Demandas institucionais e demandas do cuidado no gerenciamento de enfermeiros
em um pronto socorro
INTRODUÇÃO
As atividades de enfermagem que constroem o seu processo de trabalho estão
pautadas em diversos subprocessos interligados. Estes se estruturam com base
nas práticas cuidativas e administrativas ou gerenciais e, para execução das
suas ações, sabe-se que desde a sua concepção como profissão, o parcelamento do
trabalho entre os diferentes membros da equipe teve na gerência o elo de
articulação das atividades e de sua integração ao processo de trabalho em saúde
como um todo.
Como característica marcante do processo de trabalho da enfermagem tem-se o
fato de que este deve ser desenvolvido a partir da realização hologramática de
diversos subprocessos, descritos por diferentes autores como inerentes ao
assistir, administrar/gerenciar, ensinar e pesquisar(1).
Além destes, a participação política também deve ser considerada uma esfera que
compõe o processo de trabalho da profissão. Ela permeia todos os demais
subprocessos, possui como objeto a força de trabalho em enfermagem e sua
representatividade, com finalidade de conquistar melhores condições para operar
os outros processos e seu produto é poder, reconhecimento social e conquista de
condições favoráveis para operar os processos de trabalho(2).
Percebemos, então, que o gerenciamento é um subprocesso complementar que
constitui o processo de trabalho do enfermeiro. Assim, deve-se reconhecer o
cuidado como foco possível e necessário de ser gerenciado dentro das
instituições em uma dimensão que extrapole o tecnicismo e incorpore o
conhecimento e atitudes de ordem racional e sensível.
Mesmo diante disso, o exercício da função gerencial pelo enfermeiro em nosso
país permanece como uma questão mesclada de dúvidas, desentendimentos e
incompreensões. O fato de o enfermeiro limitar-se a atividades administrativas
em seu trabalho é considerado polêmico na profissão, tornando-se evidente a
discrepância entre o que se espera do enfermeiro na visão teórica de enfermagem
e o que se verifica ser sua atuação cotidiana nas instituições de saúde(3).
A divisão do trabalho na enfermagem, desde a sua profissionalização, traz o
enfermeiro como figura responsável pela atuação administrativa nos serviços de
saúde. Sua participação na gerência instiga a compreensão do significado desta
prática, tendo em vista a evolução da enfermagem como profissão. Porém, o
entrelaçamento entre cuidar e gerenciar sempre se mostrou como um desafio,
tendo sido mais enfatizado a partir da década de 1990 tanto no aspecto da
formação do enfermeiro como na atuação de lideranças de enfermagem(4).
Notamos a partir das considerações exaradas pelos autores aqui mencionados, que
os diferentes subprocessos compositores do processo de trabalho da enfermagem
precisam ser articulados na prática profissional, com foco no cuidado. Todavia,
há uma divergência entre essa idéia e as demandas das instituições de saúde em
que se inserem os enfermeiros, pois para a instituição, as funções
administrativas desempenhadas por esses profissionais devem ser destinadas à
produção com vistas a atender aos princípios capitalistas e não necessariamente
à assistência de enfermagem.
No entanto a lógica das instituições hospitalares estarem fundamentadas
majoritariamente no modelo de racionalização do trabalho tem se mostrado
insuficiente nos tempos pós-modernos pelo conhecimento gerado e as análises
realizadas neste século(4).
Esta disparidade de compreensão de atividade gerencial do enfermeiro colabora
para que este profissional possua uma tendência ao afastamento do cuidado.
Existe a priorização de tarefas, muitas vezes impostas pelas instituições de
saúde, em detrimento à assistência de enfermagem, a qual geralmente é delegada
a outras categorias(5).
Reportando-nos ao contexto emergencial, por sua vez, assim como em todas as
dimensões de atuação da enfermagem, não há espaço para imprecisões no
gerenciamento, pois os enfermeiros da unidade de emergência devem aliar
controle do tempo à fundamentação teórica, à capacidade de liderança, ao
discernimento, à iniciativa, à habilidade de ensino, à maturidade e à
estabilidade emocional(6).
Ao longo da atuação profissional em um serviço de emergência hospitalar,
deparamo-nos com constantes dificuldades em direcionar a atividade gerencial
para o cuidado de enfermagem. Cotidianamente é possível verificar a incoerência
entre o gerenciamento mobilizado em prol do cuidado com aquelas ações exigidas
pela organização, que almejam basicamente atos burocráticos.
Essa percepção empírica converge com colocações da literatura correlata, que
salienta que tais divergências decorrem das necessidades de atendimento à
demanda e produtividade das instituições de saúde, que representam o mercado de
trabalho em enfermagem. Esta ênfase na dimensão técnica do 'fazer' contradiz a
ação crítico-reflexiva do enfermeiro pretendida pelas várias dimensões do
ensino e pelas políticas de saúde(7).
É preciso redimensionar o foco da administração em enfermagem, pois o hospital
visto como produto da Revolução Industrial e Científica incorporou a
organização racional do trabalho como exclusiva, sem adição da esfera
expressiva. O enfermeiro, por conseguinte, muitas vezes também formado nesta
mesma lógica, conformou seu modo de gerenciar cotidiano fazendo cumprir normas
e rotinas que se cristalizam ao longo do tempo, truncando as muitas
possibilidades de inserir o cuidado de enfermagem no centro do processo
gerencial(4).
Essas inquietações suscitaram a realização da presente pesquisa, cujo objetivo
foi caracterizar as atividades gerenciais do enfermeiro em um Pronto-Socorro
(PS) e que corresponde ao recorte de uma investigação maior(8).
MÉTODO
Tratou-se de um estudo qualitativo desenvolvido em um hospital universitário
filantrópico de Curitiba, PR, com oito enfermeiros do PS, cujo total desta
categoria profissional corresponde a dez. Todos os enfermeiros do setor foram
convidados a participar da pesquisa, porém dois deles se recusaram, o que
determinou o numerário amostral. Dos pesquisados, um foi do turno da manhã, um
atuava das sete às dezesseis horas e possuía função de coordenador do setor,
dois eram do turno da tarde, dois da noite A e dois da noite B.
A coleta dos dados foi realizada de fevereiro a abril de 2009 e foram
respeitados os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução n°. 196 de 10 de
outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde(9). Deu-se após assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos pesquisados e
aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição
hospitalar, registrado neste com o protocolo n°. 7799-08 e Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) o n. 0128.0.081.000-08.
Utilizou-se a técnica de entrevista semi-estruturada como opção investigatória,
gravada com autorização dos sujeitos e abordando os seguintes questionamentos:
O que você entende por atividade gerencial na atuação do enfermeiro? Quais as
atividades gerenciais que você desenvolve no seu processo de trabalho
cotidiano?
As informações oriundas da coleta de dados foram tratadas por meio da análise
de conteúdo(10), composta de três etapas: a pré-análise, a exploração do
material e o tratamento dos resultados. Essa escolha deu-se devido à
valorização do significado do conteúdo das mensagens de acordo com o objetivo
proposto pela pesquisa. Os resultados foram apresentados em forma de categorias
exemplificadas com trechos dos discursos dos sujeitos e fundamentadas com a
literatura pertinente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos enfermeiros participantes da pesquisa dois foram do sexo masculino e seis
feminino, sendo que a média de idade foi de 29 anos. O que trabalha há mais
tempo no PS está há oito anos e o que atua a menos tempo há dois anos, com
média de 3,9 anos. Dentre os sujeitos, apenas dois já aturam no PS de outra
instituição hospitalar.
Somente dois não possuem pós-graduação e os demais possuem lato-sensu, dos
quais três são especialistas em enfermagem em emergência e três especialistas
em enfermagem em terapia intensiva.
A partir da análise de conteúdo emergiram duas categorias de análise: Gerência
voltada para atender às demandas institucionais e gerência voltada para atender
às demandas do cuidado de enfermagem.
Gerência voltada para atender às demandas institucionais
Esta categoria possui como subcategorias: ênfase em atividades burocráticas,
gerenciamento de vagas, a administração do tempo ineficaz e sofrimento no
trabalho.
A primeira subcategoria destaca a ênfase em atividades burocráticas voltadas à
produtividade exigida pela instituição. As instituições hospitalares, assim
como outras organizações, estão inseridas no modo de produção capitalista e,
por conseguinte, apresentam-se arraigadas à necessidade de lucros oriundos dos
serviços prestados à clientela. O enfermeiro que atua nesse contexto incorporou
ao longo dos tempos essa lógica ao seu modo de gerenciar, de maneira a atender
às imposições institucionais galgadas em normas e rotinas centralizadas na
lógica racional do trabalho(4).
Assim, suas práticas administrativas distanciam-se progressivamente de
finalidades confluentes ao cuidado de enfermagem e fazem uma aproximação mais
intensa ao alcance das metas institucionais. Isso é decorrente de uma série de
fatores, dentre os quais a forte conotação empresarial conferida às
instituições de saúde pelo célere processo de complexificação sofrido pelas
mesmas, tanto no que se refere à sua função específica de cura e promoção da
saúde, quanto na sua organização administrativa e diversificação dos
profissionais que aí atuam(11).
Destarte, o enfermeiro pode deparar-se com certa frequência com disparidades no
mundo do trabalho. Este fato foi relatado pelos sujeitos pesquisados, como pode
ser observado nos seguintes trechos por eles mencionados:
Para mim o enfermeiro gerencia a todo o momento, porém, vejo que
hoje, [...] ao adentrar ao mercado de trabalho é cobrado para assumir
atividades administrativas de interesse da instituição, o que faz com
que este profissional muitas vezes se coloque em posição de
prevalecimento das atividades burocráticas.(EE2)
[...] quando você me pergunta o que é atividade gerencial eu te
respondo que depende. [...] se for o que a instituição quer que
façamos, diz respeito a um monte de burocracia que poderia muito bem
ser feita por outros profissionais que não o enfermeiro.(EE3)
O gerenciamento do enfermeiro na prática clínica há tempos se fundamenta nas
necessidades burocráticas e formais da organização, de modo a privilegiar os
objetivos organizacionais em detrimento do cuidado de enfermagem propriamente
dito, o que pode provocar tensões, desmotivação e descrenças no âmbito do
trabalho(3).
Estudos realizados em cenários distintos do pesquisado também identificaram
essa problemática. Constatam, sobretudo, que o exercício gerencial do
enfermeiro tem-se caracterizado pela vinculação acentuada a normas
preestabelecidas e configura-se uma prática reiterativa(12-13).
Os enfermeiros, ao realizarem o gerenciamento alicerçado em práticas
burocráticas demandadas pela organização hospitalar, limitam-se a preocupar-se
com a estrutura funcional da unidade em que está lotado, o que o distancia da
administração tendo o cuidado como foco(4).
Ao serem questionados sobre quais atividades gerenciais desenvolvem no seu
processo de trabalho cotidiano, um ponto nitidamente enfatizado pelos
enfermeiros do PS em questão, relacionado ao gerenciamento focado nas demandas
da instituição, foi o fluxo inadequado de pacientes no setor. Externaram que
frequentemente há estagnação dos pacientes internados após serem sanadas as
necessidades emergenciais. Segundo os sujeitos, isto ocorre por falta de uma
cultura institucional com vistas à otimização do serviço de emergência, no
concernente ao gerenciamento de vagas, que corresponde à segunda subcategoria.
Com relação a este problema, os participantes informaram que, conforme normas
estabelecidas pelo hospital, cabe ao enfermeiro procurar leitos disponíveis nas
unidades de internamento para encaminhar aqueles indivíduos internados após
atendimento no PS, como relatado nas seguintes falas:
[...] procuro vagas disponíveis nos demais setores com o intuito de
proporcionar um melhor fluxo para o atendimento de emergência, apesar
de que isso eu acho errado [...](EE1)
Especificamente nesse PS, o enfermeiro ainda tem que correr atrás de
vagas para os pacientes internados, se não fizermos isso, superlota o
setor e não temos mais como atender outras emergências. Mas isso
porque não há um bom serviço do censo hospitalar e temos que ficar
ligando em todos os setores para procurar leitos. Isso me revolta.
(EE2)
[...] procuro vagas para pacientes internados no PS aguardando leito
em outros setores. Isso para mim é o fim! Não sei para que existe um
censo hospitalar se não funciona[...](EE7)
O fluxo inadequado de pacientes internados já fora identificado por em um
estudo realizado no mesmo PS(14). Para as autoras, uma vez atendidos, os
clientes que precisam de internamento tendem a permanecer no serviço de
emergência, impossibilitando outros atendimentos. Isso gera uma
descaracterização deste serviço e, consequentemente, um desvio das funções
emergenciais da equipe de enfermagem(14).
A permanência de pacientes internados no PS não é privilégio do cenário em que
esta pesquisa foi desenvolvida. Com um fluxo de entrada contínuo e de saída
lento, ocorre uma lotação excessiva, geralmente acima da capacidade do setor.
Essa superlotação compromete a qualidade do atendimento, independentemente das
condições de trabalho disponíveis, agravando-se, sobremaneira, quando tais
condições não são as mais adequadas. Começa, então, uma seleção dos cuidados
que serão oferecidos(15).
A presença desses pacientes é também alvo de contrariedade dos profissionais de
enfermagem, que se vêem obrigados a se desdobrarem para atender tantos
indivíduos, que "não são mais do seu setor", já que não são mais casos de
emergência. Além da evidente sobrecarga de trabalho, esses pacientes não
motivam o profissional de enfermagem, uma vez que não exigem dele conhecimentos
específicos de urgência/emergência(15).
A situação do fluxo deficitário dos pacientes internados no PS e da necessidade
dos enfermeiros dedicarem-se à procura de leitos disponíveis em outros setores
da instituição ficou evidente durante a coleta de dados. Em todas as
entrevistas essa prática foi apontada, bem como um fator negativo advindo
desta: a administração do tempo ineficaz, que corresponde à próxima
subcategoria. Tal observação é confluente com as colocações exaradas pelos
sujeitos, como pode ser visto nos trechos a seguir:
[...] a gente perde um monte de tempo no plantão tentando achar leito
para possibilitar outros atendimentos.(EE7)
Eu perco muito tempo no telefone procurando leitos disponíveis em
outros setores. Deveria ter uma pessoa para viabilizar essas
informações, um censo que fosse confiável, o que pouparia muito o
enfermeiro do PS e este poderia se dedicar a outras atividades.(EE4)
Como o tempo é valioso e finito, aprender utilizá-lo com sabedoria requer tanto
qualidades de liderança como funções da administração. Trata-se de um elemento
fundamental e determinante na produtividade do trabalhador, seja qual for a
atividade por ele desempenhada, uma vez que a produção é uma dimensão que está
vastamente presente no mundo do trabalho(16).
Sendo assim, administrar o tempo é uma competência essencial a ser desenvolvida
pelos enfermeiros, pois os mesmos devem se planejar para realizar todas as
atividades diárias de cuidado aos pacientes, resolução de problemas dos
funcionários, ações burocráticas exigidas pela instituição e ainda, terem tempo
para os imprevistos. Desta maneira, a percepção do tempo como fator decisivo na
organização do trabalho facilita a compreensão da relação deste com o processo
de produção. Consequentemente, também auxilia a compreender o trabalho no
processo de produção em saúde(17).
Essas dificuldades gerenciais vivenciadas pelos enfermeiros pesquisados podem
servir como estopim para o sofrimento no trabalho. Em um processo de trabalho
cujos limites são a vida ou a morte de pessoas, como é o caso do pronto-
socorro, na medida em que as condições dadas se revelam precárias e o próprio
profissional tenha de resolver problemas decorrentes da falta de racionalização
desse processo de trabalho, o trabalhador poderá se revestir de uma 'couraça'
composta de frieza e distanciamento para suportar o próprio sofrimento de
'saber o que fazer', mas não 'ter as condições de fazer'. Essa frieza defensiva
inevitavelmente significará desapego ao paciente(15).
O trabalho nos serviços de urgência e emergência hospitalares pode ser
satisfatório e fonte de prazer, mas, muitas vezes, cansativo e fonte de
sofrimento(18). Os trabalhadores da emergência deste estudo vivenciam
diariamente prazer e sofrimento no trabalho, numa relação dialética, sendo que
a superlotação é um dos fatores que causam maior sofrimento aos profissionais
nesse cenário.
O aumento de recursos materiais, humanos e de espaço físico, não acompanhou o
crescimento da complexidade nos serviços de urgência e emergência . Assim, os
profissionais de saúde vêem-se confrontados com cargas elevadas de trabalho,
com espaços físicos inadequados que lhes causam sofrimento, conflitos e
impossibilitam a expressão da subjetividade no trabalho(18).
A ambivalência do exercício da gerência na enfermagem está no fato deste poder
originar processos de alienação e também poder ser considerada um potente
instrumento para a emancipação, aprendizado, experimentação, solidariedade e
democracia. Portanto, apresenta-se como potencial causadora de sofrimento ou
prazer no trabalho, de acordo com a postura tomada pelo enfermeiro(19).
Se por um lado o enfermeiro inserido no PS que serviu de cenário para este
estudo necessita gerenciar com a finalidade de suprir as determinações
institucionais, por outro, o cuidado de enfermagem é sua responsabilidade, como
pregado pelas bases da profissão. Essa dimensão da gerência será abordada na
categoria a seguir.
Gerência voltada para atender às demandas do cuidado de enfermagem
As subcategorias compositoras desta categoria são: o cuidado como foco da
atividade gerencial, gerenciamento como influência positiva à assistência, o
planejamento do cuidado de enfermagem e Sistematização da Assistência de
Enfermagem (SAE) como ferramenta do gerenciamento.
A política de saúde vigente, as relações de poder, de saber, de agir entre
diferentes profissionais, a tecnologia disponível e a complexidade dos casos
atendidos são fatores que influenciam, histórica e socialmente, no modo de
gerenciar em enfermagem(19).
Hodiernamente, os hospitais adquirem feições de uma empresa de saúde e valoriza
intensamente o processo e os resultados financeiros. Esse viés positivista que
enfatiza a objetividade e a quantificação em detrimento ao interesse pela
clientela ecoa no processo de trabalho do enfermeiro(11).
Diante desta realidade, o enfermeiro defronta-se com dificuldades para
entrelaçar os diferentes subprocessos ao cuidado, entre eles, o gerenciamento,
pois a visão gerencial requerida do enfermeiro pela instituição diverge da
construída ao longo de sua formação inicial.
Mesmo com tal obstáculo, os participantes do estudo reconhecem o cuidado como
foco da atividade gerencial, cerne das atividades administrativas desempenhadas
pelo enfermeiro, conforme versam as falas a seguir:
Eu acredito que atividade gerencial é como um conjunto das atividades
desempenhadas pelo enfermeiro para coordenar a assistência de
enfermagem dentro do seu local ou campo de trabalho de maneira
efetiva e eficaz, buscando sempre alinhar recursos físicos e humanos
com a melhor assistência a ser oferecida ao paciente/cliente [...]
Ainda que eu faça um monte de burocracia, de alguma maneira isso vai
colaborar de um jeito ou de outro para o cuidado das vítimas que
chegam no PS. Por isso que eu acho muito estranho quando falam "eu
sou só enfermeiro administrativo", porque de alguma maneira esse
trabalho vai refletir na assistência.(EE1)
Gerenciar é a capacidade de coordenar a assistência de enfermagem com
eficiência, resolver os impasses que surgem durante o dia de
trabalho, planejar ações, avaliar a qualidade da assistência prestada
pela equipe, desenvolver educação continuada, planejar recursos
humanos, controlar materiais e equipamentos sempre visando a melhor
atenção ao paciente. (EE6)
A divisão do trabalho na enfermagem entre os diferentes profissionais que a
compõem apresenta condicionantes históricos e consolidou-se a partir das
proposições nightingaleanas. Desde então, a cisão entre gerenciar e cuidar
aparece com maior nitidez e permeia a profissão até a atualidade. Este dilema
tem suas raízes na sistematização de conhecimentos da enfermagem, que desde sua
concepção apresenta uma dissociação entre teoria e prática, com predomínio de
técnicas como ponto mais valorizado pelos profissionais(20).
Há a necessidade de imbricação entre cuidar e administrar. Gerenciar em
enfermagem pressupõe ter como objeto: os agentes do cuidado e os recursos
empregados para a assistência; como agente: o enfermeiro; como instrumentos:
bases ideológicas e teóricas de administração e prática de gerenciamento de
recursos; finalidade: coordenar o processo de assistir em enfermagem; métodos:
planejamento, tomada de decisão, supervisão e auditoria; produto: condições
para o cuidado se efetivar com eficiência e eficácia(2).
Assim como exposto os participantes da pesquisa consideram que não há cuidado
possível se não houver a coordenação do subprocesso de trabalho cuidar em
enfermagem, o qual corresponde à finalidade do subprocesso de administrar.
Ainda nessa linha de pensamento, os sujeitos pesquisados pronunciam o
gerenciamento como influência positiva à assistência e enfatizam a necessidade
da consciência científica para tal prática, conforme constatado nas seguintes
falas:
[...] o enfermeiro que se acha somente assistencial também acaba
fazendo a parte administrativa, às vezes até sem perceber, o que para
mim é muito perigoso, pois administrar de maneira aleatória, sem
consciência científica do que se está fazendo, pode acabar
influenciando negativamente na qualidade do cuidado ao nosso paciente
e também para a nossa equipe e o setor como um todo. (EE1)
Para mim, gerenciar é a parte mais importante de ser enfermeiro,
porque dela depende todo o restante do sucesso do seu trabalho. Eu
defino essa atividade gerencial como a área estratégica para
organizar o processo de trabalho, tornando-o mais qualificado tanto
para o paciente quanto para a equipe de enfermagem e a própria
instituição.(EE5)
Como enfermeira de pronto socorro, durante meu processo de trabalho,
eu procuro organizar o funcionamento do meu setor para que ele possa
ser capaz de oferecer uma assistência de qualidade ao paciente.(EE7)
A cientificidade aparece na literatura como instrumento do gerenciamento(2), o
que vai ao encontro das falas anteriores. Destarte, a prática gerencial deve
estar distante do empirismo e o seu produto é conferir condições para que haja
sucesso no cuidado de enfermagem. Reafirma-se, assim, a necessidade de o
enfermeiro assumir o gerenciamento do cuidado e ressalta-se que para coordenar
as atividades necessárias para a sua produção é preciso conhecimento,
responsabilidade e capacidade de decisão(21).
Para isto, o planejamento do cuidado de enfermagem mostra-se como função
essencial para a efetividade deste processo e foi identificado como tal pelos
enfermeiros do PS. Todos os entrevistados mencionaram o planejamento como
importante sustentador da assistência.
Mesmo diante da instabilidade ligada à demanda típica de um pronto-socorro,
durante a coleta de dados, ficou evidente a importância que os sujeitos
destinam ao ato de planejar. Atividades como elaboração de escalas, previsão de
férias e cobertura de turnos com déficit de recursos humanos fazem parte do
cotidiano desses profissionais como ferramenta para a busca do cuidado de
enfermagem de qualidade em um cenário de grandes adversidades.
Outro aspecto que todos os sujeitos mencionaram nas entrevistas como atividade
gerencial cotidianamente desenvolvida é a classificação do grau de dependência
dos cuidados de enfermagem dos pacientes do setor.
A determinação do nível de complexidade dos pacientes no PS estudado é feita
conforme o modelo proposto por Montezeli e Lopes(14), segundo o qual, os
pacientes são divididos em duas categorias: os internados sem leito ou em
observação e aqueles atendidos na sala de emergência. A classificação dos
internados ou em observação é feita uma vez ao dia, representando uma amostra.
Todos aqueles que são atendidos na sala de emergência são classificados ao
darem entrada no serviço, permitindo a identificação do total de atendimentos
segundo a necessidade dos cuidados de enfermagem.
O sistema de classificação de pacientes permite sustentar o planejamento da
assistência de enfermagem e mostra-se necessário para subsidiar o
dimensionamento de recursos humanos e materiais, previsão dos custos da
assistência e melhor distribuição de atividades entre os membros da equipe de
enfermagem(22).
Ainda na temática do planejamento do cuidado como função gerencial, alguns
sujeitos citaram a SAE como ferramenta do gerenciamento.
No cenário da pesquisa não há SAE completa, contudo, os enfermeiros realizam
etapas do processo de enfermagem, principalmente o exame físico e a evolução
dos pacientes em estado crítico que permanecem no aguardo de leitos em Unidade
de Terapia Intensiva. Esta constatação foi descrita como atividade gerencial
apenas nas entrevistas de dois dos sujeitos: EE3, EE6.
A base de sustentação para a realização da SAE é o processo de enfermagem, o
qual pode ser entendido como instrumento para a implementação da assistência
direta ao cliente. Este é constituído em fases ou etapas que envolvem a
identificação de problemas de saúde do cliente, delineamento do diagnóstico de
enfermagem, realização da prescrição de enfermagem, implementação do cuidado e
avaliação dos cuidados prestados, denominado de evolução de enfermagem(23).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória percorrida permitiu o alcance do objetivo proposto pelo estudo e
evidenciou que os sujeitos vivenciam os dilemas pontuados pela literatura entre
a ênfase burocrática do trabalho exigida pela organização e o gerenciamento
voltado à assistência de enfermagem.
A cisão entre gerenciar e cuidar, bem como o gerenciamento realizado apenas com
a lógica e o controle mecânico das atividades, muitas vezes executadas por
outros agentes, não encontra eco no perfil de enfermeiro exigido na atualidade.
Assim, fazer o gerenciamento do cuidado implica tê-lo como pilar mestre das
ações de enfermagem e fazer uso dos saberes administrativos e das novas
tecnologias para realizá-lo. Para tal, faz-se necessário o envolvimento dos
enfermeiros a fim de que haja mudanças no fazer gestão do cuidado com
criatividade e autonomia.
Sabe-se, porém, que a grande maioria das instituições de saúde nas quais o
enfermeiro se insere está distante de alcançar tal realidade, o que dificulta a
articulação da gerência ao cuidado e muitas vezes culmina no retrocesso ao
cartesianismo e à escola clássica da Administração como fios condutores da
prática deste profissional.
Os achados desta pesquisa propiciaram uma série de reflexões sobre a prática do
enfermeiro de emergência e fornece subsídios, ainda que embrionários, para
desafios a este profissional. O princípio destes desafios ancora-se na
articulação das diversas competências gerenciais em um cenário que valoriza
sobremaneira o aspecto técnico como elemento fundamental para uma prática
produtivista. Vislumbramos que os resultados possam instigar nas colegas deste
serviço a inspiração necessária para uma transformação de sua prática.
Salientamos, contudo, que existem limitações na pesquisa pelo fato da mesma ter
sido desenvolvida no PS de apenas uma instituição hospitalar. Sugerimos,
portanto, ampliação do universo investigativo para outras realidades, uma vez
que a exploração da temática gestão em serviços de emergência está distante de
ser sanada.