A construção de uma nova forma de representação profissional: um desafio no
"Projeto Político-Profissional da Enfermagem Brasileira"
REFLEXÃO
A construção de uma nova forma de representação profissional - um desafio no
"Projeto Político-Profissional da Enfermagem Brasileira"
Building a new form for professional organization - a challeng for the
"Political-Professional Project of Brazilian Nursing"
La construcción de una nueva forma de representación profesional - un desafio
en el "Proyecto Político-Profesional de la Enfermería Brasilera"
Gelson Luiz de AlbuquerqueI; Denise PiresII
IEnfermeiro; Doutor em Filosofia da Enfermagem; Professor do Departamento de
Enfermagem e Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC.
gelsonalbuquerque@yahoo.com.br
IIEnfermeira; Doutora em Ciências Sociais (UNICAMP); Pós-Doutorado na
University of Amsterdam - Holanda; Professora do Departamento de Enfermagem da
UFSC. piresdp@yahoo.com
1. INTRODUÇÃO
Ao pensarmos sobre a construção de um "Projeto Político-Profissional da
Enfermagem", diversas perspectivas analíticas são possíveis. Poderíamos partir
de uma análise histórica da profissão no país para contextualizar a realidade
atual e planejar o futuro. Poderíamos revisar o processo de elaboração do
Projeto Político-Profissional da Enfermagem que iniciou sob a liderança da
Associação Brasileira de Enfermagem ABEn, com diretrizes aprovadas no 51º
Congresso Brasileiro de Enfermagem - CBEn, no ano de 1999, em Florianópolis e
que avançou no Congresso de Fortaleza, em 2002. Esse processo continua no Fórum
Social Mundial em 2003, agregando o Movimento Sindical e o Movimento Estudantil
de Enfermagem. O debate aprofunda-se no Seminário Internacional sobre o
Trabalho da Enfermagem - SITEN, realizado em Florianópolis em 2003 e em fórum
específico ocorrido durante o CBEn no Rio de Janeiro, em 2004. Sete anos
depois, permanece um projeto em construção. Podemos, ainda, realizar uma
cartografia das diversas visões e forças políticas existentes na enfermagem e
que contribuem para explicar o cenário atual da profissão e as dificuldades
para a construção de acordos que orientem na luta por um futuro melhor, onde a
categoria apresente-se claramente para a sociedade como protagonista e
defensora do direito à saúde e do papel social da profissão.
Para o âmbito desta reflexão, optamos por transitar por estas perspectivas
analíticas, destacando os desafios da reconstrução de uma organização
profissional capaz de representar socialmente este grupo profissional em um
cenário complexo.
2. O MOVIMENTO PARTICIPAÇÃO E O EMPODERAMENTO PROFISSIONAL
A efervescência dos anos 80 no Brasil, com os movimentos sociais em alta, a
conquista do fim da ditadura militar, o retorno das eleições diretas para
presidência da república, a conquista do direito à saúde e sua inscrição do
texto Constitucional de 1988, marcou a história da enfermagem brasileira. A
enfermagem reflete sobre seu trabalho e sua organização e participa da luta
pela democracia e pelo direito à saúde.
Entre 1979 e 1989, a Associação Brasileira de Enfermagem -principal e mais
antiga entidade representativa da profissão no país- viveu um momento de
intenso debate sobre a sua organização e estrutura. A tese, intitulada "O
Movimento Participação (MP) na Associação Brasileira de Enfermagem Seção Santa
Catarina, na visão de suas principais lideranças"(1), que trata de um Movimento
Social da Enfermagem que transformou o modus operandi e a concepção política da
ABEn, aponta que: "Esta década foi marcada com atividades que tinham por
objetivo redirecionar a atuação desta Associação no plano nacional. Era neces-
sário colocar a Enfermagem na luta pelo direito à saúde, na luta pela qualidade
assistencial e por condições dignas de trabalho para todos os exercentes da
Enfermagem"(1).
O Movimento Participação surge no âmbito da ABEn e tinha como um de seus
propósitos a construção de propostas inovadoras para esta entidade sem, no
entanto, limitar-se a uma disputa pela direção da mesma. O MP era um movimento
amplo de trabalhadores de enfermagem e lideranças que realizavam uma análise da
situação da enfermagem brasileira abordando questões como: a identidade
profissional; a composição da força de trabalho; organização e relações de
trabalho; o papel político da categoria na sociedade; a visão sobre saúde e a
realidade institucional do setor; a fragilidade da representação social da
profissão fragmentada e com pouca visibilidade social; além de apontar a
postura de submissão da ABEn às políticas governamentais e a falta de
democracia interna.
Algumas lideranças do Movimento Participação, ao criticar à ABEn, afirmavam que
ela [...] funcionava como correia de transmissão das políticas oficiais e dos
interesses da indústria multinacional do setor saúde, que agia
autoritariamente, não permitindo a participação dos associados e realizando
eventos centrados em questões técnicas, onde o debate político era impedido,
era contra a política de criação de uma entidade unitária e defendia a criação
do Sindicato das Enfermeiras, não participava da formulação das políticas
públicas de saúde e relativas às trabalhadoras daquele setor [...](1).
Importante destacar que, até os dias de hoje, parte significativa dos
dirigentes da ABEn/Nacional são oriundos daquele Movimento. Alguns foram
lideranças nacionais e outros das seções estaduais. No entanto, ao vencer as
eleições e assumir a direção da ABEn em 1986, o movimento se arrefece mas o
trabalho desenvolvido na ABEn obtém muitas vitórias. Destacamos que ela deixou
de ser um instrumento de transmissão das políticas oficiais e dos interesses da
indústria multinacional do setor saúde, bem como passou a ser uma entidade
democrática e que permite a participação de seus quadros associativos em suas
instâncias deliberativas. Os eventos não são mais somente centrados na questão
técnica e debatem a respeito da "grande política" nacional, bem como a respeito
das políticas públicas e, em especial, a respeito da política profissional para
a Enfermagem. Podemos afirmar, ainda, que a ABEN e seus sócios passam a ter
importante papel na definição das políticas públicas de saúde, bem como
relativas à atuação da Enfermagem.
Desta forma, poderíamos afirmar que o MP alterou a forma política de atuação da
ABEN e resgatou os princípios de democracia e participação, preservando-os até
o presente, em consonância com seus instrumentos jurídicos e regimentais.
Entretanto, no que diz respeito à construção de uma entidade unitária da
Enfermagem, a partir da ABEn (proposta defendida por membros do Movimento
Participação (MP) Catarinense e de outros estados), ainda sequer foi colocada à
discussão na ABEn. É importante destacar que esta posição não tinha consenso
entre os integrantes do MP nacional e, também, que o MP envolvia lideranças de
enfermagem que ocupavam cargos em outras entidades como sindicatos de
enfermeiros/as, alguns sindicatos de trabalhadores da saúde que representavam
trabalhadores de enfermagem e em alguns conselhos regionais de enfermagem.
Todas as lideranças do movimento eram sócias da ABEn e participavam das
instâncias e eventos da entidade, bem como participavam de outras entidades de
enfermagem. Neste sentido, construir uma entidade unitária significava e
significa uma vez que estas entidades existem até hoje construir o novo com
perdas de espaços de poder, o que pode ser levantado como uma das dificuldades
para a construção do consenso.
Talvez figure, aí, o nó górdio da questão de nossas entidades de representação
profissional, visto que ainda encontra resistência, sobremaneira em seus
dirigentes (sejam da ABEn, Sindicatos de Enfermeiros, Sindicatos de Auxiliares
e Técnicos de Enfermagem, Federação Nacional dos Enfermeiros. Não estão neste
rol os Centros e Diretórios Acadêmicos, por desconhecermos seu posicionamento
quanto a esta questão, bem como por representarem estudantes e não
profissionais), inclusive referente à possibilidade de discutir-se esta questão
na categoria. A resistência que pode ser explicada pela força corporativa das
entidades e suas diretorias e, também, pela ausência de propostas concretas
neste sentido. Destaca-se que o Sistema do Conselho Federal de Enfermagem
(COFEn) e suas representações estaduais (Conselhos Regionais de Enfermagem
COREn's) existem desde 1975 com a função de regulação profissional. No entanto,
pela legislação brasileira, os Conselhos Profissionais constituem-se em braço
do Estado, com contribuição compulsória e sob uma legislação autoritária. No
caso da enfermagem, a situação agrava-se pelo autoritarismo das direções, pela
falta de transparência na gestão financeira e por uma prática antidemocrática
que impede a livre expressão da categoria.
Ainda resgatando o Movimento Participação(1), a ABEn deveria ser uma entidade:
a) Democrática e que criasse condições para a ampliação da participação dos
associados, com o envolvimento dos estudantes e profissionais da Enfermagem,
através de: reuniões da Diretoria da Seção à participação de todos, inclusive
dos não-sócios; Assembléia Geral de Sócios (AG's), participativas e com poder
decisório; Interiorização das ações e das Jornadas [...] de Enfermagem;
participação da direção em eventos representando as decisões coletivas; [...];
criação de organização por local de trabalho; ampliação das instâncias de
decisão da entidade;
b) Fortalecida, para que, através da organização e das lutas desta, a
Enfermagem fosse valorizada como profissão, através de: [...] Uma entidade que
luta por uma Enfermagem qualificada e que fosse formada por profissionais
técnica-política e socialmente competentes;
c) Que fosse a interlocutora de toda a categoria de Enfermagem no Estado,
encaminhando-se à constituição de uma entidade unitária da Enfermagem;
d) Que tivesse visibilidade na sociedade e participasse da luta de todos os
trabalhadores e estudantes, com: participação em todos os movimentos dos
trabalhadores em geral, por entender que a Enfermagem é uma categoria
constituída por trabalhadoras; participação no movimento sindical e no processo
de criação de uma Central Única Classista; consolidação de espaços para a
Enfermagem exercer o poder;
e) Que atuasse de forma independente e autônoma diante das ingerências dos
governos, partidos políticos e multinacionais, agindo apenas no interesse de
seus associados.
Alguns dos itens mencionados, tais como "criação de organização por local de
trabalho" e "participação em todos os movimentos dos trabalhadores em geral"
resultaram em ações da associação com maior ou menor relevância ao longo do
tempo. Diferentemente, a questão da entidade unitária, em nenhum momento,
nestas duas décadas, foi encaminhada pela ABEn ou por outra entidade da
enfermagem, para o debate com a Enfermagem brasileira.
3. A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DE ACORDOS, PACTOS OU CONSENSOS: O PAPEL DAS
LIDERANÇAS, A DEMOCRACIA E A MULTIPLICIDADE DE DESEJOS E INTERESSES
Ao estudar a "Dinâmica dos Grupos", de Bion, e as Organizações de Trabalho(2),
Grupo de Trabalho é conceituado como a reunião de pessoas para a realização de
uma tarefa específica, onde se consegue manter um nível refinado de
comportamento distinguido pela cooperação. Cada um dos membros contribui com o
grupo de acordo com suas capacidades individuais e, neste caso, consegue-se um
bom espírito de grupo.
A citação apontada anteriormente, refere-se a grupos terapêuticos(2,3), porém
as características por eles apontadas em seus escritos contribuem para a
análise do funcionamento de grupos de interesse, como é o caso da associação de
trabalhadores de enfermagem em entidades representativas e em movimentos de
defesa de seus interesses.
O "espírito de grupo"(2,3)somente pode ser caracterizado quando: existe um
objetivo/propósito comum aos membros do grupo; existe o reconhecimento dos
limites de cada membro, bem como a localização deste sujeito na estrutura do
grupo e suas inter-relações internas e externas à organização; sabe-se definir
e diferenciar os subgrupos internos; valorizam-se as contribuições de cada
membro daquele grupo; há possibilidade do grupo movimentar-se internamente à
organização; sabe-se enfrentar e tratar os conflitos existentes internamente.
No caso da construção de um "Projeto Político-Profissional para a Enfermagem
Brasileira", teremos que, necessariamente, explicitar as nossas diferenças,
dentro e para além da ABEn, e construir identidades que digam respeito a campos
fundamentais para um trabalho profissional, ou seja, o fortalecimento da
enfermagem enquanto disciplina do campo do conhecimento científico; a
composição da força de trabalho necessária para o exercício deste trabalho
social, com o devido consenso em relação às diretrizes de formação
profissional; o tipo de organização capaz de representar e defender este grupo
profissional na sociedade - incluindo estrutura de funcionamento e democracia
interna; e a visão sobre saúde e organização dos serviços.
A visão de entidade, de mundo, de processo de trabalho, de profissão, pode ser
diferenciada num mesmo grupo de trabalho. O que não é reprovável e nem poderia
ser. Entretanto, em um grupo de trabalho, estas questões devem ser
aprofundadas, visando que a Entidade tenha um pensamento pactuado do ponto de
vista de seu Projeto Político-Profissional. Em especial, quando os projetos
políticos não tratam da ação e sim das intencionalidades do que construir.
Desta forma, estas intencionalidades podem ser buscadas de diferentes formas, o
que pode, por vezes, dividir o grupo e dificultar a consolidação do "espírito
de grupo". Razão pela qual a articulação dos diversos "grupos" no grupo é papel
essencial das lideranças.
Isto posto, em cada momento histórico, é necessário construir e atualizar uma
cartografia das diferentes visões sobre os campos indispensáveis para a
construção do Projeto Político-Profissional que nada mais é que uma estrutura
político conceitual compartilhada para pensar e planejar o futuro.
4. ALGUNS ELEMENTOS DA CARTOGRAFIA
Souza(4), discutindo a respeito das "Associações Civis em Saúde Mental" afirma
que "o regime de direção na maioria das associações é presidencialista,
contando com um conselho consultivo. Contudo, algumas encontram dificuldades na
sucessão de seus quadros de direção, por isso algumas delas apresentam um
rodízio entre os membros que já estiveram ou estão na direção das associações,
na sua maioria fundadores. As associações apresentam elevado grau de autonomia
política, mas, em compensação, apresentam baixa autonomia financeira, em
virtude, parcialmente, da baixa capacidade contributiva dos associados".
Estas declarações convergem para a realidade da ABEn que é diferente do que
ocorre no Sistema COFEn-COREn's e nos sindicatos. Os conselhos sustentam-se da
contribuição compulsória dos exercentes da profissão, os quais necessitam
comprovar o pagamento anual a esta organização para que possam exercer
legalmente a profissão. Algumas estruturas sindicais são sustentadas, em parte,
pelo imposto sindical que também é descontado compulsoriamente de toda a base
da categoria. Outras, contudo, sustentam-se, também, de contribuições dos
trabalhadores, por decisão de suas Assembléias Gerais.
Assim, na construção do projeto, é preciso considerar as limitações, vantagens
e conseqüências de cada situação. Se, por um lado, as contribuições
compulsórias garantem o financiamento das entidades, por outro, possibilitam a
perpetuação de práticas antidemocráticas e autoritárias e, por conseguinte, a
perpetuação de lideranças ou grupos políticos que se mantém no poder ao longo
dos tempos. Este é o caso do Conselho Federal de Enfermagem, no qual a direção
afastou-se totalmente da grande maioria dos trabalhadores da área e dos
objetivos públicos daquela organização. O que culminou na colocação da
profissão nas páginas policiais, pela prisão em janeiro de 2005, de diversos
dirigentes por estarem sendo acusados de desvio dos recursos provenientes da
contribuição obrigatória de todos os trabalhadores da Enfermagem Brasileira,
para o financiamento de diversas formas de corrupção e pela perseguição e
intimidação dos opositores.
Além de debate a respeito da necessidade de chegar a acordos que representem o
grupo, em cada momento histórico, é necessário avaliar que mecanismos serão
estabelecidos para a condução do projeto, uma vez que hoje existem múltiplas
organizações que falam pela profissão, e cada uma tem seus mecanismos de
representação e arrecadação, bem como a sua cultura.
Considerando este último aspecto Vaitsman(5), registra ainda que, "a cultura de
uma organização seria algo conformado por coisas como valores, crenças,
pressupostos, percepções, normas e padrões de comportamento não muito palpáveis
e tampouco fáceis de serem observadas e apreendidas, embora tomadas como
óbvias. Constituiriam uma força subjacente, movendo e configurando as práticas
organizacionais e mobilizando seus membros para agir em certas direções, com
múltiplas dimensões". Cultura refere-se à tradição, ou seja, à reprodução de
significados e padrões de comportamentos através do tempo. A tradição é
transmitida pela cultura e sua persistência reside no fato de ser incorporada
inconscientemente por intermédio da história social e individual, traduzindo-se
nos habitus,valores e representações sociais. A cultura, contudo, não se
reproduz independentemente das condições que a produzem. Nas sociedades e/ou
situações tradicionais, as possibilidades de escolhas e padrões são limitadas:
as pessoas fazem as coisas como elas sempre foram feitas e os comportamentos
são legitimados em nome da própria tradição, o que limita a mudança e o
surgimento de novos padrões sociais.
Desta feita, a cultura de uma Entidade é a sua tradição política e sua linha de
atuação, calcada em determinados preceitos. No entanto,a cultura é flexível e
pode ser transformada, porém dificilmente isso ocorre sem que antes os sujeitos
sociais a compreendam. Muitas vezes, os sujeitos acabam por ser "engolidos"
pela cultura da entidade. O padrão cultural é visto como verdadeiro, único.
Assim, apontar possibilidades de mudança soa quase como uma heresia. Isto
ocorre quando, muitas vezes, olhamos um dirigente de uma entidade afirmando que
é difícil mudar, transformar as práticas daquela entidade, em função da cultura
estar arraigada. Desta feita, a cultura perpassa os valores dos sujeitos e se
funda como eixo centralizador da ação da mesma. Assim, devemos, enquanto
membros de qualquer entidade, compreender a cultura institucional, sem que esta
se aposse de nossas convicções, razão pela qual é importante relembrar não
somente a questão do espírito de equipe, senão um de seus componentes, que é o
de saber o que queremos fazer. Portanto, valorizar a cultura de uma entidade é
importante, entretanto, morrer por ela nossas convicções e princípios - é
deixar que a nossa criatividade se esvaia apenas pela história pregressa de
qualquer organização. Assim, não podemos fazer de nossa ação uma simples
repetição da cultura institucional.
Outra característica importante de uma entidade associativa é o acesso e uso da
informação. Visto ser este um componente importante, no trato dos associados de
uma entidade. Assim, a construção da cidadania ou de práticas de cidadania
passa necessariamente pela questão do acesso e uso de informação, pois tanto a
conquista de direitos políticos, civis e sociais, como a implementação dos
deveres do cidadão depende fundamentalmente do livre acesso à informação sobre
tais direitos e deveres, ou seja, depende da ampla disseminação e circulação da
informação e, ainda, de um processo comunicativo de discussão crítica sobre as
diferentes questões relativas à construção de uma sociedade mais justa e com
maiores oportunidades para todos os cidadãos(6).
A informação é fundamental para a existência e manutenção de uma entidade, e
aquela que não se comunica adequadamente, com certeza perde o espaço para
outros que se comunicam de forma mais apropriada. Às vezes, olhamos para uma
organização qualquer e nos perguntamos: como esta entidade, com a arrecadação
que tem, realiza uma péssima comunicação, destituída de seus símbolos? Este é
um dos aspectos importantes a serem explorados na gestão de uma entidade
representativa, com a profundidade que o assunto merece. Entretanto, por estar
incluso no Projeto Político-Profissional, este aspecto deve ser dimensionado em
consonância com suas condições objetivas e materiais. De nada adianta criar um
grande sistema de comunicação se não conseguir mantê-lo, minimamente. Neste
aspecto, de nada adianta temos um sítio na internet se este não é atualizado
constantemente. Às vezes, os usuários não mantêm o interesse num determinado
sítio, em função de que este não é renovado: seja em sua apresentação e/ou no
seu conteúdo. Assim, é preciso ter uma política precisa de comunicação,
defendida e gerida de forma adequada. Um bom projeto ou uma boa idéia só é
assumida pelos sócios ou pela dita "categoria" se for bem comunicada.
A radicalidade num processo democrático é importante. Esta radicalidade é
mostrada na cultura de reuniões e Assembléias que a ABEn tem conseguido manter.
Porém, os tempos mudaram e os associados não parecem dispostos a manter esta
cultura, seja porque tem mais de um vínculo empregatício e/ou porque tem outras
coisas a fazer do que cuidar de aspectos de sua profissão. Precisamos ter este
olhar! Não basta ficarmos repetindo que temos o espaço formal para que os
cenários democráticos se processem, é necessário que a participação ocorra. Sem
participação, o "locus" criado regimentalmente passa a ser vazio, sem ter
expressão e/ou apenas manter a visão hegemônica o que, a nosso juízo, pode ser
resultado da cultura institucional construída ao longo dos anos.
5. OS DESAFIOS PARA O FUTURO: À GUISA DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma profissão é constituída por trabalhadores especializados em um ramo do
conhecimento o qual requer uma capacitação sistemática e prolongada
desenvolvida por seus pares que produzem e reproduzem os conhecimentos
necessários ao exercício de suas ações profissionais. Os profissionais são
reconhecidos por desenvolverem um trabalho útil à sociedade, organizam-se em
entidades que os representam na sociedade e que estabelecem regras para o
exercício profissional e um código de ética que orienta a conduta do grupo.
Neste sentido, um Projeto Político-Profissional necessita formular diretrizes
que envolvam todos estes âmbitos.
É preciso consolidar a enfermagem enquanto disciplina do campo do conhecimento
científico, portanto, é preciso fortalecer os cursos de pós-graduação e
investir em pesquisas., bem como divulgar o conhecimento produzido para ser
consumido, criticamente, pela comunidade científica nacional e internacional. É
preciso dialogar com a comunidade científica do campo da saúde, contribuindo na
construção do olhar e da prática interdisciplinar necessária ao cuidado de
seres humanos que são individualidades culturais complexas, que se relacionam e
ocupam posições diferenciadas na sociedade.
É preciso construir acordos em relação à composição da força de trabalho
necessária para a realização do cuidado em enfermagem, considerando não só as
necessidades relativas à constituição da disciplina, mas, também, as
necessidades assistenciais em saúde no país. É preciso analisar, criticamente,
a lógica da divisão parcelar do trabalho vigente na nossa estrutura ocupacional
legal e na prática assistencial. Para o cuidado de enfermagem, é necessário um
trabalho profissional ou o desenvolvimento de ações fragmentadas é suficiente
para a prestação de tarefas delegadas relacionadas à restauração de partes "não
funcionantes" de corpos doentes? É preciso discutir quem é o objeto de trabalho
da enfermagem - seres humanos que são totalidades complexas ou partes de corpos
com disfunções, que precisam de ajustes?
É preciso, também, construir uma proposta coletiva de representação
profissional que supere a realidade atual que separa enfermeiros/as dos demais
trabalhadores da enfermagem; e que separa organização político-associativa e
científica da organização sindical e da fiscalização do exercício profissional.
Além disso, necessitamos associar um debate sobre que entidade queremos, com
que estrutura orgânica e com quais mecanismos de participação e de decisão.
Ou defendemos que a enfermagem deve ser exercida somente por enfermeiros, como
é a realidade de vários países Europeus, ou defendemos a manutenção da atual
estrutura ocupacional que inclui trabalhadores de enfermagem com graus de
qualificação diferenciados. Mas, certamente, em qualquer dos casos, se somos
uma profissão, é preciso que todos possam se fazer presentes, representar e ser
representados, com direito a voto e voz, na mesma entidade. Não podemos
continuar dizendo que a Enfermagem quer isto ou aquilo, sem que ela, por
inteiro, possa, de fato, estar presente nas atuais entidades ou na entidade
unitária que poderemos construir.
Seria utópico pensar que poderíamos, um dia, abarcar todos os profissionais de
Enfermagem em uma mesma entidade? É necessária uma sólida representação
profissional para enfrentar, articuladamente com outras profissões da saúde, as
investidas de monopólio profissional no setor como está materializado nos
dispositivos do projeto de Lei, conhecido como Lei do Ato Médico; para defender
o direito à saúde e a uma assistência digna para todos na perspectiva da
integralidade, na dimensão individual e coletiva; para mostrar claramente à
sociedade a importância do trabalho profissional de enfermagem e defender uma
assistência de qualidade.
Os caminhos para a construção desta entidade unitária podem ser vários, mas,
considerando-se a história destes quase 20 anos de debate, estamos propondo que
a ABEN tome a iniciativa mudando a sua natureza jurídica, permitindo-se fazer,
além do que já faz, a regulação e normatização do Exercício Profissional da
Enfermagem. Feito isto, buscaríamos construir uma ampla articulação de todas as
entidades democráticas da enfermagem e do campo da saúde com vistas à mudança
na legislação dos conselhos profissionais, atuando junto ao Congresso Nacional
e ao Governo Federal, especialmente junto ao Ministério do Trabalho e ao
Ministério da Saúde (que no campo da saúde discute sobre a regulação do
trabalho em saúde).
Com uma mudança de natureza jurídica, a ABEN poderia continuar a ser a entidade
livre que já é, fazendo a regulação do exercício profis-sional, através de um
processo permanente de qualificação cultural, social, técnica e política dos
trabalhadores. As formas e os modos de conduzir tais questões serão construídos
pela cultura democrática que prezamos e fazemos.