Mapeamento dos termos do eixo ação entre diferentes classificações de
enfermagem
INTRODUÇÃO
O presente artigo é continuidade da apresentação dos resultados de uma
investigação que realiza a equivalência entre termos inclusos nos eixos da
Classificação Internacional para as Práticas de Enfermagem - CIPE® Versão 1.0 e
a Classificação Internacional de Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva -
CIPESC®. Trata-se de um subprojeto de pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-
graduação em Tecnologia em Saúde, da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, cujos primeiros resultados, relativos ao eixo "Foco", já foram
publicados(1).
A CIPE® é uma terminologia combinatória, unificada e universal, da linguagem da
enfermagem, que permite formular diagnósticos e resultados de enfermagem, bem
como as intervenções planejadas e as realizadas. Desde sua origem, passou por
avaliações e revisões, com objetivo de reduzir a ambigüidade e redundância de
termos(2).
Até o momento, seis versões foram publicadas: alpha(3) (1996); beta(4)(1999);
beta-2(5) (2001); 1.0(6) (2005); 1.1 (2008) e 2.0 (2009), sendo que as duas
últimas estão disponíveis somente no idioma inglês, em meio eletrônico, no site
do International Council of Nursing - ICN (www.icn.ch).
A partir da Versão 1.0, a classificação apresentou modificações em sua
estrutura, que substitui os dois modelos de oito eixos que faziam parte da
Classificação de Fenômenos e da Classificação das Ações, para um modelo
unificado de sete eixos, assim denominados: "Foco", "Julgamento", "Tempo",
"Localização", "Meio", "Cliente" e "Ação"(6). Por meio da combinação entre
termos incluídos nos eixos é possível a construção de declarações de
enfermagem, ou seja, os diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem.
Sendo assim, há uma ligação direta entre a clareza na denominação e definição
dos termos, bem como a possível equivalência entre versões; e a consistências
da composição das declarações de enfermagem.
A CIPE® supera a idéia de um simples vocabulário hierárquico de estrutura
multiaxial. Permite identificar possíveis relacionamentos entre conceitos e
vocabulários, além do desenvolvimento de outras terminologias e o mapeamento
cruzado com outros vocabulários. O ICN prevê, ainda, a utilização da Web
Ontology Language - OWL, por meio da ferramenta para a criação de ontologias
Protégé, para o desenvolvimento e a manutenção contínua e formal da
classificação(6).
Em 2008, o ICN disponibilizou, eletronicamente, a Versão 1.1. Por meio de um
navegador, o usuário pode visualizar e manipular com facilidade seu conteúdo.
Esta versão apresentou 389 novos termos e incluiu um rol de diagnósticos,
intervenções e resultados de enfermagem, com termos pré-combinados, sugerindo a
composição de catálogos para facilitar o uso da CIPE® nas diferentes áreas de
atuação da profissão. Embora a Versão 1.1 esteja disponível na língua inglesa,
este estudo a abrangeu na análise dos dados, entendendo que os resultados
estariam mais próximos de uma versão atualizada.
Cabe ressaltar que durante o desenvolvimento desta pesquisa, a Versão 2.0 foi
lançada, em julho de 2009, no Congresso Quadrienal do ICN. Ela é a variante
incluída na Família de Classificações Internacionais da Organização Mundial da
Saúde.
A contribuição brasileira à CIPE® é um inventário vocabular oriundo do projeto
CIPESC, elaborado e desenvolvido pela Associação Brasileira de Enfermagem -
ABEn, sob orientação do ICN e apoio financeiro da Fundação Kellogg(6). Este
inventário teve como base a estrutura e os termos dispostos na Versão Beta da
CIPE®, portanto, para que a contribuição brasileira seja visível, faz-se
necessária uma atualização da CIPESC® à nova estrutura hierárquica da CIPE®,
bem como uma equivalência entre os termos das referidas classificações(7).
Este artigo se limita a análise do mapeamento de termos contidos no eixo
"Ação", entre as versões: Beta-2, 1.0 e 1.1 da CIPE® e os verbos que compõe a
lista de Intervenções de enfermagem do inventário CIPESC®.
Para o ICN(5) "Ação de enfermagem" é definida como "comportamentos
desempenhados pelos enfermeiros na prática" e a CIPE® 1.0 apresenta o eixo
"Ação" numa hierarquia de verbos organizados em cinco grandes classes:
Observar, Gerenciar, Desempenhar, Atender e Informar. Já a Versão 1.1 inclui as
classes: Atividades do paciente e Determinar.
A "Intervenção de enfermagem" é definida como "uma ação desempenhada, em
resposta a um diagnóstico de enfermagem para produzir um resultado de
enfermagem"(5) e ela é composta de um termo do eixo Ação, acrescido de, no
mínimo um termo alvo, de qualquer outro eixo, sendo outros termos usados para
melhorar a declaração(6).
A CIPESC®, no que se refere ao eixo Ação, apresenta uma lista de Intervenções
de enfermagem que foram classificadas pela divisão hierárquica das grandes
classes da CIPE®, por ordem alfabética(7).
As produções sobre Intervenções de enfermagem ainda são incipientes, porém, em
artigo que apresenta uma revisão de estudos que se dedicam às Intervenções da
Nursing Intervention Classification - NIC, as autoras chamam a atenção para a
produção brasileira sobre o assunto(8) e uma revisão sobre mapeamento cruzado
aponta o Brasil em segundo lugar em número de publicações(9).
Pesquisas relacionadas a intervenções oriundas da CIPE®, no Brasil, estão
concentradas em autores ligados ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da
CIPE®, situado em João Pessoa, PB, que, entre outras produções, construíram um
Banco de Termos da Linguagem Especial de Enfermagem da Clínica Médica do
Hospital Universitário Lauro Wanderley/ Universidade Federal da Paraíba - HULW/
UFPB, o qual é base para algumas investigações. Em relação às Intervenções de
enfermagem, observa se que apesar da quantidade de termos contidos no Banco,
não é possível construir todas as intervenções tendo-o como base. Somada a esta
constatação, para construção de catálogos deve seguir a recomendação do ICN de
adicionar "afirmativas identificadas na literatura da área e em resultados de
pesquisa que forneçam evidências relevantes"(10). Esta recomendação também é
verificada na avaliação da implantação da CIPESC® em Curitiba, quando se expõem
a necessidade de incorporação de intervenções contidas nos protocolos oficiais
de uma instituição(11).
Diante deste contexto, o presente artigo apresenta os resultados da pesquisa
que teve por objetivo mapear os termos contidos no eixo "Ação", entre as
versões Beta-2, 1.0 e 1.1 da CIPE® e os verbos que compõem a lista de
Intervenções de enfermagem do inventário CIPESC®.
MÉTODO
Tratou-se de um estudo descritivo de abordagem quantitativa, cujas bases
empíricas foram: o inventário vocabular da CIPESC®; as versões Beta-2, 1.0
(edição Portuguesa e Brasileira) e 1.1 da CIPE®; e dicionários da língua
portuguesa(12-13).
O mapeamento consistiu em localizar termos do eixo ação e classificá-los em:
termo idêntico com conceito idêntico; termo idêntico com conceito diferente;
termo idêntico com conceito diferente, mas com mesmo sentido; termo ampliado
com conceito igual; termo ampliado com conceito diferente; termo diferente com
conceito ou sentido igual; termo ausente na Versão 1.0; termo localizado em
outro eixo; termo sem equivalência na Versão 1.1; termo novo na Versão 1.0;
termo exclusivo do inventário CIPESC®.
Os resultados são apresentados por freqüência absoluta e percentual simples.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram mapeados 214 termos do eixo ação da CIPE® versão 1.0, os quais foram
comparados com 176 termos da Versão Beta-2, 213 da Versão 1.1 e 295 termos da
CIPESC® (Tabelas_1 e 2). Verificou-se que, entre as versões 1.0 e 1.1 da CIPE®,
apenas o termo "Estabelecer ligação" não tem equivalência, desta forma, a
aplicação de qualquer uma das duas versões não apresentaria reflexos
significativos ao usuário.
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Dos 214 termos da Versão 1.0, verifica-se que 22% são termos que não estavam na
lista da Versão Beta-2 (Tabela_1). Destaca-se a existência de termos com
ausência de conceito, dentre eles, "Estilo de Vida Social Isolada", na
hierarquia da ação "Ato de proteger", que suscita dúvidas de sua aplicabilidade
numa descrição de intervenção de enfermagem; e ou termo "Vestir ou despir", que
oferece ambiguidade explícita.
Foram considerados idênticos 141 termos (Tabela_1). Os termos iguais, com
conceito diferente, porém com mesmo sentido, possuíam alterações sutis. As
diferenças ocorrem, em sua maioria, na forma de escrita do verbo, por exemplo:
"descobrir" e "encontrar"; "compreender" e "entender"; ou na explicitação de
uma palavra, à exemplo: "minuciosa" e "sobre alguma coisa e olhar de perto";
"para" e "com a finalidade". No Quadro_1 estão listados os termos, seus
conceitos nas diferentes versões, cujas modificações estão em negrito.
Termos idênticos, mas com conceito diferente representam 12,61% do total
(n=214). Para exemplificar, alguns deles encontram-se listados no Quadro_2. As
alterações mais significativas dizem respeito a palavras incluídas ou retiradas
que fornecem ao conceito uma nova acepção, a exemplo: "comportamento" e
"comportamento mental"; "Limpar completamente alguma coisa," e "Agir como um
antisséptico".
Foram identificadas duas ampliações de termos na Versão 1.0, sendo que um deles
manteve o mesmo conceito: "dar" para "ato de dar"; e um com conceito
modificado: "observar" para "observar comportamento".
Cinco termos, considerados idênticos, eram oriundos do eixo "alvo" da Versão
Beta2, a saber: "Prevenção do Alcoolismo"; "Prevenção de Violência"; "Prevenção
de Contaminação"; "Prevenção de Quedas"; "Medida de Segurança". Cabe ressaltar
que a hierarquia de sete eixos incluiu o eixo "Alvo", da classificação de
ações, no eixo "Foco", no entanto, alguns termos, por sua lógica conceitual,
migraram para outros eixos.
Por fim, no termo "Interrupção da gravidez" pode ser encontrada similaridade
com o termo "Aborto", contido no eixo "Foco". No entanto, o conceito é
diferente, ou seja, no foco é entendido como um "processo de interrupção"
podendo ser espontâneo e "Interrupção da gravidez" é uma ação ou ato
profissional, ficando a dúvida de que possa ser equivalente.
Em relação à CIPESC®, foram mapeados 295 termos contidos na listagem das
Intervenções de enfermagem. Como o inventário apresenta Intervenções de forma
molecular, ou seja, os termos dos eixos estão previamente combinados, foi
necessária para o mapeamento, primeiramente, a separação do verbo de ação
contido na intervenção e, posteriormente, uma checagem de verbos sinônimos
contidos no inventário.
Dos 214 termos da CIPE® versão 1.0, 51% (n=58) não foram encontrados na
CIPESC®, sendo que destes, 38% (n=22) são relativos à sub-classe "Desempenhar",
que foi a de menor representação no inventário(7).
Por outro lado 65% dos 295 verbos da CIPESC®não foram contemplados na CIPE®
(Quadro_3, p. 360). Alguns deles poderiam ser representados pelo significado de
outros, por exemplo: "Apoiar" por "Incentivar"; "Facilitar" por "Assessorar",
"Reforçar" por "Enfatizar", e vice-versa, no entanto, este processo carece de
validação, pois o significado na frase pode superar o conceito dicionarizado.
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Dos verbos listados na CIPESC®, ausentes na CIPE®, cerca de 15 % são verbos que
representam ações diretamente relacionadas a construção de vínculo (ex:
comprometer-se, envolver-se) ou ao empoderamento de quem está sendo cuidado
(ex: discutir, favorecer, possibilitar, respeitar, valorizar). Este fato remete
a discussão de que o trabalho da enfermagem na saúde coletiva, entre outros
papéis, colabora para a superação da condição de vulnerabilidade dos indivíduos
que compõe determinados grupos sociais de menor acesso a oportunidades, sendo
assim, a inclusão dos verbos anteriormente citados em ações da enfermagem,
corrobora com a crença de que a CIPESC®, como ferramenta da prática de
enfermagem, tem o potencial para alcançar tais superações(14).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado apresentado nesta pesquisa carece que as equivalências propostas
sejam validadas por especialistas na área. Este é um trabalho complexo do qual
não há possibilidade de omissão. Além disso, ainda devem ser apresentados os
resultados em relação aos outros eixos para que a efetiva equivalência entre a
CIPESC® e a CIPE® esteja completa.
Outra situação relevante é a complexidade da língua portuguesa que incluiu
sentidos diversos a palavras iguais ou sentidos iguais a palavras diferentes,
desta forma os termos precisam ser analisados em seu contexto para que os
sentidos sejam desvelados. No que se refere a uma classificação de termos para
construir nomenclaturas, é condição primária de que seja estabelecido, pelo
grupo responsável pela construção da terminologia, um consenso entre os
conceitos de forma a minimizar o uso incorreto ou inadequado dos termos.
Quanto à utilidade do inventário vocabular da CIPESC®, não há como questionar
sua validade, representada, em parte, pela quantidade de termos do eixo ação
que não são encontrados na CIPE®. Sendo o inventário fruto de falas de
trabalhadores da atenção básica, considera-se a falta destes verbos uma lacuna
na classificação internacional que precisa ser preenchida, o que, se não
acontecer, poderá refletir no uso da CIPE® por enfermeiros da saúde coletiva no
Brasil.