Maus tratos contra crianças e adolescents
INTRODUÇÃO
A violência no seu sentido mais amplo diz respeito às causas externas
(acidentes e violências), causas acidentais e intencionais. A violência
"estrito senso" se refere especificamente à violência intencional, descrita
freqüentemente pelos seus sinônimos de agressão, maus-tratos ou abuso. Apesar
de estar classificada pela Organização Mundial da Saúde(1) no grupo de causas
externas de morbidade e de mortalidade (Capítulo XX da CID10), a violência
intencional, especificamente as agressões (Códigos X85 a Y09 da CID10) impõem a
necessidade de estudá-las separadamente das outras causas externas por
apresentar características e circunstâncias diferenciadas das causas
acidentais.
Neste sentido, o foco do presente estudo está voltado para a violência "estrito
senso" (especificamente as agressões), importante causa de morbi-mortalidade
que incide principalmente sobre a população mais vulnerável: as crianças e os
adolescentes, por sua total falta de defesa e dependência do adulto que perdura
por tempo prolongado(2), conferindo ao grupo das crianças e adolescentes maior
suscetibilidade e vulnerabilidade ao fenômeno, o que vem alarmando diversos
setores da sociedade por seus crescentes índices e pelas lesões e traumas
decorrentes(3).
O objetivo do presente trabalho foi conhecer e divulgar alguns dados
epidemiológicos acerca da violência praticada contra crianças e adolescentes,
além de discutir o conhecimento da magnitude desses eventos, os fatores
relacionados e as conseqüências para as vítimas.
METODOLOGIA
Tratou-se de estudo bibliográfico acerca da violência contra crianças e
adolescentes e foi desenvolvido no período de janeiro de 2007 a agosto de 2008,
durante o desenvolvimento de tese para a obtenção do título de Doutor em Saúde
Pública pela Universidade de São Paulo (USP Faculdade de Saúde Pública),
mediante pesquisa bibliográfica e em base de dados LILACS e MEDLINE, usando
como descritores as palavras causas externas, violência, agressão, maus-tratos,
infância, adolescência, síndrome da criança maltratada, saúde da criança,
epidemiologia, prevenção de violência, pediatria e enfermagem, não se fazendo
restrição aos idiomas espanhol, inglês e francês.
Buscou-se por publicações no período de 1990 a 2008, priorizando-se na seleção
os artigos completos disponíveis na biblioteca virtual Bireme, documentos
eletrônicos disponíveis on-line e livros-texto disponíveis na biblioteca da
Faculdade de Saúde Pública da USP. Além disto, buscou-se dados no DATASUS
(Sistema de Informação em Mortalidade e Morbidade do Ministério da Saúde).
As publicações, tanto as nacionais quanto as internacionais, foram analisadas
segundo o ano de publicação, o tipo de publicação (artigos completos, livros-
texto e documentos eletrônicos) e a área em que foram publicadas, além do
aspecto abordado em relação à violência contra criança e adolescente.
RESULTADOS
Foram encontradas 161 publicações, das quais 115 (71,3%) foram artigos
completos, 27 (16,8%) foram livros-texto e 19 (11,8%) foram documentos
eletrônicos.
Dos artigos completos, 75 (65,2%) foram publicados em periódicos nacionais e 40
(34,8%) em periódicos internacionais. O período de publicação dos artigos com
maior freqüência foi a partir de 1999 (16,5%), seguida pelos anos de 2002
(12,1%), 2001 (11,3%), 2003 (10,4%), 2000 (9,6%), 2005 (9,6%), 2004 (7,0%) e
2006 (3,5%). O período anterior a 1999 totalizou 20% dos artigos publicados
sobre o tema.
Entre os artigos publicados no Brasil, 58,7% foram publicados em periódicos da
área de Saúde Pública, 17,3% na área de Pediatria, 10,7% em periódicos de
Enfermagem, 10,7% na área de Psicologia e Psiquiatria, e 2,6% em periódicos da
Saúde Materno-Infantil.
Os artigos internacionais também foram publicados em maior proporção em
periódicos de Saúde Pública (32,5%), seguidos por revistas específicas de abuso
infantil (25,0%), revistas médicas (15,0%), de psicologia (15,0%) e outras
(12,5%).
Entre os documentos eletrônicos, 15 (79,0%) eram nacionais, elaborados pelo
Ministério da Saúde (26,7%), Ministério da Justiça (13,3%), Organização Pan-
Americana da Saúde (13,3%), UNICEF (6,7%), SIPIA Sistema de Informação para a
Infância e a Adolescência (6,7%), ABRAPIA - Associação Brasileira de Proteção à
Infância e à Adolescência (6,7%), CRAMI - Centro Regional de Atenção aos Maus-
Tratos na Infância do Estado de São Paulo (6,7%), LACRI - Laboratório de
Estudos da Criança. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(13,3%) e CRECA - Centro de Referência da Criança e do Adolescente de São Paulo
(6,7%). Entre os documentos eletrônicos internacionais (21,0% do total), 50,0%
foram produções da Organização Mundial de Saúde (WHO), 25,0% foram elaborados
pela UNICEF e outros 25,0% pela Associação Americana para Proteção da Criança.
Entre os livros-texto encontrados, 29,6% foram produzidos pelo Ministério da
Saúde, 22,2% pela Editora da USP EDUSP, 11,1% pela Fiocruz Fundação Oswaldo
Cruz, 3,7% pelo Ministério da Justiça, 3,7% pela ABEN Associação Brasileira de
Enfermagem, 3,7% pela OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde, 3,7% pela
ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 3,7% pela United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO, 3,7% pela Sociedade
de Pediatria de São Paulo e 11,1% por editoras particulares.
As publicações estudadas abordam a violência contra a criança e o adolescente
em seus diferentes aspectos: sua dimensão histórica-social-cultural, os
diferentes tipos de violência e os fatores associados, o impacto para a saúde
pública, sua prevalência e mortalidade, sua repercussão na saúde infantil, a
importância do diagnóstico e notificação, as políticas públicas de saúde para
seu enfrentamento e redução, o investimento da comunidade acadêmica acerca do
tema, a experiência de programas de intervenção, o papel dos Conselhos
Tutelares, as implicações éticas para os profissionais da saúde e da educação,
a importância de redes de proteção e de um sistema de informação que consiga
mapear o evento, orientações para a prática nos serviços de saúde e relatórios
de atendimento por serviços especializados, além da própria percepção da
criança e do adolescente quanto à violência, bem como seus direitos assegurados
por Lei.
A análise do conteúdo dos estudos permitiu organizar o conhecimento a respeito
do tema segundo os diferentes aspectos que se seguem.
Alguns dados epidemiológicos: mortalidade e morbidade infantil por violência
Mundialmente, quase 3.500 crianças e adolescentes morrem anualmente por maus-
tratos (físico ou negligência)(4). Para cada morte por maus-tratos em menores
de 15 anos, estimam-se 150 casos de abuso físico. No mundo todo, calcula-se um
coeficiente de mortalidade por maus-tratos de 2,2 por 100.000 crianças do sexo
feminino e de 1,8 por 100.000 crianças do sexo masculino, sendo os maus-tratos
perpetrados pelo pai biológico (em 41,3% dos casos), pela mãe biológica
(38,9%), pelo padrasto (11,1%), pela madrasta (3,4%), por outros parentes
(4,9%) e por famílias e parentes adotivos (0,4%). Só por homicídios, no ano de
2000, 57 mil crianças e adolescentes menores de 15 anos morreram em todo o
mundo(5).
O Ministério da Saúde aponta que as agressões constituem a primeira causa de
morte de jovens entre 5 e 19 anos de idade, sendo que a maior parte dessas
agressões provém do ambiente doméstico(6). No Brasil, as agressões constituíram
a primeira causa de óbito na faixa etária de 0 a 19 anos de idade (39,7%), com
proporção expressiva na faixa etária de 15 a 19 anos (55,1%), em 2005(7).
Quanto à morbidade, calcula-se que, no mundo todo, anualmente, cerca de 40
milhões de crianças e adolescentes sofram abuso. Entretanto, devido às
circunstâncias em que ocorrem e à freqüente dependência das vítimas ao seu
agressor (pai, padrasto, parentes, etc.), o sigilo dessas ocorrências permanece
e as consequentes dificuldades para denunciá-las ainda é uma triste realidade
(5,8).
Estatísticas apontam que na Costa Rica, 3,2% das meninas e 13,0% dos meninos
são abusados sexualmente ao ano. Na Nicarágua, estes percentuais são de 26,0%
para as meninas e 20,0% para os meninos. Estudo realizado numa escola pública
do Chile revela que 80,4% dos pais admitiram o uso do abuso físico como prática
educativa(5). O uso da violência física como prática disciplinadora (40,0%)
também foi constatado por pesquisa realizada em um hospital de ensino em São
Paulo(9), além de outras formas de violência como privações materiais ou de
lazer, ameaças verbais, humilhações, entre outras.
Uma pesquisa realizada no México estudou as lesões intencionais nos serviços de
urgência de hospitais públicos e revelou que, entre as lesões intencionais
contra criança e adolescente, 16,0% se referiam à violência familiar, com
lesões no rosto e crânio (60,0%) devido a golpes com mãos e punhos (82,0%)(10).
Estima-se que, em nosso país, 18 mil crianças e adolescentes sejam espancados
diariamente e que para cada 20 casos de violência contra a criança e/ou
adolescente, apenas um caso seja denunciado. Ainda, cerca de 10% das crianças
levadas a serviços de emergência por maus-tratos e sem ajuda adequada, 5% delas
morrem nas mãos dos agressores e 35% são severamente maltratadas novamente
(8,11). As agressões representaram, em 2007, 4,2% de todas as internações
brasileiras por causas externas na faixa etária de 10 a 19 anos(12).
Só de fevereiro a setembro de 2005, 1.942 denúncias de violência contra criança
de até 6 anos de idade foram feitas através do Serviço Disque-Denúncia da Sub-
Secretaria de Desenvolvimento Humano Secretaria Geral da Presidência da
República. A maior parte dos casos foi de violência física e negligência(13).
Em São Paulo, o Serviço de Advocacia da Criança, da Secretaria do Menor,
registrou 6.056 casos de crianças vitimizadas, no período de 1988 a 1990.
Destes, 64,0% se referiam à violência doméstica(14). No Rio de Janeiro, estudo
com crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos, atendidos em um hospital
público(15), observou 57 vítimas, sendo a maioria por negligência / abandono
(43,4%) e maior frequência entre os menores de três anos de idade (63,2%),
sendo as meninas as mais atingidas (56,2%), com óbito em 10,5% do grupo.
A ABRAPIA (Associação Brasileira de Proteção à Infância e Adolescência), no Rio
de Janeiro, realizou 3.981 atendimentos a crianças vitimizadas no lar, no
período de dois anos(16). No Ambulatório de Maus-Tratos do município de Caxias
do Sul, durante um ano houve 100 casos de violência contra crianças e
adolescentes. Destes, 59,0% foi por abuso sexual, além de casos por agressão
física, emocional e negligência, com dois ou mais tipos de abuso em cada caso
(17). O estudo revelou, ainda, o predomínio do sexo feminino (77,0%) entre as
vítimas e maior freqüência nas idades de 6 a 9 anos (35,0%). O pai foi o
principal agressor (33,0%), seguido pelo padrasto e pela mãe. Entre os
agressores, 71,0% tinham renda familiar per capta inferior a um salário mínimo
e 70,0% não chegou a completar o primeiro grau.
No Paraná, a SIPIA (Sistema de Informação para a Infância e a Adolescência) do
Ministério da Justiça registrou, em 2005, 22.698 casos de violação dos direitos
da criança e do adolescente, o que corresponde a 1/3 dos registrados no Brasil
(67.519 casos). Dos 22.698 (todos atendidos pelos Conselhos Tutelares do
Paraná), 54,4% foram contra meninos. Corresponderam à violência física 4,0%, à
psicológica 3,4% e à sexual 1,9%(18).
Em Curitiba, o SOS CRIANÇA atende diariamente uma média de nove crianças /
adolescentes vítimas de violência doméstica como agressão física, negligência,
cárcere privado e abandono(11). Ainda em Curitiba, um estudo baseado nas
notificações de violência contra crianças e adolescentes, emitidas pelos
serviços que compõem a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação
de Risco para a Violência(19), revelou um crescimento nas notificações de
janeiro de 2003 (26 notificações) passando para 163 notificações em dezembro de
2004. Entre os casos notificados, o estudo aponta para a violência doméstica
como a principal (91,3% em 2004), atingindo com maior proporção o sexo feminino
(50,3%) e a faixa etária de 5 a 9 anos de idade (36,6%), sendo a negligência a
violência mais frequente (51,8%) seguida pela agressão física (20,7%).
O conhecimento da dimensão da violência
Scherer e Sherer(20) apontam a violência contra a criança e o adolescente como
um fenômeno crescente no mundo, mas cujo conhecimento ainda está em processo de
construção em função de sua complexidade(20).
No Brasil, o conhecimento sobre a dimensão da violência é ainda escasso, em
decorrência da dificuldade estatística e do atendimento de maus-tratos pouco
estruturado no país, não sendo possível conhecer a magnitude real desse
problema(11). Apesar dos alarmantes dados referentes à violência contra a
criança e o adolescente, sabe-se que eles representam apenas uma pequena parte
da realidade. Na visão de muitos autores, as estatísticas de mortalidade
através do Sistema de Informação em Mortalidade (SIM) representam, na verdade,
apenas os casos fatais da violência, constituindo-se somente a ponta do iceberg
(Figura_1 Faixa A). Ainda há que se considerar a qualidade do dado, pois muitos
casos de violência não chegam aos serviços de saúde. Entre os que chegam
(fatais ou não fatais), muitos são registrados como outras causas e ainda há
uma parcela considerável de causas externas cuja intenção é indeterminada (não
se sabe, ao certo, se a causa externa é acidental ou intencional).
A morbidade hospitalar, conhecida através do Sistema de Internação Hospitalar
(SIH SUS), ainda não consegue abranger todo o cenário da violência no país,
pois engloba apenas os casos não fatais mais graves que necessitaram de
internação e, ainda assim, somente os casos que chegam aos hospitais
conveniados ao SUS (Faixa B).
Os serviços de atendimento de urgência e emergência atendem, por sua vez, as
lesões decorrentes de violência. No entanto, não existe um sistema nacional que
capte dados dos pronto-socorros (Faixa C), sendo necessária a pesquisa direta
nestes serviços para conhecimento dos atendimentos por violência.
Os atendimentos ambulatoriais podem ser conhecidos através do Sistema de
Informação Ambulatorial (SIA SUS), implantado em 1991, mas que representa dados
gerais do número de atendimentos, sem detalhar a causa deste, além de retratar
apenas a demanda pelo SUS (Faixa D).
Permeiam em todos os níveis de informação, ainda, as situações de violência não
notificadas. Entre os casos notificados encontram-se os encaminhados aos
Conselhos Tutelares, serviços de saúde, programas e projetos que atendem uma
grande parcela das vítimas, porém sem uma rede de informações que permita
conhecer melhor a morbidade por violência. Constituindo uma parcela maior estão
os casos não notificados, referentes à "violência silenciosa" que não aparece
por falta de notificação e cobertura dos serviços.
Estudos(11, 21) chamam a atenção para o fato de que, além da falta de
notificação por parte da sociedade e profissionais, os poucos serviços e
iniciativas existentes no país para identificação e atendimento das vítimas não
contam com uma rede de informação interligada que torne possível retratar o
comportamento da violência na população(11).
Neste cenário, merecedor de enfrentamento imediato, torna-se fundamental
estudar a amplitude da violência contra a criança e o adolescente nas bases da
pirâmide e trazer à tona uma realidade que ainda não se conhece por completo.
No sentido de visualizar caminhos para reduzir esta importante causa da morbi-
mortalidade infanto-juvenil, inúmeros estudos têm tentado conhecer a
complexidade desta violência. Entretanto, para analisar a violência contra a
criança e o adolescente, nos seus diferentes aspectos e circunstâncias, torna-
se primordial o conhecimento dos fatores que contribuem para sua ocorrência
(22).
Os fatores relacionados com a violência e as consequências para as vítimas
Estudos apontam a violência contra a criança/adolescente como um fenômeno
recidivante e quase sempre envolvido por um manto de silêncio, associando suas
raízes a uma grande variedade de fatores individuais, grupais, culturais,
sociais e políticos(15-16,19-20,22).
Outros autores complementam a afirmação, associando a violência ao grau de
fragilidade e dependência próprias da infância e adolescência, tornando-as
hierarquicamente menos poderosas e estando, por conseguinte, sujeitas aos maus-
tratos com maior frequência(3).
Os estudos, em sua grande parte, são concordantes entre si, ao afirmarem que os
maus-tratos contra menores acontecem independentemente de classe social, etnia,
religião ou escolaridade dos agressores(11,20).
Os estudos realizados na área mostram que o autor do abuso é sempre alguém
responsável pela criança, normalmente aquele que passa maior parte do tempo com
a mesma. Em 90% dos casos, o agressor apresenta inadaptação social e grande
parte desses agressores sofreu maus-tratos e negligência quando pequenos. Um
número significativo de mães agressoras não são casadas, ou são ainda
adolescentes, e várias tem atitudes de rejeição com seus filhos. A(o) esposa(o)
do autor é complacente e passivo com o abuso. Na grande maioria dos casos, os
agressores são pai e mãe, padrasto/madrasta, parentes e vizinhos conhecidos e
as próprias instituições (hospitais, unidades básicas de saúde, creches,
escolas, comunidade)(8).
Quanto à vítima, as estatísticas mostram que os prematuros correm risco 3 vezes
mais e as crianças do sexo feminino são mais abusadas em relação às do sexo
masculino(20). A condição de indefesa e dependência do adulto contribui para
colocar a criança como alvo de ações violentas, seja por violação aos seus
direitos (acesso à escola, à assistência à saúde e aos cuidados básicos), seja
pelo abandono à sua própria sorte onde a rua passa a ser seu espaço de
sobrevivência, pela sua submissão ao trabalho para complementar o sustento da
família ou, ainda, pela exploração sexual para atender ao lucro fácil de
terceiros. Assim, as ações de violência contra a criança são justificadas por
uma relação de poder com fins de dominação, exploração e opressão(2).
Alguns autores ainda relacionam outros fatores de risco para a violência contra
a criança, tais como situações específicas de crise, instabilidade, desemprego,
luta pela sobrevivência, perturbação na dinâmica familiar (lares desfeitos,
número excessivo de filhos, más condições de moradia, alcoolismo, uso de
drogas, conflitos conjugais, ausência do pai), motivações psicodinâmicas
(dúvida da paternidade, infidelidade conjugal, filho indesejado, incapacidade
de lidar com frustrações, incapacidade de abstração - o simples choro da
criança é motivo para espancamento), distúrbios psiquiátricos e vivências
inadequadas.
Outros estudos(23-24) ainda classificam os fatores de risco para a violência
contra crianças e adolescentes em fatores individuais, familiares, da
comunidade e sociais. Entre os fatores individuais estão: mães muito jovens,
crianças com necessidades especiais, recém-nascidos pré-termos ou que foram
separados de sua mãe devido à hospitalização prolongada (o que dificulta a
formação do vínculo), recém-nascidos com baixo peso e/ou com problemas de
desnutrição, pré-natal deficiente, gravidez indesejada e história de abuso por
parte da mãe.
Entre os fatores familiares destaca-se a violência intrafamiliar, pais muito
jovens, com baixa escolaridade, com distúrbios neurológicos, famílias com
muitos filhos, famílias reconstituídas, antecedentes de delinqüência,
depressão, divórcio, instabilidade familiar, uso de álcool e drogas, isolamento
social e stress.
Para os autores, a comunidade também contribui com a ocorrência da violência à
medida que ocorre segregação residencial, falta de coesão comunitária, baixa
qualidade de educação, acesso a drogas e álcool, ausência de serviços de
atenção para as crianças/famílias e desvalorização da criança.
Constituem fatores sociais, o desemprego, a pobreza, a privação social, os
valores, crenças e culturas, a inexistência de leis de proteção, a iniquidade,
guerras, alta taxa de crimes, presença de armas, entre outros. Outros autores
complementam os fatores sociais, apontando para a perspectiva da sociedade,
fatores raciais, fracasso escolar, delinquência, suicídio, agressões escolares
e entre pares, depressão, prostituição, desigualdade social, baixa escolaridade
e a extrema concentração de renda, desemprego, drogadição, ausência do pai ou
da mãe e história de abuso dos pais em suas infâncias e adolescências(17,22).
Alguns estudiosos(24), ao analisarem a produção bibliográfica que discute
fatores para a ocorrência de maus-tratos, trazem, como fatores, a reprodução
das experiências de violência, os desajustes familiares, psíquicos e
alcoolismo, bem como fatores de ordem macro-estrutural, promoção da violência
pela mídia, acesso a armas, entre outros.
Para a Organização Mundial de Saúde(5), os fatores relacionados com a violência
contra a criança e o adolescente são classificados em fatores estruturais
(social, econômico, pobreza, violação dos direitos humanos, perda da ética e
valores morais, corrupção, guerras, guerrilhas, fatores demográficos), fatores
institucionais (diminuição do nível de educação, impunidade, exposição à
violência, quebra familiar) e fatores diretos ou facilitadores (álcool, drogas,
repetição da violência).
De fato, muitos pesquisadores destacam o entendimento da violência como uma
rede de fatores sócio-econômicos, políticos e culturais que se articulam e
interagem de forma dinâmica. Neste sentido, muitos estudos afirmam que é
preciso entender a multicausalidade da violência, não a reduzindo ao plano
individual(25).
Este complexo contexto da violência aliado à incapacidade em proporcionar à
criança e adolescente vitimizados uma reabilitação psicológica pode trazer para
a vítima conseqüências relevantes, tanto físicas (fraturas, lacerações,
traumas) quanto sexuais e reprodutivas (gravidez, doenças sexualmente
transmissíveis, disfunções), psicológicas e comportamentais (uso de álcool e
drogas, delinqüência, depressão, fobias, retração nos relacionamentos,
suicídio, queda da auto-estima, etc.), que interferem no crescimento e
desenvolvimento e que podem fazer das vítimas futuros agressores, evidenciando
assim a complexa trama existente na violência(3,5).
CONCLUSÃO
A literatura aponta para a abrangência e magnitude da violência contra crianças
e adolescentes, havendo necessidade de ações preventivas junto à família,
comunidade e sociedade em geral, no sentido de alertar para a importância da
prevenção e detecção precoce.
Os estudos apresentados enfatizam, ainda, a importância de se conhecer a
natureza e a realidade acerca deste evento a fim de se formar um diagnóstico
que auxilie na elaboração e implantação de estratégias específicas de prevenção
e intervenção.
Destaca-se, ainda, a importância da intervenção o mais precocemente possível,
desde a prevenção até a punição de atos abusivos, tornando realidade o Estatuto
de Criança e do Adolescente, através da identificação e notificação dos casos.
Por fim, compreendemos a relevância de se abordar o tema a fim de que todos
possam exercer a sua co-participação na proteção de nossas crianças, que se
encontram em plena fase de crescimento e desenvolvimento.
Sugerimos, ainda, novos estudos que venham complementar lacunas do conhecimento
e contribuir para melhorar a qualidade de vida da população infantil.