Comitês de ética em pesquisa: desafios na submissão e avaliação de projetos
científicos
INTRODUÇÃO
A Enfermagem enquanto profissão que se constrói como ciência, necessita da
pesquisa para se desenvolver. As teorias e o conhecimento gerados a partir de
pesquisa em enfermagem são essenciais para o estabelecimento de uma base
científica que garanta a qualidade da assistência e a credibilidade da
profissão(1).
Segundo o Fórum de Reflexão Universitária UNICAMP(2) "os povos que não
participam do desenvolvimento científico estão, em grande medida, alijados dos
avanços nos padrões de qualidade de vida e são economicamente subalternos em
relação aos povos que lideram os avanços do conhecimento".
No entanto, ao iniciarmos o desenvolvimento de um projeto de pesquisa, nível
mestrado, deparamos com desafios, que nos permitiram fazer algumas indagações,
sobretudo, com relação aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP). Esses desafios
incluíram a necessidade de submissão de um mesmo projeto de pesquisa a vários
CEP, com conseqüente envio de grande quantidade de documentos para cada um
deles, e os seus diferentes pareceres.
Ao estender essas discussões à sala de aula e ao grupo de estudos e pesquisa
que participamos, observamos que o assunto não se restringia apenas à dimensão
particular, pois tinham colegas que haviam vivenciado experiências e
dificuldades semelhantes.
Isso nos motivou a escrever sobre o assunto, visando levantar maiores reflexões
e discussões à cerca dessas dificuldades, de maneira que as pesquisas em
enfermagem sejam cada vez mais incentivadas e que desafios à sua realização
sejam superados.
REFLEXÕES E DISCUSSÕES
A pesquisa envolvendo seres humanos tem recebido uma maior atenção pela
sociedade desde o século 20, sobretudo pelos aspectos éticos que a envolve.
Na maioria dos países democráticos contemporâneos existe uma percepção, cada
vez mais aceita socialmente, segundo a qual toda pesquisa, conduzida em
qualquer área do conhecimento e que envolva seres humanos como objetos da
investigação, deve necessariamente ser revisada, em seus aspectos científicos e
éticos, por uma instância que tenha competência adequada e reconhecida em
âmbito epistemológico, metodológico e ético por seus pares e pela sociedade
como um todo(3).
No Brasil, desde a primeira Resolução do Conselho Nacional de Saúde, que
estabeleceu as Normas de Pesquisa em Saúde (Resolução 01/88), existe a
necessidade que os projetos de pesquisa realizados em serem humanos, sejam
avaliados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) antes do início da sua
realização(4).
Atualmente no país, a pesquisa com seres humanos é regida pela Resolução 196/96
(5) que estabelece que toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser
submetida à apreciação de um CEP, sendo este, criado para defender os
interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos. Porém, o pesquisador que
possui a intenção de realizar uma pesquisa envolvendo diversas instituições,
tem tido, muitas vezes, que submeter um mesmo projeto a diversos CEP.
Recentemente, passamos por uma experiência que comprometeu no mínimo 6 dos 24
meses exigidos para a conclusão da pós-graduação. Ao submeter um projeto de
pesquisa que envolvia profissionais de 20 instituições de saúde, ao CEP da
Universidade sede do programa, o mesmo exigiu que os pesquisadores anexassem
declarações de concordância de todas as instituições envolvidas. Mesmo não se
tratando de um estudo multicêntrico, uma parte (35%) das instituições somente
aceitou fornecer esse documento, mediante a autorização das áreas envolvidas e
aprovação nos seus respectivos CEP.
Assim, um único projeto teve que ser submetido a oito CEP distintos, sete de
instituições de saúde e um da Universidade. Destes, seis autorizam a pesquisa,
alguns com diferentes recomendações. Uma instituição não autorizou a pesquisa
através do seu CEP por julgar ser necessária a reformulação do projeto. Em
outra instituição, o projeto não foi aprovado por alegar que a estrutura
organizacional do serviço não possui o profissional que seria objeto da
pesquisa. Além destes, uma última instituição chegou a solicitar toda a
documentação de submissão ao CEP, porém antes que o projeto fosse analisado,
fomos informados de que a autorização da área envolvida seria o suficiente, e
toda a documentação foi devolvida.
Percebe-se com isso, que há discordância com relação ao assunto, inclusive por
parte das instituições. Para aquelas, em que não foi necessária a submissão ao
CEP institucional, a única exigência, foi de que antes da coleta de dados, o
pesquisador apresentasse o parecer do CEP da Universidade e que fosse entregue
uma cópia do relatório final para o serviço de saúde. Entre os CEP, cada um
deles, solicitou relatórios parciais que variam de períodos trimestrais à
anual.
Cabe lembrar aqui que conforme a Resolução 196/96(5),"todo e qualquer projeto
de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obedecer às recomendações desta
Resolução e dos documentos endossados em seu preâmbulo", ou seja, é
incompreensível como um único projeto deva ser submetido às vários CEP, uma vez
que estes devem seguir os preceitos de uma mesma resolução e são coordenados
por uma mesma Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), vinculado, ao
Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Inclusive, uma das atribuições do CONEP é submeter ao CNS um relatório anual de
suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos projetos
analisados(5). Ao serem preenchidas várias folhas de rosto de um mesmo projeto
no SISNEP (Sistema Nacional de Informações sobre Ética em Pesquisa), nos
perguntamos se estes não são analisados como se fossem projetos distintos.
No que se refere a atuação do CEP, a Resolução 196/96(5)define que "a revisão
ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres humanos não
poderá ser dissociada da sua análise científica". Assim, o parecerista do CEP,
ao constatar que algum item do projeto mereça comentários, sugestões ou
adequação metodológica, deverá o fazer em seu parecer(4).
Entretanto, por vezes é perceptível que, em virtude da matriz de avaliação da
ética em pesquisa com seres humanos no Brasil ser predominantemente biomédica
(6), alguns CEP tem nomeado pareceristas voltados para pesquisas médicas e
experimentais, para avaliar projetos que envolvem também outras ciências,
tentando enquadrar algumas pesquisas dentro de um molde pré-estabelecido e
desconsiderando certas particularidades.
Apesar da pesquisa na enfermagem brasileira ser uma atividade recente, esta
possui uma apreciável produção científica já consolidada(7), que tem por
finalidade descobrir novas e melhores formas de assistir, gerenciar, ensinar e
pesquisar em enfermagem(8), específicos da profissão.
Contudo, um dos grandes desafios do CEP é o desburocratizar as relações humanas
e intra-institucionais para a realização de pesquisas e procurar vivê-las com
cautela, agilidade e sensibilidade(9), garantindo que as pesquisas sejam
realizadas dentro dos preceitos éticos, sem ser um obstáculo para o
desenvolvimento das mesmas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente a Resolução 196/96 e a criação dos Comitês de Ética em Pesquisa no
Brasil foi um grande avanço para o nosso país, sobretudo em defesa e proteção
dos direitos dos seres humanos.
Entretanto, da mesma maneira que é importante que pesquisadores e estudantes
não entendam o envio de seus projetos ao CEP como uma mera tarefa burocrática,
uma simples etapa a mais que foi criada, esta deve ser realizada com o mínimo
de problemas possíveis(9), dentro de uma racionalidade do que é imprescindível
e do que é dispensável, em favor da salvaguarda do significado que o pactuado
sobre ética em pesquisa representa.
Nesse sentido, a enfermagem, assim como outras ciências, poderá colaborar para
ao avanço do conhecimento, sobretudo, no que envolve a saúde das pessoas, uma
vez que, "é através da realização de pesquisa que temos presenciado o
surgimento de descobertas que abrangem até os aspectos mais triviais da
experiência humana"(10), e que tem contribuído para a melhoria da qualidade de
vida da população.