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BrBRCVHe0034-71672005000600003

BrBRCVHe0034-71672005000600003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2005
Issue0006
Article number00003

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A vivência de amamentar para trabalhadoras e estudantes de uma universidade pública PESQUISA

A vivência de amamentar para trabalhadoras e estudantes de uma universidade pública

Breast-feeding experience for women workers and students from a public university

La experiencia de la amamantación para mujeres trabajadoras y estudiantes de una universidad pública

Isilia Aparecida Silva Enfermeira. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP

1. INTRODUÇÃO O fenômeno do desmame precoce pode ser explicado pelo fato de o processo de amamentação não estar determinado apenas pelos atributos fisiológicos maternos e pelo reconhecimento da importância dessa prática para mãe e filho, mas por uma estreita relação com os determinantes contextuais, em que a mulher está inserida, pois os fatores causais do desmame nem sempre são explicitamente evidenciados(1,2).

O trabalho materno consta como uma das mais expressivas causas de desmame, em especial entre mulheres de baixa escolaridade(3,4). A dificuldade de conciliar suas atividades extra-lar e a inadequação ou ausência de suporte nos ambiente doméstico e de trabalho, torna a continuidade da amamentação uma tarefa difícil de ser superada. Segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde do Brasil, as mães da Região Sul do país que não trabalham fora, têm 30% a mais de chance de manterem aleitamento materno exclusivo, quando comparadas às mães que exercem atividade fora do lar(5).

No Brasil, a mulher tem direito a 120 dias de licença de seu trabalho(6).

Embora existam leis de proteção à mulher que amamenta e trabalha no comércio e indústria, as normas que facilitariam a nutriz trabalhadora dar continuidade ao aleitamento de seu filho, nem sempre são cumpridas por empresas e empregadores (7).

Somam-se às trabalhadoras as mulheres que estudam e tentam conciliar a maternidade com sua formação profissional. Para elas, também, o amparo institucional para manter a lactação enquanto estudam, é bastante precário(8).

Embora o trabalho materno venha sendo explorado como fator interferente na prática da amamentação, ao longo das últimas três décadas, pouco se conhece sobre as interfaces dos ambientes doméstico, de trabalho ou de estudo em que as nutrizes estão inseridas e de que forma os elementos desses contextos, contribuem com o perfil da prática da amamentação. Dessa forma, este estudo teve como objetivo: conhecer os principais elementos presentes no processo de amamentação e como estes contribuem no perfil dessa prática, exercida por mulheres trabalhadoras e estudantes.

2. METODOLOGIA O estudo, de natureza qualitativa, foi realizado com funcionárias docentes e não docentes, graduandas e pós-graduandas de uma Universidade Pública do Estado de São Paulo, no campus da capital, entre agosto de 2000 e maio de 2003. Dentre as 24 unidades do referido campus, 16 responderam afirmativamente a solicitação de permissão de desenvolvimento do estudo. As demais não responderam ao pedido em um prazo de quatro meses, não sendo, portanto, incluídas como campo da pesquisa.

Mediante o consentimento da coleta de dados por parte da direção das instituições, contatamos o serviço de pessoal, a seção de graduação e de pós- graduação de cada unidade em busca da identificação de mulheres que haviam dado à luz crianças sadias e de termo, entre abril de 2000 e dezembro de 2002.

Identificamos 139 mulheres, distribuídas nas quatro categorias: 39 graduandas, 15 pós-graduandas, 11 docentes e 74 funcionárias não docentes. Iniciamos a coleta de dados por meio de um primeiro contato telefônico convidando-as para a pesquisa. Mediante o aceite, posteriormente foi realizada e entrevista, até conseguirmos alcançar a saturação das informações inter e intra categoria das participantes. Assim, entre o total de mulheres identificadas, entrevistamos 65 mulheres (34 funcionárias, 13 graduan-das, 9 pós-graduandas e 9 docentes). A data de retorno às atividades foi fornecida pelas próprias mulheres por ocasião do primeiro contato telefônico feito pela pesquisadora. Nesse primeiro contato foi apresentada a proposta da pesquisa, expusemos os objetivos e finalidades do estudo e acordamos o agendamento de novo telefonema, em data próxima ao retorno às suas atividades, quando seria avaliada a possibilidade de marcar o momento da entrevista.

Assim que as mulheres retornavam às suas atividades, era feito o segundo contato telefônico. Caso a mulher tivesse interrompido a amamentação por ocasião do retorno dessa ao trabalho ou estudo, a entrevista era marcada tão logo ela consentisse. Para as demais que mantinham algum tipo de aleitamento quando voltaram às atividades, a coleta de dados foi feita assim que ocorria o desmame, ou após seis meses de idade da criança. Era feito contato telefônico mensal para detectar o status de amamentação e agendamento da entrevista, no ambiente de trabalho ou doméstico, segundo opção da mulher, em local privativo, data e horário definido por elas. As entrevistas, do tipo não estruturado foram iniciadas com uma questão norteadora: "Fale-me como foi para você, amamentar seu bebê e voltar para o trabalho (ou curso)".

O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP. Todos os esclarecimentos prestados por ocasião do primeiro contato telefônico e reiterados no contato pessoal para a realização da entrevista. Foram observados todas as recomendações e requisitos legais previstos para as atividades de pesquisa envolvendo seres humanos(9).

2.1 Análise de dados As entrevistas foram transcritas na íntegra e seu conteúdo tratado e analisado segundo os pressupostos de Taylor e Bogdan(10), que apresen-tam uma forma sistemática de análise em que os temas, as idéias, os conceitos, as interpretações e as proposições, sobre o assunto em questão, emergem a partir da compreensão dos discursos, primeira-mente ouvidos na íntegra e, posteriormente, fragmentados segundo os núcleos de sentido deles extraídos.

Nesse processo, chegou-se a uma estrutura analítica composta por categorias e subcategorias, em que os fragmentos das falas dos atores ganham coesão, integrando-se e criando-se um fluxo de idéias que expresse a vivência das participantes. Os dados obtidos foram analisados sob a ótica do Interacionismo Simbólico(11), cujo principal pressuposto é de que as pessoas agem em relação aos objetos sociais com base no significado que eles têm para elas. O significado que atribuem às suas experiências é o princípio norteador e mobilizador da ação.

3. RESULTADOS As mulheres que participaram deste estudo apresentavam idade entre 20 e 45 anos. As docentes e funcionárias tinham entre 36 e 45 anos. Dentre as funcionárias, havia primíparas e mulheres com dois filhos ou mais, e as docentes estavam tendo o segundo filho. As graduandas tinham idade entre 20 e 35 anos. Todas primíparas, o mesmo ocorrendo com as pós-graduandas, que tinham entre 26 e 30 anos. Todas as docentes e alunas de pós-graduação e funcionárias eram casadas, e dentre as graduandas, uma era solteira.

3.1 O que dizem as mulheres sobre sua experiência de amamentar e trabalhar Com base nas falas das mulheres, evidenciamos os elementos significativos do contexto materno no ambiente doméstico, de trabalho e de estudo, presentes na trajetória da sua prática de amamentar. Estes foram expressos por meio de cinco categorias e suas subcategorias, estas assinaladas no texto entre aspas.

3.2 Ficando como o coração apertado O retorno ao trabalho significa concretamente uma separação entre a mãe e o filho, sendo uma situação angustiante e dolorosa para a mulher, mesmo que tenha local adequado e pessoas confiáveis para cuidar da criança em sua ausência.

Para a trabalhadora, muitas vezes, o trabalho é uma fonte de recursos e sustento para a família, do qual ela não pode abrir mão. Para outras, percebe- se o valor implícito da realização profissional, também observado entre as estudantes.

Assim, a mulher retoma suas atividades anteriores ao nascimento do filho, "priorizando a manutenção do trabalho ou trabalho", que significa garantir a subsistência da vida familiar e a realização profissional. Porém, "sentindo-se culpada" e vivenciando um conflito, sente que gostaria de dar primazia à criança e de permanecer com esta por maior tempo, mas o trabalho ou estudo são prioritários, mesmo perante o desejo de manter a amamentação e a ciência da importância do leite materno para o filho.

"Eu me senti culpada. Queria achar um jeitinho de continuar dando de mamar". (Funcionária) A culpa ainda é mais forte e difícil de ser superada, quando a mãe percebe que "a criança está preferindo a mamadeira" mesmo quando ela tem disponibilidade, em alguns períodos, para amamentar o filho ao peito. Essa manifestação de comportamento da criança é interpretada pela mãe como um ato de rejeição ao peito, e a ela, "sentindo-se preterida ou castigada" pelo filho, por ter interrompido a amamentação. Sente assim, sua culpa reiterada.

"Quando voltei a trabalhar, ela efetivamente me recusou".

(Funcionária) O retorno às atividades fora do lar, para a maioria das mulheres, inaugura a primeira experiência de separação entre ela e o filho; provoca, além da culpa, uma sensação de perda e preocupação com o bem-estar da criança. A mãe passa as horas de trabalho "sentindo a falta da criança" o que faz com que os primeiros dias de retorno ao trabalho sejam difíceis de serem superados.

3.3 Preparando o desmame Embora a Universidade disponha de creches, no próprio campus e em outras localidades próximas, o número de vagas ofertado não consegue absorver toda a demanda. Não podendo usufruir da creche, a mulher se forçada a escolher o local onde a criança ficará e quem irá cuidar dela e nesse caso, a família costuma ser o principal apoio da nutriz. No entanto, na ausência desse recurso, os berçários e creches privativos são as alternativas mais viáveis.

Após definir o local de permanência da criança, a mulher passa a considerar as possibilidades de manter a amamentação após o retorno ao trabalho ou curso.

"Não tendo condições no trabalho ou na escola" para realizar a ordenha e refrigeração adequada do leite materno, e nem orientação de como fornecer o leite para a criança, a mulher inicia o processo de desmame de seu filho com a introdução gradativa e antecipada de alimentos substitutos do leite materno.

Esse evento também tem a finalidade de ir "afastando-se da criança" para que ela, não sinta a falta da mãe quando esta voltar a trabalhar, não recuse as pessoas que irão cuidar dela, nem o alimento substituto do leite materno. Nesse movimento, e com esta perspectiva, a introdução da mamadeira é a única alternativa percebida pela mãe.

"Eu comecei a dar de mamar à noite, para ir se habituando, com a ausência da mãe... do leitinho, do colinho ..." { lágrimas são perceptíveis em seus olhos } (graduanda) No entanto, a mulher vive um conflito angustiante, "sentindo que está negando o peito ao filho", principalmente, se está satisfeita com o resultado da amamentação.

"A gente a criança quase pedindo o leite e a gente tendo que enganar, dando a mamadeira. O peito cheio, a gente, ... nega".

(docente) Em geral, as instituições de atendimento ao lactente não estão preparadas para utilizar o leite materno na dieta deste, alegando dificuldades com o seu manuseio. Da mesma forma, no ambiente doméstico, as mulheres também encontram resistências dos cuidadores de seu filho em oferecer o leite materno ordenhado enquanto ela está trabalhando. Assim, mesmo que tenha o desejo de manter a amamentação, "não tendo quem a ajude", a mulher não possibilidades de dar continuidade à amamentação, pois mesmo que ordenhe o leite esse não será utilizado.

Essas situações são vistas pela mãe, como elementos dificultadores da continuidade da amamentação, pela introdução de bicos e outros alimentos nos hábitos da criança.

"... foi acostumando com a mamadeira e passou a recusar peito..." (docente) 3.4 Armando o esquema para manter a ammentação Quando as condições do ambiente de trabalho, doméstico ou de suporte social, propiciam as possibilidades da criança receber o leite ordenhado de sua mãe, a mulher também busca preparar-se para tal. Ela sente-se mais confiante "encontrando a creche que aceite dar o seu leite" ou, toma providências "instruindo o cuidador", para que ele esteja apto a oferecer o seu leite para o filho em sua ausência, em sua própria casa.

Dessa forma, tendo as condições de cuidados com a criança garantidas ela também se prepara para estar apta a coletar o leite que vai produzir nos períodos de sua jornada fora do lar, "aprendendo a guardar o leite", implicando em aprender as técnicas de ordenha e utilizar os frascos e geladeiras para o acondicionamento e refrigeração do leite.

Busca, também, negociar com seus superiores e seus pares os horários livres para proceder à ordenha, ou usufruir de horários especiais para se ausentar do trabalho para amamentar. "Organizando o seu horário", é o que lhe permite manter mamadas matutinas, vespertinas e noturnas, ou quando, a proximidade do local onde está a criança, lhe possibilita alternar ordenha e mamadas durante a jornada de trabalho.

No caso das alunas, essas não estão amparadas por uma legislação que lhes garanta alteração em seus períodos de estudo com muita flexibilidade, dessa forma, a estratégia é buscar uma organização em seu esquema de horários em combinação com os professores.

"Eu saía logo depois da mamada, ia para a aula e voltava"...

( graduanda) 3.5 Precisando de apoio Mesmo que tenha as condições ambientais e recursos materiais propícios para esta prática, a mulher sente que são as relações humanas, em seu contexto doméstico ou público, que lhe darão retaguarda para se adaptar e implementar seus projetos para a continuidade da amamentação. Assim, se "precisando contar com todos", para que haja um conjunto de esforços que auxilie a ela e ao bebê, seja no ambiente doméstico, de trabalho ou de estudo.

O principal elemento de ajuda para essas mulheres é o apoio dos familiares e colegas que buscam incentivar o aleitamento e valorizar a ação da mulher, apesar das dificuldades encontradas por elas. O fato de ter alguém que além de cuidar da criança, valorize seu esforço ofertando o leite materno em sua ausência é de grande valia.

"Eu tive muita sorte. Minha sobrinha que cuida dela, dava meu leite. Não deu mamadeira, e nem chupeta..." (funcionária ) Assim, mesmo antes de retornar as suas atividades, a mulher coleta informações "avaliando as condições no ambiente de trabalho e estudo", que além da flexibilidade de horário, para que a nutriz possa usufruir de seus direitos para a amamentação, implica também, em ter um local privativo em condições sanitárias adequadas para que ela possa proceder à ordenha do leite materno.

Neste estudo, as docentes, pela característica de distribuição de espaço nas instituições, tinham privacidade em suas próprias salas de trabalho, e algumas alunas e funcionárias utilizavam espaços comunitários para esta finalidade.

"No começo, confesso que achei que não ia dar certo por não ter um lugar que eu ficasse à vontade de fazer a ordenha. Mas quando você me arrumou a salinha, com pia, toalha, ficou bom". (funcionária) Ou ainda, embora iniciativas muito individuais e pontuais, diante da necessidade e empenho materno, a sensibilização de gerentes que providenciaram espaço apropriado para as mulheres foi reconhecido pelas mulheres como elementos determinantes para manter a amamentação.

Dessa forma, detalhes como o aparelho onde o leite materno vai ser refrigerado, é um fator de relevância e dependendo de suas condições, pode ser um facilitador ou complicador: " ... aqui não tem problema, eu guardo na geladeira da copa que é muito confiável, limpa, confiável mesmo" (docente) "Eu fiquei muito preocupada em guardar o leite na geladeira daqui que todo mundo usa. Agora, com a geladeirinha para esta finalidade, então fiquei tranqüila". (funcionária) Diante das dificuldades superadas, outro elemento de apoio para essas mulheres, que se torna imprescindível: é a percepção delas quanto à aceitação de seu leite ordenhado pela criança e o bemestar que ela percebe estar promovendo ao filho. Dessa forma, "sentindo-se motivada", a mulher adapta-se ao novo estilo de conviver com o trabalho/estudos e a sua função/papel de nutriz, buscando contornar e dar resolutividade para situações que podem comprometer seu desempenho lactacional.

Na perspectiva de poder aplicar alternativas e estratégias que possibilitam a continuidade da amamentação, a mãe vai "mantendo a amamentação enquanto pode", o que significa utilizar todas as possibi-lidades que lhe são disponíveis no ambiente doméstico e externo, para prolongar os benefícios da amamentação para o filho e para si.

"Gostando de amamentar" é uma das razões apontadas pela mãe que a leva a superar todas as dificuldades para conciliar suas atividades e todos os cuidados com a qualidade da ordenha e conservação do leite.

"Protelando a dependência da criança", a mãe assume ser uma das suas ações encobertas que causam grande prazer em manter a amamentação. Percebe-se que ela se sente valorizada pelo fato de a criança necessitar dela e, muitas vezes rejeitar outro alimento que não seja o seu leite, além de perceber o prazer do filho em sugar o peito materno, quando ela lhe pode oferecer.

Ao mesmo tempo, esse tipo de manifestação da criança cria um conflito para a mãe, que teme o fato da criança não aceitar facilmente outro tipo de alimento caso necessite. No entanto, o prazer que sente em saber que o filho preferência para o seu leite e, em conseqüência, para ela, representa um estímulo para manter suas estratégias de manutenção do aleitamento.

3.6 Percebendo os limites da realidade Mesmo quando todas as dificuldades tenham sido superadas para a continuidade da amamentação, o cotidiano das nutrizes mostra-se uma realidade de difícil conciliação de papéis.

Sua re-inserção nas atividades profissionais ou acadêmicas vai fazendo com que ela reassuma suas responsabilidades cada vez mais intensamente. Sente que seus pares ou superiores vão se distanciando e esquecendo que ela tem necessidades diferenciadas para manter seu propósito de dar continuidade ao aleitamento, isso exige os horários mais flexíveis para ordenha ou saída para mamadas, e também, um ambiente menos estressante.

"Percebendo que o trabalho não perdoa", ela sente que as pressões nos ambientes de trabalho ou estudo, tornam-se maiores com o passar do tempo e dificultam as suas ações para manter a amamentação. Isto a faz avaliar suas reais condições de continuidade do aleitamento no ambiente externo ao lar.

Percebe-se que a mulher não se sente à vontade para usufruir de seus direitos, pois, em especial as funcionárias, à medida que o tempo passa, sentem que aumenta a dificuldade de se desvencilhar das atividades, limitando até o tempo para ordenhar o leite.

"As pessoas compreendem, mas até um momento e passa "direito" de sair uma hora mais cedo (...) você é obrigada a ficar e trabalhar um pouco mais..." (funcionária) Da mesma forma, as docentes também vivem o problema do envolvimento crescente em atividades, reuniões, trabalhos científicos e viagens e não se permitem manter um ritmo para a amamentação, como é possível perceber na fala de uma delas: "Fiz a ordenha por uns três meses e meio, tranqüila. Depois, tudo acaba invadindo o horário das ordenha". (docente) Esta realidade também é evidenciada nas falas das alunas: "A gente tem que estar no estágio e não tem as mesmas condições de fazer a ordenha... às vezes esvazio a mama, rapidamente e nem guardo o leite". (graduanda) "Eu tenho bolsa de estudos e não uma dispensa ou licença (...) a pesquisa tem prazo e eu tenho que apresentar resultados" (pós- graduanda) Nesses casos, fica evidente, que mesmo com o desejo materno de manter sua performance lactacional e a amamentação de seu filho, as condições ofertadas não facilitam esse processo, pelo menos para a maioria delas, e com o passar do tempo, elas sentem o desgaste desse processo na ausência da criança, pois, estão "sentindo a criança longe dela".

Mesmo para as mães que praticavam ordenha sistemática e conseguiram manter a amamentação por períodos de meses, nada substituiu o prazer da amamentação direta do filho, também, percebido por elas, como elemento importante para a manutenção do volume de leite.

"Ia ser fantástico poder estar com a criança ali, entrar na sala de aula, assistir, voltar, amamentar, assistir outra aula.... não ia ser preciso ordenhar". (graduanda) A conciliação do trabalho com a amamentação gera desgaste físico materno. As atividades diárias, do que apreendemos dessas mulheres, não são diferentes do período em que não estão amamentando. Assim, à jornada de trabalho e estudo somam-se as solicitações domésticas e as mamadas noturnas. Também, o despertar mais cedo para amamentar o filho antes de sair de casa, sendo este um dos horários de mamada que elas praticam, enquanto que as demais são realizadas ao final da tarde e noite, quando voltam para casa.

"O que foi mais complicado, é que vai ficando cansativo, estressante" (graduanda) Concomitante aos compromissos profissionais, tarefas e desem-penho doméstico, a mulher se percebe "sofrendo outras cobranças".

Dessa forma, a continuidade da amamentação pode sofrer uma re-avaliação da nutriz, quando esta percebe dificuldades em seu relacionamento, em que a amamentação passa a ser um ponto de atrito para o casal, interferindo na prática da sua sexualidade, dependendo da maneira como seu parceiro lida com esta questão.

"Percebi que meu marido não ficava a vontade na hora da relação... eu ponderei, tinha amamentado o suficiente". (funcionária)

4. DISCUSSÃO 4.1 O cenário, as mulheres e o ato de amamentar O modelo explicativo da experiência de amamentar, "Pesando riscos e benefícios", indica que a mulher age em relação à amamentação, segundo o significado de risco ou de benefício que esta experiência tem para si ou para seu filho. Ainda, amamentar é um processo em contínuo movimento de avaliação desses significados e da valoração atribuídas a eles, podendo, portanto, os significados e seus valores serem modificados ao longo do processo de amamentar (2).

Neste estudo, embora a mulher atribua um significado de benefício para a amamentação, ela opta por reassumir atividades fora do lar, dando-lhes prioridade, o que deixa o aleitamento sujeito as outras condições, que fogem de seu único domínio e decisão.

Os resultados deste estudo também demonstram que a continuidade ao aleitamento, dessas mulheres, passa por um processo de atribuição de prioridades em que todas as dimensões da vida dessa mulher são avaliadas na interface com o processo de amamentação e seu trabalho ou estudo. Manter a amamentação não foi o fator determinante das condições de trabalho, mas foi condicionado pelos limites que a atividade materna fora do lar oferecia. Isto pode ser reiterado por outros estudos que indicam que o desejo materno de dar continuidade ao amamentar está condicionado aos fatores institucionais em que a mãe se insere, seja nos ambientes públicos ou privados(12). A inadequação dos equipamentos sociais que possam oferecer apoio à trabalhadora, e em nosso estudo acrescentamos as estudantes, é um fator que pode ser determinante da interrupção da amamentação.

Para essas mães, a introdução de outro alimento, pode preceder o tempo demarcado para o retorno às atividades fora do lar, como um rito de preparação para a criança assimilar seu afastamento. Tentam minimizar o impacto da separação e ausência do peito materno para a criança, na dificuldade vislumbrada de manter a amamentação e muitas vezes, influenciadas pelos profissionais que não estão preparados para dar-lhes o devido suporte(13). Da mesma forma, que ocorre o preparo para o desmame, as mulheres que optam por tentar a continuidade da amamentação, buscam explorar ao máximo as condições de que dispõem para atingir seus objetivos. Concorde aos resultados encontrados por Kimura(14), as mulheres buscam aprender como manter a amamentação e como instrumentalizar os cuidadores de seus filhos para ampliar suas possibilidades de oferecer seu leite em sua ausência.

A falta de condições estruturais, como sala de ordenha apropriada, material adequado para coleta e refrigeração do leite, aparece como elemento fortemente interferente na continuidade da amamentação por essas mulheres, pois estas se sentem constrangidas em exporem-se e inseguras em ofertar um leite potencialmente contaminado ao filho. Esse fato pode explicar o resultado de estudos que demonstram que mulheres que trabalham em ambientes com creches e com salas de coleta tendem a amamentar por mais tempo(15,16).

No entanto, a determinação materna de amamentar, mesmo dispondo de aparatos legais trabalhistas, não garante o sucesso da mulher em sua decisão. À exemplo de outros estudos, nossos resultados mostram que as relações restritivas de horário e divisão de tarefas no trabalho, que não contemplem as necessidades especiais maternas, e mesmo as relações com seus familiares e parceiros, ainda, o desgaste físico e emocional podem ser decisivos e mais fortes do que seu intento de amamentar(17,18).

Observa-se que a ordenha, embora uma estratégia eficaz para a manutenção da lactação, não substitui a presença da criança. Quando a mãe tem oportunidade de estar próxima da criança, ela empenha-se em superar todas as dificuldades para manter-se junto e amamentar o filho, sendo esse fato um forte estímulo para manter o aleitamento materno.

Não foi objetivo desse estudo a avaliação quanto ao tempo de duração da amamentação para os filhos dessas mulheres. No entanto, foi possível constatar que as docentes e funcionárias com maior escolaridade amamentaram por mais tempo, mesmo tendo voltado ao trabalho, em média, quatro meses após o parto, o que pode ser constatado por ocasião da entrevista. Isso pode ser explicado pela possibilidade de existir maior flexibilidade em seus horários, do que entre as alunas de graduação e funcionárias com menor escolaridade, devendo haver uma atenção especial também, para essas mulheres.

5. CONCLUSÃO O esforço materno em manter a amamentação mostra-se frágil diante das forças que os ambientes de trabalho ou de estudo estabelecem, numa relação desigual, em que as decisões e necessidades dessas mulheres perdem energia diante do poderio das regras de uma sociedade instituída. As mulheres refletem sobre suas possibilidades de amamentar interagindo consigo e com os demais elementos de seu contexto. Fica claro que conciliar as atividades de trabalho ou estudo e dar continuidade ao aleitamento estão na dependência de uma estrutura social que apoio e possibilidade concreta para a mulher exercer esta prática.

A necessidade da mãe se manter próxima do filho com possibilidade de amamentá- lo durante o período do trabalho, é um dos principais elementos que podem proporcionar a continuidade da amamentação. Na impossibilidade deste, fazem-se necessários outros recursos e estratégias para garantir a manutenção da lactação e da oferta do leite materno para a criança na ausência da mãe, seja este alimento consumido pela criança em berçários, creches ou em seu próprio domicílio. Assim, a disposição de cuidadores da criança em utilizar e manusear o leite materno na dieta do lactente, sejam esses, profissionais das instituições infantis ou, aqueles que se encarregarão de cuidar da criança em casa, é um elemento fundamental para a mãe sentir-se motivada e segura em manter a lactação. Além da condição da oferta do leite materno para seu filho, é necessário o apoio e condições institucionais para que a nutriz possa realizar ordenha mamária para manter sua performance lactacional e assegurar a boa qualidade de armazenamento do leite, que se traduzem no apoio de colegas e superiores que possibilitem a flexibilidade de horários e de atividades, para que a nutriz possa ter tranqüilidade, liberdade e condições de higiene para realizar a extração do leite ou usufruir de sua jornada especial de trabalho.

No ambiente doméstico, os elementos sociais importantes estão representados pelo apoio e aceitação, principalmente por parte do companheiro, de sua condição de nutriz e, também de demais familiares que sustentem sua decisão em manter a amamentação.

Ao contrário, a indiferença de sua condição traduzida pelo trabalho ininterrupto, cobranças profissionais e mesmo pressões familiares induzem ao desestímulo e intensificam a sobrecarga a qual a mulher está exposta buscando conciliar suas atividades profissionais e maternas.

Embora nas últimas décadas o aleitamento materno tenha despertado um relativo interesse da sociedade, esta não tem se responsabilizado efetivamente pela sua promoção, pois os ambientes, como os de trabalho e de estudo, não têm estrutura para acolher o esforço materno em manter o aleitamento.

A mulher conseguiu fazer muitas conquistas, mas ainda não foram suficientes para provocar uma mudança na estrutura social que pudesse resultar em transformações dos relacionamentos na expectativa de seus papéis(19). E, é sobre estes aspectos que devemos refletir quando buscamos a interface da promoção da amamentação e a realidade das mulheres.


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