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BrBRCVHe0034-71672011000200026

BrBRCVHe0034-71672011000200026

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2011
Issue0002
Article number00026

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Vulnerabilidade: análise do conceito na prática clínica do enfermeiro em ambulatório de HIV/AIDS

INTRODUÇÃO Considerando a cartografia do mundo contemporâneo, torna-se evidente as formas de sofrimento humano advindas de um esvaziamento subjetivo, no qual o indivíduo não é entendido em suas múltiplas dimensões e fica reduzido apenas às condições biológicas e ambientais. Podemos então dizer que as diversas formas de mal- estar ou de doenças da contemporaneidade se caracterizam pelo fato de estarem centradas positivamente na ênfase dada ao corpo.

Porém, para se compreender as formas de adoecimento deve-se levar em consideração os aspectos culturais, sócio-econômicos, políticos, as questões de gênero, a etnia, ou seja, todo e qualquer tipo de situação que implique em suscetibilidade ao adoecimento.

Em relação à AIDS, Mann(1) apresenta o conceito de vulnerabilidade no referencial de Ayres, que aponta uma vulnerabilidade do sujeito que não permeia apenas as questões biológicas e do ambiente, mas que leva em consideração a cultura, as questões sócio-econômicas e sua história de vida, ampliando e valorizando dessa forma a subjetividade do sujeito.

A AIDS é uma doença que põe em evidência a sexualidade e sentimentos como culpa e castigo, levando à questões que incomodam os sujeitos e calam os profissionais de saúde que, ao serem confrontados com tais questões, percebem suas dificuldades no campo da ética, do social e do psicológico.

Dessa forma, a AIDS implica em um contexto amplo onde cada sujeito tem um olhar singular frente a sua vida, percebendo de formas diversas suas vulnerabilidades.

A consulta de enfermagem torna-se, nesse sentido, um dispositivo importante para se compreender a subjetividade e singularidade de cada sujeito, além de ser um momento oportuno para a troca de saberes e estreitamento de laços.

Neste sentido, nos perguntamos como o conceito de vulnerabilidade pode ajudar o enfermeiro a conduzir sua prática clínica? Trata-se de um artigo reflexivo que objetiva a discussão do conceito de vulnerabilidade e suas implicações para a clínica de enfermagem, bem como os impasses e as possibilidades geradas por este conceito.

CONCEITO DE VULNERABILIDADE: QUESTÕES HISTÓRICAS O termo vulnerabilidade tem sido bastante empregado nos últimos anos, especialmente após a década de 1980, expressando distintas perspectivas de interpretação.

Originário da área da advocacia internacional pelos Direitos Universais do Homem, o termo vulnerabilidade designa, em sua origem, grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seus direitos de cidadania(2).

Wisner(3) apresenta o conceito vulnerabilidade em situações nas quais pessoas ou populações podem estar expostas a acidentes extensivos, como terremotos.

Aponta, ainda, que o nível socioeconômico, a ocupação e a nacionalidade também se relacionam a esse termo, pois repercutem sobre o acesso à informação, aos serviços e à disponibilidade de recursos, os quais, por sua vez, potencializam ou diminuem a vulnerabilidade.

Numa outra perspectiva, Watts e Bohle(4) propuseram uma estrutura tripartite para constituir uma teoria sobre a vulnerabilidade, que consiste em entitlement, empowerment e política econômica. A vulnerabilidade é definida na intersecção desses três poderes, sendo que entitlement refere-se ao direito das pessoas; empowerment,o empoderamento, que se refere à sua participação política e institucional; e a política econômica, se refere à organização estrutural- histórica da sociedade e suas decorrências. Desse modo, a vulnerabilidade às doenças e situações adversas da vida distribui-se de maneira diferente segundo os indivíduos, regiões e grupos sociais e relaciona-se com a pobreza, com as crises econômicas e com o nível educacional.

Especificamente na área da saúde, o termo vulnerabilidade emerge no começo da década 1980, como possibilidade de interpretação à epidemia da AIDS, na perspectiva de contribuir na identificação de indivíduos, grupos e comunidades que estão expostos a maiores níveis de risco nos planos sociais, políticos e econômicos e que afetam suas condições de vida individual, familiar e comunitária(5).

Mann(1) introduz o conceito de vulnerabilidade para compreender os determinantes estruturais que envolvem a relação dinâmica da epidemia do HIV/ AIDS. Segundo este autor, o comportamento individual é o determinante final da vulnerabilidade à infecção, o que justifica focalizar ações no indivíduo, embora isto não seja suficiente para o controle da epidemia. Deste modo, é importante considerar outros fatores que podem influenciar tal controle no âmbito individual.

Na tentativa de ampliar o conceito, Ayres(6)refere-se ao termo vulnerabilidade como sendo à chance de exposição das pessoas ao adoecimento, como resultante de um conjunto de aspectos que ainda que se refiram imediatamente ao indivíduo, o recoloca na perspectiva de dupla-face, ou seja, o indivíduo e sua relação com o coletivo.

APROXIMAÇÃO DO CONCEITO DE VULNERABILIDADE COM A EPIDEMIA DA AIDS As primeiras estratégias de prevenção da AIDS foram operacionalizadas de acordo com o conceito de grupo de risco, o qual difundiu-se amplamente, especialmente através da mídia. A característica principal desse modelo é que a doença é coisa dos "outros", o que faz com que a AIDS seja tratada como algo episódico e distante, associada à promiscuidade, drogas e homossexualidade(7). Dessa forma, percebemos que os resultados dessas estratégias foram o isolamento do indivíduo e, consequentemente, o estigma e o preconceito.

Uma segunda forma de perceber a doença é através da idéia de comportamentos de risco ou práticas de risco. As estatísticas da AIDS começaram a mostrar que ela não atinge somente indivíduos dos grupos de risco tradicionais, mas atinge a todos que adotam comportamentos de risco, como manter relações sexuais sem o uso do preservativo, compartilhar seringas, receber transfusão de sangue não testado, etc. Assim, as estratégias de redução de risco foram voltadas para a difusão de informações, controle dos bancos de sangue e estratégias de redução de danos para usuários de drogas injetáveis. Esse modelo tende a retirar o estigma dos grupos nos quais a epidemia foi inicialmente detectada, mas demonstra uma tendência de culpabilização individual(7).

Entretanto, percebemos que o risco de infecção está, muitas vezes, ligado mais a questões sociais do que individuais, sendo necessário entender as razões que levam pessoas e grupos a estarem em situação mais vulnerável à infecção pelo HIV.

É nesse contexto que surge o conceito de vulnerabilidade, que considera diversos aspectos relacionados ao adoecimento, resultante de um conjunto de fatores não apenas individuais, mas também coletivos e contextuais que acarretam maior suscetibilidade à infecção e ao adoecimento.

Conforme Ayres(8), as análises de vulnerabilidade envolvem a avaliação de três eixos interligados: componente individual ou pessoal, componente social e componente programático ou institucional.

No plano pessoal, a vulnerabilidade depende do grau e da qualidade da informação de que os indivíduos dispõem sobre o problema, da sua capacidade de elaborar essas informações e incorporá-las ao seu repertório cotidiano e, também, das possibilidades efetivas de transformar suas práticas. A vulnerabilidade social pode ser entendida como um espelho das condições de bem- estar social, que envolvem moradia, acesso a bens de consumo e graus de liberdade de pensamento e expressão, sendo tanto maior a vulnerabilidade quanto menor a possibilidade de interferir nas instâncias de tomada de decisão(8).

No plano institucional, a vulnerabilidade pode ser avaliada a partir de aspectos como: compromisso das autoridades com o enfrentamento do problema; ações efetivamente propostas e implantadas por essas autoridades; coalizão interinstitucional e intersetorial (saúde, educação, bem-estar social, trabalho etc.) para a ação; planejamento e gerenciamento dessas ações; financiamento adequado e estável dos programas; continuidade dos programas; avaliação e retroalimentação dos programas; sintonia entre programas institucionalizados e aspirações da sociedade; vínculos entre as instituições e a sociedade civil organizada, etc(8).

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSULTA DE ENFERMAGEM E O CONCEITO DE VULNERABILIDADE O enfermeiro dispõe da consulta de enfermagem como uma das atividades da categoria com respaldo legal do Conselho Federal de Enfermagem desde 1986. Esta atividade proporciona a esse profissional condições para atuar de forma direta e independente com o cliente, ratificando, dessa forma, sua autonomia profissional.

A consulta de enfermagem é a aplicação do processo de enfermagem, o qual é constituído por ações sistematizadas e inter-relacionadas que visam o cuidado.

As etapas que compõem esse processo são: histórico, diagnósticos, prescrição, intervenções e evolução(9-10).

Em 1997, a consulta de enfermagem foi adotada no Ambulatório Especializado em HIV/AIDS em uma unidade de referência em doenças infecciosas no estado do Ceará, como estratégia para se trabalhar o cuidado individualizado com os pacientes portadores da doença ou da infecção pelo HIV.

Entretanto, pensamos que este atendimento ainda está centrado nas questões bio- epidemiológicas do sujeito, necessitando configurar-se num dispositivo importante para a construção de um saber sobre o sujeito, onde este poderia estar se questionando e refletindo para além de sua doença, momento oportuno para a troca de saberes e estreitamento de laços. Para tal, é importante que o enfermeiro possa se utilizar de conceitos que possam ser uma ferramenta para a construção de uma consulta de enfermagem, agregando, além dos problemas de saúde, o reconhecimento das vulnerabilidades individuais, psíquicas e coletivas dos sujeitos.

Para se trabalhar com o sujeito portador de HIV/AIDS, algumas teorias podem ser utilizadas; entre elas, a abordagem humanista, comportamental e político- social. Pois o que percebemos é que a as abordagens educativas têm falhado por não contemplar o aspecto afetivo na construção do conhecimento, uma vez que os modelos estão orientados fundamentalmente nos aspectos cognitivos(11).

Além disso, outros aspectos merecem ser abordados, como as relações de gênero, a posição/condição/situação de mulheres e homens no mundo contemporâneo, os direitos das mulheres como direitos humanos, as relações conjugais e o poder que nelas circula, as estereotipias e os direitos reprodutivos e sexuais(12).

Defende-se uma consulta de enfermagem como um cuidado no qual sejam gestadas as dimensões ética, estética e política, onde o sujeito possa narrar sua história sem ser formatado a partir de pensamento reflexivo linear de causa e efeito, sem juízos ou cobranças de enquadramento à ciência hegemônica, onde ele possa se dizer, narrar sua história e, a partir dessa narrativa, criar outras formas de existência. Entende-se, portanto, que a base filosófica e o referencial teórico adotados pelo enfermeiro vão nortear e conduzir a sua prática clínica, assim como os efeitos produzidos por esta prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos, nesse sentido, o termo vulnerabilidade como a suscetibilidade do sujeito a uma possibilidade de adoecimento, resultante de um conjunto de aspectos sociais, culturais, epidemiológicos, psicológicos e biológicos, recolocando o sujeito em sua relação com o coletivo. Estes aspectos devem ser analisados tanto objetivamente como subjetivamente, ou seja, devem ser levadas em consideração a dimensão simbólica, a construção de processos de identidade e as vulnerabilidades dos indivíduos.

Faz-se necessário, além de identificarmos as vulnerabilidades que emergem na vida desses sujeitos, entender como estes organizam suas experiências a partir do modo como eles sentem, representam e dão um sentido a estas experiências.

Desta forma, pode-se pensar na consulta de enfermagem como um lugar onde as narrativas sejam produzidas. Podemos então produzir a consulta de enfermagem ao paciente portador de HIV/AIDS, percebendo e identificando suas vulnerabilidades onde a partir da mediação da história narrada e da escuta atenta, pode ser produzida um nova história, um espaço de criação e recriação de novos significados.

É fundamental pensarmos, portanto, qual é a noção de sujeito que temos e como este se relaciona consigo e com os outros, pois essa concepção é que deveria nortear e fundamentar os conceitos e a prática clínica do enfermeiro.


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