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BrBRCVHe0034-71672011000200002

BrBRCVHe0034-71672011000200002

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2011
Issue0002
Article number00002

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Atravessando períodos nebulosos: a experiência da família da criança portadora da Síndrome de Down

INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, o Brasil passou por transformações demográficas profundas que levaram ao crescimento da situação de cronicidade no perfil de morbimortalidade da população(1). Atualmente, as condições crônicas constituem problemas de saúde que requerem gerenciamento contínuo por um período de vários anos ou décadas e abarcam uma categoria extremamente vasta de agravos que, aparentemente, poderiam não ter nenhuma relação entre si. No entanto, doenças transmissíveis, não transmissíveis e incapacidades estruturais incluem-se nessa categoria.

As condições crônicas apresentam como ponto em comum serem persistentes e necessitarem de certo nível de cuidados permanentes. Independente da causa, elas exigem mudanças no estilo de vida e gerenciamento da saúde por um período de tempo(2). Assim, a síndrome de Down (SD) pode ser considerada uma condição crônica de saúde, que apresenta as características pontuadas acima e requer um investimento familiar e da própria pessoa acometida, para gerenciar as situações cotidianas, demandando um tempo de dedicação diária e seguimento em longo prazo.

Por ainda se encontrar em fase de crescimento e desenvolvimento, a criança necessita de estímulos, atenção, carinho, compreensão e proteção(3). Os primeiros anos de vida de uma criança constituem um período crítico em seu desenvolvimento cognitivo, e o papel da família nesse período é fundamental, principalmente nos casos de crianças com necessidades especiais, relacionadas à aspectos cognitivos. Seu desenvolvimento não depende do grau em que são afetadas intelectualmente, mas também de vários outros fatores, sendo o ambiente familiar o principal deles(4,5). Assim, capacidades cognitivas e motoras, desde que sejam treinadas e façam parte da vida social das crianças com SD, virão a se desenvolver, pois a inteligência se constrói, dependendo do contexto familiar, social e escolar de que a criança participa(6).

A atuação dos profissionais de saúde junto a essas famílias esclarecendo e incentivando a precocidade de estímulos adequados é de fundamental importância (4). Outros autores destacam a necessidade de um trabalho de apoio e intervenção na família, o que poderá refletir na melhora do desenvolvimento cognitivo da criança portadora de SD(5). Tratando-se de famílias com crianças em situações crônicas, as enfermeiras precisam avaliar suas experiências e propor intervenções específicas para aumentar a qualidade de vida, estreitar os mecanismos de enfrentamento, manter o bem-estar e promover a saúde dos membros da família(7). Enfermeiras podem ter um importante papel na promoção de resiliência e adaptação nas famílias de crianças com SD, se elas reconhecerem e valorizarem as capacidades naturais das famílias para suportar, sobreviver e prosperar, mesmo na presença de constantes desafios associados à criança com SD (8).

Diante de tal cenário o objetivo deste estudo foi o de compreender como é para a família ter uma criança com SD entre seus membros, para que, a partir dessa compreensão, as enfermeiras possam propor e realizar um cuidado com ênfase nas respostas da família aos problemas atuais e potenciais vividos.

MÉTODO Tratou-se de pesquisa com abordagem qualitativa, que utilizou como referencial teórico o Interacionismo Simbólico (IS) que apresenta a particularidade do ser humano interagir, interpretar, definir e agir no seu cotidiano, de acordo com o significado que ele atribui à situação vivida(9). Como referencial metodológico de análise, optou-se pela Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) que permite a geração de teorias a partir de dados obtidos e analisados de maneira sistemática e concomitante, por meio de uma comparação dos dados, de um ir e vir a eles, da coleta para a análise e vice-versa(10). Por envolver seres humanos, o projeto de pesquisa foi submetido à revisão ética e ao acompanhamento do Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (Processo CAAE-0040.0.135.000-08), tendo sido aprovado.

Participaram da pesquisa oito famílias de crianças com SD, as quais foram convidadas por meio de um grupo de apoio de uma cidade do interior paulista.

Esse grupo foi constituído por iniciativa das próprias famílias que possuíam crianças com SD. Suas atividades eram coordenadas por uma enfermeira e realizadas nas dependências de uma universidade localizada no município onde a pesquisa foi desenvolvida.

A coleta de dados se deu, no período de agosto de 2008 a julho de 2009, por meio de entrevista semiestruturada a qual foi iniciada com a questão: "Como é para vocês ter uma criança com Síndrome de Down na família?" À medida que esta questão era explorada pelos participantes, outras foram formuladas. Frases como: "Como assim?" "Me fale mais sobre isto" foram utilizadas. Em todas as entrevistas, participaram pelo menos dois membros da família, em sua maioria, a mãe e o pai; outros membros, porém, também se fizeram presentes, sendo eles avó, irmã, prima em terceiro grau e prima em primeiro grau, totalizando 21 familiares.

Foi realizada uma entrevista com cada família, com exceção de uma delas, visitada duas vezes com o objetivo de aprofundar os dados colhidos anteriormente. Todas as entrevistas foram realizadas no domicílio dos participantes com duração média de uma hora e quarenta minutos. Todas residiam no município de São Carlos, interior de São Paulo. Cada membro entrevistado assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo deixada uma cópia para eles, após a exposição do objetivo da pesquisa e esclarecimentos de possíveis dúvidas. Nessa mesma ocasião, foram garantidos o anonimato e o sigilo das informações coletadas, e solicitava-se autorização para gravar a entrevista.

As entrevistas foram transcritas, na íntegra, logo após sua reali-zação, para que não perdêssemos detalhes. As famílias foram identificadas por números, conforme ordem de ingresso na pesquisa.

A análise dos dados foi realizada concomitantemente à coleta, procedendo-se à análise comparativa constante, seguindo os passos preconizados pelo referencial, que envolvem codificação aberta ou substantiva (conceitualização dos dados e categorização dos dados), codificação axial ou teórica e aplicação do modelo do paradigma(11). Esta metodologia trabalha com um processo constante construção dos dados que permite ao pesquisador parar em qualquer nível de análise dos dados e expor o encontrado. Assim, este estudo foi conduzido até a codificação axial, embora esta metodologia proponha a elaboração de um modelo teórico(12).

Para ilustrar a apresentação dos resultados, selecionamos alguns trechos das falas dos participantes e utilizamos a seguinte padronização: os parênteses (...) indicam recortes dentro da mesma fala, e as informações contidas entre colchetes [ ] referem-se a observações importantes que expressam comportamentos não verbais dos participantes ou contextualizam as falas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O processo de coleta e análise dos dados nos permitiu identificar dois fenômenos significativos para as famílias participantes da pesquisa. Neste artigo, apresentamos um deles, denominado "Atravessando períodos nebulosos".

Tal fenômeno resultou da correlação entre as categorias: "Deparando-se com o inimaginável", "Moldando-se à nova realidade" e "Vivendo desilusões". Na sequência, apresentamos as categorias e o fenômeno que as integram: Categoria 1: Deparando-se com o inimaginável As famílias possuem formas diferentes de receber a notícia que a criança tem SD e de encarar a situação. Algumas descobrem durante a gestação, outras após o nascimento. Tomar conhecimento da síndrome, ainda durante a gestação, pode ser visto de duas maneiras, uma positiva, possibilitando o preparo da família para a chegada da criança, e a outra de forma pessimista, acreditando que seria sofrer antecipadamente. Nas famílias em que a descoberta ocorre após o nascimento, também existe outro fator que as diferencia. Algumas notam as diferenças físicas da criança, principalmente nos olhos quando elas nascem, e outras permanecem não imaginando que ela tenha uma síndrome.

Até a confirmação do diagnóstico, a maioria das famílias se apega à remota possibilidade de que a presença da síndrome possa ser refutável, porém após essa confirmação, a família sofre um grande golpe. É ver um sonho transformar- se, é viver algo inesparado, diferente do planejado e desejado. É ter de mudar seus sonhos, seus planos de acordo com a nova situação, ver a vida alterar seu curso, sem ter nenhum controle sobre ela, não ter escolha e não poder optar. É praticamente ter que se reestruturar para uma perspectiva completamente desconhecida.

"A gente deseja que não seja, que nem eu esperei sair o cariótipo.

Ainda quando eu fui levar o exame, eu rezava que não fosse. Nesse período, você tem a esperança que não seja. É lógico, ninguém quer".Mãe 2 "No primeiro momento, foi, acho que como é pra todo mundo, foi um choque, ? Primeiro filho, você idealiza de uma forma e daí você fica sabendo que ela tem síndrome de Down".Pai 4 O momento da descoberta da síndrome também tem sido foco de destaque na literatura da área. Quando o diagnóstico da SD ocorre durante a gestação, é de se supor que os pais terão uma maior oportunidade de se preparar para a aceitação da condição da criança. Contudo, devem ser consideradas as consequências dessa revelação quando a criança ainda se encontra intraútero, por exemplo, a convivência com sentimentos de angústia e do desconhecido até o nascimento da criança, momento em que os pais poderão saber com maior precisão o grau de comprometimento da criança.

A revelação desse diagnóstico normalmente desencadeia sentimentos de choque, decepção e revolta, entre outros(4,13). A ajuda e a mediação de profissionais podem minimizar as consequências, mostrando as possibilidades positivas, e não somente os aspectos negativos. Quanto mais adequada for a revelação do diagnóstico, menor será a situação de desamparo enfrentada pelos pais(14). Com relação a este aspecto, é importante considerar que, embora normalmente caiba ao médico comunicar aos pais o diagnóstico, os profissionais de enfermagem são os que permanecem 24 horas por dia nos hospitais e, por isso, os que terão maior contato com a puérpera e seu bebê. Por esta razão, esse profissional tem papel importante junto aos membros de uma família que vive tal situação, devendo, pois, estar preparado para cuidar da família após a notícia, estando perto, apoiando, ouvindo, tocando, permitindo o choro e a revolta.

É preciso ter sensibilidade e ética para reconhecer que cada família tem uma história de vida e necessidades únicas. Por esta razão, é importante que o profissional que dará a notícia esteja preparado para tal, pois ele deve estar imbuído dos sentimentos que a notícia vai desencadear e ter respeito e empatia com as pessoas que vão receber o diagnóstico. Nesse contexto, faz-se necessário tomar cuidado, até mesmo com o tom de voz, com a expressão, com o uso das palavras, com o local e o momento para dar a notícia(15). Informar correta e claramente os pais sobre a SD de forma humanizada, com respeito, sem iludir, tampouco omitir como provavelmente será o desenvolvimento da criança é primordial para os pais. O profissional precisa ter sensibilidade para perceber o que eles realmente necessitam, desejam e querem saber naquele momento, sem deixar de considerar que a família pode estar vivendo momentos de angústia, de ansiedade e até mesmo de não aceitação do bebê(4).

Apesar dos sentimentos desencadeados na descoberta, a família aceita a ideia de ter uma criança com SD, e pais e familiares abraçam a causa de ter um filho especial, dando-lhe todo o amor que são capazes de dar(13).

Categoria 2: Moldando-se à nova realidade A nova situação vivida pela família carece de uma adequação familiar. A primeira coisa que a família busca são respostas para suas dúvidas. A maioria delas não sabe o que é a SD, e o que essa nova condição acarretará para família. A busca por informações e esclarecimentos vai de encontro à necessidade de saberem o que fazer daqui para frente, tanto no início da experiência quanto no decorrer da evolução e desenvolvimento da criança, por meio de um constante aprendizado. É ter de se ajustar ao novo. Para a família, imprime-se a necessidade de eles se mobilizarem para suprir lacunas de conhecimento, para conseguirem lidar com a nova situação, na medida em que também aprendem, no cotidiano, as demandas que surgem, ao cuidar da criança.

"(...) Foi difícil quando veio pra gente. Quando ela veio, era uma coisa que era novidade. A gente não sabia nem o que significava síndrome de Down. Eu falei: "mas o que que é isso? Qual é essa deficiência?"Depois da pediatra[referindo-se ao momento de revelação do diagnóstico pela pediatra], a gente mais do que depressa queria esclarecimento, ? Pra ver o que era".Pai 2 "Depois que ele foi crescendo, quando ele começou a rastejar, que ele não gatinhava, eu tive que aprender como fazer pra estimular ele também, porque a fisioterapia uma vez por semana[interrompeu sua fala, na intenção de dizer que essa frequência não era suficiente].Tinha que fazer em casa também. Tive que aprender isso também. Tudo, a gente vai aprendendo pra ir ajudando ele".Mãe 3 Após o nascimento de uma criança com SD, a família busca adaptar-se à nova realidade e reorganizar-se para enfrentar a experiência de viver e conviver com a síndrome(16). Um aspecto que interfere no modo de a família lidar com o problema é o conhecimento que ela tem sobre a síndrome.

A atuação da família junto à criança com SD depende do conhecimento que ela tem sobre a síndrome e também sobre as possibilidades de tratamento(6,17). À medida que recebem explicações e informações voltadas para o que realmente querem e necessitam saber, maior compreensão sobre a SD e de como agir diante dela vai sendo construída(4).

A experiência dos pais aponta para o fato de que muitas perguntas deixam de ser feitas pelo choque da informação ou por não saberem nem ao menos do que se trata a síndrome, não tendo conhecimento nem sobre o que e como perguntar.

Depois do primeiro impacto, quando começam a refletir sobre as informações recebidas, surgem vários questionamentos e, normalmente, os pais não têm com quem conversar sobre o que lhes causa maior sofrimento(4). Este é um papel do qual o profissional de saúde não pode se ausentar. Ele deve atuar com o objetivo de fortalecer a família para os enfrentamentos. As famílias dependem, nesse momento, de reconhecimento do problema do filho, de ações facilitadoras para compreender as situações vividas, e quanto mais esclarecidas estiverem, melhor será seu empenho no cuidado do filho(18).

Os pais também percebem que muitos dos problemas e medos que tinham e ainda têm são decorrentes de informações tardias, erradas e incompletas(15). O profissional deve estar atualizado no que diz respeito à síndrome e deve conhecer os recursos de saúde que o município possui que possam fazer parte da rede de apoio à família, de forma a ter condições de fornecer informações suficientes para aquela etapa da vida da criança, sem deixar de enfatizar as possibilidades de desenvolvimento afetivo, social e cognitivo destas crianças, quando estimuladas adequadamente, e também de responder a todas as questões apresentadas pela família(6).

Categoria 3: Vivendo desilusões Durante a experiência da família com a criança com SD, algumas dificuldades são encontradas pelo caminho. Entre elas, estão: as decepções com os profissionais de saúde, principalmente no despreparo para informar o diagnóstico e fornecer informações para a família; a frustração com o desenvolvimento da criança que não ocorre como o esperado; a descoberta de algumas alterações de saúde na criança; a experiência de enfrentar situações de preconceito; e a carência de apoio e rede social. Essas são algumas das situações que as famílias têm de enfrentar e superar para alcançar seus objetivos; são circunstâncias que as desestabilizam e que, muitas vezes, as levam à necessidade de uma reestruturação familiar, uma reorganização das atividades e que as movimentam para novas buscas por apoio e orientação. Mesmo diante das dificuldades, essas famílias cultivam a esperança de que tudo irá melhorar e se resolver.

"A médica falou: 'sua filha tem a síndrome de Down; ela não vai andar e não vai falar'. Ela podia ter falado: 'existem casos que as crianças não andam e não falam, mas crianças que se desenvolvem normal.Irmã 2 "Ele não tem noção ainda do que ele está fazendo, ele tem sete anos e pra ele é uma criancinha ainda. Fralda até menos de 2, 3 semanas [atrás]ainda tinha que usar. Não sabe ainda segurar pra ir no banheiro ou pedir pra ir no banheiro; ele sente vontade, ele faz".Pai 3 "Eu vejo assim, toda ajuda, tudo que você ouve, que falam, é tão importante, e às vezes você muito tempo e tem gente fazendo alguma coisa que você não sabe. Quer dizer se tivesse um programa do governo, uma coisa esclarecendo, falando: 'olha vocês vão conseguir isso aqui; nós estamos oferecendo isso, isso e isso. Olha, o Estado fornece isso e isso pra vocês'. Mas não, você tem que sair sozinha descobrindo tudo, aqui e ali, juntando tudo e tentando fazer o melhor. Então realmente falta".Mãe 8 A falta de sistematização das informações para essas famílias está ilustrada na fala da Mãe 8 descrita acima, a qual, por exemplo, evidencia a disponibilidade de recursos governamentais contemplados na rede de apoio, mas que, no seu caso, esses recursos estavam subutilizados pelo seu desconhecimento. Nessa mesma família, durante nosso encontro, a Mãe8 e seu companheiro abordaram outra situação de desilusão vivida, como a do preconceito. Eles nos disseram: "Preconceito (...) vem da época dos senhores feudais até hoje (Pai 8). (...) Dói mesmo, algumas coisas doem, porque tem pessoas que tem um preconceito enraizado, aquela coisa bem difícil (...) e é lógico que nós passamos por essas situações".Mãe 8 Na perspectiva das mães participantes do estudo, o apoio emocional fornecido pelos pais também foi identificado como essencial para lidar com as demandas advindas da condição da criança. Nesse sentido, a carência desse apoio foi traduzida como uma das desilusões vividas. No que diz respeito ao apoio e à participação dos pais, as mães relatam que a ajuda no cuidado da criança é muito restrita(21). Mães que trabalham fora exercem duplo papel, o de cuidar do filho e da casa e do trabalho fora do lar, enquanto que os pais mantêm somente as atividades profissionais fora do ambiente doméstico, deixando, assim, de auxiliar as mães nas tarefas de casa(22).

Com relação à maneira como os profissionais de saúde informam as famílias, estudos mostram o diagnóstico ou a suspeita sendo comunicados à mãe individualmente e logo após o nascimento da criança, o que desencadeia tensão, angústia e estresse(4). Se o diagnóstico é feito após o nascimento, o momento de comunicá-lo aos pais deve levar em consideração suas necessidades e também as do bebê. É importante permitir que os pais desfrutem os primeiros contatos com o recém-nascido e tenham a oportunidade de iniciar a formação do vínculo afetivo, o qual não se apenas pelo nascimento. Este é um processo gradual e que necessita de tempo, e a amamentação é um importante aliado para que a mãe e o bebê iniciem este processo.

A literatura aponta que as mães consideram ideal ser informadas entre o e 30º dias após o nascimento do bebê(19), portanto, nunca no momento do parto(4).

Sempre que for possível, é importante dar a notícia quando os cônjuges estiverem juntos, pois os pais relatam sentimentos de forte angústia e sofrimento quando a notícia é dada separadamente e, com frequência, quem recebeu primeiro a notícia fica, por um tempo, sem coragem de contar ao outro (15).

Além disso, depoimentos de mães relatando como souberam do diagnóstico da SD revelam com muita frequência a postura negativa de alguns profissionais nesse momento(6,15), caracterizada pelo fato de não fornecerem as explicações necessárias, deixarem as pessoas angustiadas para o enfrentamento da nova situação, não saberem transmitir amparo e segurança, nem estarem preparados, ou seja, não possuírem conhecimento que lhes permita explicitar informações de forma adequada(15). É necessário que os profissionais de saúde estabeleçam relações empáticas e tratem as pessoas com sensibilidade e atenção.

Tratando da descoberta de alterações de saúde associadas à SD, relatos de mães que trazem o quão angustiante é ter, além da própria experiência da síndrome, outras doenças associadas a essa condição. A esse respeito, a literatura descreve a situação de uma mãe cuja filha com SD também recebeu o diagnóstico de uma alteração cardíaca, culminando com a necessidade de realização de cirurgia. O momento cirúrgico foi descrito como sendo o dia mais difícil de sua vida, por ter de se despedir da filha sem saber se a veria novamente. Adicionalmente a esse desafio, a família enfrentou dificuldade de desenvolvimento da criança cuja investigação levou à descoberta do autismo(20).

Outro fato relevante é o sofrimento da família por medo de a criança ficar doente e ser vítima de preconceito(4). As famílias das crianças com SD, em todos os grupos etários, notam reações negativas de amigos e vizinhos, o que faz com que se sintam piores. Reações negativas de estranhos são mais frequentes nas faixas etárias de 13 a 18 anos(21). Os pais se esforçam para diminuir e até combater o preconceito imposto pela sociedade(13).

Fenômeno: Atravessando períodos nebulosos Esse fenômeno descreve os momentos de dificuldades pelos quais a família da criança com SD precisa passar. São períodos que ninguém sabe o que tem à frente, em que tudo está encoberto, misterioso e complicado. As primeiras manifestações do fenômeno ocorrem com a gestação, seguida pelo nascimento e o momento do diagnóstico da SD. Porém, ele volta a se manifestar quando surgem novas situações em que a família não se sente segura para agir, e outras dúvidas são adicionadas a esse cenário, exigindo esforços familiares para a superação de cada fase.

As dificuldades determinam frequentes enfrentamentos para a família, manifestados pela necessidade de lidar com a postura inadequada dos profissionais, com a falta de apoio do marido, com a imprevisibilidade do desenvolvimento do filho, a descoberta de algum problema de saúde na criança ou quando passam por situações preconceituosas. Essas situações adversas, qualquer que sejam elas, oferecem à família a sensação de momentos onde grande nebulosidade, dúvida, insegurança, aflição e tensão. Ela precisa enfrentar o nevoeiro para chegar à claridade, passar pela tensão para alcançar a serenidade durante a experiência com a SD, que permeia toda a família, não na criança, pois todos os membros são afetados por ela.

A família se mobiliza para buscar uma saída, uma luz, certeza, conhecimento, segurança para agir e tranquilidade para seguir em frente. Nesta trajetória, a família, muitas vezes, se sente cansada, desanimada, triste, decepcionada e abalada. Os familiares apresentam-se com um desgaste físico e emocional intensos, mas esse desgaste não é capaz de impedir a família de lutar, de seguir em frente para buscar e atingir suas metas de oferecer o melhor para a criança.

Os períodos nebulosos são aqueles de incerteza, de dúvida, os quais algo deu errado e não se sabe o que fazer, nem por onde começar ou recomeçar. Eles ocorrem não durante toda a trajetória, mas em alguns períodos dela, demandando atitudes novas, e confrontando-se com o desconhecido. Também não ocorrem ao mesmo tempo, mas alternadamente, dependendo da fase em que a criança e família vivem. Quando próximo do nascimento, envolve as incertezas e decepções da descoberta, de lidar com a criança que apresenta características desconhecidas, que não se sabe o que esperar da síndrome e que não se pode prever. No decorrer da experiência, os períodos nebulosos envolvem situações de preconceito ou de dificuldades relacionadas ao processo de desenvolvimento da criança. Assim a família vive períodos de altos e baixos, momentos bons e ruins e, apesar do desgaste e esforço, encara tudo com otimismo e confiança. A família não desiste, mantém-se firme.

Autores apontam que a existência de uma condição crônica gera momentos difíceis, com avanços e retrocessos nas relações entre seus membros. O cuidado da criança consome energia, tempo, retira a privacidade da família e pode provocar isolamento social e emocional(23). Essa sobrecarga dos níveis social, psicológico, financeiro e dos cuidados com a criança pode estar relacionada aos sentimentos de ansiedade e incerteza quanto à sua sobrevivência, ao seu desenvolvimento, ao cuidado em longo prazo e às próprias consequências desse cuidado sobre a vida pessoal da família(24). Deste modo, a família torna-se parte essencial do cuidado de enfermagem, que as enfermeiras frequentemente estão envolvidas com elas durante as fases de sofrimento e, assim, têm uma oportunidade única de fazer diferença em sua experiência(25). O enfermeiro precisa direcionar suas intervenções junto à família, com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida, fortalecer seus mecanismos de enfrentamento, manter o bem-estar e promover a saúde de seus membros(26).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência das famílias com crianças com SD aponta necessidades de cuidado e momentos ímpares de atuação da equipe de saúde. O fenômeno nos leva a refletir sobre importantes espaços de ação da enfermagem na família, no qual o enfermeiro precisa estar atento. Evidenciam-se situações de dificuldade enfrentadas pela família que vão muito além do choque da descoberta. Entre elas, estão a falta de conhecimento e a desinformação da família, o despreparo dos profissionais de saúde em fornecer informações precisas sobre a síndrome, a falta de apoio social e a subutilização das redes de apoio pelo seu desconhecimento, a descoberta de alterações de saúde da criança, incrementando, ainda mais, as demandas da família, a falta de parâmetros relacionados aos marcos de desenvolvimento infantil de uma criança nessa condição e, também, nas dificuldades da criança alcançá-los e, por fim, a convivência com o preconceito. Essas são circunstâncias que geram momentos de preocupação, ansiedade, dúvidas, tristeza e aflição e imprimem a necessidade de o enfermeiro estar sensível e receptivo para acolher a família, coletando dados e planejando um cuidado em parceria com os envolvidos.

A enfermagem deve proporcionar outros cenários de encontro com essas famílias, além do hospitalar, que as necessidades da mesma extrapolam o momento do diagnóstico. É preciso buscá-los nos retornos aos atendimentos regulares a que a criança é submetida ou por meio de busca ativa na comunidade. Os "períodos nebulosos" enfrentados pela família mostram essas oportunidades de ação da enfermagem e a necessidade de criação de espaços de contatos privilegiados para intervenções junto às famílias. Os profissionais da saúde e, particularmente, aqueles da enfermagem, têm ficado à margem do trabalho com essas famílias.

Assim, impõe-se a necessidade de orientá-las de forma acurada; de oferecer acesso às redes de apoio disponíveis; de acionar o serviço social e outros afins, quando necessário; de apoiar e de estimular espaços de interação entre o casal, com o objetivo de auxiliar na distribuição dos papéis e demandas da família e agindo, em especial, no enfrentamento de períodos de dificuldades e dúvidas, com o objetivo de minimizá-los e até evitá-los.

A finalização desta pesquisa permitiu, ainda, a identificação de lacunas do conhecimento nessa área no âmbito da enfermagem brasileira. Impõe-se a necessidade de maior aproximação dessa população e sugere-se que pesquisas futuras possam ser desenvolvidas, abordando questões identificadas neste estudo. Merecem ser explorados: a comunicação entre a família e a equipe de saúde; a interação dos membros da família, especificamente do casal; as estratégias de organização da família e redistribuição de papéis por ocasião do nascimento da criança com SD; o seguimento da criança com SD na família; a família no manejo de situações de preconceito, e a organização econômica da família no cotidiano do cuidar da criança com SD.


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