Liderança dialógica nas instituições hospitalares
INTRODUÇÃO
O estudo tem por objetivo realizar uma reflexão-teórica sobre a importância da
inserção da liderança dialógica nas instituições hospitalares, a partir do
referencial freireano. Inicialmente são apresentadas reflexões acerca da
formação de enfermeiros-líderes e na sequência uma retrospectiva histórica da
liderança, bem como os conceitos de poder, empoderamento e diálogo.
Entende-se que o referencial teórico de Freire é relevante para fundamentar a
liderança dialógica, principalmente, porque poderá contribuir na construção
prática de relações mais emancipatórias, autônomas e dialógicas entre
profissionais de saúde.
No âmago do ambiente organizacional, pode-se verificar a existência de
numerosos mitos e confusões relacionadas à liderança, bem como a criação de
clichês, que por força do uso, adquiriram a consistência de convicções. No
entanto, estes mitos devem ser rejeitados, e as confusões corrigidas, sendo que
o principal deles está vinculado à liderança nata(1).
Sob essa ótica, salienta-se que o ser humano não nasce pronto, sua construção
acontece no decorrer de sua história. Desde o nascimento, as pessoas têm seu
caráter e personalidade moldados pelo convívio com a família e coletividade.
Este fato possibilita a evolução humana, a qual consiste no resultado das
transformações do comportamento, sendo essas ensejadas por crenças, valores e
fatores ambientais. Em virtude disso, pode-se evoluir através da aquisição de
novos comportamentos e atitudes(2), sendo a liderança uma competência
profissional que pode ser desenvolvida pelo enfermeiro, afim de facilitar a
coordenação da equipe, as ações gerenciais e assistenciais.
FORMAÇÃO DO LÍDER
Diversos autores(1-6) buscam descrever o perfil dos líderes, porém em
conformidade às mudanças ocorridas no mundo do trabalho, tais características
tornaram-se dinâmicas e instáveis. Assim, as características que hoje
contribuem para exercer a liderança, num futuro próximo podem ser outras.
Todavia, a constatação dessa realidade não nos priva da responsabilidade de
identificar as estratégias de liderança pertinente ao contexto atual da
enfermagem. Diante disso, estudos preconizam que os líderes precisam cultivar
algumas características, entre elas: comprometimento, comunicação, competência,
saber ouvir, responsabilidade, visão, saber trabalhar em equipe, coerência, bom
humor, ética, flexibilidade e talento para estabelecer relacionamentos
interpessoais saudáveis(3-5).
Dessa forma, o desenvolvimento contínuo é o fator chave para o aprimoramento da
liderança(2,4). Diante de tal premissa, o líder pode ser descrito como um
produto não-determinado, sua formação não se esgota nos cursos que venha a
concluir ou nas experiências profissionais acumuladas. Isso significa que, de
certa forma, nunca estará pronto, sendo assim, o investimento em sua
aprendizagem deve ser permanente(6). Com isso, o estudo e a sensibilização
quanto a importância da liderança deve ter início na formação dos profissionais
e ao longo de suas atividades laborais.
As instituições hospitalares também possuem participação importante nesse
processo, uma vez que são responsáveis pela educação permanente de seus
profissionais, mediante a disponibilização de subsídios práticos e teóricos que
favorecem a formação de enfermeiros-líderes, politizados, críticos, reflexivos,
capazes de aprender a aprender e de atuar de forma democrática através da
liderança dialógica. Por outro lado, se observa que apesar das contribuições
práticas e teóricas fornecidas aos enfermeiros para a construção da liderança,
existem outros aspectos, entre eles as políticas públicas, políticas
institucionais, perfil individual, os quais interferem na formação do líder, o
que de certa forma justifica a singularidade e complexidade na formação desse
profissional e sua capacidade de tornar-se ou não um líder.
As instituições hospitalares são reconhecidas como organizações complexas que
absorvem grande parte dos profissionais de saúde. Contudo, a situação atual da
saúde no país, permeada pela reestruturação produtiva do trabalho, permite a
detecção de várias dificuldades principalmente no que concerne o processo de
trabalho da equipe de enfermagem, entre as quais se destacam: baixas
remunerações, insuficiência de recursos humanos e materiais, escassas
oportunidades de crescimento profissional(7), entre outras.
Neste sentido, a enfermagem é uma profissão cada vez mais exposta a
organizações autoritárias, hierárquicas, sujeitas a um processo de trabalho
rotineiro, compartimentalizado, fragmentado e alienante(8). Além de interferir
de forma negativa nos relaciona-mentos interpessoais, devido ao predomínio da
liderança diretiva e do autoritarismo, essa realidade pode contribuir para que
o cuidado, tarefa profissional da enfermagem, seja alvo de críticas
relacionadas à sua forma de execução mecanicista e burocratizada, estando essa
a mercê das influências de paradigmas tradicionais, capazes de ferir o viver
humano, sua subjetividade e complexidade(9).
A fim de amenizar tal situação, destaca-se a liderança dialógica, sendo
considerada nesse estudo, como a capacidade do líder de influenciar seus
colaboradores a atuarem de maneira crítica e reflexiva sobre sua práxis,
mediante o estabelecimento de um processo comunicacional eficiente. Esse tipo
de liderança fundamenta-se no diálogo, o qual representa um fenômeno humano que
não pode ser reduzido ao simples depósito de idéias de um sujeito no outro,
pois se trata do encontro entre os homens para problematizar situações com o
intuito de modificar a realidade(10).
LIDERANÇA DIALÓGICA, AUTORIDADE E RELAÇÕES DE PODER NAS INSTITUIÇÕES
HOSPITALARES
A liderança começou a ser estudada cientificamente no início do Século XX,
porém mesmo com sua difusão, ela ainda continua sendo mal compreendida. Algumas
pessoas, equivocadamente, a confundem com autoridade, que consiste no direito
de comandar estabelecido por meio do poder legitimado, conferindo a uma
determinada pessoa a responsabilidade de tomar decisões e ordenar as atividades
de outrem(11). No entanto, liderança representa um fenômeno de influência
grupal, no qual é imprescindível agregar esforços individuais, para atingir as
metas compartilhadas pelo grupo(12) .
No cotidiano das instituições hospitalares é comum presenciar-mos situações
envolvendo abusos de poder. Algumas pessoas tentam mascarar suas inseguranças e
fraquezas utilizando-se da prepotência e arrogância para tratar com os demais
membros da equipe. O medo é uma forma de coação que pode induzir às pessoas a
aceitarem tal influência, porém, sabe-se que, atualmente, este tipo de
liderança já enfrenta questionamentos e negação. Situações assim podem se
tornar verdadeiros "estopins" dentro destas organizações, por serem geradoras
de conflitos e capazes de alterar o clima no ambiente de trabalho. Também é
comum entre os membros da equipe de enfermagem a falta de diálogo e o velamento
desse tipo de problema, que pode se manter por anos levando ao desgaste desses
trabalhadores e a construção de relações e ambientes de trabalho pouco
saudáveis.
O desejo de poder permeia todas as relações humanas. Segundo alguns estudos a
busca pelo poder faz parte da história da humanidade, todavia, o poder não é
partilhado igualmente entre as pessoas. Algumas possuem mais poder do que
outras e utilizam-no de maneira consciente e adequada, enquanto outras dele
abusam(11).
A palavra poder deriva do verbo latino "potere", que significa ser capaz. Desta
forma, poder é definido como aquilo que capacita uma pessoa a alcançar seus
objetivos(13). Podendo ser classificado como: poder de posição, sendo inerente
à autoridade devido à titulação, cargo ou função exercida; poder pessoal,
relacionada à presença de atributos pessoais como caráter, paixão, inspiração
ou sabedoria; poder de tarefa, que se origina em um trabalho específico; poder
de relacionamento, que provém do poder de se vincular aos outros, através da
amizade, parentesco, do cultivo de uma relação e, finalmente, poder do
conhecimento, que surge a partir de habilidades, mas também fica evidenciado
mediante diplomas ou certificados que indicam um treinamento especial(14).
Conforme Paulo Freire as relações de poder engendram as relações entre
opressor-oprimido, contudo o oprimido só se libertará dessa situação libertando
o opressor e não almejando sua posição, por isso torna-se necessário re-
inventar o poder, pois é preciso que todas as pessoas o exerçam. A sociedade
precisa livrar-se de relações de poder, de mando e subordinação através da
criação de relações radicalmente democráticas(15), as quais podem ser
efetivadas mediante o empoderamento coletivo. Sendo assim, a palavra
empoderamento deve ser adotada não no sentido de dar poder a alguém, mas no
sentido de ativar o potencial criativo, além de desenvolver e potencializar as
habilidades humanas(16).
A noção de empoderamento, ao inspirar-se numa perspectiva libertadora, baseada
no referencial de Freire, procura romper com os modelos tradicionais centrados
no exercício do "poder-sobre" o outro e pela valorização de espaços em que seja
possível o exercício do poder na interação entre sujeitos e coletivos, ou seja,
o "poder-com". Nesta perspectiva o empoderamento tem como objetivo contribuir
para a emancipação humana, o desenvolvimento crítico, a superação das
estruturas institucionais ideológicas de opressão.
Já o diálogo representa um instrumento capaz de mediar as relações
interpessoais, pois compreende a força que impele o pensar crítico-
problematizador perante a condição humana no mundo. Também sugere uma práxis
social, sendo essa compromisso humano mediante a utilização coerente do
discurso e da ação. Complementa-se que o diálogo tem significação justamente
porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, como também
a defendem e assim crescem um com o outro(10,16-17).
O diálogo proporciona aos homens e mulheres meios de superar suas atitudes,
mágicas ou ingênuas, diante da realidade. A atitude dialógica propicia a
comunicação e a intercomunicação entre os sujeitos (educandos e educadores),
numa relação de "simpatia" que se nutre pelo amor, humildade, esperança, fé,
confiança, criticidade, crítico em torno da realidade(18).
Dessa forma, reflete-se sobre a magnitude do enfermeiro estabelecer uma
liderança dialógica com os integrantes da equipe, podendo ser efetivada pelo
seu distanciamento de condutas diretivas e reconhecimento das potencialidades
de cada membro da equipe. Este modelo de liderança é compreendido como suporte
para o encadeamento das relações interpessoais, em que o enfermeiro-líder tem
consciência de que exerce influência e é influenciado pelos seus colaboradores.
Para tanto, o mesmo necessita adotar relações dialógicas no âmbito hospitalar,
corporificando um processo mútuo e permanente de ensinar e aprender,
construindo por esse movimento, pela teia de relações interdependentes a um
todo indivisível, convergindo para a superação das relações piramidais que
caracterizam o trabalho da enfermagem(19).
Em um estudo recente sobre formas de liderança constata-se que a equipe espera
do enfermeiro uma atitude de cuidado, não restrita aos usuários e familiares,
mas também para com os membros da equipe de enfermagem objetivando romper com o
modelo opressor de liderança presente nas instituições hospitalares. Em
contrapartida torna-se imprescindível que o cuidado esteja atrelado à liderança
dialógica(20).
O papel do líder enquanto educador compreende outro aspecto importante a ser
refletido. O enfermeiro, por exercer a coordenação da equipe de enfermagem e a
gerência de unidades e instituições hospitalares, em geral, é visualizado como
o profissional de referência para os membros da equipe de trabalho e para os
usuários. Por esse motivo, a atualização contínua emerge como uma importante
ferramenta, a qual também possibilita ao enfermeiro ser um agente multiplicador
de saberes. Estes quando socializados com a equipe de enfermagem podem
contribuir para que cada trabalhador possa desenvolver suas potencialidades(4).
Pode-se dizer que o aprendizado consiste em uma ferramenta capaz de impulsionar
o crescimento organizacional, entretanto, para que isso realmente aconteça, não
basta investir apenas no aprimoramento profissional do líder, mas também no
desenvol-vimento dos colaboradores, ainda mais na enfermagem, visto que seu
processo de trabalho é estruturado de maneira coletiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento desse estudo proporcionou a construção de uma reflexão-
teórica sobre a importância da inserção da liderança dialógica nas instituições
hospitalares.
Em geral, nesses ambientes, ainda são adotados modelos verticais e
hierarquizados, baseados na opressão e na utilização de métodos coercitivos.
Diante disso, a liderança dialógica desponta enquanto instrumento de trabalho,
o qual poderá contribuir para mudanças nos microespaços e macroespaços de
atuação da equipe de enfermagem.
Por acreditar na construção do enfermeiro-líder, destaca-se a importância do
aprendizado permanente, pois, conforme a perspectiva freireana, o impulso
motivador do ser humano a educação é ontológico, isto é, decorre de sua própria
natureza; dessa forma é na inconclusão do ser e na conscientização de tal
estado que se fecunda a educação como processo permanente.
Além disso, acredita-se que é possível o enfermeiro desfrutar das vantagens
oportunizadas pela liderança dialógica, a qual se baseia no estabelecimento de
um processo comunicacional eficiente, a fim de estimular a autonomia, a co-
responsabilização e a valorização de seus colegas de trabalho e dos usuários
dos serviços hospitalares, bem como auxiliá-lo na tomada de decisões, no
planejamento e na implementação das práticas assistenciais.