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BrBRCVHe0034-71672011000100023

BrBRCVHe0034-71672011000100023

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2011
Issue0001
Article number00023

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A legislação brasileira e as recomendações internacionais sobre a exposição ocupacional aos agentes

INTRODUÇÃO A relação trabalho/saúde ainda se deflagra como um paradigma atual, sendo objeto de constantes reflexões e transformações. O modelo da Saúde do Trabalhador no Brasil permanece em construção, trazendo uma nova e ampliada perspectiva do processo de trabalho. No entanto, mesmo com esforços existentes, ainda são alarmantes os registros de acidentes de trabalho e doenças profissionais no Brasil, com graves consequências para as vítimas e seus familiares, abalando a estrutura familiar nos aspectos emocionais, sociais e econômicos(1). Portanto, o modelo de Saúde do Trabalhador ainda apresenta um impacto de pouca visibilidade frente às injurias que atingem a saúde dos trabalhadores advindas da complexidade do modo de produção e seus efeitos(2).

As cargas de trabalho existentes (biológicas, físicas, químicas, psíquicas, mecânicas, entre outras) geram processos de desgaste, e o risco biológico é o mais relacionado à prática dos profissionais de saúde, uma vez que os serviços de saúde são locais que propiciam o constante contato com sangue ou outros fluídos orgânicos, conferindo a esses trabalhadores a possibilidade de adquirirem doenças como as hepatites B e C e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS)(3-4).

Contudo, além de saber dos riscos a que está exposto no ambiente de trabalho, o trabalhador também precisa conhecer as legislações trabalhistas no sentido de identificar seus direitos e deveres e se integrar efetivamente no campo da Saúde do Trabalhador.

Na segunda metade da década de 1960, países industrializados como a Alemanha, França, Estados Unidos e Itália passaram por transformações nos modos de pensar, e em decorrência da mobilização dos trabalhadores, políticas sociais transformaram-se em leis, desencadeando mudanças na legislação do trabalho e nos aspectos da segurança e saúde do trabalhador (5).

No Brasil houve, em 1904, uma tentativa de se criar uma legislação especial para acidentes causados pelo trabalho, porém sem resultados, visto que os interesses políticos e econômicos do país estavam à frente das questões relacionadas à saúde dos trabalhadores Foi em 1919 que surgiu o primeiro decreto legislativo definindo o acidente de trabalho com característica unicausal. No entanto, somente a partir de 1987 que as principais normas legais foram sendo ampliadas e desenvolvidas(6).

A promulgação da Constituição Federal em 1988 permitiu um grande avanço na legislação trabalhista brasileira. A Saúde do Trabalhador passa a se inserir efetivamente no campo da saúde, incorporando-se dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), cujas ações se constroem com base em seus princípios de universalidade, integralidade e participação social(7).

A partir da lei magna, as exigências legais foram se transformando em portarias, leis e decretos, em que espaços foram oportunizados ao trabalhador como agente integrante da situação de trabalho e participante das políticas sociais. Mesmo assim, a violação dos direitos trabalhistas é uma realidade no país, e muitos trabalhadores encontram-se alienados desses direitos, o que intensifica a precariedade das condições de trabalho(8).

Mediante a existência de um grande número de leis, a dificuldade de leitura e compreensão das normas, a falta de atenção para tal prática, e considerando que a exposição aos agentes biológicos patogênicos representa uma importante forma de agravo à saúde dos trabalhadores da área da saúde, este estudo tem como objetivos: - Identificar as leis nacionais que regulamentam a segurança ocupacional dos profissionais de saúde, relacionada à prevenção do risco biológico; - Comparar as leis nacionais com as recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) que abordam medidas preventivas frente ao risco biológico.

MÉTODO O estudo foi desenvolvido com base no método dedutivo, utilizando-se o delineamento metodológico de pesquisa de revisão bibliográfica, que teve como propósito reunir e sintetizar o conhecimento existente sobre o tema proposto. O levantamento dos dados foi realizado no período de agosto a dezembro de 2008, por meio de consulta à legislação brasileira e às principais recomendações internacionais sobre o tema "saúde e segurança no trabalho dos profissionais de saúde frente ao risco biológico", por meio de acesso aos sites do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Saúde (MS), OIT e do CDC.

- Critérios de inclusão da legislação nacional: 1) leis que abordam os aspectos saúde e segurança no trabalho e exposição a agentes biológicos patogênicos, aplicáveis aos profissionais de saúde; 2) publicadas em qualquer período, atualizadas e até o momento válidas; 3) leis de alcance federal; 4) leis disponíveis na íntegra nos sites selecionados.

- Critérios de exclusão da legislação nacional: 1) leis que fogem ao tema proposto; 2) desatualizadas ou revogadas; 3) leis estaduais ou municipais; 4) leis não disponíveis na íntegra nos sites selecionados.

A busca de dados relativa às recomendações internacionais foi realizada a partir da seleção das principais e mais recentes recomendações internacionais sobre a temática proposta, presentes nos sites da OIT e do CDC. A busca no site da OIT foi realizada através do acesso aos links Internacional Labour Standarts Homepage e Recommendation, sucessivamente. No site do CDC, acessou-se o link Health and Safety Topics e posteriormente os links Bloodbourne Infections Disease (HIV/AIDS e hepatitis B e C), Needlestick Injuries e Infection Control in Health care Settings. Foram incluídas as recomendações relacionadas ao objeto de estudo, descritas nos idiomas inglês e/ou espanhol, e disponíveis na íntegra.

Análise dos dados: as informações apresentadas nas leis nacionais e nas recomendações internacionais foram categorizadas, para descrição e comparação, segundo os seguintes temas: "função dos empregadores", "função dos trabalhadores", "medidas de proteção materiais e ambientais", "vigilância/ fiscalização" e "treinamento/capacitação".

RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram encontradas 12 leis nacionais que regulamentam a saúde e a segurança ocupacional relacionadas aos agentes biológicos e aos trabalhadores de saúde, representadas no Quadro_1.

A maioria das leis brasileiras que regulamentam a saúde e segurança ocupacional é apresentada na forma de Normas Regulamentadoras (NRs), aprovadas pela Portaria 3.214, de 08 de junho de 1978(9).

A NR 4(10) define o SESMT, cuja finalidade é promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no ambiente laboral, com a atuação de profissionais especializados.

O PPRA(11) atua através da antecipação, reconhecimento, avaliação e controle dos riscos ambientais que existem ou que possam existir no ambiente de trabalho, visando a preservação da saúde dos profissionais. O PCMSO(12) tem suas ações focalizadas no trabalhador, contemplando desde a avaliação dos riscos até as medidas necessárias frente aos mesmos.

A CIPA(13) tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, e suas ações envolvem a elaboração do Mapa de Riscos e a organização anual da Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho - SIPAT, além de outras medidas realizadas em conjunto com o SESMT.

A NR 26(14)estabelece a sinalização de segurança que deve ser usada no ambiente de trabalho para indicar diferentes locais/riscos, no sentido de prevenir a ocorrência de acidentes. Os EPIs são dispositivos usados pelo trabalhador como uma dentre várias medidas de proteção da saúde no ambiente laboral e as recomendações de uso são ditadas pela NR 6(15).

A NR 32 define diretrizes específicas sobre saúde e segurança no trabalho, profissionais da saúde e risco biológico em uma única norma, facilitando o acesso desses trabalhadores às preconizações que lhe são pertinentes (16).

A Portaria 2616 define as diretrizes para a prevenção e o controle das infecções hospitalares, que podem causar danos tanto aos pacientes como aos próprios trabalhadores(17). O manejo dos resíduos dos serviços de saúde é estabelecido pela Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA através da Resolução 306, cuja aplicação pode prevenir injúrias aos pacientes e profissionais de saúde(18).

A Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho(19) foi novamente editada em 1990 e através dessa listagem é possível definir o perfil nosológico, ou perfil das moléstias da população trabalhadora, no sentido de estabelecer políticas públicas no campo da saúde do trabalhador.

A portaria 777 de 2004(20)regulamenta a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador, e dentro desses agravos ela inclui os acidentes com exposição a material biológico, definindo um instrumento de notificação específico para esse tipo de acidente, o que possibilita conhecer as características dessas ocorrências e promover ações preventivas.

A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST foi criada para promover ações em saúde do trabalhador que abordam a vigilância e a assistência integral à saúde, independentemente do vínculo empregatício e do tipo de inserção no mercado de trabalho, o que representa um avanço se comparado com as outras normas identificadas(21).

Diante do conteúdo abordado na legislação brasileira, passamos, a seguir, a compará-la às recomendações internacionais. Os dados foram agrupados em cinco temas para melhor compreensão das informações.

Função dos empregadores As normas nacionais e internacionais definem funções que envolvem adaptação do ambiente de trabalho, mudança das práticas e comportamento dos trabalhadores, fornecimento gratuito de materiais e equipamentos seguros, assistência médica, capacitação e vigilância.

A Resolução RDC 306 e a NR 32 definem que os empregadores devem disponibilizar meios para descarte, transporte, armazenamento e disposição final dos resíduos biológicos, além da capacitação dos trabalhadores no manejo destes(16, 18). A Recomendação da OIT 97(22) também trata desse aspecto, preconizando que o empregador deve adotar medidas para que os resíduos não se acumulem, constituindo um risco para a saúde no ambiente de trabalho.

A NR 32 preconiza que os empregadores devem vedar a utilização de pias de trabalho para outros fins não previstos, a proibição do ato de fumar, do uso de adornos e lentes de contato e do consumo de alimentos e bebidas nos postos de trabalho(16). Essas medidas, estabelecidas em 2005 no Brasil, haviam sido preconizadas em 1992, pela Lei Bloodborne Pathogens Standard,nos Estados Unidos (23).

A NR 7 estabelece que o empregador deve custear o atendimento médico, a solicitação de exames laboratoriais, a imunização do trabalhador e principalmente toda a assistência após a ocorrência de acidente relacionado à exposição a material biológico(12). Além disso, a OIT também define que o empregador deve prever medidas para atuar frente a situações de urgência e emergência, proporcionando primeiros auxílios sem custo ao empregado(24).

A obrigação do empregador de disponibilizar EPI aprovado por órgão competente, sem custo para o trabalhador, e de substituí-lo sempre que danificado ou extraviado, é definida pela NR 6 e NR 32(15-16). A OIT acrescenta que o EPI não deve substituir a busca pela eliminação ou redução da exposição aos agentes biológicos patogênicos e pelas medidas ambientais e coletivas(24).

Para o CDC, os materiais pérfuro-cortantes com dispositivo de segurança, como agulhas retráteis, são de fundamental importância na redução dos acidentes de trabalho e os empregadores devem avaliá-los e implementá-los (25). No Brasil isso foi preconizado em 2005 pela NR 32 e pela Portaria 939 em 2008 (26), portanto o país necessita aplicar essa medida cuja eficiência e eficácia foram comprovadas.

A OIT responsabiliza os empregadores quanto à capacitação dos trabalhadores, indicando que ela deve ser contínua e sem custo(24), e o CDC recomenda que a educação em saúde seja transmitida de forma clara, objetiva e de fácil acesso aos profissionais de saúde(25). A NR 32 exige a capacitação dos trabalhadores antes do início das atividades e de forma continuada(16).

Os empregadores, segundo a OIT, devem assegurar a vigilância, a avaliação e a inspeção periódica do ambiente de trabalho(24). A NR 32 define que o empregador deve informar imediatamente aos trabalhadores e aos seus representantes qualquer acidente ou incidente grave que possa provocar disseminação de um agente biológico suscetível de causar doenças graves nos seres humanos, definindo as suas causas e as medidas que serão adotadas para corrigir a situação(16).

As funções dos empregadores preconizadas nas leis brasileiras assemelham-se a várias normas internacionais. No entanto, a dificuldade que se observa no país é a falta de integração entre os empregadores e os trabalhadores nas ações preventivas. A OIT preconiza que os empregadores têm a obrigação de consultar os trabalhadores e cooperar com eles, um elemento essencial das medidas organizativas para cumprir as normas e promover a saúde no ambiente de trabalho (24).

Também no sentido de promover integração, a OIT define que, para os países em desenvolvimento, é prioridade promover um enfoque de sistemas de gestão de segurança e saúde do trabalho, no qual haja a troca de informações entre os países e sejam abordadas as limitações dos empregadores frente às exigências legais (27), visto que o não cumprimento das normas também pode relacionar-se a dificuldades políticas, econômicas e organizacionais desses empregadores.

Função dos trabalhadores Normas nacionais definem que os deveres dos trabalhadores frente aos riscos biológicos envolvem basicamente o uso de EPIs(15-16), o correto descarte dos materiais pérfuro-cortantes (20), o não re-encape de agulhas(16), a redução e o correto manejo dos resíduos biológicos(16, 18), a lavagem das mãos antes e depois de qualquer procedimento(16-17), a notificação e tratamento médico após acidente de trabalho(12, 20)e a imunização(12, 16).

O uso de EPIs pelos trabalhadores é também definido em várias recomendações da OIT(22, 28-29), nas quais é mencionada a importância do uso desses equipamentos para a proteção do trabalhador. O CDC também trata desse aspecto, definindo que para prevenir os acidentes, é necessário o uso apropriado de barreiras, como luvas e óculos de proteção(23).

A responsabilidade do profissional de saúde em descartar corretamente os objetos pérfuro-cortantes, bem como sua obrigação de não re-encapar agulhas ou desconectá-las manualmente, é preconizada no Brasil pela NR 32 e também pelo CDC em suas recomendações mais atuais(25).

A importância do manejo correto dos resíduos e da adoção de medidas para prevenção da infecção hospitalar, como lavagem das mãos, é recomendada pelo CDC (30). As NRs 7 e 32 e norma americana(23) estabelecem que o trabalhador receba as vacinas disponíveis, notifique a ocorrência de acidentes de trabalho, que se submeta a exames médicos necessários e que siga corretamente o tratamento prescrito, sendo informado sobre suas conseqüências positivas e negativas(23).

Apesar das leis brasileiras cumprirem teoricamente com várias recomendações internacionais, identifica-se no Brasil que o cotidiano da maioria dos serviços de saúde pouco representa um cenário de cumprimento dessas normas. Quando equipamentos e condições ambientais seguras para os trabalhadores, o fator "tempo" e as pressões da chefia, da equipe e da demanda impedem que o trabalhador preze sua saúde e bem-estar, em detrimento das responsabilidades do cuidado a um grande número de pacientes(3).

Para o CDC, além de todas as medidas citadas, é preciso que haja uma equipe adequada à proporção de pacientes(25). Essa afirmação aponta para a importância de mudanças organizacionais do trabalho e a necessidade de recursos humanos, e não da criação de normas e leis.

A NR 9 define que os trabalhadores devem informar ao superior hierárquico ocorrências que a seu ver representam riscos à saúde no trabalho(11). Essa norma nacional é compatível com a recomendação da OIT 97, orientando que o trabalhador informe à chefia qualquer situação que possa causar algum dano que eles mesmos não podem solucionar(22), e assemelha-se também à recomendação 164, definindo que as informações dos trabalhadores devem ser reconhecidas(28).

No entanto, enquanto as leis definem que o conhecimento e a percepção dos trabalhadores sobre o processo de trabalho devem ser considerados, identifica- se no país que a classe trabalhadora é isolada dessas questões, o que intensifica ainda mais a alienação do trabalhador(29).

A OIT, ao analisar a aplicação prática das normas sobre saúde e segurança no trabalho por vários países, identificou que existe um fracasso em assegurar o direito dos trabalhadores de interromper seu trabalho quando vêem que existe um perigo grave e iminente(24). Os meios de participação e voz dos trabalhadores, como os sindicatos e outras organizações, precisam ser ativados com objetivos conjuntos para que mudanças concretas sejam feitas. A única maneira de se conseguir um trabalho decente em condições de liberdade, igualdade e dignidade humana é que os profissionais de saúde tenham a oportunidade de expressar-se sobre o que estes conceitos significam para a sua qualidade de vida.

Medidas de proteção materiais e ambientais Para a norma americana Bloodborne Pathogens Standarde posteriormente para a NR 32, é obrigatória a existência de lavatório exclusivo para higiene das mãos, com água corrente, torneiras ou comandos que dispensem a abertura manual, sabonete líquido, toalha descartável e lixeira com sistema de abertura sem contato das mãos(16, 23).

De acordo com a NR 26, a cor verde caracteriza "segurança" e deve ser empregada para identificar fontes lavadoras de olhos, quadro para exposição de cartazes, boletins ou avisos de segurança, e localização de EPIs e dispositivos de segurança(14). Como padronização internacional, o risco biológico é representado por um símbolo na cor laranja, com a descrição Biohazardou "risco biológico"(23). A CIPA também atua nesse aspecto, definindo o mapa de riscos dentro dos serviços de saúde, no qual a presença do risco biológico é representada pela cor vinho(13).

Segundo norma internacional, luvas de diferentes tamanhos, hipoalérgicas ou sem talco devem estar disponíveis aos trabalhadores(25), o que não é descrito em nenhuma norma nacional. Quando as luvas são fornecidas, não existem variedades nos tamanhos e tipos de produtos. Um estudo identificou que um dos motivos para não usá-las durante a punção venosa é a inadequada adaptação da luva ao profissional, seja no tamanho, na qualidade do material ou na perda de sensibilidade tátil. Portanto não basta prover o EPI se ele não estiver adaptado àqueles que o utilizam(30).

As agulhas e seringas com dispositivos de segurança devem possuir uma capa rígida que não permita o contato direto das mãos com a agulha; garantir segurança durante todo o processo de manuseio; ter uma operação simples e óbvia; ter um custo o mais reduzido possível; e acima de tudo, que esses dispositivos não comprometam a integridade do trabalhador e a do paciente(25).

Segundo o CDC, no início da década de 80 as medidas de prevenção incluíam programas de educação, o não re-encape de agulhas, e melhores dispositivos de agulhas. Entre 1987 e 1991 as ações tinham como foco a utilização de coletores de pérfuro-cortantes mais rígidos e resistentes e informações aos trabalhadores quanto ao perigo de re-encapar ou quebrar as agulhas(25).

As precauções universais foram importantes na redução do número de acidentes percutâneos, contudo o uso de luvas, óculos e máscaras por si não representava um grande impacto na prevenção desses acidentes. Afinal, esses EPIs até protegem o trabalhador contra o contato com sangue e outros fluidos corpóreos como pele e mucosa, mas as agulhas e outros objetos pérfuro-cortantes podem facilmente penetrar essas barreiras(25).

As medidas mais atuais de prevenção seguem uma "hierarquia de controle". A prioridade é eliminar ou reduzir o uso de agulhas e outros objetos pérfuro- cortantes ao máximo possível, e após isso, usar todos os métodos de controle de engenharia, como os dispositivos de segurança. Por fim, se essas estratégias não provêm total proteção do trabalhador, então são adotados o controle das práticas de trabalho (não re-encapar agulhas, recipientes de descartes rígidos) e o uso de EPIs(25).

Nas pesquisas que realizamos junto à Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho - REPAT/USP(31), que estuda as características dos acidentes de trabalho com exposição a material biológico em hospitais brasileiros, identificamos que, mesmo após a implantação da NR 32, ainda persiste o manuseio excessivo de material pérfuro-cortante e o não uso de agulhas com dispositivos de segurança, além da concepção de que o fornecimento de EPIs é prioridade para a proteção do trabalhador. O adoecimento do trabalhador frente ao risco biológico ainda é visto como algo inerente aos profissionais da saúde, prevalecendo concepções mais curativas do que preventivas. Torna-se necessário promover o acesso dos serviços de saúde a novas tecnologias e novas propostas que priorizem mais a prevenção do que somente a notificação e a assistência do trabalhador quando a exposição e a contaminação ocorreram.

Vigilância/Fiscalização Inseridas na ampla e complexa definição de vigilância à saúde do trabalhador, existem dois aspectos fundamentais que apresentam dificuldades em sua aplicação: a inspeção do ambiente de trabalho e as estatísticas dos acidentes de trabalho.

Para a OIT, de acordo com a Recomendação 171, uma das ações de vigilância do ambiente de trabalho envolve as visitas de profissionais qualificados em saúde e segurança para examinar o local e as condições laborais, com o objetivo de detectar precocemente qualquer alteração que possa causar danos à saúde dos trabalhadores(32). Entretanto, no Brasil, as leis identificadas pouco enfocam essa ação na avaliação da saúde e segurança dos trabalhadores.

Partindo para a realidade dos serviços de saúde, a inspeção do trabalho manifesta-se como uma prática pontual e punitiva. A OIT detectou que em vários países o principal papel dos serviços de inspeção, o de prezar pelo cumprimento das normas relativas às condições de trabalho que protejam a saúde dos trabalhadores, é substituído pelo papel de árbitros nos conflitos individuais e coletivos do trabalho(24).

A OIT também identificou a dificuldade dos empregadores, trabalhadores e seus representantes de participar e ter acesso aos resultados da inspeção do trabalho, fato que os impede de compreender, opinar e efetivar o cumprimento das normas(24). O temor dos empregadores e trabalhadores frente à inspeção e a prática pontual e punitiva dos órgãos fiscalizadores devem ser substituídos pelo diálogo e pela busca de melhorias nas condições de trabalho.

Com relação às estatísticas dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, a OIT e o CDC as consideram medidas básicas e essenciais para o desenvolvimento de estratégias de prevenção dos acidentes de trabalho. A OIT recomenda a necessidade do intercâmbio de dados estatísticos sobre segurança e saúde no trabalho entre as autoridades competentes, os empregadores, os trabalhadores e seus representantes(32)e o CDC relata que os dados sobre os casos de acidentes com pérfuro-cortantes são essenciais para caracterizar quem, onde, quando e como esses eventos ocorrem(25).

Contudo, verifica-se no Brasil a escassez de informações sobre os acidentes de trabalho. A real magnitude do problema é difícil de ser mensurada devido à pouca informação com relação aos trabalhadores de outros setores que não o hospitalar, como clínicas particulares e atendimento domiciliar, além da existência da subnotificação dos acidentes(25).

No sentido de mudar essa situação, o Brasil vem avançando através de várias medidas desenvolvidas no plano legal, como a revisão anual obrigatória da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, a criação da RENAST e a construção da portaria 777 pelo Ministério da Saúde. Essas leis possibilitam que qualquer trabalhador, formal ou informal, notifique a ocorrência de acidente de trabalho (Notificação Compulsória) e receba acolhimento e atenção integral à sua saúde, por meio da rede de serviços sentinela específica, que compreendem serviços selecionados da rede de Atenção Básica, os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador - CEREST, e a rede assistencial de média e alta complexidade do SUS (19-21).

Os acidentes de trabalho com exposição a material biológico são considerados agravos de notificação compulsória, e existe, além do Comunicado de Acidente de Trabalho - CAT, o SINAN - Sistema Nacional de Agravos de Notificação, uma ficha on-line que permite reunir informações de todo o país. Além da criação desse sistema nacional de informação, é preciso que os empregadores e os trabalhadores estejam conscientes da necessidade de notificar os acidentes, que tenham acesso ao SINAN dentro dos serviços de saúde e que estejam capacitados para utilizá-lo.

Treinamento/Capacitação A NR 32 define que a capacitação do trabalhador deve ser ministrada sempre que ocorram mudanças nas condições de exposição dos trabalhadores aos agentes biológicos patogênicos, durante a jornada de trabalho e por profissionais familiarizados com a temática. Essa capacitação deve ser comprovada através de documentos que informem a data, a carga horária, o conteúdo ministrado, o nome e a formação ou capacitação profissional do instrutor e dos trabalhadores envolvidos(16).

A NR 5 define que um dos temas que deve ser abordado durante a capacitação são as legislações trabalhistas sobre segurança e saúde no trabalho, o que também é recomendado na Bloodborne Pathogens Standard. A portaria 2616 e o CDC preconizam a capacitação do quadro de funcionários e profissionais da instituição, no que diz respeito à prevenção e controle das infecções hospitalares (17, 33). Essa norma internacional também orienta que as diretrizes e a educação em saúde devem ser transmitidas de forma objetiva, com linguagem clara, e de fácil acesso aos trabalhadores, o que condiz com as diretrizes da NR 32.

A recomendação 171 da OIT preconiza que os serviços de saúde no trabalho devem participar da elaboração e aplicação de programas de informação e educação dos trabalhadores sobre medidas preventivas de adoecimento e acidentes de trabalho, e verifica-se pelas leis nacionais que o SESMT e a CIPA tem como dever atuar nessas medidas de forma articulada.

A recomendação da OIT Sobre o Marco Promocional para a Saúde e Segurança no Trabalho traz uma concepção importante que é a base para a efetivação das ações em saúde do trabalhador: a promoção de uma cultura nacional de prevenção em segurança e saúde no trabalho, na qual todos os envolvidos, o Estado, os empregadores, os trabalhadores e toda a sociedade estejam informados e tenham interesse pela temática(27). Para isso, o tema precisa ser abordado na formação profissional dos envolvidos, e os resultados dos estudos precisam ser amplamente divulgados dentro do cotidiano dos serviços de saúde, de uma forma que alcance e produza resultados na saúde dos trabalhadores.

CONCLUSÃO A legislação nacional contempla grande parte das recomendações internacionais, porém a implementação das recomendações ainda não foi efetivada em muitos serviços de saúde, por exemplo, com relação a não utilização de agulhas e seringas com dispositivos de segurança.

Embora a legislação nacional contemple os aspectos internacionalmente preconizados, identificam-se na prática lacunas na eficiência da fiscalização da adoção das recomendações de segurança nos locais de trabalho e uma inversão na concepção e nos métodos de prevenção e controle dos acidentes de trabalho, persistindo a idéia de risco inerente à determinada atividade, como se o risco biológico estivesse naturalmente presente e como se a exposição a esse risco fosse algo aceitável. Na realidade é importante considerar que esses fatores existem por outros determinantes que não a impossibilidade técnica de sua eliminação ou controle, e que na verdade eles são decorrentes da insuficiente valorização da saúde e da vida dos trabalhadores.

Apesar da existência de inúmeras formas de capacitação, é difícil introduzir informações e normas na mentalidade e na vida prática dos trabalhadores em um país onde, em matéria de saúde e segurança do trabalhador, uma escassez de diálogo e troca de informações entre os grandes centros de pesquisa no assunto e os serviços de saúde. A evolução do conhecimento fica retida dentro das universidades, sendo objeto de discussão entre uma minoria intelectual, não alcançando os gestores dos serviços de saúde e, por conseguinte os trabalhadores e a sociedade.

Os valores individuais, as formações acadêmicas deficitárias, a neutralidade da sociedade, a insuficiente capacidade de pressão dos trabalhadores, a indiferença dos empregadores e a dificuldade de implementação de uma política efetiva, resultam no processo de adoecimento dos trabalhadores onde as leis são transformadas em documentos burocráticos. Portanto, é necessário não o avanço da legislação, mas também das políticas públicas e da reivindicação dos trabalhadores.


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