Depressão entre estudantes de dois cursos de enfermagem: autoavaliação da saúde
e fatores associados
INTRODUÇÃO
Os transtornos depressivos produzem um pesado ônus para a pessoa, para sua
família e para a sociedade. Estudos epidemiológicos revelam a relação de perda
de produtividade e faltas à escola, ao trabalho e outros compromissos sociais.
Projeções indicam que, em 2020, o custo global medido em termos de anos de
vida, ajustados por incapacitação, ficarão atrás somente das doenças cardíacas
e isquêmicas(1-5). Entre as diversas afecções crônicas de alto custo pessoal e
social a depressão é uma doença tratável e curável, devido aos avanços e novas
opções terapêuticas. Apesar disto, nem todas as pessoas afetadas recebem o
devido tratamento e orientação(2). Estudos documentam redução dos gastos com
saúde quando a depressão foi diagnosticada e adequadamente tratada(6).
Por uma série de fatores como a desinstitucionalização, a reordenação dos
serviços de saúde, o deslocamento político do foco decisório, a introdução de
novos antidepressivos, a participação mais ativa da comunidade, a preocupação
com os custos pessoais e sociais da doença, bem como os custos com os
tratamentos cresce a necessidade de evidenciar o alcance desse conjunto de
fatores e suas conseqüências para a população atingida pela doença mental.
Pesquisas mostram que há relação entre a presença, a intensidade e o
comprometimento da depressão com o funcionamento físico, psicológico, social e
ambiental(7- 8).
A depressão tem também relação com a qualidade de vida da pessoa afetada. Numa
revisão de quase todos os fatores acima mencionados, chama-se a atenção para a
ligação da depressão com a qualidade vida das pessoas afetadas(4).
A integração entre tratamento psiquiátrico e reabilitação psicossocial onde se
vive um processo de respostas positivas dos profissionais e da sociedade
promovendo ações de reconhecimento do doente mental como cidadão ajuda os
mesmos a atingirem seus melhores níveis de funcionamento e de qualidade de vida
(3,9-13).
A depressão ocorre em todas as idades; está se tornando mais frequente entre os
jovens? As intensas reações emocionais ocasionais e próprias desta fase são
claramente diferenciadas da presença de transtorno depressivo?
Os critérios de classificação dos transtornos depressivos na juventude são os
mesmos dos adultos. As principais diferenças são que o humor do jovem pode ser
"irritável" ou "deprimido" e mais reativo. Por outro lado, as terapias
cognitivo-comportamentais são mais eficazes para jovens(14-15).
É importante investigar o impacto da presença de sintomatologia depressiva
sobre o funcionamento cotidiano do jovem, e, verificar planos de suicídio,
perda de peso acentuada e falta de energia, considerando-se a duração e a
evolução destes estados no diagnóstico clínico(3,5,12,15).
Tendo em vista o grande custo da depressão e suas conseqüências é importante
detectar precocemente a presença de depressão entre os estudantes de enfermagem
e entre os enfermeiros visando seu desempenho pessoal e profissional(4).
Estudos realizados entre enfermeiros e estudantes de enfermagem registraram
manifestações físicas e emocionais de desgaste, queixas sobre as condições de
trabalho, dificuldades em suas relações interpessoais, agravadas pela
convivência diuturna com o sofrimento e a dor(16-19).
Na função de professores de enfermagem psiquiátrica, a saúde mental dos jovens
alunos preocupa tanto quanto a qualidade do ensino que lhes é ministrado.
Portanto, partimos do pressuposto de que o enfermeiro, além de bem preparado
cientifica e tecnicamente, deve gozar de boa saúde mental para oferecer os
melhores cuidados aos portadores de depressão.
OBJETIVO
Verificar a prevalência de depressão entre estudantes de dois cursos de
Graduação em Enfermagem (Bacharelado e Licenciatura) e fatores sócio
demográficos associados.
METODOLOGIA
Este estudo faz parte do NUPRI - Núcleo de Pesquisas e Ensino das Relações
Interpessoais em Enfermagem (CNPq nº 305698/2006-0). Um dos subprojetos deste
núcleo de pesquisas, aprovado no edital Universal nº 472070/2006-1, focaliza
estudos de depressão identificando conhecimento, opinião sobre o tema e
investiga outras variáveis como qualidade de vida e auto-estima que possam
influenciar na presença da depressão entre grupos como estudantes de
enfermagem, enfermeiros e mulheres em diferentes contextos de sua vivência.
Estes estudos pretendem contribuir para o melhor cuidado de enfermagem às
pessoas que sofrem pela convivência com a depressão.
A realização desta pesquisa foi precedida pela avaliação do projeto completo
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP,
com aprovação nº 014/2002.
Os estudos de depressão, desenvolvidos pelos pesquisadores do NUPRI, consideram
e utilizam toda diversidade de métodos e técnicas de investigação necessários à
execução das suas pesquisas. Dessa forma, recorre-se tanto a técnicas
qualitativas como quantitativas bem como a interface entre as mesmas. O
contexto histórico, vivencial, relacional e também os estudos científicos
divulgados na literatura sobre este tema permitem contextualizar achados e
sustentar a discussão teórica de nossas pesquisas.
A medida escalar, utilizada nestes estudos, constitui-se uma das várias formas
de medida que a psicometria pode assumir, incluindo os testes psicológicos, os
inventários, os questionários e as escalas que apresentam os parâmetros
necessários para que sejam instrumentos legítimos e válidos(20).
A pesquisa foi realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, em 2007,
junto aos alunos do Curso de Graduação em Enfermagem, do 2º ano letivo, tanto
do Bacharelado (B) como da Licenciatura (L). Os cursos de Graduação em
enfermagem têm previsão curricular para serem completados entre 4 e 5 anos
letivos.
No curso de enfermagem diurno (Bacharelado) ingressam anualmente 80 alunos
sendo esta a 53ª turma.
O curso de Licenciatura (vespertino/noturno) iniciou-se em 2006, com ingresso
de 50 alunos, anualmente, sendo esta a primeira turma, cursando, portanto, o 2º
ano letivo.
A amostra limitou-se aos alunos do 2º ano dos dois Cursos de graduação porque
não havia turmas mais adiantadas na Licenciatura. Com este critério, torna-se
viável a comparação dos dois grupos já que um curso é diurno (Bacharelado) e
outro vespertino/noturno (Licenciatura).
Havia 85 alunos do Bacharelado matriculados na disciplina escolhida para a
coleta dos dados. Como era disciplina teórica esperava-se obter o máximo de
participação dos sujeitos. Entretanto, participaram 65 sujeitos (76,5%) pois
três alunos se negaram a participar e os demais 17 não compareceram à sala de
aula no dia da aplicação dos testes.
Obteve-se a totalidade dos sujeitos do curso de Licenciatura, ou seja, dos 49
matriculados todos responderam aos testes, antes da aula de ações clínicas em
saúde mental.
Utilizou-se, neste estudo, um conjunto de instrumentos conhecidos, validados e
largamente utilizados no meio científico: CEB, IDB e WHOQOL.
CEB - Critérios de Classificação Econômica Brasil: Construído para definir
grandes classes que atendam as necessidades de segmentação (por poder
aquisitivo), utiliza-se de técnicas estatísticas baseadas no coletivo. Para o
grupo pesquisado é baixa a probabilidade de erro de classificação(21). O aluno
anotou a quantidade dos itens existentes na casa da sua família de origem e o
grau de instrução do chefe da família.
- IDB - Inventário de Depressão de Beck: Escala com 21 itens cuja intensidade
varia de 0 a 3, representando sintomas e atitudes tais como tristeza,
pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa e de
punição, auto depreciação, retração social, indecisão, distorção da imagem
corporal, inibição para o trabalho, distúrbios do sono, fadiga, perda de
apetite e de peso, preocupação somática e diminuição da libido(22).
As propriedades psicométricas da versão em português foram testadas avaliando-
se diferenças fatoriais nas dimensões: cognição afeto, auto-depreciação e
somática e a discriminação da depressão em jovens(23).
Identifica de modo confiável os casos de depressão sendo adequada para estudos
epidemiológicos e clínicos, de uso fácil e baixo custo, permitindo comparações
e avaliações(8). É um teste auto-aplicado, especialmente, entre sujeitos como
os estudantes universitários.
Os índices de classificação do IDB são diferentes da clínica caso seja aplicado
como rastreamento numa população não suspeita (como é o caso dos alunos de
enfermagem) buscando sinais indicativos de depressão. No rastreamento
considera-se: menos de 15 = sem depressão; 15 a 19 = disforia (depressão leve);
de 20 a 29 = depressão moderada; acima de 30 depressão grave.
- Avaliação de qualidade de vida WHOQOL: Instrumento genérico, de caráter
subjetivo e multidimensional, destinado a avaliar a percepção das pessoas em
relação a sua própria vida, saúde, sexualidade e ambiente informando desde seu
bem estar físico até a realização espiritual. A escala completa foi
desenvolvida num projeto multicêntrico, coordenado pela OMS, sendo então
adaptada ao português(24-25).
A WHOQOL (versão reduzida) consta de 26 questões que representam facetas dos
domínios contidos no instrumento original (físico, psicológico, relações
sociais e meio ambiente). Duas questões referem-se a aspectos gerais da
qualidade de vida e saúde. São atribuídos 1 e 2 pontos às categorias de
respostas desfavoráveis, 3 às intermediárias e 4 e 5 pontos às favoráveis.
Tanto no Inventário de Depressão de Beck (IDB) como no Escala de avaliação de
qualidade de vida (WHOQOL reduzido) há cabeçalhos onde o sujeito informa alguns
dados pessoais e sociodemográficos.
Após terem sido devidamente esclarecidos quanto aos aspectos éticos,
procedimento para respostas e importância da sua participação, garantindo sua
liberdade de opção, os estudantes dos cursos de graduação em Enfermagem (diurno
e vespertino) responderam ao conjunto de testes (escalas e questionários).
Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os alunos responderam, seguindo as instruções dos testes, com o respaldo de
dois pesquisadores e um aluno de Iniciação Cientifica para esclarecimento das
dúvidas individualmente.
Garantiu-se também a rápida devolução dos resultados para os sujeitos,
especialmente no que se referia à identificação da depressão. Os alunos
identificados com sinais de depressão moderada e grave foram chamados para
atendimento, tendo sido orientados individualmente.
Nas análises de possíveis associações entre as variáveis foi utilizado o Teste
Exato de Fisher. Para comparação dos escores de qualidade de vida entre vários
grupos utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis e para a comparação de escores
entre dois grupos o teste de Mann Whitney(26).
Com o intuito de averiguar as possíveis relações das variáveis em seu conjunto,
com a presença ou não de depressão, procedeu-se a uma análise multivariada
utilizando-se a regressão de Poisson com estimativas robustas da variância, com
a variável desfecho (Depressão) formada pelas categorias zero (ausência de
Depressão) e um (Presença de Depressão). Para facilidade de interpretação, as
variáveis independentes foram igualmente transformadas em dicotômicas e a
estatística utilizada para comparação foi a "razão de prevalência". O ajuste
foi realizado através do STATA 9.2 e anotados os seus principais parâmetros(27-
28).
Definição das variáveis para o ajuste de regressão logística: as variáveis
independentes foram selecionadas entre as disponíveis, quanto às
características sociodemográficas, auto avaliação da saúde e curso frequentado.
Todas essas variáveis foram avaliadas binomialmente, de forma a facilitar a
análise dos resultados. As definições, categorias de referência e de contraste
encontram-se agrupadas no Quadro_1.
RESULTADOS
Dos 120 alunos matriculados no 2º ano do Curso de Graduação em Enfermagem,
participaram 114 sendo todos os alunos matriculados no curso noturno -
Licenciatura (49) e 76,5% dos matriculados no curso diurno - Bacharelado (65
alunos).
Como se esperava, a grande maioria dos estudantes era do sexo feminino, o que
representa 82,5%. Entretanto, a presença masculina com 17,5% excede informações
registradas na literatura(18,29). A maioria dos alunos (104), nos dois cursos
de enfermagem, são solteiros; havia oito casados e dois casos de mulheres
separadas.
Vale ressaltar que 88,3% das mulheres estão abaixo dos 24 anos e 85% dos homens
acima dos 20 anos. Dezoito alunos têm mais de 25 anos de idade, dentre eles
sete homens. No conjunto, 62,3% dos alunos estão na faixa entre 20 e 24 anos de
idade, destacando-se que 32,6% da Licenciatura estão acima dos 25 anos e 32% do
Bacharelado, abaixo dos 20 anos.
Observou-se relação inversa referente à ocupação remunerada nos dois cursos: no
Bacharelado 69,6% não trabalham e, na Licenciatura 75,8% trabalham
possivelmente porque o curso de Licenciatura oferece mais oportunidades de
horários para que os estudantes possam trabalhar.
Depressão, Percepção de saúde e variáveis sócio-demográficas
Com base nas respostas dos 114 alunos que freqüentam o 2º ano dos cursos de
enfermagem da EERP/USP ao Inventário de Depressão de Beck, os resultados
mostram que há 15,4% do Bacharelado (curso diurno) e 28,6% da Licenciatura
(curso noturno) com sinais indicativos de depressão (leve, moderada e grave)
dos quais 14% podem ser classificados como depressão moderada (6) e grave (3).
O resultado do teste de Classificação Econômica Brasil (CEB) não registrou
nenhum sujeito na classe A1 nem na classe E. Portanto, estes alunos não são
muito pobres, nem muito ricos. No curso diurno, a concentração registrou-se nos
níveis A2, B1 e B2 (86%). O teste exato de Fisher não evidenciou correlação
significativa entre classe social e depressão, porém vale ressaltar algumas
semelhanças e diferenças entre os dois grupos.
Nestes três níveis estão alocados todos os 10 casos de alunos com sinais
indicativos de depressão do Bacharelado. Também, não foi identificado nenhum
caso de depressão entre os alunos das classes C e D, apesar de haver nove deles
(14%) nestas classes.
Entre os alunos da Licenciatura, entretanto, observou-se uma tendência para os
níveis mais baixos, diferente do Bacharelado que tende para os níveis mais
altos. Observe-se na Figura_1 que nos níveis B2 e C encontram-se 67% dos alunos
do curso noturno, concentrando-se também (nestes 2 níveis) a presença de sinais
indicativos de depressão (10 dos 114). Observou-se que decresce a presença de
depressão, conforme cresce a classe social entre os alunos da Licenciatura.
No cômputo geral, 71% dos chefes das famílias dos alunos têm bom nível de
instrução, ou seja, nível superior incompleto (36%) ou superior completo (35%).
Apenas um dos oito alunos do Bacharelado que têm trabalho remunerado apresenta
sinais de depressão leve. Na licenciatura também não se encontrou depressão
grave entre os alunos que trabalham. Entretanto, dos 25 que trabalham, o que
representa 51% do total, seis (12%) têm sinais indicativos de depressão leve ou
moderada. Interessante observar que naqueles alunos que não têm sinais de
depressão na Licenciatura (71%), 19 exercem ocupação remunerada e 16 não, o que
reforça a falta de correlação entre as variáveis depressão x trabalho + estudo.
No cabeçalho da WOQOL, além dos dados sociodemográficos solicita-se ao sujeito
que informe como está sua saúde física e mental. Os alunos do curso diurno
(sendo apenas um deles com depressão) acham sua saúde física ruim e nenhum dos
69 considera sua saúde mental ruim. Por outro lado, nenhum deles acha sua saúde
física ou mental muito boa entre os 10 que têm depressão.
A grande maioria dos alunos do curso diurno classifica sua saúde física como
média ou boa. Entretanto, a auto-avaliação da saúde mental apresentou
correlação significativa (0,001) visto que está associada à presença de
depressão (6 dos 10 casos avaliaram sua saúde mental fraca ou média).
Entre os alunos do curso noturno (Licenciatura), as correlações foram
significantes para o teste de Fisher nas 2 situações (0,000 e 0,010). Dos que
não tinham sinais de depressão, 65% consideram sua saúde física boa ou muito
boa e 55% consideram sua saúde mental boa ou muito boa. Entretanto, entre os
alunos com sinais de depressão, metade deles percebe que tanto a saúde física
como a saúde mental não é boa. Observe-se que neste grupo também ninguém avalia
sua saúde física ou mental como sendo ruim.
Na avaliação da qualidade de vida dos 2 grupos de alunos observou-se que há
associação com a presença de depressão. Os piores níveis de qualidade de vida
nos domínios físico, psicológico e social entre os alunos do Bacharelado foram
registrados pelos sujeitos que têm depressão, conforme indicou o teste de
Kruskal Wallis. Entre os alunos da Licenciatura, todos os resultados foram
significantes no Kruskal Wallis, inclusive no domínio ambiental (Tabela_1).
O teste de Kruskal Wallis, para classe social e qualidade de vida, mostrou que
os resultados não foram significativos. Portanto, o que marca a diferença
encontrada na comparação da depressão e qualidade de vida não é a classe
social.
Através do teste Mann Whitney, com nível de significância de 5% comparou-se as
medianas dos escores de qualidade de vida entre os alunos dos dois cursos de
enfermagem, nos 4 domínios. Os resultados evidenciaram diferenças significantes
apenas no domínio social para qualidade de vida onde os sujeitos do Bacharelado
têm qualidade de vida superior (mediana = 75) em relação aos da Licenciatura
(mediana = 66,7).
O teste de Mann Whitney para comparar a qualidade de vida com ocupação
remunerada, também não evidenciou diferenças significantes ao nível de 5%.
Em função desses resultados, optou-se por uma análise multivariada afim de
considerar o efeito de cada variável na presença das demais e em caso positivo,
indicar algum índice preditivo. Os resultados do ajuste do modelo de regressão
de Poisson é apresentado na Tabela_2 que segue, com os respectivos parâmetros
de ajuste e valores das estatísticas relevantes.
O teste de ajuste resultou em qui quadrado, com 104 graus de liberdade igual a
49,6 e P igual a 1.000. Isto é, as predições do modelo não diferem dos valores
observados. Apenas duas variáveis tiveram Razões de Prevalência (RP)
significantes: a auto avaliação da saúde mental e o curso que o sujeito
frequenta.
A variável Saúde mental é a que apresenta maior razão de prevalência (5,82),
isto é, os indivíduos que auto classificaram a sua saúde mental como "média,
fraca ou ruim" têm prevalência de depressão quase seis vezes maior do que quem
a classificou como "boa ou muito boa".
Outra variável que resultou significante com o ajuste foi o Curso freqüentado:
o aluno da Licenciatura (curso noturno) tem mais de duas vezes a prevalência de
depressão do que o aluno do Bacharelado.
DISCUSSÃO
Esta pesquisa partiu dos seguintes hipóteses: que os alunos do curso noturno
(Licenciatura) seriam de classe social mais baixa em relação ao Bacharelado
(verificou-se que é verdadeiro); que a faixa etária da Licenciatura estaria
acima dos 30 anos e que muitos tinham trabalho remunerado durante o dia
(verdadeiros); que haveria mais casos de depressão na Licenciatura
(verdadeiro); que haveria diferenças significativas entre qualidade de vida dos
2 grupos de sujeitos (parcialmente verdadeira).
Estudos sobre a qualidade de vida dos acadêmicos, residentes e profissionais de
enfermagem os define como seres humanos que optaram por ajudar outros seres
humanos a nascerem, vivenciarem, superarem problemas e limitações e morrerem
dignamente. Para realizar as ações que integram seu trabalho enfrentam
situações de sofrimento e estresse. Assim, ao mesmo tempo em que influem no
processo pessoal de resolução de situações cotidianas, estas vivências
determinam condições e estilo de vida(16,18-19).
Muitos alunos do curso de enfermagem do período noturno trabalham
principalmente na área da saúde, durante o dia e em finais de semana. Observe-
se que há mais homens e a faixa etária é mais condizente com o fato de
conseguirem estudar na Universidade à noite, concomitante ao trabalho
remunerado. É visível a diferença de classificação econômica entre os dois
grupos.
Nos níveis A2, B1e B2 estão alocados os 10 casos de depressão do Bacharelado.
Os 14 casos da Licenciatura estão distribuídos nas classes A, B, C, e D com
prevalência de depressão entre 28,5% a 33,3% nas classes B1, B2, C e D,
observando-se leve tendência de diminuição da presença de depressão nas classes
mais altas.
Este grupo de sujeitos (na maioria jovens e adultos jovens) encontra-se numa
fase da vida de realização profissional e pessoal. Entretanto, os índices de
15,4% de depressão entre os estudantes do Bacharelando e 28,6% da Licenciatura
estão acima dos índices previstos para a população em geral(3,9,30-31) o que
faz sentido por ser a maioria de mulheres, com um terço em idade mais avançada
entre os da Licenciatura, alguns já casados e até separados. Os dados coincidem
com referências da Organização Mundial da Saúde(30).
Os resultados deste estudo evidenciaram que há associação da depressão com
qualidade de vida no domínio social. Os piores níveis de qualidade de vida
estão entre os alunos com depressão. Evidenciou-se também que a média da
qualidade de vida dos alunos do Bacharelado é superior em relação aos que
freqüentam o curso noturno (Licenciatura). Entretanto, não foi o fator classe
social que marcou a diferença na qualidade de vida e depressão entre os dois
grupos de sujeitos, conforme se verificou nos testes estatísticos.
A depressão é menos freqüente entre os alunos que trabalham e não encontrou-se
nenhum deles com depressão grave.
Não se encontrou diferenças estatisticamente significantes na qualidade de vida
dos sujeitos pelo fato de trabalharem ou não. A menor freqüência entre os que
trabalham, reforça a idéia de que o trabalho pode indicar ausência de
depressão. A literatura oferece suporte à este fato, ou seja, a depressão causa
danos sociais (isolamento, abandono do estudo e do trabalho)(3,5,25,30-32).
Quando se coloca a questão da qualidade de vida, a preocupação subjacente passa
a ser o contexto de vida onde o sujeito está inserido pois a preocupação do
pesquisador é obter elementos que favoreçam a promoção da saúde deste segmento
da população(33).
Como docentes que têm há apenas dois anos um novo contingente noturno de
acadêmicos sob sua responsabilidade este estudo mostra que além da preocupação
com os conteúdos que devem ser ministrados, os campos de aprendizado, a
didática deve star presente a preocupação com o contexto que acompanha este
grupo de alunos e seus reflexos na saúde dos mesmos. Importa saber se estes
acadêmicos estão adaptando-se ao meio estudantil e como estão lidando com os
fatores individuais (que determinam as mais variadas exigências) e seus
resultados na saúde do indivíduo(3,4,15).
Os indicadores de qualidade de vida e os indicadores sócio econômicos dão
respostas gerais com resultados coletivos. Entretanto, associando-se os
resultados da presença de sinais indicativos de depressão nos sujeitos do grupo
selecionado para este estudo foram agregados elementos objetivos e subjetivos
que valorizam os resultados encontrados.
Observa-se que nem sempre há relação direta entre trabalho e depressão, entre
idade, gênero e depressão, entre fatores sociais e depressão e nem entre
sensação subjetiva de saúde e depressão. Porém, os resultados dão indicações de
pontos de vulnerabilidade e fragilidade que devem ser levados em consideração
pelo docente responsável pela condução pedagógica do ensino de enfer-magem
(10,30,34).
A depressão, sendo importante causa de incapacitação(3,5,9) nem sempre é
detectada, nem adequadamente tratada e orientada(2,6,9,35-36).
Os questionários são úteis como instrumentos de triagem, porém, os sintomas
objetivos nos jovens são particularmente instáveis(15). Assim, uma pontuação
alta no teste nem sempre corresponde a um diagnóstico fechado de depressão para
o jovem. Na avaliação da depressão deve-se levar em conta a sobreposição de
vários fatores. Também existem evidências de que o sucesso escolar, a
capacidade do jovem para lidar para com as situações difíceis e o apoio
familiar podem proteger o jovem do efeito da depressão(15).
Não é possível estabelecer, a partir dos dados deste estudo, uma relação de
casualidade pois muitos dos sujeitos, saindo da adolescência e entrando na
idade adulta, ainda estão na fase de estabilização de seu equilíbrio, recém
ingressados num dos mais cobiçados cursos de enfermagem do pais e ser o curso
noturno um acontecimento recente na EERP/USP. Por outro lado, a comparação dos
dois grupos de sujeitos deixou claro que há diferenças que merecem ser
consideradas.
CONCLUSÕES
Observou-se neste estudo que há diferenças entre os alunos do curso diurno
(Bacharelado) e do curso noturno (Licenciatura), levando a buscar estatísticas
para encontrar algumas associações entre as diferenças.
Entre os 114 sujeitos predominam mulheres e solteiros.
No curso de Bacharelado em Enfermagem predominam os níveis econômicos A2, B1 e
B2, 69,6% não trabalham, 32% estão abaixo dos 20 anos de idade.
No curso de Licenciatura em Enfermagem, predominam os níveis B2 e C, 75,8% têm
trabalho remunerado e 32,6% estão acima dos 25 anos.
A depressão está presente em 15,4% dos sujeitos no Bacharelado e 28,6% na
Licenciatura sendo 14% do total com depressão moderada e grave.
Os índices encontrados entre os alunos da Licenciatura são altos em relação à
população em geral, inclusive com relação aos colegas do curso diurno. Ficou
evidente que decresce a depressão conforme cresce o nível econômico dos alunos
da Licenciatura.
Nas análises descritivas observou-se que existe associação entre presença de
depressão e qualidade de vida, especialmente nos domínios físico, mental e
social, com diferença significante no domínio social entre os 2 grupos de
alunos.
Na análise multivariada, a auto-avaliação da saúde mental feita pelo estudante
e o curso em que está matriculado tiveram as razões de prevalência
significantes. O aluno do curso noturno (Licenciatura) apresentou mais de duas
vezes a prevalência para depressão do que o aluno do curso diurno
(Bacharelado). Além disso, aquele aluno que reconhece que sua saúde mental não
está boa a razão de prevalência para depressão é seis vezes maior.
Conclui-se que a percepção da saúde mental bem como a frequência a curso
noturno podem ser indicadores da presença de depressão.