Estudos clínicos sobre úlcera por pressão
INTRODUÇÃO
O enfermeiro, membro da equipe multiprofissional de saúde e líder da equipe de
enfermagem é responsável pelo gerenciamento do cuidado. Gerenciamento este, que
destaca a tomada de decisão, e que propicia a escolha da melhor prática de
cuidar a ser empregada ao paciente hospitalizado. Entretanto, para uma prática
com qualidade, faz-se necessário que as ações de cuidado estejam
cientificamente sustentadas na melhor evidência clínica, para a otimização dos
recursos humanos disponíveis e a redução de custos à instituição.
Dentre os tratamentos que geram altos custos as instituições de saúde
evidenciam-se os destinados às úlceras por pressão (UP)(1).Também denominadas
como úlceras de decúbito, são definidas como uma área de dano localizado na
pele e estruturas subjacentes devido à pressão ou fricção e/ou combinação
destes(2).
As UP influenciam drasticamente o período de hospitalização com repercussões
diretas no desconforto e dor ocasionados aos pacientes acometidos por estas
lesões. Estudos apontam elevados índices de prevalência e incidência de UP em
pacientes hospitalizados(3-4). Devido a gravidade do problema que as UP podem
ocasionar as mesmas foram incluídas pela Agency for Health Care Polycy and
Research (ACPHR) como um dos indicadores de qualidade da assistência a saúde.
Para o eficaz gerenciamento relacionado tanto as práticas curativas quanto
preventivas das UP, é necessário que o enfermeiro mantenha-se constantemente
vinculado as bases científicas do cuidado, a pesquisa, consciente da sua
relevância para a prática.
No atual contexto em que a profissão de enfermagem se insere as pesquisas
clínicas subsidiam a Prática Baseada em Evidências (PBE). Esta envolve a
definição de um problema, a busca e a avaliação crítica das evidências
disponíveis, a sua implementação na prática e a ponderação ou julgamento dos
resultados obtidos, de modo a encorajar uma assistência à saúde fundamentada em
conhecimento científico, com resultados de qualidade e custo efetivo(5).
No movimento de PBE há necessidade de produção de métodos de revisão de
literatura, os quais permitem a procura, a avaliação crítica e a síntese das
evidências disponíveis acerca do tema investigado. Dentre estes temas destaca-
se o método da revisão integrativa(6). Este método permite que o leitor
reconheça os profissionais que investigam sobre determinado assunto,
classificar os achados científicos, além de descrever o conhecimento no seu
estado atual, promovendo o impacto sobre a prática clínica.
No intuito de contribuir para o gerenciamento das ações envolvidas no manejo
das UP e conhecer o que se tem desenvolvido na prática clínica de enfermagem em
âmbito nacional e internacional o presente estudo objetivou analisar os estudos
clínicos sobre UP na enfermagem.
METODOLOGIA
Utilizou-se no estudo o método de revisão integrativa constituído em seis
etapas: seleção das hipóteses ou questões para a revisão; estabelecimento de
critérios de seleção de amostra; categorização dos estudos e síntese do
conhecimento produzido; análise de dados e resultados; e interpretação dos
resultados(7).
A primeira etapa diz respeito ao estabelecimento do problema de revisão, é uma
etapa de formulação de hipóteses ou questões para a investigação. A construção
da questão da pesquisa é relacionada a um raciocínio teórico e tem por base
definições já apreendidas pelo pesquisador(7). A presente revisão tem como
questão norteadora: "Quais as melhores práticas clínicas destinadas ao
manejo das UP na enfermagem"?
A segunda etapa refere-se a seleção da amostra, é a etapa de critérios de
inclusão e exclusão de artigos, em que ocorrerá a seleção das pesquisas que
serão revisadas(7). Foi realizada uma busca nas bases de dados LILACS, que
reúne as publicações científicas da área da Saúde da América Latina e do
Caribe; MEDLINE, arquivo digital produzido pela National Library of Medicine
(USA) na área das Biociências; Portal de Evidências, o qual oferece acesso
integrado a fontes de informação em saúde de melhor nível de evidência
científica; e o periódico Joanna Briggs Institute (JBI), referência na área de
ensaios clínicos em Enfermagem, sendo que os descritores selecionados para
busca dos artigos foram: pesquisa clínica (clinical trial), úlcera por pressão
(pressure ulcer) e enfermagem (nursing). Foram utilizadas as palavras chave
consideradas como descritores no DECs e MESH.
Os critérios de inclusão no presente estudo foram: artigos indexados nas bases
de dados mencionadas e publicados na íntegra em periódicos nacionais e
internacionais; compreendidos entre o período de 2004 a 2009 e disponíveis nos
idiomas português, inglês e espanhol.
Para a seleção das publicações, foi lido cada título e resumo de modo a
confirmar se eles contemplavam a pergunta norteadora desta investigação e se
atendiam aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos.
Ao efetuar-se a busca nas bases de dados LILACS e MEDLINE não encontrou-se
nenhum artigo com os descritores e limites anteriormente estabelecidos.
Das 12 referências selecionadas na base Portal de Evidências duas foram
excluídos da análise, visto que uma não estava relacionado à temática e uma
disponível apenas no idioma alemão, não contemplando o critério de inclusão
pertinente ao idioma. Nesta base obteve-se 10 artigos.
Foram encontradas 07 referências na base de dados PUBMED, entretanto, 02
artigos já haviam sido localizados na base de dados Portal de Evidências e,
portanto, foram excluídos e 03 artigos não contemplavam o tema de estudo. Ao
final foram totalizados 02 artigos.
O periódico JBI apresentou três referências, todavia, uma não retratava a
temática e foi excluída, restando dois artigos para análise.
Após percorrer-se a trajetória descrita anteriormente, selecionou-se ao todo 14
artigos que contemplavam a pergunta norteadora do nosso trabalho e que também
atendiam aos critérios previamente estabelecidos.
A terceira etapa contempla a categorização dos estudos, de modo a realizar uma
extração das informações que permita organizar e sumarizar os achados dos
estudos e confeccionar a formação de bancos de dados(7). Para a extração dos
dados dos artigos incluídos na revisão integrativa, foi elaborado e adotado um
instrumento contemplando os itens: identificação do artigo original,
características metodológicas do estudo, avaliação do rigor metodológico,
intervenções estudadas e resultados encontrados.
A síntese dos dados extraídos dos artigos foi apresentada de forma descritiva
em tabelas, reunindo o conhecimento produzido sobre o tema investigado nesta
revisão integrativa. As quatro categorias temáticas foram elaboradas a partir
dos temas abordados nos artigos analisados.
A quinta e sexta etapas da revisão integrativa é a análise e discussão de
resultados e interpretação dos resultados devem incluir informações suficientes
para que o leitor possa examinar criticamente as evidências levantadas e suas
implicações para a prática da pesquisa(7).
RESULTADOS
Ao analisar os 14 artigos selecionados foi constatado que em relação à autoria
5 (35,7%) eram de enfermeiros; 1 (7,1%) de enfermeira e médico; 6 (42,8%) de
enfermeiros, médicos e profissionais de outras áreas como estatísticos,
epidemiologistas e engenheiros; e em dois artigos (14,2%) não foi possível
identificar a formação dos autores.
Os temas abordados foram: materiais usados na prevenção de UP (05), tratamentos
de UP (03), escalas de avaliação de risco para o desenvolvimento de UP (02),
comparações entre a concordância de profissionais de saúde acerca das práticas
clínicas relacionadas às UP(4).
Em relação à instituição em que os estudos foram desenvolvidos, obteve-se oito
hospitais, um multicêntrico, um laboratório, um domicílio, um estudo não
possuía identificação e duas revisões sistemáticas da literatura obtiveram suas
informações nas bases de dados eletrônicas.
Quanto ao tipo de revista científica 11 foram publicações de enfermagem, um
periódico médico, dois de outras áreas da saúde.
Ao analisar os delineamentos de pesquisa dos artigos incluídos, constatou-se
que 7 (50%) tratam-se de ensaios clínicos randomizado, 2 (14,2%) pesquisa com
delineamento quase-experimental, ou seja, ensaio clínico sem randomização, 3
(21,4%) estudos com delineamento não experimental, sendo todos descritivos e
duas revisões sistemáticas da literatura (14,2%).
Em relação as forças de evidência observou-se dois artigos com nível de
evidência I, sete artigos com nível de evidência II e dois artigos com nível de
evidência III, sendo três artigos com nível de evidência V(8).
Os Quadros_1_a_4 (no APÊNDICE) apresentam a síntese dos artigos incluídos na
revisão integrativa em quatro categorias temáticas, respectivamente
intituladas: materiais utilizados na prevenção de UP; diferentes tratamentos
usados em UP; escalas de avaliação de risco para o desenvolvimento de UP e,
comparações entre a concordância de profissionais de saúde acerca das práticas
clínicas relacionadas às UP.
As quatro categorias temáticas nos permitiram inferir que a preocupação acerca
da temática de úlceras por pressão é de ampla magnitude e envolve tanto
recursos materiais quanto humanos em seus aspectos de prevenção, tratamento e
aprimoramento de tecnologias de cuidado de enfermagem.
DISCUSSÃO
Os estudos realizados em países europeus(10-13,17-22) apareceram como líderes
das publicações de pesquisas clínicas sobre UP seguidos pela Austrália(12,15-
16) e Ásia(9), enquanto no Brasil, nenhuma pesquisa foi publicada no período de
2004 a 2009. É urgente o investimento na pesquisa nessa área, para compreensão
da importância da prevenção das UP, seu impacto econômico às instituições de
saúde e na efetividade do cuidado prestado.
A revisão possibilitou identificar que dentre os 14 artigos, em seis(9-10,12-
13,15,18) o enfoque foi a temática da prevenção. Assim, algumas observações são
pertinentes: a primeira diz respeito a incipiência de estudos clínicos que
abordem essa temática, e a segunda a necessidade destes estudos direcionados
para a prevenção UP além do seu tratamento.
No âmbito do tratamento das UP, a realização de curativos com produtos
adequados é essencial para a evolução da cicatrização da ferida bem como para a
redução de custos para as instituições de saúde que por fatores diversos não
obtiveram sucesso com a prevenção das UP. Destaca-se nesse ínterim a relevância
de estudos que avaliem a efetividade dos tratamentos propostos, a exemplo das
revisões sistemáticas abordadas em dois dos trêsartigos dessa revisão
integrativa.
Evidencia-se o uso da escala de Braden como instrumento de avaliação de risco
para o aparecimento de UP em dois artigos(18,12). A escala de Braden tem os
melhores valores preditivos reportados constituindo-se em um ótimo referencial
agregado ao julgamento clínico das enfermeiras(18).
Durante o processo de inspeção da pele em sítios considerados críticos para o
desenvolvimento de UP, a escala de classificação adotada para o estagiamento
dos níveis, mencionada em seis artigos(10,13,17-19,21) incluídos nesta revisão
integrativa adotaram o sistema de classificação adotado pela EPUAP (European
Pressure Ulcer Advisory Panel) com graus de estagiamento que variam de I a IV.
Outro aspecto significativo foi referente ao Quadro_3, a identificação do Grau
I da UP, o qual é definido pela EPUAP como eritema não branqueável. Tal reação
não embranquece após a remoção da pressão; descoloração, calor, edema,
endurecimento ou dureza sendo utilizada como indicador de alerta para
desenvolvimento de UP em graus mais avançados especialmente em indivíduos com
pele mais escura.
O Quadro_4 menciona a dificuldade de alguns enfermeiros e profissionais de
saúde na identificação de UP. Dois artigos(19,21) retrataram o problemas para
classificar estas lesões, especialmente as de grau I, visto que não há
descontinuidade na pele do paciente e algumas vezes esta lesão inicial não é
percebida.
Além das limitações referentes ao estagiamento das UP pelos diversos
profissionais da saúde, outra preocupação é a incidência das lesões relacionada
ao despreparo dos profissionais na execução de cuidados para a prevenção de UP
e que comprovadamente não são assim caracterizados. Esse é o caso, por exemplo,
da massagem, citada em um dos estudos da revisão, segundo a qual é uma prática
que previne a desidratação, mas que não tem indicação na prevenção de UP(22).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a qualidade do cuidado de enfermagem é necessário uma formação de
qualidade voltada aos acadêmicos de enfermagem de modo que estes se apropriem
de conhecimentos científicos pertinentes a essa temática e se conscientizem da
sua importância para uma assistência de enfermagem de qualidade. Outro aspecto
é a realização de educação em serviço e discussões acerca da temática de UP,
para que os profissionais, sejam capacitados e minimizem as lacunas na atuação
nos diversos âmbitos de avaliação, prevenção e tratamento de UP.
Ressalta-se a importância do desenvolvimento de estudos clínicos direcionados
principalmente à prevenção de UP para o fortalecimento das Práticas Baseadas em
Evidências no campo de atuação da enfermagem, e consequentemente avanços
científicos no conhecimento clínico construído pela enfermagem em nosso país.
Reconhecer as limitações envolvidas nesses aspectos e buscar superá-las
proporcionará avanços e impulsionará a ampliação de estudos com fortes
evidências clínicas que subsidiam a prática profissional da enfermagem.