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BrBRCVHe0034-71672006000100013

BrBRCVHe0034-71672006000100013

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2006
Issue0001
Article number00013

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Registro em prontuário de crianças e a prática da integralidade PESQUISA

1. INTRODUÇÃO O processo de consolidação dos princípios do SUS, desencadeado mais de uma década, ainda apresenta diversas dificuldades, sobretudo aquelas relacionadas aos aspectos da universalização do direito à saúde, descentralização dos serviços, integralidade das práticas e participação popular. Essas dificuldades fazem parte de um conjunto de fatores interrelacionados, dentre os quais destaca-se, o modelo assistencial.

Como alternativa ao modelo hegemônico de prestação de serviços de saúde no campo da Saúde Coletiva, experiências como o modelo baiano (Sistemas Locais de Saúde SILOS), o modelo curitibano (Cidades Saudáveis Saudicidade), o modelo do Lapa/UNICAMP (Em Defesa da Vida) e o Programa de Saúde da Família (PSF) têm contribuído na busca da mudança de paradigma(1).

O PSF, que surgiu em 1994 como uma estratégia para reorientação da assistência, vem sendo utilizado pelo poder público como uma estratégia condutora da busca do novo modelo assistencial, capaz de compreender e operacionalizar a abordagem integral do processo saúde-doença e responder de forma mais efetiva aos problemas de saúde da população(2). O programa propõe um dimensionamento diferenciado da enfermeira na equipe de saúde, uma para cada 4 mil habitantes, enquanto no modelo hegemônico, a proporção preconizada é de uma para cada 20 mil habitantes. A valorização da área de conhecimento específica desse profissional pressupõe que a prática da enfermagem, que é mais centrada no cuidado, permite a aplicabilidade da concepção e dos eixos fundamentais do programa, tais como a integralidade e o desenvolvimento de ações de educação em saúde, em níveis mais próximos da população, credenciando-a a assumir papel de destaque nessa nova estratégia assistencial(3).

No município de São Paulo, por questões políticas, a municipalização sofreu solução de continuidade, retardando o processo de descentralização estabelecido como uma das estratégias de implantação do SUS. Em 2001, houve uma retomada da gestão da saúde, com o município tomando para si a responsabilidade pela rede de serviços, priorizando a mudança no modelo de atenção básica à saúde e estabelecendo o PSF como estratégia de implantação do SUS em direção à mudança do modelo assistencial(4).

A partir da retomada da gestão da saúde pelo município, deflagra-se o processo de reorganização da atenção à saúde. Para operar as transformações necessárias foram definidas algumas diretrizes, destacando-se entre elas, além da indicação do PSF como estratégia de reorganização da atenção básica, o fortalecimento da descentralização através da criação dos distritos de saúde, a implantação da gestão eficaz da saúde através de instrumentos de qualidade da assistência, do planejamento e da regulação do sistema, além de diversos projetos de formação, capacitação e desenvolvimento destinado aos trabalhadores da saúde. Apesar do PSF representar a possibilidade de inverter a lógica da atenção à saúde oferecida pelo poder público, as diretrizes e investimentos do sistema municipal não foram restritas a essa estratégia, sendo extensivas a toda rede de serviços municipais. Nesse sentido, a perspectiva e o desafio de construir novas formas de prestar assistência e de contribuir nas transformações necessárias para a construção do SUS foi colocada para todo o sistema municipal de saúde(5).

É nesse novo contexto de diferentes formas de organização da assistência no município, que surgem indagações com relação à qualidade da atenção à saúde prestada na rede pública.

Para Conill(6), a integralidade constitui um atributo essencial na qualidade do cuidado, dos serviços e dos sistemas de saúde, sobretudo para aqueles direcionados à atenção básica.

Tendo o princípio da integralidade na atenção prestada à saúde da criança como objeto de estudo, avaliou-se o registro em prontuário de duas unidades de saúde com modelos assistenciais distintos, considerando-se que um dos aspectos fundamentais na atenção à saúde da criança é o registro em prontuário para o seguimento da criança.

2. METODOLOGIA Este estudo de natureza transversal, com abordagem quantitativa, integra um projeto mais amplo denominado "Saúde da Família: avaliação da nova estratégia assistencial no cenário das políticas públicas"(7), aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa. Este sub-projeto foi desenvolvido com crianças de 0 a 5 anos de idade, matriculadas em duas unidades de saúde da rede pública do município de São Paulo.

Cada uma das unidades de saúde selecionadas atuam com modelos assistenciais distintos: uma, localizada na região Sul do município, organiza a assistência à saúde conforme o modelo tradicional de atenção à saúde (sem-PSF) e a outra, localizada na zona leste da cidade de São Paulo, tem como eixo estruturante da assistência à saúde o Programa de Saúde da Família (com-PSF).

Para o projeto maior, foi estatisticamente prevista a seleção aleatória de 100 prontuários de crianças de 0 a 5 anos de idade atendidas em cada uma das unidade de saúde. Efetivamente foram estudados 96 prontuários da unidade sem- PSF e 99 da unidade com-PSF. Tanto o desenho amostral, quanto a elaboração do banco de dados e as análises estatísticas foram realizadas com assessoria do Laboratório de Epidemiologia e Estatística (LEE), do Instituto Dante Pazzaneze.

Para a coleta dos dados no prontuário foi utilizado instrumento específico, o qual foi testado previamente. Os dados foram colhidos por estudantes de enfermagem, bolsistas de iniciação científica do projeto maior, treinadas para o preenchimento dos formulários.

A análise dos dados foi feita utilizando-se freqüências relativas (percentuais) e absolutas (n) das classes de cada variável qualitativa, especialmente com o intuito de caracterizar a amostra estudada.

As variáveis quantitativas foram analisadas utilizando-se médias e medianas para resumir as informações, além de desvios-padrão e valores mínimo e máximo para indicar a variabilidade dos dados.

Para comparar as distribuições de freqüência das variáveis qualitativas, foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson(8). Esse teste baseia-se nas diferenças entre valores observados e esperados, avaliando se as proporções em cada grupo podem ser consideradas semelhantes ou não. O teste exato de Fisher foi utilizado nas situações onde os valores esperados foram inferiores a cinco.

Em cada tabela de cruzamento dessas variáveis são apresentados os resultados da significância do teste através do valor de p, sendo que, para valores menores do que 0,05 (p<0,05), considerou-se associação estatisticamente significativa entre as variáveis.

O Teste t-Student para amostras independentes foi usado para variáveis quantitativa na comparação de duas médias sempre que as hipóteses de normalidade e independência não foram violadas. Nos casos onde a hipótese de normalidade foi violada adotou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney para amostras independentes.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O registro sistematizado permite maior conhecimento e melhor compreensão do processo saúde-doença, facilita a socialização dos dados entre os diferentes profissionais e ainda possibilita um acompanhamento ampliado e diferenciado, que segundo Conill(6,9), expressa o caráter de continuidade, que representa uma das dimensões da integralidade.

Para Freire(10), a escrita materializa e concretude ao pensamento, dando assim condições de voltar ao passado, enquanto se está construindo a marca do presente.

Tendo em vista essas considerações, assumiu-se neste estudo, o registro em prontuário como uma boa prática dos profissionais de saúde, que confere ou agrega valor ao princípio da integralidade. É com base nesses pressupostos que se apresentam e discutem os dados coletados nos prontuários de crianças das duas unidades envolvidas no estudo.

A presença ou não de anotação dos dados de identificação e de antropometria das crianças no prontuário não diferiu estatisticamente entre as unidades de saúde sem-PSF e com-PSF (Tabela_1). Cabe ressaltar que a unidade com modelo tradicional apresentou proporções ligeiramente menores de anotações de peso e altura, uma vez que nessa unidade, esses procedimentos são realizados antes da consulta médica, por profissionais de nível médio, enquanto naquelas com PSF, as medidas antropométricas são verificadas durante a consulta médica ou de enfermagem e, portanto mensuradas e anotadas por tais profissionais.

Apesar da presença dos dados de peso e estatura em 90% ou mais dos prontuários, a Tabela_2, que mostra a presença ou não de dados pertinentes à avaliação nutricional no prontuário, revela que diferença estatisticamente significativa entre as unidades de saúde estudadas,no que se refere ao preenchimento da curva de crescimento e diagnóstico nutricional, com maior índice de avaliação do crescimento na unidade com-PSF. Entretanto, o percentual de crianças com diagnóstico nutricional no PSF (29,6%) está distante da meta estabelecida pelo Ministério da Saúde, que recomenda avaliação do estado nutricional de 100% das crianças atendidas(11). É importante destacar que a avaliação nutricional constitui uma das principais ferramentas para o controle e acompanhamento de saúde das crianças, e que mesmo assim, a verificação de medidas de peso e altura não garante que o diagnóstico nutricional seja efetuado.

Souza et al(12), ao avaliarem o atendimento médico de equipes do PSF através de auditoria de prontuários, detectaram que havia alguma referência sobre o diagnóstico nutricional, como curva de crescimento, conduta em relação à desnutrição ou obesidade ou somente aferição do peso da criança durante a consulta médica na maioria dos prontuários (86,2%). A inclusão da verificação do peso na consulta médica como indicador pode ter sido responsável pelo elevado índice encontrado, porém como constatado no presente estudo, o fato de pesar e anotar no prontuário não garante que a avaliação nutricional das crianças esteja sendo feita.

Com relação à avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, observa-se na Tabela_2, ausência total de registro sobre o desenvolvimento da criança na unidade com modelo tradicional, sem-PSF, e um índice ainda baixo desse registro na unidade com-PSF. que se salientar a importância dessa avaliação na detecção precoce de vários problemas que se tratados precocemente podem inclusive minimizar agravos sociais e emocionais(13).

Estudo sobre avaliação de conhecimentos e práticas relacionados à vigilância do desenvolvimento da criança, desenvolvido com médicos e enfermeiros que atuam na atenção primária à saúde, apontou que 60,2% dos médicos e 58,2% dos enfermeiros apresentavam conhecimento satisfatório sobre o assunto, porém quanto à aplicação prática, apenas 21,8% das mães haviam sido indagadas sobre o desenvolvimento de seus filhos e 14,4% haviam recebido orientação sobre como estimulá-los. Os autores reforçam a necessidade do diagnóstico precoce e a importância da prevenção, uma vez que distúrbios como atraso na linguagem, hiperatividade e transtornos emocionais não são diagnosticados antes dos 3 ou 4 anos de idade e os distúrbios de aprendizagem somente são diagnosticados no ingresso da criança na escola(13) .

A presença ou não de dados relacionados à alimentação da criança no prontuário pode ser observada na Tabela_3. Constata-se que também diferença estatisticamente significativa entre as duas unidades estudadas, de forma que na unidade com modelo tradicional de atenção à saúde, sem-PSF, esses dados efetivamente não são valorizados no prontuário, dificultando o acompanhamento e evolução das crianças. Mesmo na unidade com-PSF, cerca de um terço dos prontuários não continham informações sobre aleitamento materno ou alimentação da criança.

A Tabela_4 refere-se à anotação do estado mórbido anterior, diagnóstico médico e de enfermagem. Os dados apontam ausência de qualquer uma dessas anotações na unidade sem-PSF, implicando numa total falta de dados para o acompanhamento da evolução das crianças, bem como dificuldade na integração entre os diferentes profissionais que atuam na área.

Anotações sobre condutas médicas e de enfermagem e prescrição de medicamentos e cuidados realizados segundo unidade de saúde são apresentadas na Tabela_5.

Da mesma forma, constata-se total ausência de dados sobre as condutas médicas e de enfermagem nos prontuários das crianças atendidas no modelo tradicional, enquanto na unidade com-PSF, o percentual de anotações variou de 75 a 81%, permitindo maior conhecimento e acompanhamento das crianças atendidas. Observa- se que na unidade com-PSF, além da anotação das condutas, também o registro dos cuidados de enfermagem, demonstrando que quando um dimensionamento mais adequado do enfermeiro na equipe de saúde, a prática do enfermeiro é diferenciada.

Em relação à idade média das crianças na primeira e última consulta e número médio de consultas médicas e de enfermagem, verifica-se na Tabela_6 que a unidade com-PSF apresentou uma mediana de 28 dias para a primeira consulta, que na unidade sem-PSF foi de 2 meses, diferença estatisticamente significativa.

Sabe-se que assegurar a primeira consulta precocemente é recomendada pelo Ministério da Saúde(14) e favorece o desenvolvimento de ações de promoção e prevenção à saúde, criando condições mais favoráveis ao desenvolvimento e crescimento das crianças.

Quanto ao número de consultas, o Ministério da Saúde recomenda 7 consultas no primeiro ano de vida, seguida de consultas semestrais no segundo ano e anual a partir do terceiro ano de vida(15). Os dados apresentados na Tabela_6 mostram que não houve diferença estatisticamente significativa entre as unidades, prevalecendo uma mediana de 4 consultas médicas por criança. Por outro lado, com relação à consulta de enfermagem, no modelo tradicional, sem-PSF, a consulta de enfermagem é quase inexistente, reforçando a prática de uma assistência centrada no médico, enquanto na unidade com-PSF, a consulta de enfermagem é ofertada na mesma proporção que a consulta médica, ou seja uma mediana de 4 consultas de enfermagem por criança, que possibilita uma prática que privilegia também os aspectos voltados ao cuidado. Levando-se em conta que a mediana de idade das crianças na última consulta era de 11 meses e 12 meses para unidade sem-PSF e com-PSF, respectivamente, pode-se inferir pela mediana de consultas, que as crianças da unidade com modelo tradicional receberam 4 consultas médicas nesse período, enquanto as crianças do PSF receberam um total de 8 consultas, sendo 4 médicas e 4 de enfermagem.

Os resultados obtidos reiteram aqueles encontrados por Souza et al(12), que ao avaliarem o atendimento médico realizado em unidade de saúde da família, através da análise de anotações em prontuários, constataram que 66,7% das crianças passavam pelo menos por 4 consultas médicas no primeiro ano de vida.

Estudo realizado em Maringá, sobre a qualidade dos registros em 65 prontuários de um Núcleo Integrado de Saúde que oferta serviços básicos, mostrou em levantamento preliminar, ausência de informações elementares e legíveis sobre o cliente atendido, tais como data de nascimento e endereço. Além da ausência de informações básicas, houve uma alta freqüência de anotações ilegíveis, tais como o motivo da procura pelo atendimento, hipóteses diagnósticas e procedimentos realizados. Em relação à equipe de enfermagem, apesar da relevância desse profissional nas práticas de saúde voltadas para a atenção básica, observou-se um número reduzido de registros por parte dos enfermeiros (16).

Segundo Peduzzi(17), a inserção do enfermeiro na equipe de saúde da família, na perspectiva da promoção da saúde, ressalta a necessidade de questionar e desconstruir o modo independente e isolado de produzir saúde. Sinaliza o trabalho em equipe como a articulação das inúmeras ações executadas pelos distintos profissionais e a comunicação e interrelação desses profissionais, como um meio de avançar na ruptura da fragmentação da assistência em direção a uma atenção mais integral.

Nesse sentido, o registro em prontuário deve ser considerado pelo enfermeiro como um dos elementos facilitadores da comunicação e inter-relação entre os profissionais envolvidos na atenção prestada à saúde da criança e um instrumento que favorece a prática do princípio da integralidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS De uma maneira geral, a análise dos dados constantes nos prontuários aponta que na unidade com-PSF registros mais sistemáticos, que favorece a melhor compreensão do processo saúde-doença das crianças, facilita a integração entre os distintos profissionais envolvidos nas ações desenvolvidas junto às crianças atendidas e possibilita o acompanhamento sistemático da criança, ou seja, promove a continuidade da assistência, e portanto, a integralidade da atenção.

Considerando-se os diversos sentidos do termo integralidade propostos por Mattos(18), percebe-se que a definição política do modelo técnico-assistencial norteia a prática do profissional e conseqüentemente o resultado dos cuidados prestados. Assim, os resultados obtidos sugerem que no PSF, os recursos humanos disponíveis e a dinâmica do trabalho em equipe, favorecem a prática de ações com caráter mais completo do cuidado, imprescindível para a concretização do princípio da integralidade, da mesma forma como constatado por Conill(9).

Um dos fatores que pode explicar essa desvantagem da unidade sem-PSF, em relação à unidade com-PSF, é a organização da assistência no PSF, que delimita a área de abrangência em consonância com os recursos humanos disponíveis, ou seja, existe uma melhor adequação do binômio demanda/oferta, pré-estipulada.

Parece que a questão crucial está mais relacionada à possibilidade de melhor planejar a assistência quando existe uma adequação da oferta à demanda. , no entanto, que transpor essa discussão para a questão da universalidade de acesso, uma vez que no modelo com-PSF, ocorre uma seletividade da clientela atendida, o que de um lado garante uma atenção mais integral para alguns, porém por outro lado, não responde a uma questão fundamental colocada na atual sociedade brasileira que é a exclusão social, reflexo da política neoliberal no país. Sabe-se que a natureza dos serviços de saúde, pública ou privada, é por si promotora de grandes desigualdades no acesso e utilização de serviços. Assim, é papel do Estado gerar políticas públicas mais inclusivas e não reforçar no seio do Estado, políticas que promovam a seletividade do acesso. De fato, parece que um dos desafios colocados na arena da construção do SUS é contemplar a mudança do modelo assistencial e o acesso aos serviços de saúde.

Outro aspecto importante a ser destacado refere-se à organização e forma de trabalho da equipe do PSF, centrada na estrutura e não nos microprocessos do trabalho em saúde, que dificultam a ruptura com o modelo hegemônico centrado no atendimento médico.


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