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BrBRCVHe0034-71672006000200011

BrBRCVHe0034-71672006000200011

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2006
Issue0002
Article number00011

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Gerenciamento e cuidado em unidades de hemodiálise PESQUISA

Gerenciamento e cuidado em unidades de hemodiálise

Management and care in hemodialysis units

Gerenciamiento y atención en unidades de hemodiálisis

Mariluci Hautsch WilligI; Maria Helena LenardtII; Mercedes TrentiniIII IMestre em Enfermagem. Chefe de Enfermagem do Serviço de Pronto Atendimento Pediátrico e do Serviço de Emergência Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFPR. marilucihw@zipmail.com.br IIDoutora em Enfermagem. Professora aposentada da UFPR. Professora Sênior do PPGENF-PR IIIDoutora em Enfermagem. Professora aposentada da UFSC. Professora da PUC-PR

1. INTRODUÇÃO A formação profissional da enfermeira sustenta o cuidado como foco principal, por outro lado, o contexto de trabalho a direciona para as questões do administrar burocrático, ou seja, a realização de atividades que são pautadas em normas e rotinas preestabelecidas pela organização e que denotam racionalidade, eficiência e impessoalidade(1). Existe um descompasso entre o processo de formação e a prática da enfermeira, o que resulta em tensões, desmotivação e conflitos. O papel que a escola exerce na formação da enfermeira é de um profissional altamente preparado para exercer o cuidado individualizado com bases científicas, mas na prática a função esperada desse profissional é a gerência dos serviços que em geral se limita ao controle de material e de pessoal em detrimento do gerenciamento do cuidado(2).

Ademais, o discurso das enfermeiras, entre o que elas realizam como processo de trabalho e o que gostariam de fazer, mostra-se contraditório no dia-a-dia, pois ao mesmo tempo em que a enfermeira almeja atuar na assistência direta, amplia o leque de suas ações, procurando atuar em todas as frentes, resolver e responder por todos os conflitos e problemas, assumindo, além das atividades administrativas impostas pela instituição, as funções de outros profissionais, o que resulta no distanciamento de sua própria função de gerenciar o cuidado o que pode gerar descontentamentos e frustrações.

Tendo em vista que as circunstâncias levam o profissional de enfermagem a exercer funções administrativas e burocráticas ele precisará transformar este cenário em benefício de sua realização profissional e pessoal(1).

A função de enfermeira administrativa é o gerenciamento de recursos humanos, ambientais e materiais, além de estabelecer a articulação com a equipe multiprofissional e serviços de apoio. O trabalho cotidiano desenvolvido pelas enfermeiras mostra que elas não cuidam do paciente, mas desenvolvem funções burocráticas que contribuem para manter este processo em que o paciente não tem sido o centro das ações organizacionais(3). As atividades de cuidado e de administração têm sido consideradas inconciliáveis, no entanto, fazem parte do mesmo processo que é o do cuidado ampliado(4).

Historicamente os processos de cuidar e de administrar são reconhecidos como "campos específicos do saber, mas a justaposição desses saberes não consegue mais produzir práticas que respondam efetivamente à missão da enfermagem como profissão"(5).

O propósito deste trabalho é conhecer a experiência teórico-prática e as perspectivas referentes ao gerenciamento do cuidado de acordo com o entendimento dos profissionais de enfermagem responsáveis pelo gerenciamento das unidades de hemodiálise de Curitiba que compõem uma rede de atendimento.

Especificamente, identificar as possibilidades de convergência entre o gerenciar e o cuidar na experiência das enfermeiras.

2. METODOLOGIA O estudo se configura como uma pesquisa qualitativa convergente-assistencial.

Este tipo de pesquisa é vista como pesquisa de campo, e nesta ótica, além de pesquisar o tema, possibilita compartilhar com os participantes da pesquisa, ações da prática assistencial a fim de provocar mudanças no cenário da pesquisa julgadas necessárias(6). Nesta investigação a prática se evidenciou como educativa, realizada numa oficina com as enfermeiras sobre o gerenciamento do cuidar e, desta forma, articulou-se a pesquisa com a prática.

O cenário do estudo investigado compreendeu uma rede de hemodiálise da cidade de Curitiba-PR, constituída por três clínicas independentes que prestam tratamento hemodialítico aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). As integrantes do estudo foram oito enfermeiras atuantes na rede de hemodiálise.

Para a obtenção de informações, foi utilizada inicialmente uma entrevista individual composta por questões abertas que versavam sobre: o conceito de gerenciamento nas clínicas de hemodiálise, as estratégias e as dificuldades encontradas pelas enfermeiras no gerenciamento do cuidar.

A oficina foi proposta com o objetivo de refletir sobre o vivenciado das enfermeiras no gerenciamento do cuidado ao doente renal crônico submetido a tratamento hemodialítico, bem como, discutir e aprofundar os seguintes temas desenvolvidos em três momentos distintos: a realidade do gerenciamento nas clínicas de hemodiálise, o gerenciamento idealizado pelas enfermeiras, e as possibilidades de fomentar a convergência do cuidar/gerenciar, proporcionando o levantamento de novas informações. Os temas foram discutidos a partir de uma seqüência de ações: aquecimento, utilização de estratégias facilitadoras de expressão, problematização das questões, processo de troca de conhecimentos, análise e articulação com o tema geral(7). Além dos dados obtidos nas entrevistas, as discussões, reflexões e depoimentos verbalizados durante a oficina foram também registrados e tratados como dados de pesquisa. Estas informações foram organizadas segundo os passos metodológicos da construção do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)(8): A abordagem do discurso do sujeito coletivo é uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal obtidos de depoimentos, tendo como fundamento a teoria da Representação Social e seus pressupostos sociológicos. Esta abordagem, segundo seus autores, consta de quatro figuras metodológicas: ancoragem (AC), idéia central (IC), expressões chave (ECH) e o discurso do sujeito coletivo (DSC).

Idéia central é uma afirmação que traduz o essencial do conteúdo discursivo verbalizada pelos sujeitos em seus depoimentos(8). Expressões chave são trechos das falas literais dos sujeitos extraídas do conjunto de dados. Discurso do Sujeito Coletivo é a descrição de um discurso que representa a compilação das partes essenciais dos discursos de cada participante do estudo, ou seja, consiste de uma síntese de todas as falas dos sujeitos, que embora estar apresentado na primeira pessoa do singular, ou seja, como se fosse um discurso individual, configura-se como um discurso coletivo.

Os princípios legais e éticos foram contemplados neste estudo por meio da aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da UFPR e também pela ciência do instrumento do Consentimento Livre e Esclarecido entregue aos participantes.

3. RESULTADOS As informações deram origem a seis idéias centrais e doze discursos.

Idéia Central A: O conceito de gerenciamento do cuidado Discurso do Sujeito Coletivo 1 Gerenciamento do cuidado é a forma sistematizada de desenvolver um labor direcionado especificamente ao paciente e às suas necessidades.

Eu preciso realizar a avaliação do paciente para determinar suas necessidades, e juntamente com a equipe estabelecer um plano das ações de cuidado, para ajudá-lo na recuperação de sua saúde. Entendo o gerenciamento como um suporte para o desenvolvimento de ações voltadas às necessidades do paciente.

Discurso do Sujeito Coletivo 2 Penso que o gerenciamento do cuidado é a condução que você para o seu trabalho de administrar e de direcionar como você acredita que deva ser o cuidado na unidade em que você trabalha, tanto no cuidado direto ao paciente, como na parte administrativa que também faz parte do trabalho. Gerenciar é estar presente na sala de hemodiálise prestando cuidado, supervisionando, orientando e desenvolvendo um trabalho em equipe. O planejamento é um instrumento que eu devo utilizar para que os objetivos sejam alcançados e os resultados satisfatórios. Gerenciar o cuidar abrange todas as partes: gerenciais, assistenciais, educativas e de pesquisa.

O DSC 1 expressa a preocupação das enfermeiras com o paciente, sendo este o fator determinante de suas ações. Gerenciamento do cuidar é visto como sistematização, avaliação, planificação e suporte para um cuidado efetivo. É evidenciado também o desenvolvimento de um cuidar sistematizado. A organização dos serviços e a sistematização do cuidado estão estreitamente associados, pois a falta ou a "negligência da sistematização da assistência é uma das principais razões da desorganização e falta de confiança nas atividades de enfermagem"(9).

A enfermeira avalia as necessidades do paciente, planeja e supervisiona os cuidados prestados pela equipe de enfermagem e avalia a evolução do paciente.

Em síntese, o gerenciamento no DSC é visto como suporte no processo de trabalho da enfermeira com vistas à recuperação da saúde do paciente.

O segundo DSC 2 apresenta mesclagem de funções administrativas como: direção, condução, supervisão e planejamento. Por outro lado, fica evidente a responsabilidade da enfermeira na condução do processo de cuidado direto ao paciente e da parte administrativa considerado, este o seu trabalho. As diferentes atividades entendidas como gerenciar, apontam a interação entre o prestar o cuidado direto ao paciente e o gerenciar o processo de trabalho, como um todo. O planejamento é considerado parte integrante do gerenciamento do cuidar. É evidente no DSC 2 que as enfermeiras detêm o saber teórico do que seja gerenciamento do cuidado.

O planejamento da assistência implica em: Estabelecer os objetivos da assistência, analisar as conseqüências que poderiam advir de diferentes atuações, optar entre alternativas, determinar metas específicas a serem atingidas, e desenvolver estratégias adequadas à execução da terapêutica esperada(9).

O gerenciamento do cuidar, segundo o discurso das enfermeiras, é amplo, inclui gerência, assistência, educação e pesquisa. Deste modo os participantes mostraram que sustentam certo conhecimento sobre planejamento.

Idéia Central B: Estratégias utilizadas no gerenciamento do cuidado Discurso do Sujeito Coletivo 1 Realizo uma entrevista com o paciente para poder esclarecer todas as dúvidas que ele tem. Conversamos sobre a doença e como funciona todo o tratamento para que ele aceite e acredite na forma de trabalho.

Durante o tratamento, no processo normal de diálise, vou acompanhando os sintomas estando sempre próximo, passando muita segurança aos pacientes.

Discurso do Sujeito Coletivo 2 Tento fazer o direcionamento do cuidado ao paciente e o direcionamento da equipe de enfermagem. O planejamento do tempo é importante para acompanhar o paciente, funcionários e o funcionamento geral da clínica. Outra estratégia que eu prezo por utilizar é o diálogo, pois a partir do momento que você consegue estabelecer um diálogo com o cliente e com a equipe, o processo é melhor compreendido.

Discurso do Sujeito Coletivo 3 O meu planejamento é realizado no cotidiano, não tenho planejamento a longo prazo. Após a identificação dos problemas, estabeleço a forma de ação e para tanto me utilizo do conhecimento, do apoio multidisciplinar e do trabalho em equipe. Também considero como estratégias prever e prover recursos humanos e materiais que são necessários para o desenvolvimento do cuidado. Devo me instrumentalizar e à equipe de conhecimento básico e necessário, para estar realizando os cuidados. Tento motivar os funcionários, descontraindo o ambiente quando ele se torna pesado, pois, a mesma rotina de trabalho todos os dias produz estresse e acomodação.

Acredito que desenvolver estratégias direcionadas à equipe, como a conscientização, a responsabilidade, a aquisição de conhecimentos e o espírito de equipe são prioritárias.

No discurso professado pelas enfermeiras, o conhecimento e avaliação do paciente referentes aos seus problemas, são ações que devem preceder ao estabelecimento de estratégias. A entrevista é utilizada como estratégia que permite o conhecimento e o envolvimento paciente/enfermeira.

É preciso primeiramente ouvir o paciente, recolhendo as informações e concepções que este possui para depois realizar as recomendações necessárias, é essencial (...) aprender a realidade do outro tendo sensibilidade para o que está sentindo e vivenciando, isto é um requisito para o processo de cuidar, onde a confiança seria uma conseqüência"(10).

Cuidar do outro requer um conhecimento e envolvimento profundo por parte do cuidador em relação à pessoa que é cuidada; é entender a linguagem do outro, linguagem na maior amplitude possível, o que resulta numa interação eficaz.

O DSC 3 refere o planejamento cotidiano como estratégia utilizada no gerenciamento do cuidar e menciona a ausência de um plano de ação a longo prazo. O planejamento do tempo é primordial para que a enfermeira possa gerenciar a assistência, a equipe e a clínica. A idéia de planejamento a curto prazo, a não preparação sistematizada, leva a um processo de improvisação, ao imediatismo, à medida que os problemas surgem passam a nortear o trabalho. O planejamento direciona o curso da ação, portanto deverá preceder a ação.

Planejamento mal feito produz uma prática deficiente e conseqüentemente um atendimento precário aos pacientes(11).

Os dados revelam também a importância da previsão e provisão de recursos humanos e materiais como estratégias empregadas no gerenciamento. A provisão e previsão de recursos humanos e materiais garantem o funcionamento dos serviços de saúde, e a inadequação dos mesmos, compromete a qualidade dos cuidados ao paciente. Aponta ainda a importância da enfermeira se instrumentalizar e à sua equipe de conhecimentos básicos necessários à prestação de cuidados. A capacitação da equipe de enfermagem é de responsabilidade da enfermeira, e deve acontecer de forma contínua, permitindo ao profissional melhorar seus conhecimentos e competências técnicas na perspectiva de transformar a sua prática.

A demanda institucional requer uma enfermeira capaz de responder pelo cuidar do grupo de pessoas sob sua responsabilidade; um profissional instrumentalizado para interagir em equipe, identificando e intervindo adequadamente em situações clínicas específicas; capaz de ter o domínio intelectual da dinâmica assistencial da unidade, incluindo o contexto da prática(12).

A prestação de cuidados tão específicos, como os destinados a pacientes submetidos à hemodiálise, leva ao estresse os profissionais de enfermagem, haja vista, tratar-se de pacientes crônicos, e que o tratamento constitui uma forma de continuidade de vida. Por outro lado, a mecanicidade presente no tratamento hemodialítico leva os cuidadores a apresentarem uma postura de "fazer por fazer", que empresta às atividades um sentimento de acomodação e um embrutecer de corpos, que se resume em, a cada turno, colocar o paciente na máquina, apertar o botão e supervisionar seu funcionamento.

As pessoas precisam sentir prazer no trabalho que realizam, e cabe à enfermeira responsável pelo gerenciamento da equipe preocupar-se com fatores de motivação, propondo e desenvolvendo ações que visem à satisfação no trabalho. Para isto, é necessário que ocorram mudanças pessoais, profissionais e institucionais, principalmente por parte da instituição, uma mudança na política de valorização profissional.

Idéia Central C: Fatores que impedem o gerenciamento do cuidar Discurso do Sujeito Coletivo 1 A máquina administrativa impõe à enfermeira a realização de atividades burocráticas consideradas prioritárias em muitas instituições. A enfermeira não possui autonomia total para a tomada de decisões quanto às funções a serem desenvolvidas pelos funcionários. Pela pressão da administração, a enfermeira está deixando de lado o cuidado para ficar mais na parte burocrática.

Discurso do Sujeito Coletivo 2 Coloco o fator tempo como empecilho para um gerenciamento do cuidar efetivo. A falta de um suporte administrativo rouba muito tempo, não que não faça parte ou não seja importante. Penso que o processo de cuidar poderia ser diferente se algumas funções burocráticas fossem retiradas do trabalho da enfermeira. Eu teria mais tempo disponível para estar no cuidado direto aos pacientes.

Discurso do Sujeito Coletivo 3 Penso que a falta de recursos humanos para dar suporte administrativo, ou para que eu possa estar delegando funções essencialmente burocráticas impede que eu esteja mais tempo ao lado do paciente. Por outro lado um número reduzido de profissionais de enfermagem especializados comprometem a qualidade do cuidado prestado ao paciente.

Discurso do Sujeito Coletivo 4 Acredito que é necessário discutir e refletir a respeito das novas concepções de gerenciar o cuidado ao paciente.O que dificulta é a falta de experiência e de conhecimentos em Hemodiálise. Preciso fazer uma revisão de literatura, tenho buscado leituras e conversar com as outras enfermeiras para encontrar a melhor forma de fazer esse gerenciamento. É essencial conhecer e dominar a assistência, pois esta é a base do gerenciamento.

Os empecilhos para o gerenciamento mais evidentes nos discursos dos participantes são: falta de autonomia no trabalho, pouco tempo, escassez de pessoal e pouco conhecimento sobre gerenciamento pelas enfermeiras. (...) os enfermeiros por apresentarem uma concepção, aparentemente confusa do que seja administração, consideram como um ônus e sobrecarga as atividades administrativas que desempenham e que, conseqüentemente, os mantêm afastados dos pacientes, impedindo o desenvolvimento daquelas atividades às quais atribuem o sentido mais essencial do seu trabalho, ou seja, a supervisão, o treinamento do pessoal auxiliar e a execução de determinadas ações de cuidados diretos à clientela(13).

É evidente a existência de uma crise de identidade enfrentada pelas enfermeiras, pois estas receberam formação acadêmica mais voltada para assistência direta ao paciente e, no cotidiano, se deparam despreparadas para o exercício de uma função na qual predominam atividades de cunho administrativo, logo o idealizado pela profissão não é concretizado na prática.

É comum entre as enfermeiras o entendimento de burocracia como sinônimo de preenchimento de papéis, de fichas e o seguimento rígido de quesitos estatutários ou regimentais, (...) quando criticam a burocracia referem-se de modo especial a este estado de coisas. Mas isso não é entender a burocracia, embora seja essa a forma deles responderem ao modelo. A importância excessiva atribuída por eles a normas e rotinas, e a conseqüente diminuição do número de relações personalizadas, constituem, por si , disfunções da burocracia(1).

A falta de autonomia, é decorrente da adoção de um modelo de gestão burocrática, na qual a autonomia e o poder são conferidos de acordo com a posição e função hierárquica exercida, e dos interesses da instituição. A enfermeira trava uma luta constante contra a "burocracia assustadora, contra o controle e olhares hierarquizados e a luta pelo reconhecimento de seus desejos, de sua identidade e de sua força dentro da instituição"(14).

A fala das enfermeiras deixa transparecer um trabalho que necessita de melhor organização, pois, para administrar o tempo de maneira eficaz é necessário que a enfermeira lance mão do planejamento, do estabelecimento de prioridades e da utilização de estratégias que permitam a simplificação das atividades e a economia do tempo.

O conceito de gerenciar o cuidar é próprio do local onde o cuidado se desenvolve (gerência situacional), depende das características e da demanda da população atendida, do contingente de recursos humanos capacitados disponíveis, bem como, do ambiente destinado à prestação do cuidado, das especificidades do cuidado e dos recursos materiais e tecnológicos que a enfermeira tem ao seu dispor para a efetivação do gerenciamento do processo de cuidar.

O êxito gerencial não implica apenas no domínio da assistência, como infere o DSC das enfermeiras, pois, além de conhecer a dinâmica que envolve o contexto assistencial, retratada no movimento presente de ir e vir dos pacientes e suas relações,é necessário que a enfermeira tenha o domínio sobre o conhecimento teórico de administração (funções e instrumentos) e como adequá-lo e aplicá-lo à prática profissional.

Idéia Central D: A realidade do gerenciamento cotidiano nas clínicas de Hemodiálise Discurso do Sujeito Coletivo: Eu vejo que a gente faz muitas coisas ao mesmo tempo, se você tiver que ao mesmo tempo desenvolver a função administrativa e a função assistencial, o tempo não vai ser suficiente, isto é decorrente do limite de pessoas que a gente tem para desenvolver a função. Faço o planejamento, e começam a acontecer as coisas, tenho que ignorar por causa do improviso, você vai apagando fogo, no final do dia, você que ficaram coisas pendentes, você se frusta e se desgasta com isto. Ameniza saber que você está administrando o todo e a finalidade é que o cuidado saia melhor, sinto que este tempo é tudo uma questão de organização que está faltando, tenho muita dificuldade neste planejamento do tempo.

DSC revela o cotidiano do gerenciamento realizado pelas enfermeiras, nas clínicas de Hemodiálise. Os sentimentos de impotência e frustração estão presentes na fala dos profissionais. A realidade se apresenta desnuda, mostrando uma prática que carece de organização e planejamento. Nota-se a carência de conhecimentos e competência gerencial necessárias, para fazer frente às situações que se apresentam no cotidiano, o que resulta em desgaste físico e perda de tempo, e desta forma o seu desejo de estar mais próximo do paciente não se concretiza.

As funções desempenhadas pela enfermeira, segundo a visão administrativa- burocrática, sugerem que:Sentimentos de frustração percebidos e verbalizados por muitos enfermeiros, muito provavelmente, possa dever-se à execução destas atividades meramente gerenciais (burocráticas), que parecem mantê-lo afastado das atividades entendidas como assistenciais(2).

O trabalho gerencial da enfermeira vem assumindo novas carac-terísticas face às estruturas cada vez mais complexas das instituições de saúde, assim, além do gerenciamento do cuidado, foi acrescido de outras funções com vistas a articular o trabalho da enfermagem com o dos diferentes profissionais que fazem parte da equipe de saúde.

Idéia Central E: O gerenciamento idealizado pelas enfermeiras das clínicas de hemodiálise Discurso do Sujeito Coletivo: O meu ideal de gerenciamento é conseguir desenvolver o planejamento, transformar em ação, e atingir os objetivos propostos. Eu gostaria de ter autonomia para decidir recursos humanos e materiais, assim eu poderia me dedicar mais ao cuidado direto do paciente. Elaborar um programa de educação continuada voltada para toda a equipe de enfermagem e para a educação do paciente. Um espaço maior de atuação, depende de conhecimento específico em hemodiálise e do conhecimento teórico sobre administração do cuidado. O ideal seria que o que acontece na prática, fosse confrontado com a teoria para saber se esta foi a solução adequada para o problema. A unidade de hemodiálise é tocada pela enfermagem, toda a responsabilidade recai sobre a enfermeira, é preciso abandonar esta posição de submissão e medo ao poder médico, o meu sonho é que o cuidado seja humanizado, não tão automático, ter uma visão do ser humano como um todo e não como um paciente que vem ali tratar do rim.

O mercado de trabalho tem apontado necessidades opostas àquelas percebidas no transcorrer do processo de formação, ao ser privilegiado, idealmente, o cuidado direto como principal atividade profissional das enfermeiras, e parece que isso tem contribuído, de certa maneira, para aprofundar os processos fragmentados, que reforçam a idéia de existir incompatibilidade entre o cuidar e o administrar entre os agentes das práticas de enfermagem(4).

O ambiente administrativo decorre da valorização do cuidado pela administração da instituição, a qual deve prover material e pessoal suficiente, com preparo técnico, visando à qualidade do atendimento. Além disso, inclui o apoio no planejamento e no desenvolvimento das atividades de enfermagem na prestação do cuidado(15).

O poder de decisão e autoridade são conferidos pela organização, logo, a autonomia na tomada de decisões do enfermeiro gerencial na organização do trabalho de enfermagem, depende das normas estabelecidas pela instituição, o que se torna um entrave para que as transformações necessárias aconteçam(16).

A educação do paciente e a capacitação da equipe de enfermagem são competências da enfermeira, sendo estas atividades integrantes da organização do processo de cuidar e não podem ficar apenas no plano do idealizado.

O DSC relata que as enfermeiras, apesar de serem responsáveis pela administração das clínicas de hemodiálise e da administração do tratamento hemodialítico ao paciente, apresentam cotidianamente uma postura de submissão ao poder médico.

A interdependência da medicina e da enfermagem se no nível do saber-fazer específico de cada uma, no âmbito de sua competência técnica e legal, numa relação de complementaridade e não necessariamente de subordinação de uma à outra, em todas as situações(13).

A visibilidade e autonomia, fatores presentes nos DSC, ambas tão almejadas pelas enfermeiras, serão conquistas com o domínio do conhecimento refletido no pensar, no planejar e no fazer profissional. É necessário que as enfermeiras aliem o seu conhecimento à competência política, e trabalhem coletivamente para mostrar que sua presença é indispensável à organização e à sociedade, desta forma adquirirão mais poder e autonomia nos serviços de saúde.

O DSC apresenta como último tópico de discussão a presença de um fazer automático, e a necessidade de se estabelecer um processo de cuidado humanizado, não-fragmentando, pois o ser humano não é somente parte do corpo (rim) que precisa de cuidado, porque o ser humano adoece por inteiro.

Quando o cuidar do outro torna-se uma produção tecnocientífica próxima do intervencionismo e da automatização, dizemos que a natureza humana do ser- doente está sendo considerada apenas infraliminarmente e, nesta condição, o processo de cuidar deixa de se realizar enquanto arte(17).

O tratamento hemodialítico, por si , denota mecanicidade. O profissional de enfermagem, ao prestar cuidado ao paciente submetido a este tratamento, deve atentar para que suas ações não se transformem num fazer automático, sendo necessário valorizar os aspectos humanos na relação cuidador/cuidado.

Idéia Central F: As possibilidades de convergência do gerenciamento e do cuidado.

Discurso do Sujeito Coletivo: O gerenciamento deve ser executado para melhor atender o paciente, seja cuidando, administrando ou educando, o fim é sempre o paciente.

É possível desenvolver educação continuada e atualização para os funcionários, promover estratégias para a educação do paciente, gerenciar o cuidado envolvendo os funcionários, pois estes têm idéias e visões diferentes. Temos que aprender a administrar o nosso tempo para poder gerenciar e planejar um cuidado melhor, não mecanizado e com uma visão do todo. É importante a criação de um grupo para trocar experiências, disponibilizar um tempo para pensar no que se faz, com fundamentação teórica e com a ajuda dos companheiros a gente vai se estruturando melhor, juntos podemos construir instrumentos de forma a planejar melhor o cuidado do paciente para transformar a realidade.

Penso que a idéia da formação de um grupo de reflexão e discussão, é uma questão de visibilidade, mostrar a nossa presença, é ter o mesmo discurso frente a administração superior, refletir e pôr em prática, sermos visíveis para o paciente e principalmente para a instituição, isso é que está nos faltando e como grupo podemos conseguir.

A fala dos participantes mostra estratégias que possibilitam realizar a convergência do cuidar/gerenciar e revela a conscientização das enfermeiras de que o gerenciamento é um meio facilitador do processo de cuidar. E que estas devem aprender a administrar o tempo disponível para a realização de suas funções.

Quando se pensa mais concretamente na gerência em saúde, pode-se afirmar que ela é "uma atividade meio (...) que possibilita a transformação do processo de trabalho (...) diante da finalidade que se apresenta"(18).

O DSC descortina também a possibilidade da educação do paciente e do desenvolvimento de educação continuada junto aos funcionários. No planejamento das atividades de ensino do paciente deve-se ouvir antes o paciente o que pensa, o que sente em relação ao seu corpo, o que deseja a respeito da relação da equipe que o assiste(19).

Uma prática que precisa ser retomada segundo as enfermeiras, é o processo educativo dos funcionários, uma vez que atualmente, existe apenas a preocupação com o treinamento dos funcionários novos, pois em virtude das especificidades do tratamento hemodialítico, faz-se necessário o treinamento específico direcionado para a função que o recém-admitido irá desempenhar.

A importância de envolver a equipe de enfermagem, também é citada como valorização das idéias que seus membros, auxiliando no planejamento dos cuidados, uma vez, que são os auxiliares e técnicos de enfermagem que realizam o cuidado direto ao paciente na sala de hemodiálise. Ao se implementar o gerenciamento com base no cuidado recomenda-se que: "o poder seja compartilhado, as responsabilidades sejam assumidas em conjunto, mas não sob a perspectiva de co-dependência"(15).

A parte final do DSC sugere que a criação de um grupo de reflexão e discussão trará valorização e visibilidade ao trabalho realizado pelas enfermeiras, frente à instituição. Diante da determinação expressa pelas enfermeiras em formar um grupo permanente para discutir coletivamente as possibilidades de transformar a realidade, é importante ouvir e interpretar os problemas cotidianos de uma forma coletiva, compartilhada, haja vista, que a prática cotidiana não contempla mais o anseio coletivo.

Cotidiano é uma ótima matéria-prima para se trabalhar a realidade e criar o novo. Existem perspectivas diferentes de se abordar o cotidiano. Se temos uma postura passiva, de um peixe dentro de um aquário, circunscrito em si mesmo, seguiremos sempre na mesmice. Mas se fizermos sobrevoos por cima de nosso aquário, teremos uma possi-bilidade nova de recriar e abstrair a realidade, problematizando-a(20).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados revelam que as enfermeiras administradoras dos serviços nas unidades de hemodiálise experienciam frustações e insatisfações em relação à suas funções nestas unidades pelo fato de estarem afastadas do cuidado direto aos pacientes, pois não conseguem conciliar as funções gerenciais com o cuidado. Isso mostra que elas têm uma prática de gerenciamento um tanto equivocada. Apesar disso, mostram algum conhecimento teórico sobre gerenciamento. Por outro lado, as perspectivas das enfermeiras levam à esperança de que no futuro o gerenciamento pode ser compreendido e praticado pelas enfermeiras de modo a convergir com o cuidado. Os resultados também mostram que as enfermeiras se sentem em conflito entre o que elas idealizam como trabalho e o que executam no seu dia-a-dia. Esta é uma questão que merece destaque, pois envolve diretamente o processo de formação, que prepara a enfermeira para inseri-la no mundo do trabalho. Ao fazê-lo a enfermeira, depara-se com uma situação diversa daquela idealizada como aluna de graduação.

O ensino de enfermagem precisa ser reestruturado para atender às expectativas do mercado, e também se adequar à necessidade social do profissional de enfermagem. A formação do aluno para o gerenciamento de enfermagem deve prever "um fortalecimento de sua competência administrativa para criar estrutura e condições mais adequadas para o desenvolvimento da assistência de enfermagem qualificada..."(21).

Utilizar a metodologia de Pesquisa Convergente-assistencial (PCA) permitiu o contato com o campo de ação das enfermeiras atuantes nas clínicas de hemodiálise, e na participação destas, apresentou-se o olhar coletivo sobre a questão estabelecida como problema do estudo. A PCA aponta o rumo para a transformação da prática do gerenciamento do cuidado, indicando também, outros caminhos que dêem maior segurança na direção à qual se pretende chegar. É ideal para trabalhar em grupo, pois as soluções são buscadas coletivamente, com isto os participantes se sentem mais responsáveis, e se envolvem em todo o processo de pesquisa, almejando que as mudanças propostas aconteçam realmente. A pesquisa convergente-assistencial abertura para a utilização de outros autores que auxiliam na sustentação teórica e metodológica do caminho a ser percorrido.

A reunião do grupo favoreceu a troca de idéias e experiências e a possibilidade de traçarem um plano de ação conjunto, que viabilize o planejamento do processo de cuidar, repensando e transformando assim, a prática gerencial.

Como possibilidades percebidas para desenvolver a convergência do cuidar/ gerenciar, as enfermeiras participantes do estudo sugeriram a formação de um grupo permanente, reunindo, periodicamente, todas as enfermeiras das clínicas de hemodiálise, para discutir e refletir a respeito do como fazer, para desenvolver as atividades gerenciais centradas no paciente.

Com base neste estudo, podemos afirmar que o gerenciamento do cuidado consiste de um processo amplo, que compreende ações de cuidado, ações administrativas, quer sejam burocráticas ou não, ações educativas e pesquisa, todas convergindo para o benefício do paciente. Em síntese, o gerenciamento centrado no e para o paciente resulta na convergência do cuidar/gerenciar.

O cuidar/gerenciar voltado ao paciente implica em redimensionar o foco do trabalho gerencial, pois, no contexto contemporâneo a dimensão organizacional do cuidado, exige para o alcance de resultados efetivos, a incorporação nos processos gerenciais de conhecimentos, atitudes e ações tanto de cunho racional como do sensível(17). É necessário adotar uma ação transformadora em relação ao cuidar baseada no respeito ao ser humano e sua inteireza.


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