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BrBRCVHe0034-71672010000400012

BrBRCVHe0034-71672010000400012

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2010
Issue0004
Article number00012

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Facilidades de acesso reveladas pelos usuários do Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO A história da saúde no Brasil sempre foi mediada por interesses políticos e econômicos, e sofreu muitas alterações até a criação do sistema de saúde atual.

De acordo com cada época vivida, surgiam novas necessidades e interesses e com isso as mudanças foram acontecendo gradativamente até a consolidação deste, que é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS foi instituído com base nos princípios trazidos pela Reforma Sanitária, com destaque para o princípio da universalidade. Por meio dele, foram incorporados como cidadãos, com direitos a serem garantidos pelo Estado, 60 milhões de brasileiros, até então submetidos a uma atenção estatal de medicina simplificada ou entidades filantrópicas(1).

A partir do movimento da Reforma Sanitária e da implantação do novo sistema de saúde previa-se um modelo assistencial que garantisse a assistência integral à saúde e a unificação das ações curativas e preventivas, bem como um redirecionamento das práticas de enfermagem(2-3). De acordo com a legislação brasileira, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, acessos aos serviços de saúde, dentre outras, cabendo ao Estado a garantia das condições necessárias para o alcance da mesma(4-5).

Neste contexto, o art. 196 da Constituição de 1988 (CF/88) considera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação(6). Essa mesma Constituição colocou as bases do que hoje conhecemos como SUS, que foi posteriormente regulamentado pelas Leis n°s 8.080/ 90 (Lei Orgânica da Saúde) e 8.142/90 (que dispõe sobre a participação da comunidade).

A Lei 8.080/90, que regulamenta as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, no Capítulo II, art. , refere-se aos princípios e diretrizes do SUS. Esse documento afirma que as ações, os serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo aos seguintes princípios: universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; integralidade de assistência; igualdade de assistência; participação da comunidade; descentralização político-administrativa; regionalização; hierarquização e resolutividade(5-6). De forma complementar, em dezembro de 1990, foi instituída a lei 8142/90 com o objetivo de incentivar e abarcar a participação da comunidade no âmbito do SUS e estabelecer os conselhos.

A partir do princípio da universalidade, a saúde passou a ser considerada direito de todos e dever do Estado e, assim, os indivíduos adquiriram o direito de ter acesso às ações e serviços de saúde como, por exemplo, consultas, exames, tratamentos e internações nas instituições de saúde, sejam elas públicas ou privadas conveniadas ao sistema. No entanto, a televisão apresenta constantemente uma imagem de caos na saúde através de mortes na porta de hospitais, pessoas que ficam sem diagnóstico rápido e adequado por demora no atendimento ou por falta de exames e outras não têm acesso a medicações, dentre outras imagens veiculadas pela mídia. Ela divulga todos os dias um sistema falido que se encontra em condições precárias e sem capacidade de atender às demandas da população.

Em função do exposto, sentimos a necessidade de ampliar o nosso conhecimento sobre as questões relacionadas ao acesso da população à saúde e traçamos o seguinte objetivo para o estudo: analisar a percepção dos usuários sobre as facilidades de acesso às ações e aos serviços do SUS. Consideramos que este estudo poderá contribuir para uma melhor compreensão dos mecanismos implicados no acesso as ações e serviços do SUS, considerando a perspectiva dos usuários.

MÉTODO Trata-se de um estudo qualitativo que se caracteriza pela preocupação em compreender a maneira de agir e de pensar das pessoas e dos grupos e busca responder às exigências colocadas ao estudo do fenômeno(7). Os dados foram coletados em um hospital federal geral de grande porte, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Para a escolha deste campo foram levadas em consideração algumas particularidades de funcionamento, que são: ter sido constituído mais de 20 anos, e ter construído uma história dentro do sistema de saúde do município; ser de fácil acesso à população, o que possibilita a procura de usuários de diversas localizações do município; e ter história de prestação de assistência anterior à implantação do SUS.

Os sujeitos estudados foram 24 usuários em atendimento no campo escolhido, a partir dos seguintes critérios de inclusão: faixa etária a partir dos 40 anos; usuários do hospital e sujeitos que tenham tido experiência como usuários do serviço de saúde antes de 1990. A coleta de dados ocorreu no período de novembro de 2005 a março de 2006, sendo utilizada a técnica de entrevista semi- estruturada, orientada por roteiro temático. Na análise dos dados foi utilizada a técnica de análise temática de conteúdo, conforme Bardin(8), e o seu desenvolvimento foi apoiado nos procedimentos e instrumentos propostos por Oliveira(9).

Em observância aos aspectos éticos de pesquisa que envolve seres humanos, foram respeitados os preceitos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, através da aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, expresso no protocolo 006/2005, da aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e da consideração dos preceitos éticos da autonomia, beneficência, não-maleficência, justiça e equidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O SUS ao alcance de todos Nas 24 entrevistas analisadas foram identificadas 1.178 unidades de registro (URs) distribuídas em 78 temas, que deram origem a 6 categorias, quais sejam: (I) Determinação das dificuldades para o alcance do atendimento no SUS; (II) O atendimento no SUS: efetivação e facilidades; (III) Medicações e exames no contexto do SUS: expectativas, dificuldades e conquistas dos usuários; (IV) Fragilidades no processo de atendimento na concretização do principio de universalidade; (V) Universalização da assistência; (VI) A presença do INAMPS no discurso dos usuários. Neste estudo, aprofundaremos a discussão presente na segunda categoria, formada por 271 URs (23% do material total analisado), sendo a segunda mais representativa de toda a análise.

A categoria caracteriza-se por compor descrições sobre a efetividade do acesso no âmbito do SUS, ou seja, expressa a percepção do usuário sobre o alcance dos diversos tipos de atendimento e, ainda, apresenta os elementos que contribuem de forma positiva para esta efetivação. Os sujeitos pontuam fatores que estão diretamente relacionados ao alcance do atendimento no sistema público de saúde, alguns dos quais objetivos e internos ao mesmo, como o processo de referência entre os serviços, por exemplo, e outros subjetivos, como a religiosidade, a e a sorte. Nesta categoria são, ainda, apresentados os diferentes tipos de conquistas de atendimentos pelos usuários, que englobam desde serviços de consultas ambulatoriais aos serviços de alta complexidade.

O sistema de saúde apresentou avanços importantes na conquista de direitos essenciais na área de saúde, como a disponibilidade de serviços de alta complexidade (hemodiálise e transplantes de órgãos, por exemplo) e a ampliação da porta de entrada do sistema, que corresponde ao aumento da rede básica especialmente através da implantação das equipes da Estratégia da Saúde da Família e de ambulatórios especializados nos hospitais do SUS.

Pode-se identificar a percepção de que o acesso se concretiza no alcance objetivo das diversas ações de atendimento desejadas. Observa-se, ainda, uma atitude positiva frente ao acesso ao sistema, uma vez que se mostram satisfeitos com o atendimento recebido, sendo este o tema mais frequente dentro desta categoria (51 URs): Todos [atendimentos] que estou tentando fazer, atualmente, consegui.

(E22) Todas as vezes que eu precisei fui muito feliz, tive um bom atendimento. (E12) Se não fosse ele, eu não teria condições de fazer esse transplante que eu fiz. (E9) Encontrei [atendimento]. A hemodiálise foi um. (E 14) O acesso aos serviços e ações de saúde proporcionado pelo SUS à população, contribui de forma significativa para a sua satisfação, uma vez que determinados serviços, especialmente os de alta complexidade, que alguns indivíduos encontrariam dificuldade para ter acesso, são disponibilizados para todos. Nesse sentido, os entrevistados verbalizam o alcance dos serviços de alta complexidade, como hemodiálises e transplantes, e atribuem ao SUS o oferecimento de tratamentos dispendiosos que antes não eram acessíveis ao conjunto da população.

A universalidade do atendimento configura-se, em vários estudos, como sendo o princípio que mais caracteriza o Sistema Único de Saúde em sua proposta essencial e em sua concretização no âmbito das instituições de saúde(10).

Assim, todos os cidadãos brasileiros devem ter as suas necessidades atendidas para que se possa assegurar a efetivação do acesso dentro do sistema público de saúde(1,11). Nessa direção, pode-se afirmar que, a partir da universalidade, todos os indivíduos passaram a ter direito, livre de preconceitos ou privilégios, ao acesso a todas as instituições de saúde em qualquer nível de atenção indispensável ao atendimento da necessidade sentida e tecnicamente identificada(10).

A universalização da assistência caracteriza-se como uma das maiores conquistas da reforma sanitária. A partir da promulgação da lei Orgânica da Saúde, que apresenta noções de direitos e de deveres, a saúde passou a ser um direito fundamental de todo ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício e assegurar que toda a população, independente de ter vínculo empregatício formal ou não, tenha acesso às ações e serviços de saúde(5).

O nível de atenção denominado de alta complexidade refere-se à reunião de procedimentos que envolvem alta tecnologia e alto custo e tem como objetivo proporcionar ao cidadão acesso às ações e aos serviços para a manutenção da vida e a redução de agravos à saúde. Esses procedimentos têm um impacto financeiro alto para o sistema, como é o caso da diálise, da quimioterapia, dos transplantes, da radioterapia e da hemoterapia(12).

Na análise dos diversos serviços oferecidos pelo SUS, destacam-se os de média e alta complexidades como, por exemplo, as consultas ambulatoriais, as internações e os transplantes, e dentre esses, encontram-se acessíveis à população diversas especialidades como endocrinologia, cardiologia, ortopedia, urologia, oftalmologia e ginecologia: É cardiologia, endocrinologia, clínica médica. Aqui eu consigo muito mais. (E23) O SUS de São João de Meriti fazia atendimento de ortopedia e era do SUS. Foi quando eu passei a conhecer o SUS. (E19) Meu filho foi para o hospital [...], e o médico operou ele . (E6) me internei aqui, internei na Ilha, internei no Jardim América, tudo isso. (E8) Ressalta-se que a prática nos serviços de média e alta complexidades demanda profissionais especializados e uso de aporte tecnológico para o diagnóstico e terapia específica(12). Os sujeitos, em suas falas, afirmam que conseguem atendimento nestes níveis de complexidade, além dos daqueles menos complexos.

Esse fato permite considerar que, em que pesem as dificuldades enfrentadas pelo sistema de saúde, ele tem gerado uma cobertura populacional antes inexistente no Brasil. Essa cobertura ganha peso maior ainda quando são consideradas as desigualdades sociais e regionais presentes em toda a extensão de um país como o nosso.

A partir do exposto, apresenta-se o princípio da equidade, que busca soluções para as desigualdades existentes na área da saúde, oriundas do contexto social, da gestão do sistema, da distribuição da rede assistencial, dentre outras(10).

Destaca-se, ainda, que esse princípio apresenta forte relação com aquele da universalidade, uma vez que sua concretização se manifesta através da promoção do acesso igualitário da população as ações e serviços de saúde das instituições públicas e conveniadas, segundo suas necessidades, independente da condição social ou do vínculo previdenciário(10).

Os sujeitos apontam, com igual importância, o acesso a cirurgias, consultas, tratamentos e internações dentro do SUS. Destaca-se que houve redução do número de internações no setor privado com um aumento significativo desse procedimento nas instituições públicas, que quase dobrou sua participação nesse cenário(13).

Dessa forma, pode-se observar a presença mais intensa do setor público em relação ao número de internações na última década, atuando de forma substitutiva ao setor privado(13).

O alcance de determinados serviços dentro do SUS, que são avaliados como de extrema importância pela população, parece estar presente na vida dos sujeitos.

A ampliação do acesso às internações e às cirurgias confere ao sistema uma imagem positiva frente aos usuários. Observa-se, portanto, uma seletiva de julgamento por parte da população, em função da sua avaliação quanto ao grau de necessidade do serviço ou ação buscada.

Outras questões também foram mencionadas com relação à facilidade de acesso como, por exemplo, a presença da informatização facilitando o agendamento de consultas e a emergência como porta de entrada nos serviços hospitalares.

A informatização que está priorizando o SUS, você marca consulta pelo telefone. (E 18) Começa na emergência, normalmente a gente começa na emergência, eu comecei na emergência. Agora não, eu estou fazendo tratamento. (E 12) A informatização é um recurso importante para integração dos serviços, gerando agilidade no encaminhamento de usuários aos recursos disponíveis no sistema e no controle dos gastos(13). As unidades de emergência se tornaram, ao menos nas metrópoles, a grande porta de entrada do sistema de saúde, atendendo a toda e qualquer queixa grave, leve ou moderada, urgente ou não. A consequência mais imediata é a superlotação deste tipo de setor que, muitas vezes, não suporta a demanda e acaba por oferecer uma atenção precária. Assim, as emergências hospitalares são locais de primeiro atendimento para muitos usuários quando necessitam de cuidados. Com isso, uma das dificuldades encontradas ainda no SUS é o reconhecimento e a utilização da rede básica como porta de entrada do sistema, pois grande parte da população faz uso da emergência para problemas que poderiam ser solucionados nos postos de saúde.

Eu cheguei na unidade, na emergência, e fiquei em uma maca sem colchão, sem lençol, sem travesseiro, sem nada. (E17) A minha filha esteve uma vez à noite na emergência por causa de problema de ouvido. (E2) Diversos são os fatores que estão envolvidos com as dificuldades de atendimento, como por exemplo, as grandes filas em hospitais públicos para atendimento de emergência e a longa espera para cirurgias eletivas, bem como a dificuldade de conseguir acesso a determinados serviços.

Com a implantação do SUS e a municipalização dos serviços procura-se realizar mudanças no modelo assistencial através da ampliação da rede básica. Essas mudanças almejam oferecer mais alternativas à população, antes de procurar o atendimento emergencial. Nesse sentido, destaca-se que emergência deveria ser destinada a qualquer caso que implicasse em risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, mas o fato é que nem sempre os pacientes que procuram essa unidade portam morbidades dessa natureza(13).

Para enfrentar esta situação, foi implantando o Programa de Saúde da Família (PSF), em 1994, cujos principais objetivos são a melhoria dos indicadores de saúde, diminuição do número de exames complementares, de encaminhamentos de emergência e de internações hospitalares(14). Complementar a isso, o Ministério da Saúde elaborou o QualiSUS como uma proposta para melhora no atendimento de emergência, que preza o atendimento do usuário conforme o seu grau de risco, uma atenção mais efetiva e humanizada pelos profissionais de saúde e o menor tempo de permanência hospitalar(12).

Diante da situação exposta sobre o atendimento na emergência, destaca-se que a inclusão de grande parcela da população no sistema veio acompanhada de alguns racionamentos, especialmente relacionados à queda de qualidade dos serviços públicos(1). Dessa forma, apesar de existir e ser garantido por lei o acesso universal, as ações oferecidas apresentam-se, na prática dos serviços, como limitadas e, muitas vezes, de baixa resolubilidade.

No entanto, e apesar das dificuldades enfrentadas pelos indivíduos, o atendimento também é identificado como sendo rápido e eficiente, como pode ser percebido nas falas a seguir: Sei que me atenderam rápido [no SUS]. (E19) [o atendimento no SUS] foi rápido, foi eficiente. (E3) Esta percepção de rapidez e eficiência pode estar relacionada com o tipo de serviço procurado. Observa-se que dentro do Sistema existem diferentes tipos de serviços, o que conseqüentemente acarreta oportunidades de acesso diferenciadas. Serviços que possuem uma demanda maior e uma estrutura nem sempre adequada, como as grandes emergências, tendem a possuir maiores dificuldades, mesmo que se apresentem como resolutivos, enquanto outros serviços que possuem um fluxo de atendimento mais previsível, como a imunização ou os ambulatórios, tendem a ser mais organizados.

Os elementos facilitadores para o alcance do atendimento no SUS Dentre os elementos que foram citados pelos sujeitos como facilitadores do atendimento está o sistema de referência entre serviços. Assim, deduz-se que a consolidação desse mecanismo seria um avanço importante dentro do SUS, no que diz respeito ao acesso dos usuários às ações e aos serviços de saúde e ao seu trânsito nos diferentes níveis do sistema. Torna-se necessário ressaltar a inexistência de uma alusão ao sistema de contra-referência por parte dos usuários, o que sugere a sua não efetividade.

Isto indica que os clientes são incorporados aos serviços novos para os quais foram referenciados, mas não são retroagidos aos de origem, ou quando o são, esse retorno não é formalizado. Destaca-se que o sistema de referência e de contra-referência exige a construção de parcerias entre as instituições públicas e destas com as conveniadas. A parceria pode ser entendida como um trabalho articulado e participativo, mantendo-se uma relação horizontal entre as instituições e estabelecendo uma rede progressiva de cuidados(15).

Porque você não consegue marcar uma consulta se não tem encaminhamento. (E5) Existe [encaminhamento], porque eu peguei encaminhamento daqui para outro lugar e fui bem atendida. (E15) No caso, onde moro, novamente, a doutora faz um pedido e a gente vai. Eles carimbam e mandam fazer. A gente faz até particular. Eles pagam, no caso, para a gente fazer. (E7) O sistema de referência e contra-referência é reconhecido como um dos processos mais importantes para a viabilização do SUS, uma vez que é a partir da sua estruturação que o acesso regulado de pacientes aos diversos níveis de atenção torna-se possível(16). Por outro lado, sem o funcionamento adequado desse processo não garantia de continuidade da assistência, constituindo-se em uma dificuldade complementar para o alcance de determinados princípios e diretrizes, como universalidade, integralidade, eqüidade, regionalização e hierarquização.

Alguns usuários fazem menção à função de complementaridade do setor privado no SUS, ou seja, eles reconhecem a utilização de serviços particulares pelos usuários do SUS, diante da impossibilidade de oferecer um determinado serviço para a população. Com relação a isso, diz a CF/88, art. 199, que as instituições privadas podem ter participação de caráter complementar no SUS, segundo as diretrizes deste Sistema, mediante contrato de direito público, com preferência para entidades filantrópicas e sem fins lucrativos(6). Diante da insuficiência de cobertura assistencial à população de uma determinada área programática, o mesmo pode recorrer aos serviços oferecidos pela iniciativa privada(5), que devem atuar como se fossem públicas, respeitando seus princípios e diretrizes.

Os princípios da hierarquização e da regionalização caracteri-zam-se pela distribuição de ações e serviços de saúde em todas as regiões, em diferentes níveis de complexidade atendendo assim às necessidades de toda a população. As necessidades que não são passíveis de resolução nos níveis primários de assistência devem ser referenciadas para os serviços de maior complexidade. Os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidades a uma determinada área geográfica, planejada a partir de critérios epidemiológicos e com conhecimento da clientela a ser atendida(17). A hierarquização deve garantir formas de acesso e serviços que componham toda a complexidade requerida para o caso e proceder a divisão dos níveis de atenção.

O atendimento próximo à residência foi outro fator considerado como facilitador do acesso para o usuário do serviço. Essa facilidade pode estar relacionada com o fato de que quanto mais próximo de sua moradia for disponibilizado o atendimento, menor é o deslocamento a ser realizado, menores são os gastos com transportes e menor é a demanda reprimida, pois se forem oferecidos serviços adequados em cada área programática, mais fácil será o acesso da população aos mesmos. A Norma Operacional Atenção à Saúde (NOAS)/SUS 2001 prevê investimentos para possibilitar o acesso de todo cidadão a todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, o mais próximo possível de sua residência. Essa norma ampliou as responsabilidades dos municípios na atenção básica, definiu o processo de regionalização da assistência e criou mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde(18).

Eu moro em Inhaúma e o PAM [de Inhaúma], para mim, fica mais perto.

(E2) Um dos princípios organizativos do SUS é a regionalização e observa-se que suas ações se direcionam para proporcionar à população o acesso às ações e aos serviços necessários à solução de problemas de saúde, em qualquer nível de complexidade, o mais próximo possível da residência(10). Destaca-se que a regionalização atua como o princípio que norteia e põe em prática o movimento de descentralização, que possui ênfase na municipalização das ações(10).

A descentralização surge como uma marca dentro do SUS, uma vez que a base do sistema de saúde passou a ser municipal, entretanto, a descentralização não corresponde somente à municipalização. No processo de municipalização o município passa a ser o condutor responsável por sua política de saúde, por meio da descentralização das ações, do planejamento, dos recursos financeiros e principalmente do poder político(19). Assim, a ampliação do acesso às ações e serviços de saúde para população sob a gerência dos governos municipais, com destaque para as ações básicas de saúde, foi o ganho mais significativo desse processo(20).

O SUS é um sistema ainda em construção e, por isso, vem evoluindo com o passar dos anos. Um dos fatores que contribuiu para esse crescimento é a Política Nacional de Humanização implementada pelo Ministério da Saúde e suas diretrizes possibilitam, aos usuários, maior facilidade de acesso aos serviços e às ações preventivas(21). Com isso, as ações voltadas para a atenção básica têm recebido grande incentivo do Ministério da Saúde para funcionar como um eixo estruturante do sistema. As unidades de atendimento básico, em especial as de saúde da família, destinam-se a funcionar como porta de entrada do sistema e suas atuações estão voltadas aos cuidados primários de saúde, oferecendo ações de prevenção, promoção e assistência(13).

Outra situação relevante que contribui para o avanço do SUS está assegurada pela Lei 8.142/90, que é a participação popular na gestão sanitária, em especial nos Conselhos de Saúde, onde entidades e movimentos da sociedade civil têm direito a se fazerem representar e, assim, conseguirem expor suas sugestões e necessidades(22). Diante disso, ressalta-se que a facilidade do atendimento também está relacionada à questão temporal, sendo a atual organização sanitária, administrativa e política do SUS um dos fatores que contribue para que este se concretize, como pode ser percebido nas seguintes falas: [Atendimento] está mais fácil agora. (E4) Hoje é mais fácil [conseguir atendimento]. (E11) Entendendo o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social) como um sistema excludente para uma parcela da população, é cabível que exista esta referência à questão temporal relacionada com a facilidade de acesso, pois a parcela da população que não contribuía com a previdência social encontrava barreiras para conseguir acesso aos serviços. Durante várias décadas, para se ter acesso à saúde era necessário possuir contrato formal de trabalho e o restante da população, que não o possuía, recorria aos poucos serviços estaduais e municipais existentes ou às Santas Casas de Misericórdia, destinadas ao tratamento de "indigentes"(23).

Mas, a partir do princípio da universalidade, todos os cidadãos brasileiros, trabalhadores ou não, passaram a ter acesso aos serviços e ações de saúde, garantido como direito a ser assegurado pelo Estado, onde todos devem ser atendidos de acordo com suas necessidades e sem nenhum tipo de custo complementar pelo atendimento. Complementar a isso, destaca-se que este princípio abrange uma das principais características do sistema atual de saúde, uma vez que o diferencia dos anteriores por sua característica inclusiva(10).

Outro elemento caracterizado pelos usuários como facilitador do acesso é a , pois esta se traduz como sendo a confiança que algum fato normalmente ainda não concretizado o seja, causada pela convicção que se possui e é depositada em algo ou alguém. A pode ser direcionada tanto a pessoas quanto a um objeto inanimado, uma ideologia, um pensamento filosófico, um sistema qualquer ou um conjunto de regras. É possível observar que os entrevistados crêem que o fato de serem atendidos possui uma relação direta com Deus ou com a sorte: Deus ajuda a gente e a gente consegue um bom atendimento. (E 13) Eu tive um problema um ano atrás, cheguei enfartado, cheguei mal e graças a Deus encontrei uma equipe espetacular. (E12) Dessa vez agora eu dei sorte, eu vim e consegui. (E4) Mas não sei se todo mundo teve a mesma sorte que eu. (E22) A sorte é uma palavra derivada do latim que significa destino, acaso ou risco (24). Como podemos observar nas citações, sorte é usada quase como um sinônimo de destino. No imaginário da população, sorte está intimamente relacionada à predisposição, à fatalidade ou que algo ocorreu devido a alguma força maior.

A e a sorte estão relacionadas com o sentimento de esperança, que é uma crença emocional que tem como objetivo a busca por resultados positivos. Ela demanda certa persistência e a crença de que algo é possível, mesmo quando indicações do contrário(25). É possível identificar nas falas dos usuários que estes possuem sentimentos de esperança com relação ao alcance do atendimento, pois muitas vezes o mesmo não é efetuado ou, então, o é sem a resolutividade desejada. Entretanto, ainda assim, o cidadão acredita que o serviço oferecido é capaz de atender as suas necessidades. Dessa forma, a esperança torna-se a principal aliada da população, no sentido de manter-se persistente em busca do atendimento.

A validação do alcance do atendimento como uma questão de e sorte sugere falta de efetividade do Sistema. Assim, eles atribuem o alcance do atendimento ou até mesmo a qualificação deste a Deus e à sorte e não ao direito que lhes é garantido por lei, ou a organização dos serviços e à competência profissional.

CONCLUSÕES Diante dos dados apresentados é possível observar que os usuários se reportam significativamente aos princípios do SUS, principalmente ao princípio de universalidade, que se faz presente em seus discursos de forma transversal aos demais princípios como, por exemplo, a hierarquização e a regionalização.

Foi possível verificar a existência de uma atitude positiva diante do sistema, a partir das menções às facilidades encontradas dentro do mesmo, como o acesso a diversos tipos de serviços, sejam eles consultas, exames, medicações, internações, cirurgias, ou serviços de alta complexidade. O fato de os sujeitos reconhecerem o acesso a diversos tipos de ações e serviços reforça, mais uma vez, a idéia de que o SUS apresenta-se como universal, permitindo o atendimento de necessidades de saúde de uma parcela da população que antes não tinha qualquer acesso a serviços.. Frente a isto, surge uma satisfação com o atendimento encontrado, o que demonstra certo otimismo associado ao Sistema.

O acesso a serviços de alta complexidade foi destacado pelos usuários como uma grande conquista e percebe-se a satisfação dos mesmos ao se referirem ao alcance desses serviços, bem como à assistência complementar como, por exemplo, o acesso a medicações, exames e consultas ambulatoriais para acompanhamento.

Um fator que merece destaque é a alusão ao sistema de referência que é reconhecido pelos usuários como uma forma de facilitação do atendimento e do fluxo dentro do sistema, o encaminhamento do usuário de uma unidade básica para uma rede hospitalar é referido facilitador do acesso consultas, a internações, a cirurgias, ou até mesmo a exames mais complexos. Complementar a este fato chama atenção a não identificação do sistema de contra-referência, ou seja, existe a referência do usuário para diferentes níveis de complexidade, entretanto, o retorno não ocorre, acarretando uma interrupção no fluxo de atendimento. Destaca-se que esta situação demonstra uma fragilidade e, por que não, uma deficiência à concretização do princípio de hierarquização da assistência.

Fazem menção, ainda, à emergência como porta de entrada do Sistema facilitando o acesso, o que mostra a falha existente na política que prioriza a atuação da atenção básica como acolhedora da demanda. Esta situação se relaciona com uma cultura na qual as unidades básicas de saúde são vistas como locais de promoção da saúde e de prevenção de doenças, e não como instituições capazes de ser resolutivas e de assegurar o atendimento de maior complexidade, quando este for necessário. Por outro lado, indica também a incapacidade da rede básica em identificar as necessidades de dada comunidade e atendê-las, o que proporciona uma superlotação do setor de urgência que, muitas vezes, destina o atendimento a problemas que poderiam ser resolvidas em outros níveis de complexidade.

Complementando a idéia anterior, percebe-se que ainda existem dificuldades com relação ao reconhecimento da rede básica como "porta de entrada" do SUS, ainda que nos últimos anos inúmeros esforços tenham sido empenhados na tentativa de ampliar a rede básica e, conseqüentemente, o acesso da população a ela.

Ainda que de forma discreta, alguns usuários estabelecem uma comparação do SUS com o sistema de saúde anterior, o que demonstra a presença do mesmo na memória dos sujeitos. Assim, destaca-se que se referem à maior facilidade de atendimento no sistema atual, fato este que pode estar relacionado com o princípio da universalidade, uma vez que, no INAMPS, tinha acesso à saúde o cidadão que contribuía com a Previdência Social, o que o tornava, de certa forma, um sistema excludente.

Os princípios da universalidade, da regionalização e da hierarquização aparecem nos discursos dos usuários através da menção ao sistema de referência e ao atendimento próximo da residência como elementos facilitadores do acesso.

Assim, destaca-se que a atual organização do SUS, bem como seus princípios e diretrizes são reconhecidos, pela maioria dos usuários, como grande conquista para a população.

Diante do exposto, torna-se evidente que a maioria dos usuários reconhece o princípio da universalidade e seu alcance, mas que, para a efetivação completa desse princípio ainda são necessárias muitas reflexões, discussões e ações. A implantação do SUS representa o resultado de um longo processo de lutas sociais que se desenvolveu no Brasil, com o fortalecimento da assistência à saúde como política de atendimento universal e igualitária, que visa a diminuir as desigualdades sociais existentes, sobretudo quanto à universalização do acesso.


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