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BrBRCVHe0034-71672006000400015

BrBRCVHe0034-71672006000400015

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2006
Issue0004
Article number00015

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Aspectos históricos, culturais e sociais do trabalho ENSAIO

Aspectos históricos, culturais e sociais do trabalho

Historical, cultural and social aspects of labor

Aspectos historicos, culturales y sociales del trabajo

Thuê Camargo Ferraz de OrnellasI; Maria Inês MonteiroII IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, SP. Professora do Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal - Fundação Pinhalense de Ensino.

thueornellas@bol.com.br IIProfessora Associada. Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, SP inesmon@fcm.unicamp.br

1. INTRODUÇÃO O trabalho humano tem assumido diversas dimensões no transcorrer da história.

A compreensão do que seja o trabalho, em seu sentido prático, é acessível a qualquer pessoa. Trata-se de uma noção intuitiva que a vida diária ensina a todos nós. "As histórias de vida se fundem com as histórias de trabalho"(1).

Muito diferente, entretanto, é conceituar, em sua essência e em seus inumeráveis aspectos a atividade laboriosa que marcou a vida dos indivíduos e das coletividades em todas as épocas e lugares.

Diante disso, justifica-se aqui uma referência histórica, que nos permita compreender o dinamismo, as interações e a contínua evolução das relações de trabalho.

2. CARACTERÍSTICAS HISTÓRICAS DO TRABALHO Na Antigüidade Clássica, tanto na Grécia em seu apogeu, por volta do século V A.C., quanto na Roma Imperial, o trabalho obedeceu a duas vertentes básicas: as elites dominantes ocupavam-se exclusivamente do trabalho intelectual, artístico, especulativo ou político. De outro lado, as funções consideradas subalternas por sua natureza rústica e penosa ("trabalho braçal") eram desempenhadas pela mão de obra escrava, obtida nas guerras de conquista. Os vencidos eram transformados em escravos.

A Mitologia Grega, rica em exemplos relativos às atividades dos deuses e dos mortais, fala das proezas gigantescas dos Cíclopes e Titãs e dos famosos Doze Trabalhos de Hércules(2,3). Ao lado dessas façanhas gloriosas, praticadas por deuses, semi-deuses e heróis (que ainda hoje são denominados "tarefas ciclópicas, titânicas, hérculeas"), as lendas gregas relatam tarefas comuns e rotineiras. Na verdade os deuses mitológicos participavam das qualidades e defeitos dos mortais e com estes mantinham um intercâmbio intenso e sem constrangimentos.

Realmente não foram raros os casos em que o trabalho foi imposto pelos deuses como castigo aos erros e transgressões de seres humanos. Os mais conhecidos referem-se a Sísifo e às Danaides.

Sísifo foi condenado a empurrar uma grande pedra até o cume de um monte. A pedra rolava de novo até a base da elevação e Sísifo era obrigado a repetir a tarefa indefinidamente(3). Parece claro que o castigo residia na inutilidade do trabalho feito.

Por esse motivo até hoje usa-se a expressão "Trabalho de Sísifo" para significar qualquer tarefa inútil, destituída de sentido.

As Danaides, mulheres que assassinaram seus maridos, foram condenadas a passar o resto de suas vidas tentando encher de água um tonel sem fundo...(4) A hegemonia de Roma, ocorrida cinco séculos após o apogeu da civilização helênica, justificaria um amplo estudo das relações de trabalho no Império Romano.

Entretanto, foi profunda e extensa a influência grega em todos os aspectos da vida romana, e as condições de trabalho, em ambas, apresentam semelhanças estreitas.

Os patrícios romanos substituíram a elite grega. Sua principal contribuição ao progresso humano consistiu nos grandes aperfeiçoamentos da Ciência Jurídica, da qual foram mestres incomparáveis. Suas leis e instituições resistiram ao passar do tempo e até os dias atuais inspiram a legislação dos países civilizados.

Apesar disso e da excepcional capacidade administrativa dos romanos, os proletários dessa época, escravizados e submetidos a todos os serviços árduos, continuaram sua trajetória de extrema penúria e degradação.

Na Idade Média a fragmentação do Império Romano deu origem ao sistema feudal.

Nele, o escravo da Grécia e de Roma transformou-se no servo da gleba. Não ocorreram mudanças significativas em suas condições de trabalho, nem foi amenizada sua situação de miserabilidade(5).

Após uma dezena de séculos sombrios, em que o progresso foi tolhido por uma visão estritamente teocrática do mundo, surgiu o Renascimento.

Com a Renascença instalou-se o humanismo e a pessoa humana passou a ser o centro, a protagonista da história.As idéias humanitárias e progressistas, contrapondo-se às concepções medievais, trouxeram esperança aos novos tempos.

Ocorreram importantes invenções. A imprensa tornou possível a difusão das novas idéias e a bússola abriu os mares às navegações de longo curso(6).

Os dois séculos que se seguiram ao movimento renascentista parece não terem fundamental importância para o universo do trabalho. No entanto, nos séculos XVI e XVII, estavam tomando forma as circunstâncias que dariam origem ao mais importante evento do mundo do trabalho: a Revolução Industrial.

3. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: REFLEXOS NO MUNDO DO TRABALHO E MUDANÇAS NA ATIVIDADE LABORAL Tão grande é sua importância que se costuma compará-la à Revolução Francesa, pelas conseqüências transformadoras de ambas. Uma, no terreno das liberdades cívicas, a outra, no campo da economia e do trabalho.

É costumeiro utilizar-se a expressão "Revolução Industrial" para nomear o notável desenvolvimento econômico acontecido na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX.Esse progresso teve sua origem na organização de um sistema fabril, tornado possível graças a excepcionais avanços na área tecnológica.

A invenção e o uso das máquinas a vapor, de novas ferramentas de trabalho e a criação de equipamentos destinados à indústria têxtil tornaram possível a evolução desse novo sistema de trabalho.

Profundas mudanças ocorreram com a substituição do trabalho rural e do artesanato pelas atividades industriais.

Sendo o trabalhador, um dos enfoques deste ensaio, é indispensável lembrar que, abandonando o meio rural ou o ateliê em que antes trabalhava, veio o operário para as cidades e para o ambiente das fábricas.

"Assim, modificaram-se radicalmente as condições de vida do trabalhador, mas a miséria, o serviço estafante e prolongado, as péssimas condições de moradia e de alimentação prosseguiram, afligindo a classe trabalhadora"(7).

É indispensável registrar que as circunstâncias mencionadas não bastam para estabelecer o conceito de Revolução Industrial, muito mais amplo.De fato, ela reuniu e abarcou modificações ideológicas, econômicas e sociais que transformaram uma sociedade exclusivamente agrária em verdadeira sociedade industrial e urbana.

O predomínio das máquinas, a intensificação do comércio, o trabalho operário e não mais artesanal, além de outros fatores, fizeram da Revolução Industrial um marco histórico singular. Com ela nasceu o Capitalismo(8).

Com o passar do tempo foram-se revelando as imperfeições e injustiças do capitalismo industrial. Além das circunstâncias mencionadas, a concentração do capital em poder de um reduzido número de pessoas; a ausência de quaisquer direitos trabalhistas em favor do proletariado; a falta de motivação dos operários, que passaram a "vender" seu trabalho, sem participação integral no processo produtivo; o crescimento desordenado das cidades, como surgimento de bairros miseráveis, onde se amontoavam os operários, foram fatores que provocaram uma forte reação ideológica por parte de grandes pensadores da época. Eram escritores inspirados no Iluminismo, sociólogos defensores do chamado socialismo utópico. À partir disso, surgem as idéias de Karl Marx, para quem, a economia era o fato gerador de todos os acontecimentos históricos.

As relações conflituosas entre capital e trabalho refletiram de forma marcante a sociedade e o indivíduo . Conseqüentemente, era inevitável a luta de classes e tornava-se urgente a necessidade de valorizar-se o trabalho e os trabalhadores, em sua situação de elo mais fraco da corrente econômica, na produção e distribuição das riquezas.

Superiores em número, mas pouco conscientes dessa vantagem, era necessário alertar o proletariado das injustiças que o atingiam e arregimentá-lo para a revolução socialista destinada a criar a igualdade econômica e a destruir o capitalismo opressor.

As idéias marxistas difundiram-se rapidamente e se concretizaram em sistemas políticos socialistas nas mais diversas regiões do globo. Sob a liderança da Rússia formou-se um bloco de países tão extenso e poderoso quanto aquele que, liderados pelos Estados Unidos, constituiu-se no Ocidente.

Parte do século XX foi marcada pela acirrada competição entre os países capitalistas e aqueles que haviam adotado o regime comunista.

Surgiu no palco da História o confronto político (cada bloco de países dedicando-se a obter a adesão e o apoio, inclusive militar, de outras nações), a denominada "Guerra Fria", a "cortina de ferro", e a expectativa de um confronto armado entre a U.R.S.S. e seus satélites frente aos E.U.A. e seus aliados.

Os desdobramentos deste confronto e seus reflexos econômicos e políticos embora atenuadamente, ainda permeiam o contexto social na atualidade.

4. A INDUSTRIALIZAÇÃO NO MUNDO, TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA Assim como a agricultura e o comércio comandaram as atividades econômicas em certas épocas históricas, a indústria deteve seu comando à partir do século XVIII. A Europa foi palco de inúmeras transformações socioeconômicas, sediadas na Inglaterra que se espalharam pelo mundo e se prolongaram até o século XIX.

Com a expansão da indústria e do comércio, houve a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em larga escala, do mesmo modo que a manufatura cedeu lugar à fábrica e, mais tarde, à linha de produção.

Diante das novas necessidades administrativas surgiram as chamadas Eras da Gestão Empresarial.

A Era da Produção em Massa (de 1920 a 1949) tem como referências iniciais Taylor e Fayol que introduzem no mundo do trabalho correntes administrativas denominadas de Administração Científica. Estes modelos se completam e delineiam correntes produtivas destinadas a mercados de massa, aumento de produtividade e que por muitos anos marcam a forma de produção padronizada, sistematizada, seriada e fragmentada.

Os trabalhadores que compõem esses modelos são parcializados, especializados e treinados para o desenvolvimento de tarefas individuais(10).

Cada homem deve aprender como abrir mão de sua maneira particular de fazer coisas, adaptar seus métodos a muitos padrões novos e a crescer acostumado a receber e obedecer ordens, respectivos detalhes, grandes e pequenos, que no passado eram deixados ao seu próprio julgamento(11,12).

Fatores importantes como desmotivação, absenteísmo, ineficiência e cansaço dos trabalhadores são propulsores de uma corrente de contraposições a Taylor e Fayol. Surge então, a teoria da Administração das Relações Humanas apregoada por Elton Mayo e colaboradores que definem como ideal a motivação, o enriquecimento de cargos, ampliação do relacionamento interpessoal no trabalho, neutralização das lideranças e valorização da organização informal(11).

A Era da Eficiência (de 1950 a 1969) representada pela Escola Burocrática de Weber, buscou orientar o comportamento humano através da racionalidade, da autoridade e da dominação(12).O trabalho é dividido racionalmente e as rotinas são padronizadas. Os níveis hierárquicos são rígidos, a comunicação é formalizada e o relacionamento entre os empregados é impessoal.

Esse modelo faz a transição do que se intitula de Sociedade Industrial para a Sociedade do Conhecimento, dentro do período denominado de Revolução da Informação no qual os trabalhadores começam a utilizar mais a informação do que meramente a produção de bens(13).

"As inovações tecnológicas e organizacionais vêm causando importantes mudanças no mundo do trabalho seja na produção, seja na sociedade como um todo, com repercussões que parecem ser bastante profundas"(14).

A Era da Qualidade (de 1970 a 1989) é representada por consumidores exigentes e mais conscientes que passam a exigir produtos diferenciados no que tange à qualidade.

Em relação aos aspectos do trabalho e suas transformações no século XX: Foram tão intensas as modificações que se sucederam no processo de trabalho e de produção capitalistas, que se pode mesmo afirmar que a classe que vive do trabalho presenciou a mais aguda crise deste século, que atingiu não sua materialidade, mas teve profundas expressões de sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser(15).

A partir de 1990, surge a denominada Era da Competitividade em que a relação entre produção e consumo se solidifica. As empresas passam para a fase do "encantamento do cliente", tentando superar suas expectativas em relação ao produto.

Assim, durante as Eras da Qualidade e da Competitividade implementam-se modelos de gestão que incluem a Administração Japonesa, a Administração Participativa e a Administração Empreendedora.

Nos anos 50 e no pós-guerra muitos países adotam princípios de administração oriundos do Japão.

Levando-se em conta o suposto novo papel atribuído aos trabalhadores, o resultado seria, invertendo a lógica do fordismo, a desespecialização dos trabalhadores e das máquinas, concretizadas pelas recomendações conjuntas de liberalização da produção, da autonomização e multifuncionalidade dos trabalhadores(10).

Permeando os modelos econômicos, a reestruturação produtiva, as escolas estudiosas dos processos de trabalho, as relações do trabalho e o fortalecimento mundial do capitalismo aparece o conceito de globalização ou mundialização.

É claro que a globalização das sociedades, em curso nesta altura da história, vinha ocorrendo em décadas e séculos anteriores. O capitalismo com o qual nasce o mundo de que falamos no século XX, é um modo de produção ou reprodução material e espiritual que se forma, expande e transforma em moldes internacionais. O mercantilismo, capitalismo comercial ou acumulação originária ligam cidades, países e continentes, assim como rios, mares e oceanos(16).

O envolvimento e a participação dos trabalhadores com o processo de trabalho e a reestruturação produtiva em constante mudança continuam a ser intensamente estudados, sendo consenso atual que ambos podem e devem influenciarem-se e beneficiarem-se mutuamente, evitando que a nova relação homem/máquina traga novos riscos para a saúde dos trabalhadores(17,18).

"A globalização não é um fato acabado, mas um processo em marcha"(16).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo bibliográfico nos permitiu identificar as mudanças ocorridas no processo de trabalho em sua trajetória histórica. Caminhamos através da linha do tempo em que inicialmente o trabalho era visto como atividade penosa e árdua exercida pelos escravos, sentença condenatória dos guerreiros vencidos na dominação entre povos, labor das pessoas de condições sociais desfavorecidas ou o castigo dos deuses, para ocupar nos dias atuais destaque e centralidade na vida de todos os homens como forma de direito a ser conquistado.

As alterações profundas advindas de novas divisões do poder, descobertas sucessivas de fontes energéticas alternativas e novas especificações na esfera do trabalho levaram a uma transformação intensa de paradigmas nos últimos anos.

Enfoque especial deve ser dado à influência da Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, para o desencadeamento da industrialização no mundo e, conseqüente,da reestruturação produtiva. Tal evento histórico fortaleceu mundialmente o regime capitalista e dimensionou o que intitulamos hoje de "sociedade industrial".

A universalização do mundo e a necessidade de competição e inserção dos países no novo cenário econômico e social resultaram em inovações no campo do trabalho causando profundas repercussões tanto do ponto de vista individual como coletivo.

Embora não focalizada expressamente nas considerações anteriores deste ensaio, podemos prever no horizonte do trabalho uma contínua e crescente valorização no campo dos serviços que a cada dia disputam uma situação hegemônica com o trabalho de produção.


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