A legislação brasileira e as recomendações internacionais sobre a exposição
ocupacional aos agentes
INTRODUÇÃO
A relação trabalho/saúde ainda se deflagra como um paradigma atual, sendo
objeto de constantes reflexões e transformações. O modelo da Saúde do
Trabalhador no Brasil permanece em construção, trazendo uma nova e ampliada
perspectiva do processo de trabalho. No entanto, mesmo com esforços existentes,
ainda são alarmantes os registros de acidentes de trabalho e doenças
profissionais no Brasil, com graves consequências para as vítimas e seus
familiares, abalando a estrutura familiar nos aspectos emocionais, sociais e
econômicos(1). Portanto, o modelo de Saúde do Trabalhador ainda apresenta um
impacto de pouca visibilidade frente às injurias que atingem a saúde dos
trabalhadores advindas da complexidade do modo de produção e seus efeitos(2).
As cargas de trabalho existentes (biológicas, físicas, químicas, psíquicas,
mecânicas, entre outras) geram processos de desgaste, e o risco biológico é o
mais relacionado à prática dos profissionais de saúde, uma vez que os serviços
de saúde são locais que propiciam o constante contato com sangue ou outros
fluídos orgânicos, conferindo a esses trabalhadores a possibilidade de
adquirirem doenças como as hepatites B e C e a Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (AIDS)(3-4).
Contudo, além de saber dos riscos a que está exposto no ambiente de trabalho, o
trabalhador também precisa conhecer as legislações trabalhistas no sentido de
identificar seus direitos e deveres e se integrar efetivamente no campo da
Saúde do Trabalhador.
Na segunda metade da década de 1960, países industrializados como a Alemanha,
França, Estados Unidos e Itália passaram por transformações nos modos de
pensar, e em decorrência da mobilização dos trabalhadores, políticas sociais
transformaram-se em leis, desencadeando mudanças na legislação do trabalho e
nos aspectos da segurança e saúde do trabalhador (5).
No Brasil houve, em 1904, uma tentativa de se criar uma legislação especial
para acidentes causados pelo trabalho, porém sem resultados, visto que os
interesses políticos e econômicos do país estavam à frente das questões
relacionadas à saúde dos trabalhadores Foi em 1919 que surgiu o primeiro
decreto legislativo definindo o acidente de trabalho com característica
unicausal. No entanto, somente a partir de 1987 que as principais normas legais
foram sendo ampliadas e desenvolvidas(6).
A promulgação da Constituição Federal em 1988 permitiu um grande avanço na
legislação trabalhista brasileira. A Saúde do Trabalhador passa a se inserir
efetivamente no campo da saúde, incorporando-se dentro do Sistema Único de
Saúde (SUS), cujas ações se constroem com base em seus princípios de
universalidade, integralidade e participação social(7).
A partir da lei magna, as exigências legais foram se transformando em
portarias, leis e decretos, em que espaços foram oportunizados ao trabalhador
como agente integrante da situação de trabalho e participante das políticas
sociais. Mesmo assim, a violação dos direitos trabalhistas é uma realidade no
país, e muitos trabalhadores encontram-se alienados desses direitos, o que
intensifica a precariedade das condições de trabalho(8).
Mediante a existência de um grande número de leis, a dificuldade de leitura e
compreensão das normas, a falta de atenção para tal prática, e considerando que
a exposição aos agentes biológicos patogênicos representa uma importante forma
de agravo à saúde dos trabalhadores da área da saúde, este estudo tem como
objetivos:
- Identificar as leis nacionais que regulamentam a segurança ocupacional dos
profissionais de saúde, relacionada à prevenção do risco biológico;
- Comparar as leis nacionais com as recomendações da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) que
abordam medidas preventivas frente ao risco biológico.
MÉTODO
O estudo foi desenvolvido com base no método dedutivo, utilizando-se o
delineamento metodológico de pesquisa de revisão bibliográfica, que teve como
propósito reunir e sintetizar o conhecimento existente sobre o tema proposto. O
levantamento dos dados foi realizado no período de agosto a dezembro de 2008,
por meio de consulta à legislação brasileira e às principais recomendações
internacionais sobre o tema "saúde e segurança no trabalho dos profissionais de
saúde frente ao risco biológico", por meio de acesso aos sites do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Saúde (MS), OIT e do CDC.
- Critérios de inclusão da legislação nacional: 1) leis que abordam os aspectos
saúde e segurança no trabalho e exposição a agentes biológicos patogênicos,
aplicáveis aos profissionais de saúde; 2) publicadas em qualquer período,
atualizadas e até o momento válidas; 3) leis de alcance federal; 4) leis
disponíveis na íntegra nos sites selecionados.
- Critérios de exclusão da legislação nacional: 1) leis que fogem ao tema
proposto; 2) desatualizadas ou revogadas; 3) leis estaduais ou municipais; 4)
leis não disponíveis na íntegra nos sites selecionados.
A busca de dados relativa às recomendações internacionais foi realizada a
partir da seleção das principais e mais recentes recomendações internacionais
sobre a temática proposta, presentes nos sites da OIT e do CDC. A busca no site
da OIT foi realizada através do acesso aos links Internacional Labour Standarts
Homepage e Recommendation, sucessivamente. No site do CDC, acessou-se o link
Health and Safety Topics e posteriormente os links Bloodbourne Infections
Disease (HIV/AIDS e hepatitis B e C), Needlestick Injuries e Infection Control
in Health care Settings. Foram incluídas as recomendações relacionadas ao
objeto de estudo, descritas nos idiomas inglês e/ou espanhol, e disponíveis na
íntegra.
Análise dos dados: as informações apresentadas nas leis nacionais e nas
recomendações internacionais foram categorizadas, para descrição e comparação,
segundo os seguintes temas: "função dos empregadores", "função dos
trabalhadores", "medidas de proteção materiais e ambientais", "vigilância/
fiscalização" e "treinamento/capacitação".
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram encontradas 12 leis nacionais que regulamentam a saúde e a segurança
ocupacional relacionadas aos agentes biológicos e aos trabalhadores de saúde,
representadas no Quadro_1.
A maioria das leis brasileiras que regulamentam a saúde e segurança ocupacional
é apresentada na forma de Normas Regulamentadoras (NRs), aprovadas pela
Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978(9).
A NR 4(10) define o SESMT, cuja finalidade é promover a saúde e proteger a
integridade do trabalhador no ambiente laboral, com a atuação de profissionais
especializados.
O PPRA(11) atua através da antecipação, reconhecimento, avaliação e controle
dos riscos ambientais que existem ou que possam existir no ambiente de
trabalho, visando a preservação da saúde dos profissionais. O PCMSO(12) tem
suas ações focalizadas no trabalhador, contemplando desde a avaliação dos
riscos até as medidas necessárias frente aos mesmos.
A CIPA(13) tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do
trabalho, e suas ações envolvem a elaboração do Mapa de Riscos e a organização
anual da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho - SIPAT, além de
outras medidas realizadas em conjunto com o SESMT.
A NR 26(14)estabelece a sinalização de segurança que deve ser usada no ambiente
de trabalho para indicar diferentes locais/riscos, no sentido de prevenir a
ocorrência de acidentes. Os EPIs são dispositivos usados pelo trabalhador como
uma dentre várias medidas de proteção da saúde no ambiente laboral e as
recomendações de uso são ditadas pela NR 6(15).
A NR 32 define diretrizes específicas sobre saúde e segurança no trabalho,
profissionais da saúde e risco biológico em uma única norma, facilitando o
acesso desses trabalhadores às preconizações que lhe são pertinentes (16).
A Portaria nº 2616 define as diretrizes para a prevenção e o controle das
infecções hospitalares, que podem causar danos tanto aos pacientes como aos
próprios trabalhadores(17). O manejo dos resíduos dos serviços de saúde é
estabelecido pela Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA através da Resolução
nº 306, cuja aplicação pode prevenir injúrias aos pacientes e profissionais de
saúde(18).
A Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho(19) foi novamente editada em 1990 e
através dessa listagem é possível definir o perfil nosológico, ou perfil das
moléstias da população trabalhadora, no sentido de estabelecer políticas
públicas no campo da saúde do trabalhador.
A portaria nº 777 de 2004(20)regulamenta a notificação compulsória de agravos à
saúde do trabalhador, e dentro desses agravos ela inclui os acidentes com
exposição a material biológico, definindo um instrumento de notificação
específico para esse tipo de acidente, o que possibilita conhecer as
características dessas ocorrências e promover ações preventivas.
A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST foi criada
para promover ações em saúde do trabalhador que abordam a vigilância e a
assistência integral à saúde, independentemente do vínculo empregatício e do
tipo de inserção no mercado de trabalho, o que representa um avanço se
comparado com as outras normas identificadas(21).
Diante do conteúdo abordado na legislação brasileira, passamos, a seguir, a
compará-la às recomendações internacionais. Os dados foram agrupados em cinco
temas para melhor compreensão das informações.
Função dos empregadores
As normas nacionais e internacionais definem funções que envolvem adaptação do
ambiente de trabalho, mudança das práticas e comportamento dos trabalhadores,
fornecimento gratuito de materiais e equipamentos seguros, assistência médica,
capacitação e vigilância.
A Resolução RDC nº 306 e a NR 32 definem que os empregadores devem
disponibilizar meios para descarte, transporte, armazenamento e disposição
final dos resíduos biológicos, além da capacitação dos trabalhadores no manejo
destes(16, 18). A Recomendação da OIT nº 97(22) também trata desse aspecto,
preconizando que o empregador deve adotar medidas para que os resíduos não se
acumulem, constituindo um risco para a saúde no ambiente de trabalho.
A NR 32 preconiza que os empregadores devem vedar a utilização de pias de
trabalho para outros fins não previstos, a proibição do ato de fumar, do uso de
adornos e lentes de contato e do consumo de alimentos e bebidas nos postos de
trabalho(16). Essas medidas, estabelecidas em 2005 no Brasil, já haviam sido
preconizadas em 1992, pela Lei Bloodborne Pathogens Standard,nos Estados Unidos
(23).
A NR 7 estabelece que o empregador deve custear o atendimento médico, a
solicitação de exames laboratoriais, a imunização do trabalhador e
principalmente toda a assistência após a ocorrência de acidente relacionado à
exposição a material biológico(12). Além disso, a OIT também define que o
empregador deve prever medidas para atuar frente a situações de urgência e
emergência, proporcionando primeiros auxílios sem custo ao empregado(24).
A obrigação do empregador de disponibilizar EPI aprovado por órgão competente,
sem custo para o trabalhador, e de substituí-lo sempre que danificado ou
extraviado, é definida pela NR 6 e NR 32(15-16). A OIT acrescenta que o EPI não
deve substituir a busca pela eliminação ou redução da exposição aos agentes
biológicos patogênicos e pelas medidas ambientais e coletivas(24).
Para o CDC, os materiais pérfuro-cortantes com dispositivo de segurança, como
agulhas retráteis, são de fundamental importância na redução dos acidentes de
trabalho e os empregadores devem avaliá-los e implementá-los (25). No Brasil
isso foi preconizado em 2005 pela NR 32 e pela Portaria nº 939 em 2008 (26),
portanto o país necessita aplicar essa medida cuja eficiência e eficácia já
foram comprovadas.
A OIT responsabiliza os empregadores quanto à capacitação dos trabalhadores,
indicando que ela deve ser contínua e sem custo(24), e o CDC recomenda que a
educação em saúde seja transmitida de forma clara, objetiva e de fácil acesso
aos profissionais de saúde(25). A NR 32 exige a capacitação dos trabalhadores
antes do início das atividades e de forma continuada(16).
Os empregadores, segundo a OIT, devem assegurar a vigilância, a avaliação e a
inspeção periódica do ambiente de trabalho(24). A NR 32 define que o empregador
deve informar imediatamente aos trabalhadores e aos seus representantes
qualquer acidente ou incidente grave que possa provocar disseminação de um
agente biológico suscetível de causar doenças graves nos seres humanos,
definindo as suas causas e as medidas que serão adotadas para corrigir a
situação(16).
As funções dos empregadores preconizadas nas leis brasileiras assemelham-se a
várias normas internacionais. No entanto, a dificuldade que se observa no país
é a falta de integração entre os empregadores e os trabalhadores nas ações
preventivas. A OIT preconiza que os empregadores têm a obrigação de consultar
os trabalhadores e cooperar com eles, um elemento essencial das medidas
organizativas para cumprir as normas e promover a saúde no ambiente de trabalho
(24).
Também no sentido de promover integração, a OIT define que, para os países em
desenvolvimento, é prioridade promover um enfoque de sistemas de gestão de
segurança e saúde do trabalho, no qual haja a troca de informações entre os
países e sejam abordadas as limitações dos empregadores frente às exigências
legais (27), visto que o não cumprimento das normas também pode relacionar-se a
dificuldades políticas, econômicas e organizacionais desses empregadores.
Função dos trabalhadores
Normas nacionais definem que os deveres dos trabalhadores frente aos riscos
biológicos envolvem basicamente o uso de EPIs(15-16), o correto descarte dos
materiais pérfuro-cortantes (20), o não re-encape de agulhas(16), a redução e o
correto manejo dos resíduos biológicos(16, 18), a lavagem das mãos antes e
depois de qualquer procedimento(16-17), a notificação e tratamento médico após
acidente de trabalho(12, 20)e a imunização(12, 16).
O uso de EPIs pelos trabalhadores é também definido em várias recomendações da
OIT(22, 28-29), nas quais é mencionada a importância do uso desses equipamentos
para a proteção do trabalhador. O CDC também trata desse aspecto, definindo que
para prevenir os acidentes, é necessário o uso apropriado de barreiras, como
luvas e óculos de proteção(23).
A responsabilidade do profissional de saúde em descartar corretamente os
objetos pérfuro-cortantes, bem como sua obrigação de não re-encapar agulhas ou
desconectá-las manualmente, é preconizada no Brasil pela NR 32 e também pelo
CDC em suas recomendações mais atuais(25).
A importância do manejo correto dos resíduos e da adoção de medidas para
prevenção da infecção hospitalar, como lavagem das mãos, é recomendada pelo CDC
(30). As NRs 7 e 32 e norma americana(23) estabelecem que o trabalhador receba
as vacinas disponíveis, notifique a ocorrência de acidentes de trabalho, que se
submeta a exames médicos necessários e que siga corretamente o tratamento
prescrito, sendo informado sobre suas conseqüências positivas e negativas(23).
Apesar das leis brasileiras cumprirem teoricamente com várias recomendações
internacionais, identifica-se no Brasil que o cotidiano da maioria dos serviços
de saúde pouco representa um cenário de cumprimento dessas normas. Quando há
equipamentos e condições ambientais seguras para os trabalhadores, o fator
"tempo" e as pressões da chefia, da equipe e da demanda impedem que o
trabalhador preze sua saúde e bem-estar, em detrimento das responsabilidades do
cuidado a um grande número de pacientes(3).
Para o CDC, além de todas as medidas citadas, é preciso que haja uma equipe
adequada à proporção de pacientes(25). Essa afirmação aponta para a importância
de mudanças organizacionais do trabalho e a necessidade de recursos humanos, e
não só da criação de normas e leis.
A NR 9 define que os trabalhadores devem informar ao superior hierárquico
ocorrências que a seu ver representam riscos à saúde no trabalho(11). Essa
norma nacional é compatível com a recomendação da OIT nº 97, orientando que o
trabalhador informe à chefia qualquer situação que possa causar algum dano que
eles mesmos não podem solucionar(22), e assemelha-se também à recomendação nº
164, definindo que as informações dos trabalhadores devem ser reconhecidas(28).
No entanto, enquanto as leis definem que o conhecimento e a percepção dos
trabalhadores sobre o processo de trabalho devem ser considerados, identifica-
se no país que a classe trabalhadora é isolada dessas questões, o que
intensifica ainda mais a alienação do trabalhador(29).
A OIT, ao analisar a aplicação prática das normas sobre saúde e segurança no
trabalho por vários países, identificou que existe um fracasso em assegurar o
direito dos trabalhadores de interromper seu trabalho quando vêem que existe um
perigo grave e iminente(24). Os meios de participação e voz dos trabalhadores,
como os sindicatos e outras organizações, precisam ser ativados com objetivos
conjuntos para que mudanças concretas sejam feitas. A única maneira de se
conseguir um trabalho decente em condições de liberdade, igualdade e dignidade
humana é que os profissionais de saúde tenham a oportunidade de expressar-se
sobre o que estes conceitos significam para a sua qualidade de vida.
Medidas de proteção materiais e ambientais
Para a norma americana Bloodborne Pathogens Standarde posteriormente para a NR
32, é obrigatória a existência de lavatório exclusivo para higiene das mãos,
com água corrente, torneiras ou comandos que dispensem a abertura manual,
sabonete líquido, toalha descartável e lixeira com sistema de abertura sem
contato das mãos(16, 23).
De acordo com a NR 26, a cor verde caracteriza "segurança" e deve ser empregada
para identificar fontes lavadoras de olhos, quadro para exposição de cartazes,
boletins ou avisos de segurança, e localização de EPIs e dispositivos de
segurança(14). Como padronização internacional, o risco biológico é
representado por um símbolo na cor laranja, com a descrição Biohazardou "risco
biológico"(23). A CIPA também atua nesse aspecto, definindo o mapa de riscos
dentro dos serviços de saúde, no qual a presença do risco biológico é
representada pela cor vinho(13).
Segundo norma internacional, luvas de diferentes tamanhos, hipoalérgicas ou sem
talco devem estar disponíveis aos trabalhadores(25), o que não é descrito em
nenhuma norma nacional. Quando as luvas são fornecidas, não existem variedades
nos tamanhos e tipos de produtos. Um estudo identificou que um dos motivos para
não usá-las durante a punção venosa é a inadequada adaptação da luva ao
profissional, seja no tamanho, na qualidade do material ou na perda de
sensibilidade tátil. Portanto não basta prover o EPI se ele não estiver
adaptado àqueles que o utilizam(30).
As agulhas e seringas com dispositivos de segurança devem possuir uma capa
rígida que não permita o contato direto das mãos com a agulha; garantir
segurança durante todo o processo de manuseio; ter uma operação simples e
óbvia; ter um custo o mais reduzido possível; e acima de tudo, que esses
dispositivos não comprometam a integridade do trabalhador e a do paciente(25).
Segundo o CDC, no início da década de 80 as medidas de prevenção incluíam
programas de educação, o não re-encape de agulhas, e melhores dispositivos de
agulhas. Entre 1987 e 1991 as ações tinham como foco a utilização de coletores
de pérfuro-cortantes mais rígidos e resistentes e informações aos trabalhadores
quanto ao perigo de re-encapar ou quebrar as agulhas(25).
As precauções universais foram importantes na redução do número de acidentes
percutâneos, contudo o uso de luvas, óculos e máscaras por si só não
representava um grande impacto na prevenção desses acidentes. Afinal, esses
EPIs até protegem o trabalhador contra o contato com sangue e outros fluidos
corpóreos como pele e mucosa, mas as agulhas e outros objetos pérfuro-cortantes
podem facilmente penetrar essas barreiras(25).
As medidas mais atuais de prevenção seguem uma "hierarquia de controle". A
prioridade é eliminar ou reduzir o uso de agulhas e outros objetos pérfuro-
cortantes ao máximo possível, e após isso, usar todos os métodos de controle de
engenharia, como os dispositivos de segurança. Por fim, se essas estratégias
não provêm total proteção do trabalhador, então são adotados o controle das
práticas de trabalho (não re-encapar agulhas, recipientes de descartes rígidos)
e o uso de EPIs(25).
Nas pesquisas que realizamos junto à Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho
- REPAT/USP(31), que estuda as características dos acidentes de trabalho com
exposição a material biológico em hospitais brasileiros, identificamos que,
mesmo após a implantação da NR 32, ainda persiste o manuseio excessivo de
material pérfuro-cortante e o não uso de agulhas com dispositivos de segurança,
além da concepção de que o fornecimento de EPIs é prioridade para a proteção do
trabalhador. O adoecimento do trabalhador frente ao risco biológico ainda é
visto como algo inerente aos profissionais da saúde, prevalecendo concepções
mais curativas do que preventivas. Torna-se necessário promover o acesso dos
serviços de saúde a novas tecnologias e novas propostas que priorizem mais a
prevenção do que somente a notificação e a assistência do trabalhador quando a
exposição e a contaminação já ocorreram.
Vigilância/Fiscalização
Inseridas na ampla e complexa definição de vigilância à saúde do trabalhador,
existem dois aspectos fundamentais que apresentam dificuldades em sua
aplicação: a inspeção do ambiente de trabalho e as estatísticas dos acidentes
de trabalho.
Para a OIT, de acordo com a Recomendação nº 171, uma das ações de vigilância do
ambiente de trabalho envolve as visitas de profissionais qualificados em saúde
e segurança para examinar o local e as condições laborais, com o objetivo de
detectar precocemente qualquer alteração que possa causar danos à saúde dos
trabalhadores(32). Entretanto, no Brasil, as leis identificadas pouco enfocam
essa ação na avaliação da saúde e segurança dos trabalhadores.
Partindo para a realidade dos serviços de saúde, a inspeção do trabalho
manifesta-se como uma prática pontual e punitiva. A OIT detectou que em vários
países o principal papel dos serviços de inspeção, o de prezar pelo cumprimento
das normas relativas às condições de trabalho que protejam a saúde dos
trabalhadores, é substituído pelo papel de árbitros nos conflitos individuais e
coletivos do trabalho(24).
A OIT também identificou a dificuldade dos empregadores, trabalhadores e seus
representantes de participar e ter acesso aos resultados da inspeção do
trabalho, fato que os impede de compreender, opinar e efetivar o cumprimento
das normas(24). O temor dos empregadores e trabalhadores frente à inspeção e a
prática pontual e punitiva dos órgãos fiscalizadores devem ser substituídos
pelo diálogo e pela busca de melhorias nas condições de trabalho.
Com relação às estatísticas dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, a
OIT e o CDC as consideram medidas básicas e essenciais para o desenvolvimento
de estratégias de prevenção dos acidentes de trabalho. A OIT recomenda a
necessidade do intercâmbio de dados estatísticos sobre segurança e saúde no
trabalho entre as autoridades competentes, os empregadores, os trabalhadores e
seus representantes(32)e o CDC relata que os dados sobre os casos de acidentes
com pérfuro-cortantes são essenciais para caracterizar quem, onde, quando e
como esses eventos ocorrem(25).
Contudo, verifica-se no Brasil a escassez de informações sobre os acidentes de
trabalho. A real magnitude do problema é difícil de ser mensurada devido à
pouca informação com relação aos trabalhadores de outros setores que não o
hospitalar, como clínicas particulares e atendimento domiciliar, além da
existência da subnotificação dos acidentes(25).
No sentido de mudar essa situação, o Brasil vem avançando através de várias
medidas desenvolvidas no plano legal, como a revisão anual obrigatória da Lista
de Doenças Relacionadas ao Trabalho, a criação da RENAST e a construção da
portaria nº 777 pelo Ministério da Saúde. Essas leis possibilitam que qualquer
trabalhador, formal ou informal, notifique a ocorrência de acidente de trabalho
(Notificação Compulsória) e receba acolhimento e atenção integral à sua saúde,
por meio da rede de serviços sentinela específica, que compreendem serviços
selecionados da rede de Atenção Básica, os Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador - CEREST, e a rede assistencial de média e alta complexidade do SUS
(19-21).
Os acidentes de trabalho com exposição a material biológico são considerados
agravos de notificação compulsória, e já existe, além do Comunicado de Acidente
de Trabalho - CAT, o SINAN - Sistema Nacional de Agravos de Notificação, uma
ficha on-line que permite reunir informações de todo o país. Além da criação
desse sistema nacional de informação, é preciso que os empregadores e os
trabalhadores estejam conscientes da necessidade de notificar os acidentes, que
tenham acesso ao SINAN dentro dos serviços de saúde e que estejam capacitados
para utilizá-lo.
Treinamento/Capacitação
A NR 32 define que a capacitação do trabalhador deve ser ministrada sempre que
ocorram mudanças nas condições de exposição dos trabalhadores aos agentes
biológicos patogênicos, durante a jornada de trabalho e por profissionais
familiarizados com a temática. Essa capacitação deve ser comprovada através de
documentos que informem a data, a carga horária, o conteúdo ministrado, o nome
e a formação ou capacitação profissional do instrutor e dos trabalhadores
envolvidos(16).
A NR 5 define que um dos temas que deve ser abordado durante a capacitação são
as legislações trabalhistas sobre segurança e saúde no trabalho, o que também é
recomendado na Bloodborne Pathogens Standard. A portaria nº 2616 e o CDC
preconizam a capacitação do quadro de funcionários e profissionais da
instituição, no que diz respeito à prevenção e controle das infecções
hospitalares (17, 33). Essa norma internacional também orienta que as
diretrizes e a educação em saúde devem ser transmitidas de forma objetiva, com
linguagem clara, e de fácil acesso aos trabalhadores, o que condiz com as
diretrizes da NR 32.
A recomendação nº 171 da OIT preconiza que os serviços de saúde no trabalho
devem participar da elaboração e aplicação de programas de informação e
educação dos trabalhadores sobre medidas preventivas de adoecimento e acidentes
de trabalho, e verifica-se pelas leis nacionais que o SESMT e a CIPA tem como
dever atuar nessas medidas de forma articulada.
A recomendação da OIT Sobre o Marco Promocional para a Saúde e Segurança no
Trabalho traz uma concepção importante que é a base para a efetivação das ações
em saúde do trabalhador: a promoção de uma cultura nacional de prevenção em
segurança e saúde no trabalho, na qual todos os envolvidos, o Estado, os
empregadores, os trabalhadores e toda a sociedade estejam informados e tenham
interesse pela temática(27). Para isso, o tema precisa ser abordado na formação
profissional dos envolvidos, e os resultados dos estudos precisam ser
amplamente divulgados dentro do cotidiano dos serviços de saúde, de uma forma
que alcance e produza resultados na saúde dos trabalhadores.
CONCLUSÃO
A legislação nacional contempla grande parte das recomendações internacionais,
porém a implementação das recomendações ainda não foi efetivada em muitos
serviços de saúde, por exemplo, com relação a não utilização de agulhas e
seringas com dispositivos de segurança.
Embora a legislação nacional contemple os aspectos internacionalmente
preconizados, identificam-se na prática lacunas na eficiência da fiscalização
da adoção das recomendações de segurança nos locais de trabalho e uma inversão
na concepção e nos métodos de prevenção e controle dos acidentes de trabalho,
persistindo a idéia de risco inerente à determinada atividade, como se o risco
biológico estivesse naturalmente presente e como se a exposição a esse risco
fosse algo aceitável. Na realidade é importante considerar que esses fatores
existem por outros determinantes que não a impossibilidade técnica de sua
eliminação ou controle, e que na verdade eles são decorrentes da insuficiente
valorização da saúde e da vida dos trabalhadores.
Apesar da existência de inúmeras formas de capacitação, é difícil introduzir
informações e normas na mentalidade e na vida prática dos trabalhadores em um
país onde, em matéria de saúde e segurança do trabalhador, há uma escassez de
diálogo e troca de informações entre os grandes centros de pesquisa no assunto
e os serviços de saúde. A evolução do conhecimento fica retida dentro das
universidades, sendo objeto de discussão entre uma minoria intelectual, não
alcançando os gestores dos serviços de saúde e, por conseguinte os
trabalhadores e a sociedade.
Os valores individuais, as formações acadêmicas deficitárias, a neutralidade da
sociedade, a insuficiente capacidade de pressão dos trabalhadores, a
indiferença dos empregadores e a dificuldade de implementação de uma política
efetiva, resultam no processo de adoecimento dos trabalhadores onde as leis são
transformadas em documentos burocráticos. Portanto, é necessário não só o
avanço da legislação, mas também das políticas públicas e da reivindicação dos
trabalhadores.