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BrBRCVHe0034-71672010000200011

BrBRCVHe0034-71672010000200011

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2010
Issue0002
Article number00011

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Percepções dos profissionais de enfermagem intensiva frente a morte do recém- nascido

INTRODUÇÃO Sentimento pode ser definido como "ato ou efeito de sentir (se). Aptidão para sentir; disposição para se comover ou se impressionar; sensibilidade"(1). Ao abordar o tema dos sentimentos, é possível referir-se ao phatos como a capacidade de sentir, de ser afetado e de afetar. A experiência base da vida humana é o sentimento, o afeto, o cuidado; não é o logos (pensar), mas o phatos (sentir). O sentimento também é uma forma de conhecimento, mas de natureza diversa. O conhecimento pelo phatos se num processo de sim-phatia, quer dizer, de identificação com o real, sofrendo e se alegrando com ele e participando de seu destino(2).

A internação em uma unidade de terapia intensiva (UTI) costuma provocar muito medo na família, não apenas pelo ambiente físico desconhecido e pela gravidade dos casos que recebem assistência neste ambiente, mas também porque a família perde o contato com o filho, que passa a pertencer aos profissionais de saúde.

Assim, o sofrimento vivenciado pelas mães/famílias ao perderem os seus bebês é visível em uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN).

O ambiente da UTIN caracteriza-se, sobremaneira, pelo arsenal tecnológico de que dispõe para cuidar dos neonatos em estado crítico. Soma-se a este ambiente um modelo de cuidado que, por muitos anos, foi alicerçado no modelo médico curativista, contemplando o ser humano de forma fragmentada(3). Acerca disto, encontramos muitas pesquisas sobre o sofrimento da mãe e como minimizá-lo, dando-se ênfase a essa necessidade.

De certa maneira, a atenção à família do recém-nascido que enfrenta esta situação tem melhorado nos últimos anos. Entretanto, notamos uma lacuna no que se refere a estudos, atividades, ouvidoria, terapia, enfim atenção aos profissionais diante da morte de seus pacientes em UTIN. Nesse espaço, os altos índices de mortalidade neonatal tornam os profissionais freqüentemente expostos ao evento morte e aos conflitos que dela advêm, reforçando a necessidade de nos ocuparmos com os sentimentos dos profissionais diante da morte de um recém- nascido (RN).

Apesar dos inúmeros estudos feitos com o intuito de melhorar a sobrevida dos recém-nascidos, faz-se necessário criar, igualmente, dispositivos para a realização de outras pesquisas que contribuam com essa área do conhecimento, no que diz respeito às condições dos profissionais destas áreas especializadas.

Desvela-se também que no mundo do cuidado de uma UTI Neonatal o cuidador necessita de atenção e capacitação para atuar com segurança, logo, também necessita de cuidados. Portanto, este espaço não se destina somente ao desempenho de atividades técnicas e científicas, mas também pode ser um lugar onde as pessoas têm a possibilidade de ser e de viver num contexto mais humano (3). Portanto, mediante essas questões polêmicas, que permeiam o nosso cotidiano hospitalar, e compreendendo a necessidade de melhorar a condição de quem cuida, bem como a assistência prestada a recém-nascidos e familiares frente à morte, indagamos acerca da vivência e dos sentimentos dos profissionais de enfermagem em unidades de terapia intensiva neonatal, diante da experiência com a morte de crianças.

Portanto, são objetivos deste estudo: compreender as percepções de profissionais de enfermagem de uma UTIN, diante da morte de recém-nascido.

METODOLOGIA Tratou-se de um estudo de abordagem qualitativa e cunho fenomenológico, objetivando compreender a experiência vivenciada pelos profissionais de enfermagem de uma UTIN, no que se refere aos sentimentos diante da morte do recém-nascido.

A compreensão do fenômeno, em evidência, levou-nos a escolher um caminho metodológico que possibilitasse a aproximação das vivências da equipe de enfermagem de UTIN, abarcando o pensar, o sentir e o agir. Desta forma, optamos pela pesquisa qualitativa, de cunho fenomenológico que valoriza os significados que as pessoas atribuem aos seus sentimentos experienciados, e que se revelam a partir das suas descrições ou discursos. Entendemos que esta vertente metodológica possibilitará uma melhor compreensão acerca da vivência dos profissionais de enfermagem em UTIN, e dos sentimentos que os envolvem diante da morte das crianças.

A investigação teve como cenário a UTIN de dois hospitais públicos do Estado do Rio Grande do Norte, na cidade de Natal, sendo um deles militar. Ambos são unidades de referência para gestantes e recém-nascidos em situação de risco, bem como possuem o título de "Hospital Amigo da Criança", conferidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Essas unidades hospitalares foram escolhidas, como espaço de pesquisa, por serem locais onde desenvolvemos nossas atividades profissionais e por serem, sobretudo, serviços de referência na assistência ao recém-nascido com risco de vida. Nesses ambientes, os profissionais experimentam cotidianamente a morte de recém-nascidos e nesta vivência buscamos os sentimentos destes profissionais diante da morte destas crianças.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP / UFRN), conforme protocolo 202/06, em 24 de janeiro de 2007.

Os participantes do estudo, sobre a temática em apreço, foram os profissionais que fazem parte da equipe de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem), que desempenham suas atividades em UTIN. Para preservarmos o anonimato destes, optamos por identificá-los com nomes de estrelas, naturalmente uma representação simbólica e ilustrativa correlacionada ao estudo em pauta.

Participaram do estudo doze profissionais de enfermagem que desempenham suas atividades profissionais nas UTINs selecionadas para a investigação. Dentre os participantes, seis são enfermeiros e seis técnicos de enfermagem. Foram estabelecidos alguns critérios de inclusão para participação deste estudo: ser enfermeiro ou técnico de enfermagem; trabalhar, no mínimo por seis meses em UTIN; ter vivenciado a situação de morte de recém-nascido; ter interesse e disponibilidade para participar do estudo.

A coleta de dados foi feita através da técnica da entrevista de natureza fenomenológica. Todos os participantes foram convidados a participar da pesquisa, bem como foram informados com relação aos objetivos do estudo, a importância de sua colaboração para o desenvolvimento da pesquisa, o caráter confidencial de suas respostas, a fidedignidade com que os dados seriam trabalhados e o direito de desistir de participar do estudo, a qualquer tempo.

As entrevistas foram realizadas no mês de fevereiro de 2007, de acordo com a disponibilidade dos profissionais, quanto à data e hora, previamente agendadas.

As mesmas foram gravadas, após autorização dos informantes. Na seqüência, foram transcritas e lidas cuidadosamente, a fim de que nenhuma informação relevante fosse desconsiderada pela pesquisadora. As informações foram analisadas de acordo com a trajetória fenomenológica(4), que consiste em três momentos: descrição, redução e a compreensão fenomenológica. Essa forma de registro possibilitou a captação, com fidelidade, do discurso do entrevistado, a partir da seguinte questão: Como você se sente diante da morte do recém-nascido na UTI que você trabalha? A partir da análise dos dados, vislumbramos os principais sentimentos que envolvem os profissionais diante da morte em UTIN, categorizados da seguinte maneira: perda, compaixão e tristeza. Todos apresentavam uma relação com o fazer, isto é, com a implementação de ações para lidar com a morte. As categorias apreendidas representam perspectivas do fenômeno estudado e refletem como os profissionais da investigação expressam esses sentimentos diante da morte em UTIN, enquanto mergulhados neste contexto.

RESULTADOS Assim, dos participantes do estudo oito são do sexo feminino e quatro do sexo masculino, os quais têm idade que variam entre 26 e 50 anos; a maioria é casada, com apenas três solteiros e um divorciado. Dentre todos, nove têm filhos e três não. A religião que prevaleceu foi a católica; o tempo de formado variou entre três e 25 anos e o tempo de serviço em UTIN de sete meses a 15 anos. Com relação a vínculos empregatícios, constatamos que cinco têm apenas um emprego, sete possuem dois e apenas um participante possui três empregos. A maioria é funcionário público, e apenas dois trabalham em empresa privada.

Da essência de suas falas, foram identificadas as unidades de significados, as quais expressaram uma diversidade de sentimentos comumente acompanhados de dor e sofrimento. O esforço de compreensão desta realidade empírica foi alicerçado por autores que direta ou indiretamente abordam o tema, ou se preocupam com a condição humana, em suas várias dimensões.

Tais sentimentos foram alinhados em três categorias temáticas, a seguir: Perda, Tristeza e Compaixão.

Perda A vida é um continuum de perdas. Naturalmente, as pequenas perdas cotidianas provocam, na maioria das vezes, algum sofrimento por parte de quem as vivenciam. Qualquer perda representa um desafio ao processo de adaptação, requerendo uma reorganização que nos modifica e muda o curso de nossas vidas. E também pode nos preparar para uma perda de maior magnitude, como a morte.

Embora tenhamos a compreensão de que o fenômeno morte está ligado à vida fazendo parte integrante dela, temos a dificuldade de enfrentá-la, principalmente quando se trata da morte de um recém-nascido.

Se, ao invés de uma menina, fosse um velho, a morte seria uma outra. A morte dos velhos, por mais doloroso que seja, é parte da ordem natural das coisas: depois do crepúsculo segue-se a noite. A morte dos velhos é triste, mas não é trágica, é como um acorde final de uma sonata, o fim é o que deveria ser(5).

Mas a morte de um filho é uma mutilação.

As falas que se seguem são indicadoras dessa inversão da ordem natural da vida.

Assim vejamos: A gente tem a esperança de que sempre um RN vai ser tudo isso, aquilo, etc. e quando não consegue fica o sentimento de perda e tristeza muito grande junto com os pais - a perda de um filho (ANKAA).

A gente fica totalmente angustiada, angústia com a perda; não pela mãe, mas pra gente também, que é como uma mãe para ele... (POLARIS).

É um sentimento de perda; a gente sente a perda da mãe, maior do que a do recém-nascido (ADHARA).

Como podemos depreender da vivência dos respondentes diante do fenômeno estudado, a morte na UTIN é antes de tudo uma grande perda, provocando sentimentos de angústia, tristeza e empatia entre aqueles que lidam com a criança neste ambiente.

Outros respondentes enfatizaram a perda como sentimento forte e que pouco sabem lidar com ele, de conformidade com o que constatamos em seus relatos: [Sinto como] a perda de um ente querido (ALIOTH).

Não me sinto preparada para momento de perdas... (ALPHECA).

É um sentimento de perda para todos os efeitos (ANKAA).

A perda e sua elaboração são elementos contínuos no processo do desenvolvimento humano(6), sendo a morte parte da vida. Entretanto, nas expressões dos participantes, percebemos o cuidador que sofre no encontro com a morte da criança, sendo difícil aceitá-la.

Espaços onde a vida e morte se avizinham, a emoção é uma experiência vivencial, tratada de forma singular por cada sujeito; é a própria pessoa quem expressa, verdadeiramente, o tipo de sentimento experimentado, conforme foi possível identificar, por ocasião das entrevistas com estes profissionais. Muitos revelaram que, ao vivenciar a morte no cotidiano das UTINs, são tomados por sentimentos diversos, como decepção, ineficiência, incapacidade, dúvida, culpa, entre outros.

Compaixão A compaixão é mais que um ato ou um conjunto de atos de profunda humanidade em direção ao outro, trata-se de uma atitude fundamental e geradora de atos compassivos(2). Portanto, o sentimento da compaixão pode ser traduzido como o despojar-se de si para se colocar no lugar do outro, identificar-se com ele, percebê-lo, envolvendo-se nas demais circunstâncias da vida do nosso semelhante.

Vejamos como os respondentes se pronunciam a este respeito: Coloco-me na posição dela, do sofrimento, de tudo... (ALPHECA).

A gente aquilo como se fosse um ente da gente [...] Você termina absorvendo a dor da mãe; você sente o sofrimento daquela mulher (SHAULA).

Ter compaixão é participar do sentimento do outro; todo sofrimento merece compaixão. Compartilhar o sofrimento do outro não é aprová-lo, nem compartilhar suas razões, boas ou más, para sofrer; é recusar-se a considerar um sofrimento qualquer que seja, como um fato indiferente, e um ser vivo, qualquer que seja, como uma coisa(7).

Temos o sentimento de mãe com o bebê. Sempre cuidamos primeiro desse bebê (SHAULA).

Você chora com a mãe, a abraça, palavra mais segura, fortalecendo (ALDEBARAN).

Ao cuidar daqueles que vivem uma experiência dessa natureza, os profissionais de enfermagem necessitam de amor. Na compreensão de acolher a dor do outro, estarão re-significando a sua própria vida, abandonando as dificuldades do enfrentamento da morte, pelo fato de olhar para a vida, inclusive a vida presente na morte. Se não levarmos em consideração a família do paciente, não poderemos ajudá-la com eficiência(8).

O cuidado do paciente no processo de morrer representa uma das mais difíceis situações em nossa prática e nos fragiliza e assusta. No entanto, precisamos enxergar esse encontro de sentimentos diversos no cotidiano laboral, discernindo que cuidar nem sempre é curar, algumas vezes é deixar partir.

O sentimento de tristeza está muito enfático, explicitado pelos profissionais de enfermagem diante da morte do recém-nascido. A dor e o pesar no momento de perdas, algumas vezes intercalados pelos fracassos, intermediados pela culpa, notoriamente obscurecidos pela negação e esculpidos pela compaixão tornam a morte triste.

Tristeza A tristeza pode ser definida como estado afetivo caracterizado pela falta de ânimo/alegria, pela melancolia, pelo desalento, pelo esmorecimento(1). Para muitos profissionais a morte e o morrer têm significado "negativo", surgindo sentimento de tristeza, impotência, estresse, angústia, medo, desconforto, depressão, frustração, sensação de derrota, fracasso ou até ausência de sentimento(9).

O conhecimento e a percepção da realidade dariam aos profissionais de enfermagem, no enfrentamento diante da morte do recém-nascido em UTIN, outra vivência, com certeza menos dolorosa. O "eu" do profissional, sua subjetividade, suas emoções precisam ser pesados nesta atmosfera de sentimentos tão fortes e marcantes da sua vida laboral.

O semblante abatido, a voz trêmula, o silêncio e choro observados se somam às palavras, que seguem: No momento do óbito: tristeza (BELATRIX).

Quando um bebê que estava estável e morre, realmente o sentimento [de tristeza] é maior. Você sente aquela dor, aquela falta, uma coisa como um vácuo, deixou de existir (ENIF).

Por dentro meu coração vai chorar (ALDEBARAN).

O profissional de enfermagem é gente que cuida de gente e, como todo ser humano, tem suas tristezas, dentre outros sentimentos. A tristeza e o vazio são indicativos de sofrimento.

Era muito triste; como a perda de um parente nosso (ANKAA).

[A morte] é um momento péssimo; é o pior momento (POLARIS).

[A morte] seria uma tristeza muito grande (ADHARA).

O sofrimento é uma resposta importante e normal pela perda de um objeto ou de um ente significativo. É uma experiência de privação e ansiedade que pode evidenciar-se física, emocional, cognitiva, social e espiritualmente. A vivência da tristeza é algo normal e sadio, podendo ser também patológica e doentia(10).

Como podemos observar as revelações dos entrevistados expressam uma tristeza totalmente compreensiva na visão dos autores que estudam o tema da morte.

CONCLUSÃO Os sentimentos emanados diante da morte de um recém-nascido são complexos por estimularem a reflexão sobre algo que é intrínseco no homem: sua finitude. Em uma UTIN esses sentimentos parecem ser mais caóticos, tendo em vista a preparação e o esforço dos profissionais de saúde para a manutenção da vida do neonato, bem como sua interação com familiares da criança e o pesar perante o fim de uma existência que mal começou.

Considerando a morte como parte da vida, percebemos ser fundamental conhecer um pouco dos sentimentos gerados pela subjetividade dos profissionais de saúde diante dessa realidade, em especial dos membros da equipe de enfermagem, pela sua maior proximidade para com a criança, sua família, seu cuidado. Dessa forma, os sentimentos diante da morte do recém-nascido foram pouco a pouco emergindo, ora expressando fragilidades com conotação de fracasso, impotência, ora de força e coragem diante do sofrimento dos pais e demais familiares.

Nas falas e nos semblantes dos respondentes, alguns sentimentos afloraram mais facilmente diante do evento morte: a perda se desnuda como uma grande ruptura, longe da aceitação e da compreensão no contexto pessoal e profissional de nossos participantes. O sentimento de compaixão reflete o ser-com-os-outros, na realidade em pauta, com o recém-nascido e seus familiares, evidencia uma re- significação do papel do cuidador, como também o remete ao encontro com sua própria humanidade, agora expressa em amor pelo outro. Percebemos, portanto, que a morte do recém-nascido aproxima os profissionais do sentimento de compaixão. A tristeza emerge como um sentimento indicativo de profundo sofrimento diante da perda do recém-nascido; é considerada natural nesse processo de luto no dia-a-dia que se vivencia nas UTINs.

Assim, percebemos ser fundamental a compreensão de cada morte como sendo única, não devendo o profissional de enfermagem assumir uma postura de não-aceitação ou inconformismo com a sua ocorrência a cada vez que ela acontecer, mas de perceber esse fenômeno como integrante íntimo e intrínseco do ciclo de vida do recém-nascido.


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