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BrBRCVHe0034-71672006000500020

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variedadeBr
ano2006
fonteScielo

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Parteiras-enfermeiras e Enfermeiras-parteiras: a interface de profissões afins, porém distintas REFLEXÃO

Parteiras-enfermeiras e Enfermeiras-parteiras: a interface de profissões afins, porém distintas

Midwive-nurses and nurse-midwives: the interface of professionals sharing affinity, but differents

Parteras-enfermeras y enfermeras-parteras: la interface entre dos profesiones afines, pero distintas

Ruth Hitomi OsawaI;Maria Luiza Gonzales RiescoII; Maria Alice TsunechiroIII IEnfermeira obstétrica. Professora Doutora do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo - Campus Leste, São Paulo, SP. rosava@usp.br_ IIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, SP.riesco@usp.br IIIEnfermeira Obstétrica. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, SP.tamnami@usp.br

1. INTRODUÇÃO Em 2005, foi criada a primeira turma do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, campus Leste. Além de se tratar de um novo curso, este se constituiu dentro de uma nova Escola, concebida com vistas à formação profissional pautada nas propostas de interdisciplinaridade, transversalidade e não-segmentação dos diversos campos do conhecimento humano. A discussão sobre a formação de profissionais não- médicos para a assistência à mulher no ciclo reprodutivo vem se aprofundando, sobretudo, baseada na maior visibilidade dada às mazelas do atual modelo de assistência ao parto e nascimento, profano, de argumentação técnica questionável e claramente atrelado a interesses econômicos.

Com o Curso de Obstetrícia, pretende-se influir no processo de formação de profissionais não-médicos que atuem dentro de uma visão de parto e nascimento como eventos saudáveis e multifacetados, no qual o biológico seja tão somente uma de suas dimensões. A introdução de um novo curso no campo minado da assistência obstétrica em centros urbanos reacendeu as discussões em torno dos espaços de atuação de enfermeiras e parteiras (obstetrizes) e da relação da nova profissional com a medicina. O objetivo do presente estudo é aprofundar a compreensão do significado da retomada do curso de graduação em Obstetrícia, tanto no contexto mais amplo da história humana, como no momento atual da assistência ao parto e nascimento no Brasil.

2. MÉDICOS, PARTEIRAS E ENFERMEIRAS NA HISTÓRIA A disputa pela hegemonia no campo da assistência ao parto foi marcada por dois episódios envolvendo parteiras, com grande repercussão nos atuais modelos ocidentais de atenção ao parto. Um deles, ocorrido na Inglaterra, culminou com a incorporação do trabalho delas ao sistema de saúde oficial: a aprovação da lei das parteiras, o "Midwives' Act", de 1902(1). O outro, nos Estados Unidos da América, conduziu à transformação do trabalho de parteiras em prática fora da lei, com base na estratégia de responsabilizá-las pelas elevadas taxas de mortalidade materna e perinatal do início do século XX sendo conhecido como "midwife problem"(2).

À época do surgimento da enfermagem profissional, bastante vinculada à publicidade feita em torno dos trabalhos de Florence Nigthingale na Guerra da Criméia (1854-1856), a profissão de parteira encontrava-se em franco declínio.

A profissão de enfermeira, ao contrário, ganhava respeitabilidade no interior da classe média inglesa. Nos Estados Unidos da América, a emergente corporação médica fundada em bases classistas - uma profissão masculina, branca e de classe média - iniciava uma vigorosa campanha contra os chamados "charlatães", incluindo-se as parteiras.

É razoável supor que a ação da parteira comportasse riscos reais à mãe e ao bebê, mas estes não eram maiores do que os oferecidos pelos médicos. Em 1878, estimou-se que a mulher inglesa aumentava em seis vezes as suas chances de morrer ao dar entrada nas maternidades daquele país(1). Mais acessível às mulheres das classes populares, a parteira tradicional envolvia-se com as tarefas domésticas, substituindo ou auxiliando a mulher por um mês ou mais, após o parto. Os jovens médicos provinciais que disputavam sua clientela, não aceitariam trabalhar nas mesmas bases de remuneração(3). As parteiras tinham como seus defensores os médicos clínicos. Clínicos e cirurgiões não compartilhavam as mesmas opiniões sobre quem deveria prestar assistência ao parto. Para os cirurgiões, existia um perigo potencial em toda gravidez e parto, o que justificaria a presença de um médico em todos os partos; os clínicos consideravam a participação masculina no parto um intolerável atentado ao pudor(4).

O acontecimento que precipitou a aprovação da primeira lei das parteiras na Inglaterra ocorreu na localidade de Kent e envolveu uma parteira e três médicos provinciais. Na ocasião, ela solicitou ao esposo de sua cliente que fosse em busca de auxílio de um dos médicos locais, que detectara complicações no trabalho de parto. A despeito dos apelos do homem, todos os três médicos recusaram-se a atender à mulher. A mãe e o bebê morreram e o caso chegou à grande imprensa e aos tribunais. Perante o juiz, os três médicos reiteraram suas posições, declarando que não davam cobertura a clientes previamente atendidas por parteiras, procedimento, segundo eles, largamente adotado por seus colegas(2).

A divulgação tornou pública a guerra fria travada por médicos provinciais e parteiras tradicionais e expôs o tratamento desigual recebido por mulheres ricas e pobres. O projeto de lei que regulamentava o trabalho das parteiras estava parado no Parlamento mais de uma década, ganhou prioridade e, em 1902, foi aprovado, com a inclusão de uma cláusula que proibia o exercício de parteiras não registradas. A lei das parteiras criou um órgão regulador, oCentral Midwives Board, com a função de elaborar as regras para o exercício da profissional. Uma das mais importantes recomendava que solicitassem um médico em todas as situações consideradas anômalas, cabendo a ele atendê-las(1). A regra não incluía nenhuma previsão orçamentária em relação ao pagamento dos médicos e a questão foi resolvida somente em 1918, à custa de uma sistemática pressão da corporação para que se tornasse obrigatório o pagamento de seus honorários pelo Estado(5).

No início do século XX, no episódio conhecido como "midwife problem", a mortalidade materna nos Estados Unidos era alarmante, a terceira mais alta entre os países que faziam tais registros, sendo a maior concentração desses eventos entre as clientes da parteira tradicional(2). Exclusivamente mulheres, boa parte imigrante e ou negra, a maioria das parteiras tradicionais norte- americanas dispunha de pouca base educacional e baixo poder de organização.

Enquanto isso, o conceito de que o nascimento seguro era possível, mediante a presença e a intervenção de médicos começava a ganhar larga aceitação entre as mulheres das classes elevadas.

A parteira tradicional norte-americana atendia a cerca de 50% de todos os nascimentos em 1910(2). Era uma situação intolerável para a emergente especialidade obstétrica, pois na lógica da corporação médica, cada mulher pobre atendida pela parteira era um caso a menos para o ensino e pesquisa acadêmica. Os vastos recursos proporcionados pelas classes populares, como "material de ensino" à obstetrícia, estavam sendo desperdiçados pelas ignorantes parteiras. Além disso, as mulheres pobres gastavam cerca de cinco milhões de dólares anuais com parteiras que poderiam estar dirigidos aos verdadeiros "profissionais"(6).

Recorrendo-se a metáforas inspiradas na teoria dos germes, os médicos comparavam as parteiras a uma espécie de micrococus, estranho ao tecido social % sublinhando sua condição de imigrante % disseminando a doença e a morte com suas unhas sujas(6). As parteiras foram responsabilizadas pela febre puerperal e pela oftalmia neonatal. Ambas as condições mórbidas seriam facilmente prevenidas por técnicas que a maioria dos profissionais poderia aprender: a lavagem das mãos e a instilação de colírio. Foi o que aconteceu na Inglaterra, Alemanha e maioria dos países europeus: a parteira foi melhorada por meio de treinamento, tornando-se uma profissão estabelecida e independente.

Os médicos americanos não estavam interessados em melhorar a assistência prestada pelas parteiras e talvez nem pudessem: uma enquête entre eles demonstrou que os clínicos gerais eram tão negligentes quanto as parteiras e igualmente responsáveis pela qualidade da assistência obstétrica(7).

Entretanto, o ponto central é que a corporação médica tinha poder e as parteiras, não. Os obstetras estavam, eles mesmos, lutando contra a concepção de insignificância de seu campo de atuação. Defendiam, sobre qualquer evidência em contrário, que a gestação e o parto normais eram exceções e considerá-los como eventos normais seria uma falácia(2).

No início do século XX, numerosos folhetos e livros foram publicados nos Estados Unidos e Inglaterra, divulgando as vantagens da participação masculina no parto, enquanto ganhavam destaque os relatos de casos de mulheres que morreram em razão da demora da parteira em chamar o médico. No período, as parteiras norte-americanas dispunham apenas de dois jornais, lidos por um segmento muito pequeno delas. Em sua defesa, dependiam da simpatia de alguns médicos e enfermeiras de saúde pública(3).

Uma aliança entre parteiras e enfermeiras seria pouco provável; as enfermeiras preferiram aliar-se aos médicos, no controle e eliminação do "charlatanismo". A enfermagem recebeu acolhimento e prosperou em sua fase inicial, porque sua configuração afinava-se com os propósitos do emergente modelo médico, patriarcal e centralizador(8). Com a aliança das enfermeiras, os médicos garantiam o controle da prática da enfermagem e recebiam auxílio para eliminar curandeiros e parteiras.

O declínio da parteira tradicional norte-americana tornou-se irreversível com a restrição à entrada de imigrantes a partir da década de 20 do século XX. Em 1920, apenas 5% dos partos eram hospitalares naquele país; em 1930, essa taxa saltou para 25%. Em Washington, a porcentagem de partos assistidos por parteiras decresceu de 50%, em 1903, para 15%, em 1912, e as taxas de mortalidade infantil no primeiro dia, na primeira semana e no primeiro mês de vida aumentaram nesse período de exclusão das parteiras(2).

3. OBSTETRIZES (PARTEIRAS) E ENFERMEIRAS OBSTÉTRICAS Como em outras partes do mundo, também, no Brasil, os médicos estavam empenhados em estabelecer sua hegemonia no campo da saúde e disputar a clientela da parteira. Durante muito tempo, a participação do cirurgião no parto era vista como algo degradante, e o ofício de parteiro, considerado desonroso e vil, porque lidava com secreções e odores femininos. Daí a maior presença de negras e mulatas no ofício de partejar: "se o sangue de uma parturiente branca era visto com nojo, como não seria o de uma parturiente negra e escrava, ou mulata e pobre?"(9).

No início da colonização, eram as caboclas, portuguesas e negras velhas que monopolizavam o exercício dos partos. Além de cuidar do parto, das moléstias de mulheres, das espinhelas caídas (gastrenterites) e dos quebrantos, as parteiras tradicionais eram acusadas de praticar feitiçarias, provocar abortos e cometer infanticídio(10). Poucas foram as parteiras formadas pelas escolas de partos.

No período de 1833 a 1876, não mais de dez alunas concluíram o curso de partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; e o da Bahia foi ainda menos freqüentado(11).

Os requisitos para o ingresso nos cursos de partos eram menores que nos demais cursos. Além de ser tratada como uma atividade menos letrada que a da medicina, era o único curso que exigia de suas candidatas o atestado de "bons costumes" (12). Muitas parteiras estrangeiras revalidaram seus diplomas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; de 1856 a 1899, foram revalidados 70 deles.

Documentos e relatos da época mostram que essas parteiras não atendiam apenas aos partos, mas também tratavam de doenças ginecológicas(13).

Na história da obstetrícia brasileira, destaca-se Madame Marie Josephine Mathilde Durocher, a primeira parteira diplomada pelo curso de partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Francesa de origem, foi formada em 1834, logo após enviuvar-se, mãe de dois filhos. Chegou a assistir cerca de 6.000 nascimentos, em um período em que o Rio de Janeiro contava com 90.000 habitantes(13). Mme. Durocher apresentava um aspecto andrógino, um misto mal definido de homem e mulher em seus trajes masculinos: calçados de botinas de homem, usava camisa, punhos, colarinhos, gravata e colete de homem(13). Ela explicava que usava essas roupas para inspirar respeito: "adotei um vestuário que não me pareceu mais cômodo para os trabalhos da minha profissão, como mais decente e característico para a parteira"(14).

Com a criação das maternidades, as parteiras diplomadas foram aproveitadas nesses estabelecimentos, passando a atuar de forma subordinada à autoridade médica. No final do século XIX, associação do trabalho da parteira e da enfermeira vinha sendo cogitada quando médicos brasileiros passaram a propor a formação profissional de parteiras que fossem também enfermeiras. Com essa medida, buscavam limitar sua prática independente, restringindo e controlando seu espaço na assistência ao parto e impondo a hierarquia estabelecida às enfermeiras, especialmente, no hospital(15).

No início do século XX, a medicina lutava pela profissionalização, adotando, como em outras partes do mundo, estratégias corporativistas para domínio do conhecimento técnico e controle do mercado de trabalho. A interferência na formação das parteiras (obstetrizes) insere-se nessa lógica. O curso de partos foi planejado para manter as parteiras dentro dos limites impostos pela medicina, oferecendo uma formação essencialmente prática(12). A medicina considerava-se com autoridade para definir o conteúdo dos cursos de partos e delimitar o espaço para o exercício das diferentes atividades na área da saúde.

Arnaldo de Moraes, médico obstetra e livre-docente da Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, defendia que "a formação delas (parteiras) não seja feita em uma faculdade ou curso completo, mas apenas em uma cadeira de obstetrícia para alunas", porque era necessário "que se cuide do preparo profissional [do médico] de modo a pô-lo a resguardo da exploração e da concorrência desleal"(16).

De 1832 até 1949, toda a legislação do ensino da parteira estava contida na legislação da medicina. Em 1931 os cursos de partos foram anexados à cadeira de clínica obstétrica das faculdades de medicina e deixaram de ser um curso em paralelo aos de medicina e farmácia, para serem reduzidos a um curso subordinado a uma área da medicina. Algumas escolas de enfermagem criaram seus próprios cursos de especialização, mas como não eram oferecidos com regularidade quase todos foram encerrados(11). O Curso de Enfermagem Obstétrica da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo foi uma exceção: em 1939, o curso de partos foi criado sob a legislação da medicina e após dois anos e meio de experiência "chegou-se à conclusão de que a pouca base das alunas (curso primário) não correspondia ao esforço dispendido"(17). Em 1943, passou a exigir o diploma de enfermeira, convertendo-se, em 1949, em curso de especialização em Enfermagem Obstétrica, seguindo exclusivamente, a legislação do ensino da enfermagem, tornando-se paradigma para outros cursos criados no Brasil com a mesma finalidade.

À época, a hierarquia da Igreja Católica, representada pela Conferência dos Religiosos no Brasil, vinha pressionando o Executivo para vetar a aprovação do Projeto de Lei que criava o Curso de Obstetrícia. Em ofício circular de 6 de dezembro de 1956, enviado a todas as ordens religiosas, os bispos alegavam que a criação do curso de obstetrizes, "apesar de suas boas aparências, é contrário aos interesses de ensino da enfermagem e também da verdadeira assistência à maternidade e à infância"(11). A ingerência da Igreja em assuntos dessa natureza devia-se a desconfianças de que as obstetrizes praticavam abortos e distribuíam anticonceptivos.

Em 1958, a intolerância reaparece no I Congresso Nacional da Obstetriz no Rio de Janeiro. Diversas enfermeiras foram ao Congresso e quatro delas, das quais três freiras, foram ao jornal O Globo acusar as obstetrizes de fazer propaganda de anticoncepcionais durante o evento e aproveitaram para atacar os cursos de partos das escolas médicas, afirmando que a baixa procura por eles tinha menos a ver com obstáculos na legislação do ensino, e mais com o exercício antiético da profissão(11). As obstetrizes alegaram que as enfermeiras interpretaram erroneamente as finalidades do produto (uma ducha vaginal que estava sendo divulgada no evento); que enfermeiras e obstetrizes desempenhavam funções nitidamente delimitadas, não se admitindo, portanto, que uma enfermeira interfira em assuntos ligados às obstetrizes que exercem uma livre profissão (11).

Em 1957, o Projeto de Lei 3082 criando os cursos de Enfermagem e de Enfermagem Obstétrica foi elaborado em três níveis: elementar, médio e superior. No início da década de 1970, com a reformulação das universidades brasileiras, que propunha "vedar a duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes", coube exclusivamente às escolas de enfermagem a formação profissional da enfermeira obstétrica ou obstetriz, como única via para a capacitação formal de não-médicos para assistência ao nascimento e ao parto normal.

Com a incorporação dos cursos de obstetrícia às escolas de enfermagem e a fusão dos currículos, a opção "Obstetrícia" deixou de existir no ingresso à universidade, sendo postergada para o último ano do curso. Embora o curso tivesse a denominação legal de Enfermagem e Obstetrícia, poucas escolas ofereciam essa formação. Em 1994, o currículo mínimo de enfermagem foi modificado e as habilitações extintas, restando a especialização em enfermagem como único curso previsto para formação específica de profissionais não-médicos na área obstétrica(15).

A constatação desanimadora foi que as enfermeiras especialistas não se sentiam estimuladas a permanecer no campo da assistência ao parto. Estudo realizado com 92 enfermeiras obstétricas, das 202 egressas da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo entre 1980 a 1995, constatou que 50% delas não atuavam na área(18). Em 1983, a enfermeira obstétrica ou obstetriz ocupava apenas 5% dos cargos de enfermeiros no Estado de São Paulo. Essa foi a maior taxa de ocupação encontrada em todo o País; nos Estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo, as taxas foram iguais a zero. Nos Estados das Regiões Nordeste e Norte, 1,6%, e 0,2%, respectivamente, e no Estado do Rio de Janeiro, 0,3%(19). Em 1997, a atividade "acompanhamento do trabalho de parto" era realizada por enfermeiras em apenas 7,5% dos serviços públicos de saúde de São Paulo e, por obstetrizes, em 2,2%.

Em 67,7% dos serviços, era o profissional médico quem estava designado para essa atividade(20).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando Florence Nightingale começou a organizar a enfermagem, precisou convencer os médicos do Exército que as enfermeiras poderiam ser úteis para eles, em seus locais de trabalho. As tarefas designadas pelos médicos para "suas" enfermeiras variavam conforme o profissional médico e estas dependiam da aprovação dele para se constituírem como enfermeiras(21). Não surpreende, portanto, a necessidade da enfermeira ser aprovada e apreciada em seu trabalho pelo profissional médico. Nesse contexto, as relações entre a nascente profissão de enfermagem e a milenar profissão de parteira não foram nada amistosas. Parteiras e enfermeiras hostilizavam-se mutuamente, as enfermeiras vendo as parteiras com desdém, compartilhando a visão que os médicos tinham delas: "supersticiosas, ignorantes e pouco higiênicas". As parteiras consideravam as enfermeiras "um pouco mais do que servas da profissão médica" (1).

Em ocasiões estratégicas, parteiras e enfermeiras desperdiçaram energias e talento em aspectos errados, incapazes de defender a si mesmas e, acima de tudo, de identificar as lutas comuns. A formação de um outro profissional não- médico para a assistência ao parto e nascimento, no momento atual, justifica-se se for para dotá-lo de um perfil de atuação fundamentado na compreensão do fenômeno da reprodução como saudável e multidimensional, no qual a mulher seja o foco central e os processos assistenciais e educativos desenvolvam-se na base da interação e parceria. A formação da nova obstetriz, condizente com os princípios que orientam o ensino de enfermeiras e enfermeiras obstétricas enfatizará os aspectos fisiológicos, emocionais e socioculturais do processo reprodutivo, buscará a articulação entre observações clínicas, conhecimento científico, habilidade técnica e julgamento intuitivo na tomada de decisões, construirá o conhecimento pautado na valorização do saber e da atuação interdisciplinares e desenvolverá as atribuições pautado na responsabilidade ético-política e autonomia profissional(22).

A simples especialização de enfermeiras tem sido incapaz de produzir o necessário e esperado impacto na qualidade e no modelo de assistência ao parto.

As universidades e escolas de enfermagem precisam estabelecer parcerias com organismos oficiais e serviços de saúde para pesquisar, estabelecer e desenvolver modalidades de capacitação formal de parteiras nos diferentes níveis % de graduação de obstetrizes, especialização de enfermeiras, treinamento de auxiliares de enfermagem e de parteiras tradicionais(22). A exclusão dos não-médicos do acompanhamento do trabalho de parto deixou um "nicho" - o de guardiãos da fisiologia - que até o momento não foi plenamente ocupado pelas profissionais existentes. Nesse contexto de crítica ao modelo altamente intervencionista de assistência e busca de revitalização das boas práticas no parto e nascimento, percebemos o ressurgimento do Curso de Obstetrícia, um curso não mais tutelado pela medicina e tampouco pela enfermagem. É momento de não desperdiçarmos as lições da história.


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