Pesquisa-ação: concepções e aplicabilidade nos estudos em enfermagem
INTRODUÇÃO
A escolha correta da metodologia caracteriza o caminho e a prática a ser
seguida pelo pesquisador na abordagem da realidade, inclui o método, as
técnicas, além da criatividade do investigador, portanto, ocupa espaço central
no interior das teorias sociais. Assim, a escolha do caminho metodológico
mostra a intencionalidade do pesquisador sobre um determinado fenômeno(1).
A Enfermagem, para obter respostas e resultados a seus questionamentos e
inquietações, vem realizando vários estudos e pesquisas que diretamente têm
contribuído para a ampliação e a produção de conhecimentos em saúde.
Entretanto, a Enfermagem como ciência deve ter uma visão holística do ser
humano e, assim, entender que o mesmo possui diferenças culturais e
comportamentais, sentimentos próprios de cada ser, preferências sexuais, tabus,
mitos e preconceitos. Desta forma, vem utilizando as pesquisas qualitativas
para estudar e desvendar a subjetividade dos fenômenos humanos.
A pesquisa qualitativa estuda os aspectos dos cenários naturais, não se
limitando a dados isolados ligados a uma teoria, o sujeito faz parte do
processo de conhecimento interpretando os fenômenos. Por isso esta abordagem
ainda permite explorar todas as dimensões da singularidade do ser humano,
possibilitando a compreensão do fenômeno estudado para o sujeito da pesquisa
(2). Muitos são os caminhos metodológicos na pesquisa qualitativa que podem ser
seguidos por um pesquisador para o alcance dos resultados dos seus
questionamentos e inquietações, porém dentre eles destaca-se a metodologia da
pesquisa-ação.
A metodologia da pesquisa-ação tem suas origens nos trabalhos de Kurt Lewin, em
1946, num contexto pós-guerra, quando o mesmo trabalhava com o governo norte-
americano e desenvolvia atividades relacionadas a mudanças de hábitos
alimentares e mudanças de atitudes desses americanos frente a outros grupos
minoritários. Seus trabalhos eram desenvolvidos paralelamente aos seus estudos
sobre o desenvolvimento e funcionamento de grupos. Daí o fato da pesquisa-ação,
naquele momento, ser bastante aceita e desenvolvida nas empresas que exerciam
atividades ligadas ao desenvolvimento organizacional(3).
Esta concepção de reflexão para a mudança, visando melhorar o trabalho e o
desenvolvimento organizacional, foi substituída nos anos de 1946 a 1948, a
partir de influencias das linhas positivistas, que modificaram a concepção de
pesquisa-ação anteriormente cultivada por Lewin, passando a ser fragmentada em
quatro tipos: diagnóstica, participante, empírica e experimental. Faz-se
necessário enfatizarmos que tais dimensões sempre estiveram presentes, de forma
integrada, nos estudos de Lewin; e que estas mudanças levaram ao
enfraquecimento e ao desconhecimento das reais origens desta metodologia por
parte de alguns pesquisadores(3).
Porém, a utilização da metodologia da pesquisa-ação vem crescendo atualmente,
sendo utilizada de diferentes maneiras, a partir de diversas intencionalidades,
destacando o seu emprego nos campos da educação, comunicação (publicidade e
propaganda), serviço social, organização e sistemas, desenvolvimento rural
(agronomia), difusão de tecnologia, área bancária, práticas políticas e pela
saúde, em destaque pela Enfermagem(4).
Entende-se a pesquisa-ação como "uma linha de pesquisa associada a diversas
formas de ação coletiva que é orientada em função da resolução de problemas ou
de objetos de transformação"(5). Ou seja, entende-se que é uma forma de
pesquisa que se propõe a realizar uma ação coletivamente. Nessa perspectiva,
pode-se observar a importância desta metodologia tanto para pesquisas na área
da Enfermagem quanto para as realizadas em Saúde Pública, tendo em vista que as
pesquisas desenvolvidas nessas duas áreas têm por fim a ação do cuidar, a
promoção do bem-estar e melhoria na qualidade de vida da população.
À luz desse contexto, podem-se destacar os Programas de Saúde Coletiva, dentre
eles a Estratégia Saúde da Família (ESF), como um espaço privilegiado para a
utilização da metodologia da pesquisa-ação, tendo em vista que este local
propicia a construção social do conhecimento por meio da participação dos
atores envolvidos nesse processo de mudança e transformação de suas realidades,
além do fato dos profissionais, em destaque o enfermeiro, possuírem uma
interação com os sujeitos da comunidade(6).
Entretanto, muitos pesquisadores receiam a utilização da metodologia da
pesquisa-ação, referindo que as pesquisas que utilizam esta abordagem são menos
científicas e mais expostas a manipulações por parte de seus pesquisadores do
que as pesquisas convencionais. Cabe aos pesquisadores que utilizam tal
abordagem valerem-se também da ética em pesquisa e do controle rigoroso do
método, pois a utilização desse tipo de abordagem metodológica tem efeito
significativo na trajetória de vida dos grupos envolvidos na pesquisa(4-5).
Tendo em vista os aspectos abordados, este estudo objetiva refletir sobre a
metodologia da pesquisa-ação, bem como suas contribuições como abordagem
metodológica para a produção e ampliação do conhecimento em Enfermagem.
DISCUTINDO A METODOLOGIA DA PESQUISA-AÇÃO E SUA APLICABILIDADE NOS ESTUDOS EM
ENFERMAGEM
A escolha metodológica da pesquisa-ação se mostra apropriada como caminho para
desvendar um fenômeno social de base empírica; e como método de pesquisa social
que estabelece uma relação com a estrutura coletiva, além de ser participativa
e ativa ao nível da capacitação de informações(5,7).
Ao ser utilizada esta opção metodológica, pode-se evidenciar a sua
flexibilidade como método participativo de investigação, pois ele mostra-se
como uma metodologia que possibilita a interação entre pesquisador e sujeitos
da pesquisa, ou seja, entre o saber formal e saber informal, entre a teoria e a
prática, conduzindo a mudanças reais na forma como as pessoas interagem entre
si e com os outros(8).
Comparando-se esta metodologia com as demais, pode-se destacar que a pesquisa-
ação configura-se até 6,7 mais difícil do que as pesquisas convencionais, não
sendo simples, nem fácil, como citado por alguns pesquisadores. Porém, a
utilização deste método é bastante gratificante, pois permite que o sujeito da
pesquisa se envolva com seus problemas, aumentando a probabilidade dos achados
da pesquisa se transformar em ação(9).
Nesse sentido, ao optar por essa metodologia, deve-se ter em mente a
necessidade de uma interação ou cooperação do pesquisador com os participantes,
tendo em vista, que esse tipo de metodologia estabelece uma relação
participativa e ativa com o coletivo como anteriormente citado. Além disso, é
importante destacar o tempo que será utilizado para o cumprimento de todas as
etapas desse método, visto que este possui doze etapas que devem ser seguidas
pelo pesquisador(6).
Outro ponto que merece destaque refere-se à característica exploratória da
ação, o senso ético que deve ser sempre preservado pelo pesquisador, a não
imposição de valores ou grandes expectativas nos participantes da pesquisa, a
atenção e o respeito às características próprias de cada pessoa, o tempo
necessário para adquirir confiança dos sujeitos no pesquisador, além da adoção
de um ambiente harmonioso e fraterno, buscando sempre um bom acolhimento e o
bem-estar desses participantes(10).
Ao serem observados todos esses pontos, destacamos o enfermeiro-pesquisador
como um ser capaz de seguir e cumprir todos os requisitos desse método de
pesquisa, tendo em vista, que tais atividades já são desenvolvidas no cotidiano
de seu trabalho e muitas vezes são realizadas até de forma espontânea, assim,
cabe a este profissional mostrar que é possível unir teoria a prática, numa
relação de contínuo crescimento e reconhecimento de seu trabalho(4).
Como exemplo da viabilidade da utilização deste método, destaca-se na produção
científica em Enfermagem no Piauí a tese de Doutorado intitulada "A mulher
idosa e a educação em saúde: saberes e práticas para a promoção do
envelhecimento saudável" defendida em 2005 através do Programa de Qualificação
Institucional da CAPES realizado na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e, na atualidade, o
desenvolvimento do Projeto de Dissertação de Mestrado "A percepção da mulher
idosa sobre sua sexualidade" no Programa de Pós-Graduação Mestrado em
Enfermagem, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Em ambos os estudos a opção por esta metodologia deveu-se à flexibilidade, uma
forte interação entre os sujeitos e a pesquisadora e possibilidade de
participação dos sujeitos da investigação. Além do mais os objetos de estudo
delimitados são fenômenos subjetivos e repletos de saberes, experiências,
mitos, tabus e preconceitos que certamente emergiram e emergirão com maior
facilidade nas expressões grupais, próprias da técnica mais utilizada na
pesquisa-ação que é o seminário. Assim sendo, identifica-se na pesquisa-ação
uma ação dialógica critica e reflexiva permitindo dar voz, vez e oportunidade
de expressão a esses sujeitos, respondendo os objetivos proposto no estudo(6).
A metodologia da pesquisa-ação possui doze fases que se interrelacionam e que
são flexíveis, ou seja, não necessitam ser seguidas de forma ordenada e com
rigidez. A seguir descrevem-se essas etapas, de forma resumida e ordenada,
tendo em vista que, para o entendimento completo desse método de pesquisa, é
necessário um estudo mais detalhado e minucioso por parte do pesquisador que
deseja utilizá-lo(5).
1. Fase exploratória: como o próprio nome sugere, é uma fase em que
será explorado o campo de pesquisa, seus possíveis interessados, suas
ações, além de ser realizado o levantamento da situação, dos
problemas prioritários e elaborado os objetivos da investigação.
2. O tema da pesquisa: deve ser elaborado de forma simples;
entretanto deve sugerir os problemas e o enfoque que será abordado.
Este deve ainda ser de interesse dos participantes e dos
pesquisadores, para que haja cooperação e interesse mútuo.
3. A colocação dos problemas: definição do problema no qual o tema e
os objetivos adquirem sentido, ou seja, devem ser colocados os
problemas que se pretende resolver dentro de um campo teórico e
prático.
4. O lugar da teoria: a teoria surge para fornecer sustentação aos
achados na metodologia da pesquisa-ação. Esta deve ser trazida para
as discussões permitindo o entendimento por parte de todo o grupo.
5. Hipóteses: estas são conceituadas como uma suposição formulada
pelo pesquisador para o problema de pesquisa, tendo em vista suas
possíveis soluções.
6. Seminário: este se constitui como a principal técnica para coletar
os dados, pois centraliza todas as informações coletadas em outros
momentos e depois discute suas interpretações. Posteriormente são
confeccionadas as Atas de cada seminário.
7. Campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa:
na pesquisa-ação este campo observacional pode abranger
geograficamente uma comunidade concentrada ou espalhada, já em
relação à amostragem e representatividade qualitativa estas são
discutíveis.
8. Coleta de dados: esta é efetuada de várias formas, através das
técnicas de entrevistas coletivas, entrevistas individuais com
profundidade, questionários, observação participante, diário de
campo, além da história de vida, entretanto, todas essas técnicas
ficam sob controle do seminário central.
9. Aprendizagem: esta etapa envolve a produção e circulação de
informações, elucidação e tomada de decisões, além de outros aspectos
que fornecerá mais aprendizado aos participantes. Através da
pesquisa-ação, tanto pesquisador quanto os participantes, aprendem ao
investigar e discutir suas ações.
10. Saber formal/saber informal: visam estabelecer a comunicação, o
entendimento e a relação entre os dois universos culturais: os dos
especialistas e dos participantes, tendo em vista que os dois sempre
terão algo a contribuir um com o outro.
11. Plano de ação: é uma exigência da pesquisa-ação, deve se
concretizar em uma ação planejada entre o pesquisador e os
participantes. O plano de ação objetiva a ação que precisa ser
realizada para a obtenção da solução de um problema existente.
12. Divulgação externa: pode ser realizada em dois momentos:
primeiramente deve ser realizado o retorno dos resultados da pesquisa
ao grupo de participantes do estudo e posteriormente devem ser
discutidas e planejadas diferentes formas de divulgação externa,
através de congressos, seminários, periódicos, dentre outros.
Após a análise dessas fases, faz-se necessário relembrarmos que elas se
interrelacionam e que são bastante flexíveis, mas deve-se ter em mente também
que elas representam um ponto de partida e de chegada deste método, e que
sempre o pesquisador deve seguir a ética em pesquisa e o rigor metodológico
para que seja preservada a cientificidade da metodologia da pesquisa-ação
(4,11).
Buscando levantar as produções científicas em Enfermagem que utilizaram esta
metodologia identificou-se a ausência do título Pesquisa-ação entre os
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), cadastrados na Biblioteca Virtual de
Saúde (BVS). Isso certamente influencia na difusão deste método de pesquisa,
não só na Enfermagem, bem como em todas as áreas das ciências.
Outra limitação para utilização da pesquisa-ação refere-se ao maior
investimento de tempo na execução de todas as etapas metodológicas, o que exige
a disponibilidade tanto do pesquisador e sua equipe, quanto dos participantes
da pesquisa. A produção de dados neste método se dá durante a realização dos
seminários programados e planejados de acordo com os objetivos da investigação
e sendo imperativa a participação dos envolvidos, não permitindo que seja
realizada apenas uma fase, como a diagnóstica. O método tem como finalidade uma
ação para a mudança e transformação da realidade do sujeito, portanto necessita
ser desenvolvido em sua integralidade(9).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa-ação dentre as várias abordagens metodológicas que podem ser
utilizadas para a realização de pesquisas em Enfermagem destaca-se por
objetivar a transformação de uma realidade através de uma ação planejada, a
inserção do pesquisador no campo de coleta de dados, a interação entre o
pesquisador e o participante, além da colaboração dos participantes como
agentes transformadores de sua realidade, capazes de modificarem suas práticas
através do seu aprendizado.
Desta forma, esta metodologia mostra-se aplicável na área da Enfermagem,
considerando que a pratica profissional exige características do enfermeiro
pesquisador, que facilitam a utilização deste método de pesquisa, dentre as
quais se destacam o saber escutar, prestar atenção aos seus clientes, ser
sensível aos problemas da comunidade que trabalha e aos seus sentimentos, além
de ser íntegro e principalmente ético como profissional e em suas pesquisas.
Este método permite uma interação entre o pesquisador e o pesquisado, relação
esta que já é estabelecida na prática cotidiana das atividades desenvolvidas
pelo enfermeiro, visto que o mesmo permite que os sujeitos (clientes) tenham
voz e vez, ou seja, permite um diálogo aberto, participativo e reflexivo,
assistindo-o de forma holística, incluindo-o sempre em um conjunto com sua
família e comunidade, além de buscar constantemente a transformação positiva
dessa realidade.