forma de controle social permanente. O conceito de gerência local deve estar associado aos termos qualidade dos serviços de saúde e participação dos cidadãos, através do controle social(13).

A participação da comunidade estimula uma maior responsabilidade por parte dos profissionais e do gerente pois, no momento em que os usuários reconhecem que têm direitos, uma maior cobrança para que se qualifiquem as políticas de saúde. A relação entre o Estado e a sociedade é ressaltada com a afirmação de que "as decisões do Estado sobre o que fazer na saúde terão que ser negociadas com os representantes da sociedade, uma vez que são eles os que melhor conhecem a realidade de saúde das comunidades"(13).

Por questões políticas, algumas representações comunitárias tentam se "apoderar do programa", tentando influenciar na contratação de agentes comunitários de saúde: Estas representações no Conselho Distrital de Saúde tem essa característica São pessoas expoentes na comunidade mas não são lideres, não lideram ninguém. Eles aparecem, colocam-se como liderança, mas não são lideranças. Também trabalham nesta lógica do proveito, querem tirar alguma vantagem... Então, é a turma do quanto pior, melhor... Antes de não ter o programa, o problema é que não tinha o programa. Agora que tem o programa, o problema é que não vai dar certo... Se não tem o programa, porque não ter o programa. Se tem o programa, eles não foram consultados. Se eles foram consultados, eles não concordaram (D2).

Ao analisar a atuação do enfermeiro na gerência, obtemos o depoimento abaixo: Quando você vai trabalhar com saúde da família, você lida muito com tomada de decisão e a formação de enfermeiro ajuda muito nisso...

Isto vai reforçando, dentro de profissionais de outras áreas essa característica do enfermeiro de ter essa visão de organização, de planejamento, de liderança; embora eu acredite que nem todo enfermeiro tenha essa vocação (D2).

Dentre as dificuldades de organização do trabalho em saúde coletiva pelo Enfermeiro, o predomínio na atenção individual é central nos vários cursos de formação(12). Isso é ressaltado no seguinte relato sobre o principal diferencial do Enfermeiro em relação às outras categorias profissionais: Cada profissional tem um conhecimento voltado para a sua área especifica, especialista; o enfermeiro não, ele tem uma visão do todo. Até porque, lida com muita gente, então ele acaba tendo uma visão maior do todo. A ação que você vai fazer não vai ter efeito numa pessoa . Ela vai fazer efeito numa comunidade inteira, onde tem toda uma visão gerencial(D2).

O espaço conquistado pelo Enfermeiro/a na gerência do PSF é comentado: O Enfermeiro conquista este espaço pela sua visão, pela sua competência, mas não por isso, conquista também porque ninguém quer fazer. As pessoas vão deixando esses espaços vagos e que se a gente não tomar conta alguém vai tomar, como os administradores de saúde, os sanitaristas, administradores de PSF, os gestores. Então o Enfermeiro perde mais um espaço (D2).

Uma outra dificuldade do Enfermeiro na organização do trabalho em saúde coletiva é a ausência de planejamento gerencial voltado para a integralidade da atenção(12). A capacitação apresenta-se como diferencial para profissionais que almejam aperfeiçoamento sobre questões específicas do gerenciamento do Programa Saúde da Família. O sujeito 1 informa: "Eu fiz curso de pós-graduação da saúde da família para aumentar minha visão em relação ao programa em si".

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para que transformações ocorram no nível local, torna-se necessário assegurar a integralidade da atenção. Para materializar este princípio, a gerência local precisa trabalhar na visão de uma rede de serviços entrelaçada e horizontal, que atenda as necessidades de saúde não apenas em um dado momento, mas que garanta o acesso igualitário a todos os níveis de complexidade da atenção à saúde.

O Programa Saúde da Família não pode ser limitado. Nesse caso, falamos de uma atenção parcializada, quando o direito à saúde é restrito a um nível da atenção à saúde. Não como referenciá-lo para os níveis de maior complexidade tecnológica. Nessa situação, as chances de sucesso desta estratégia diminuem significativamente, pois o problema está na garantia dos princípios de universalidade do acesso, integralidade e eqüidade da atenção.

É fundamental realizar investimentos numa política diferenciada para a contratação e fixação de recursos humanos para a área programática 5.3. É preciso, ainda, que haja recursos e idéias inovadoras na rede de referência e contra-referência na rede, como um todo, que deve adequar-se à realidade local.

Assim, deve-se buscar novos paradigmas que envolvam modificações de atitudes, de estruturas organizacionais e de poderes.

Frente as diversidades nos avanços e recuos do modo de gerenciar equipes, programas e sistemas, o Enfermeiro/a apresenta ampla e profunda percepção das necessidades de garantia de acesso universal e da qualidade da assistência.

Isso assegura uma bagagem de conhecimentos gerenciais que valoriza a decisão democrática, o trabalho em equipe e a posição das lideranças comunitárias.

Concluímos, com este estudo, que a prática gerencial enfrenta constantemente obstáculos sociais, políticos e econômicos que extrapolam os atributos meramente administrativos formalizados na função do gerente.

Inegavelmente nos deparamos com uma área ilegalmente ocupada, localizada em uma metrópole, pressionada pelas cidades circunvizinhas e tomada pela violência.

Estas características apenas nos dão uma visão dos obstáculos gerenciais a serem ultrapassados para obtenção de serviços de saúde integrais.

Consideramos que, somente através de estudos da realidade social e sanitária de cada área de uma grande cidade, marcada pela heterogeneidade e desigualdade, possa desestruturar o modelo existente e reestruturar um novo modo de implantar e consolidar o Programa Saúde da Família efetivamente resolutivo, nos vazios sanitários das grandes cidades.


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