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BrBRCVHe0034-71672011000400014

BrBRCVHe0034-71672011000400014

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2011
Issue0004
Article number00014

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Unidade teórico-prática na práxis de um currículo integrado: percepção de docentes de Enfermagem na saúde da criança e do adolescente

INTRODUÇÃO No Brasil, o ensino de Enfermagem vivencia um grande desafio: implantar um novo currículo nos Cursos de Graduação, atendendo a Portaria 1.721, do Ministério da Educação e do Desporto(1). Em seguida, ocorre o movimento que culminou com a publicação da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional(2). No âmbito da Enfermagem, ressalte- se Resolução CNE/CES 3, de 7 de novembro de 2001, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem(3).

Estudos relatam que escolas de enfermagem optaram por implantar estratégias com base no Currículo Integrado que pressupõe a indissolubilidade teoria-prática no cotidiano, visando a transformação da realidade(4-7). A integração entre ensino-serviço-comunidade é fonte e parâmetro para a rearticulação da teoria- prática. Entretanto, as possibilidades de essa assertiva vir a se concretizar, no cenário universitário, nos espaços de aprendizagem e na prática docente, constituem uma questão complexa e desafiadora. Com efeito, é inócua a implantação de projetos pedagógicos teoricamente inovadores se, na prática, a ação pedagógica é impermeável às mudanças.

A teoria e a prática, desde os primórdios da Enfermagem, têm merecido reflexão na formação do enfermeiro. No Brasil, o ensino da Enfermagem teve sempre seu fundamento na teoria e na prática, sendo o campo de prática o local de busca de concretização desta ligação. Entretanto problematiza-se a falta de estudos abordando a concretude da unidade teoria-prática na formação do enfermeiro(8).

A construção de mecanismos que superem o modelo de ensino tradicional e o conceito de que o conhecimento prático é a aplicação do conhecimento teórico, é um aspecto a ser considerado na reformulação de currículos.

Surgem, então, as indagações: Quais as concepções dos docentes no Curso da Graduação em Enfermagem sobre a relação teoria-prática, na área da Saúde da Criança e do Adolescente? Como se insere, nessa área, o ensino da Enfermagem em um Currículo Integrado? Os docentes no exercício do ensino e da assistência de Enfermagem trabalham a interdisciplinaridade promovendo a unidade teoria- prática? O presente estudo tem por objetivo compreender a percepção dos docentes sobre a relação teoria-prática, no ensino da Enfermagem na área da Saúde da Criança e do Adolescente, a partir da vivência do Currículo Integrado.

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO Trata-se de uma pesquisa qualitativa, ancorada nos referenciais teóricos de Vasquez, Freire e Bakthin(9-11), que apresentam em comum, o pensamento dialético(12). Acredita-se na possibilidade de compreensão do fenômeno em estudo, a partir do diálogo possível entre os autores(9-11). Destacamos, como aspectos relevantes, a concepção de práxis em Vasquez(9); educação, diálogo e cultura em Freire(10) e de dialogismo, intertextualidade, interdiscursividade, polifonia e heterogeneidade discursiva em Bakthin(11).

Para Vázquez(9) a práxis (palavra grega originada do verbo pattein: agir) significa ação propriamente dita; é considerada o cerne da teoria marxista enquanto filosofia que se propõe a transformar o mundo e não apenas interpretá- lo. Ao afirmar que a práxis é ação do homem sobre a matéria e criação por meio de uma nova realidade humanizada, o autor distingue dois níveis de práxis: a práxis criadora, ou práxis reiterativa; e a práxis reflexiva, ou espontânea. vínculos mútuos entre um nível e outro, no contexto de uma práxis total.

Vásquez, ao apresentar a prática como fundamento da teoria, considera que as relações entre teoria e prática no primeiro nível dependem do segundo, "na medida em que a prática é fundamento da teoria, que determina o horizonte de desenvolvimento e progresso do conhecimento"(9).

A teoria de Freire(10) concebe o homem como sujeito de sua própria educação, não podendo ser objeto dela. Nessa perspectiva, os seres humanos se educam mediatizados pelo mundo, de forma que "a conscientização não pode existir fora da 'práxis', ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens"(13).

Assim como Bakhtin, Freire pressupõe que a dialogicidade é a essência da educação como prática da liberdade. Segundo ele "quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, se nos revela algo que poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra"(10). Na análise do diálogo encontramos a palavra, o que nos impõe encontrar os seus elementos constitutivos. Essa busca leva a duas dimensões: ação e reflexão, para ele não palavra verdadeira que não seja práxis.

Entre as idéias-força apresentadas por ele, destaca-se a cultura: na medida em que o homem, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, cria cultura. Não por suas relações e por suas respostas o homem é criador de cultura, ele é também "fazedor" da história. Na medida em que o ser humano cria e decide, as épocas vão se formando e reformando. É preciso que a educação esteja ' em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos ' adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história...(13).

Portanto: "Cultura é todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, do seu trabalho por transformar e estabelecer as relações de diálogo com outros homens. A cultura é também aquisição sistemática da experiência humana, mas uma aquisição crítica e criadora, e não uma justaposição de informações armazenadas na inteligência ou na memória e não incorporadas no ser total e na vida plena do homem"(13:38).

Bakhtin(11) por meio do seu pensamento contribui para a análise do discurso na perspectiva lingüística e histórica, afirmando ainda, que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. Toda enunciação é um diálogo que faz parte de um processo ininterrupto de comunicação. Não enunciado isolado, todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos que o sucederão. Entendido dessa maneira, um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, poderá ser compreendido no interior desta. As relações dialógicas são amplas, heterogêneas e complexas, não podem ser reduzidas às cópias das relações que se estabelecem num diálogo real. Dois enunciados distantes um do outro, tanto temporal como espacialmente, quando confrontados em seu sentido, podem revelar uma relação dialógica. Para esse autor a compreensão é uma forma de diálogo; "ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra, no diálogo. Compreender é opor a palavra do locutor em contrapalavra"(11).Uma das características fundamentais do dialogismo é conceber a múltiplicidade de vozes que participam do diálogo da vida.

É dentro dessa perspectiva de interação sujeito-outro que Bakhtin(14) nos ensina a polifonia. O autor destaca que somos resultados de várias vozes dos outros que passaram por nossa história de vida, formaram nossa consciência e nosso mundo e que estamos em constante transformação, em um processo que não pára. São todos esses outros, que vivendo em nós, formam a nossa individualidade que se expressa em nossa forma de ver, de nos relacionarmos com as pessoas e com o mundo.

Fiorin(15), ao apresentar elementos de análise do discurso traz pistas para interpretação do texto levando em conta os mecanismos sintáxicos e semânticos responsáveis pela produção do sentido sendo importante considerar a Intertextualidade em que ocorre a superposição de um texto literário a outro,ou a influência de um texto sobre outro que o toma como modelo.

Com base nos princípios bakhtinianos, a análise do discurso propõe o principio da heterogeneidade, a idéia de que a linguagem é heterogênea tendo em vista a diversidade de uma fala. O discurso é tecido a partir do discurso do outro, que é "exterior constitutivo", o dito sobre o qual qualquer discurso se constrói. Outro elemento importante é a interdiscursividade relação que todo discurso mantém com outros discursos. Por meio da análise do discurso estes aspectos lingüísticos foram considerados e descritos na tese ampliando o debate com outros autores; fica ao leitor o convite para ler o estudo.

A pesquisa teve como cenários duas Universidades públicas situadas nas regiões Sul e Sudeste, que trabalham com o Currículo Integrado. Os critérios de inclusão dos sujeitos da pesquisa foram: ser docente do Curso de Graduação em Enfermagem das universidades selecionadas; ter vivenciado o processo de mudança curricular quatro anos ou mais no Currículo Integrado; atuar na área de saúde da Criança e do Adolescente; estar presente na Universidade no momento de coleta de dados; não estar de férias ou licença e aceitar voluntariamente participar da pesquisa. Constituíram a amostra onze docentes, formadas em cursos de graduação em Enfermagem mais de dez anos, com tempo de docência variando entre 10 a 22 anos, sendo um especialista, oito mestres e dois doutores com vivência da prática nessa modalidade e no ensino de Enfermagem na Saúde da Criança e do Adolescente.

Posterior à aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP 0396/ 05), os dados foram coletados junto as instituições, após a autorização pela direção da escola e após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos Docentes. A fim de assegurar o anonimato dos sujeitos, foram adotados pseudônimos de gemas minerais na identificação dos discursos.

As entrevistas não estruturadas, tendo como questão norteadora, a pergunta: "Como você percebe a relação teoria-prática ao vivenciar o Currículo Integrado no ensino de Enfermagem na Saúde da Criança e do Adolescente no seu cotidiano docente?", foram gravadas e transcritas na integra. O número dos sujeitos participantes foi determinado pela percepção do ponto de saturação, ou seja, pela reincidência dos discursos.

A análise foi baseada no discurso dos sujeitos na perspectiva bakhtiniana(11) e, foi realizada após a leitura e releitura das entrevistas. Foram identificados os principais pontos de convergências e divergências, que analisados sob a luz dos referenciais adotados(11-16).

RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir da leitura exaustiva dos discursos emergiram as seguintes categorias empíricas: o ensino sob o foco da interdisciplinaridade e multiprofissionalidade; o cuidado à criança contextualizado na saúde da família em diferentes cenários da prática assistencial; a práxis docente engendrando o movimento dialético da teoria-prática.

O ensino de enfermagem sob o foco da interdisciplinaridade e multiprofissionalidade Nos cursos de Enfermagem estudados, o ensino da Saúde da Criança e do Adolescente, se concretiza no contexto do Currículo Integrado que articula o ciclo básico e clínico, ensino, serviço e comunidade; prática e teoria, por meio da integração dos conteúdos. Assim, um dos docentes declara que: No momento em que eles estão fazendo estas atividades nas famílias a gente tem as crianças, como você também tem adulto, o idoso, a gestante... então, ao trabalhar com ciclo vital a gente não separa mais por disciplina a formação do estudante (Esmeralda).

A abordagem sobre ciclos vitais e valores na família permite uma análise didática do sistema familiar, de como a família se organiza e se desorganiza, reorientando-se e reelaborando significados para superar os momentos de crise.

Vale ressaltar que, no Currículo Integrado, a organização dos conteúdos dá-se de forma a reunir conhecimentos, a partir de uma idéia central (temas, questões da vida diária e outros). Para ser explicada, requer ir além dos limites de uma única disciplina exigindo abordagem interdisciplinar.

A interdisciplinaridade é a base fundamental da organização do Currículo estruturado em módulos temáticos(17). A interdisciplinaridade e a multiprofissionalidade são conceitos que pressupõem uma visão de mundo na qual se constroem as relações democráticas de conhecer, da redefinição de papéis dos sujeitos-cidadãos e da autodeterminação, na busca de solução de problemas com base na ação intersetorial(18). Muitos problemas que a sociedade tenta compreender e resolver são de caráter interdisciplinar e a interdisciplinaridade que os meios universitários consideram importante está longe de ser a regra geral nas estruturas dos cursos(19). No entanto, nos Cursos pesquisados, existe um movimento interdisciplinar que está em processo de construção, na perspectiva de rompimento com o modelo biomédico, abordando o ciclo vital e o processo saúde-doença no contexto sócio-político-econômico.

Com o propósito de alcançar a integralidade do cuidado, a enfermagem estabelece relações com outras práticas sociais e outras áreas de conhecimento principalmente de ciências humanas e sociais em processo de complementaridade, como se no seguinte discurso.

É uma prática nova pra nós enfermeiros, a questão do trabalho multiprofissional, então, não fica , no que vai resolver tudo sozinho que vai dar conta de tudo e começa trabalhar em equipe mesmo.

[...] é uma experiência riquíssima no ano, a troca com outros profissionais, é o médico, é o enfermeiro é o psicólogo, é o assistente social que esta ali, é o agente comunitário, auxiliar de enfermagem, o auxiliar de limpeza, o motorista, a gente tem um espaço de sentar todo mundo junto e discutir aquela situação (Pérola).

Esta docente, que também é Enfermeira, reporta uma prática nova, porém esta prática remete ao trabalho de enfermagem, que se insere na estrutura do trabalho geral, considerando que o cuidado pertence a um processo de trabalho mais amplo que é o processo de trabalho em saúde, envolvendo todos os atores sociais.

Nessa perspectiva, coloca-se o trabalho em equipe multiprofissional que reporta aos pilares da educação: o de aprender a ser e o de aprender a viver em conjunto como um desafio à educação do século XXI(19). O trabalho coletivo "é uma prática coletiva e isso significa que a presença daqueles que estão vivos hoje é importante. Os que vierem amanhã começarão a agir, precisamente tomando aquilo que nós fizemos como ponto de partida"(20). Percebe-se, nos discursos dos docentes, a nova estratégia denominada, no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), de ciclo metodológico.

E então, a gente vai para prática, vivencia o cotidiano, e normalmente isto acontece de dois a três dias na semana das sete ao meio dia. A gente fica na unidade de pediatria, a gente sai e tem um espaço que é feito esta socialização do que foi o cuidar destas crianças normalmente são cuidados em duplas. (...), ele traz a prática e a teoria a gente vai trabalhando desta forma dentro de uma estratégia que a gente denomina de ciclo metodológico (Safira).

Dessa forma, os dados obtidos possibilitaram compreender a percepção dos docentes sobre ensino de Enfermagem na Saúde da Criança e do Adolescente desvelando a interdisciplinaridade, a multiprofissionalidade do ensino, a partir do ciclo vital, em um Currículo Integrado. Identifica-se, no exercício da interdisciplinaridade, uma possibilidade inovadora de se trabalharem os conteúdos relativos à Saúde da Criança e do Adolescente.

É nesse enfoque interdisciplinar e nas outras áreas do conhecimento da Enfermagem que as antigas disciplinas são trabalhadas. Nota-se que o desenho do Currículo Integrado implementado combina o uso de metodologias ativas, inserido na teoria educacional crítica, opondo-se ao ensino tradicional. A unidade teoria-prática combina a reflexão crítica com dialogismo.

O cuidado à criança contextualizado na Saúde da Família e em diferentes cenários da prática assistencial O ser criança-adolescente deve ser visto dentro do contexto familiar, inserido na sociedade e na visão sistêmica contextualizada. Autores definem que família é aquela que seus membros consideram como tal (6,21). Os enfermeiros devem conhecer as funções, os diversos tipos de estrutura, as teorias que fornecem base para compreender as alterações, os estágios do ciclo familiar, para direcionar as intervenções(21).

Saúde da Família é uma estratégia adotada nos PPC dos Cursos de Enfermagem pesquisados que desenvolvem atividades de ensino no domicílio e nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBS), a partir do primeiro ano do Curso.

No primeiro ano, o cenário de aprendizagem é o cenário de visita domiciliária que é feito na casa das pessoas das famílias que a gente começa a acompanhar, alguns momentos eles também realizam atividades dentro da Unidade de Saúde da Família, mas, a maior concentração é trabalhar a partir do domicílio (Esmeralda).

A visita domiciliar, como intervenção, é uma atividade potencial para desenvolver as competências necessárias, de acordo com os pressupostos pedagógicos do Curso. A família destaca-se como objeto de atenção na área da saúde, e deve ser compreendida a partir do ambiente onde vive e constroem suas relações intra e extrafamiliares na busca pela melhoria das condições de vida.

A partir dessa dimensão, deve-se entender que as relações entre os serviços de saúde e a família compreendem um conjunto de determinantes sociais, políticos e econômicos. sob a intervenção e recuperação do corpo biológico não tem respondido de forma plena às necessidades de saúde, pois estas vão além e demandam uma atenção que leve em conta a integralidade do ser humano, a qualidade de vida e a promoção da saúde(5).

A amplitude do atendimento à criança ela aumentou, aumentou várias possibilidades dessa criança ser vista, é na comunidade, centro da educação infantil, orfanatos, creches são várias possibilidades de o aluno ter que ir, então ele fica menos tempo na pediatria embora tente diversificar (Turquesa).

A Saúde da Criança, no Brasil, reflete o modelo de sociedade capitalista e neoliberal, agravado pelas desigualdades sociais. Em um contexto social onde a redução da pobreza não passa de discurso político, uma criança que apresenta condições de vida inferior está mais susceptível a adoecer e a morrer do que as crianças com qualidade de vida superior. Numa realidade em que a maioria das mães trabalha fora de casa, a creche é a alternativa social que cumpre parte da educação infantil e básica.

Assim, a creche, como espaço de práticas do ensino da Enfermagem, oferece, ao estudante, uma visão ampliada da Saúde da Criança, nas diversas faixas etárias dos seis primeiros anos de vida. Outro espaço de prática são os laboratórios, mas pontos positivos e negativos: Nesse momento, nós partimos para o laboratório, pega um boneco, a gente tenta transportar ele como se fosse uma criança verdadeira que ele tem que examinar, quais os cuidados, que ele tem que ter, a abordagem da mãe, a abordagem da criança nas diferentes fases.

Terminou esse conhecimento teórico, básico , que a gente considera, nós vamos fazer puericultura na Unidade Básica de Saúde (Ametista).

O uso de laboratórios de enfermagem enquanto tecnologia organizacional é considerado na literatura como um recurso valioso para o aprendizado de técnicas básicas de enfermagem, sendo um dos aspectos positivos permitir ao estudante desenvolver habilidades e competências, tais como destreza manual, memorização da sequência da técnica, realização de técnicas não oportunizadas durante o estágio, principalmente os procedimentos invasivos com riscos a saúde da população(22). A autora aponta como principal aspecto negativo, a insatisfação dos estudantes no que tange às atividades relacionadas ao uso de laboratório de enfermagem.

Aspectos relacionados ao uso do laboratório como recurso de integração da teoria-prática na graduação merecem aprofundamento teórico e devem ser considerados em estudos posteriores a fim de desvelar as representações dos estudantes quanto a este cenário de ensino de Enfermagem. O cenário hospitalar também é evidenciado na fala dos sujeitos: Eles vivenciam o cenário do berçário de cuidados intermediários.

Especificamente, então os dois focos acabam sendo maiores pensando na enfermaria de pediatria, pré-escolar, do escolar e o recém-nascido.

[...] É rodiziando na área da criança, na área da mulher e do adulto, especificamente na área da criança, e então no cenário hospitalar; este estudante vivencia o cenário de uma enfermaria de pediatria (Diamante).

Identifica-se o movimento teórico-prático traduzido como contínuo, permeado por discussão durante a prática, contemplando conteúdos, habilidades técnicas e condutas de Enfermagem. Os enfermeiros são responsáveis pelo treinamento da equipe para o desempenho das atividades de vacinação e das práticas de educação em saúde. A qualidade do serviço prestado em sala de vacinas e em campanhas de vacinação depende, basicamente, da competência técnica e da forma de atuação desses profissionais.

[...] tudo que surge a gente vai trabalhando, por exemplo, quando ele está olhando o calendário vacinal tem uma vacina atrasada de uma criança, ele vai discutir toda a questão da vacinação com esta família, ele vai ter a fundamentação, ele vai estudar, ele vai ter o ciclo de novo, e ele vai trazer esta família para Unidade, na hora da aplicação, a gente vai trabalhar isso também: a questão técnica, como se aplica uma vacina? Onde se aplica? Quais os locais...? A gente trabalha tudo isso (Pérola).

No novo modelo de currículo, na abordagem do processo saúde-doença, a saúde recebe mais ênfase do que a doença, como forma de se romper com o modelo hospitalocêntrico, centrado no ato médico e na doença.

Ele não vivencia a doença daquela pessoa, ele problematiza tudo ao mesmo tempo, a doença é uma parte, mas as relações, o que está acontecendo com a equipe, como ele vive frente àquilo, na verdade esse tipo de conteúdo vamos dizer assim, que não é cognitivo é também afetivo, psicomotor ele fica interessado de buscar, então para eu ser enfermeiro daqui, o que eu tenho de saber? O que interna mais aqui? (Jade).

Nas considerações sobre o método, os sujeitos citam a expressão "vivo" referindo-se ao trabalho.

Acho que isso é muito vivo para a gente poder conseguir encaixar isso dentro de uma, vamos dizer de um método, ele é muito dinâmico e precisa ser aproveitado em todas as suas dimensões. Muitas vezes, você parte da teoria, depois você resgata na prática e muitas vezes você parte da prática e depois resgata na teoria, a gente não tem essa possibilidade de... quer dizer a gente não trabalha com uma possibilidade de fazer isso [...] para fazer acontecer de forma muito viva (Cristal).

Constituir tecnologias de ação do trabalho vivo em ato e mesmo de gestão desse trabalho provoca ruídos, abrindo fissuras e possíveis linhas de fuga nos processos de trabalho instituídos, que podem implicar na busca de processos que focalizem o sentido da 'captura' sofrida pelo trabalho vivo e o exponha às possibilidades de 'quebras' em relação aos processos institucionais cotidianamente(23). Pode-se afirmar que os docentes adotam metodologias ativas no ensino considerado um trabalho "vivo em ato" sob o enfoque integrado e interdisciplinar, trabalhando o processo saúde-doença por meio de ciclos metodológicos que integram teoria-prática, transformando o processo ensino- aprendizagem.

um processo de formação que se tenta integrar o cuidado e a partir daí ele vai ver todas as pessoas que moram na família e tentando identificar quais são seus problemas e as necessidades de aprendizagem para que ele possa trabalhar esse plano de cuidado; então ele não norteia mais a formação pela teoria precedendo a prática, ? (Esmeralda).

Todos os enfermeiros devem ser competentes na maneira de envolver as famílias nos cuidados de saúde, assim como devem ter o conhecimento de outros temas que também fazem a intersecção com todos os domínios da prática de Enfermagem.

Assim, mesmo o enfermeiro generalista deve, em sua prática, considerar a família como um contexto(21).

O movimento dialético da teoria-prática engendrado na Práxis Docente Os discursos evidenciam um movimento de articulação e proximidade entre a teoria e a prática que ocorre na ação pedagógica.

Não ocorre como ocorria no ensino tradicional, no qual eu tinha uma teoria e depois eu aplicava na prática a teoria. No Currículo Integrado parte da prática; então a vivência é na prática (Diamante).

E por que a gente começa trabalhando nessa perspectiva? Porque estamos articulando a teoria com a prática. [...] então ele não norteia mais a formação pela teoria precedendo a prática, ? (Esmeralda).

Nessa categoria, as docentes concebem a relação teoria-prática como um movimento contínuo que engendra teoria-prática como unidade indissociável, destacando a unicidade no processo prático e reiterando a unidade(9).

[...] é realmente com Currículo Integrado a gente vai fazer ao longo da série, ou seja, com os mesmos desempenhos para todas as áreas e as questões de aprendizagem, o recorte de conhecimento emerge da prática então a articulação teoria-prática ela é bem próxima... bem densa! (Diamante).

Bem densa, significa de forma intensa, profunda e concreta. Assim, percebe-se que é uma relação favorecida pela proximidade teoria-prática que permite considerá-la como unidade, embasada pelo referencial teórico(9).

A simultaneidade teoria-prática está posta no Projeto Pedagógico e no currículo vigente. Pode-se perceber, nos discursos, o movimento dessa proposta: [...] eles frisam que aprenderam muito, sempre assim aprendemos muito e eu atribuo isso à proximidade teoria-prática (Turmalina).

[...] muitas vezes, você parte da teoria, depois você resgata na prática e muitas vezes você parte da prática e depois resgata na teoria (Cristal).

A práxis dialética não concebe a separação entre uma atividade teórica e uma atividade prática(9). O autor apresenta sua visão de unidade na qual teoria e prática são dois componentes indissolúveis da "práxis" identificada como atividade teórico-prática, ou seja, "tem um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com particularidade de que artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro"(9:241).

Eu percebo que esta relação é de mão dupla, tanto a teoria explica a prática, como a prática explica a teoria. Não existe mais aquela coisa de fazer primeiro a teoria para depois ir para prática (Jade).

A expressão "mão dupla", em sua pureza semiótica e polissêmica revela que "um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra"(11).

Ao se trabalhar a teoria na prática, surgem os conflitos, pois a prática encontra-se contraposta à teoria e os atores, docentes, estudantes e comunidade, vivenciam os problemas reais, que são complexos, exigindo o enfrentamento e a intervenção por parte dos envolvidos. Dessa forma, identifica-se a unidade teoria-prática com o movimento dialético e suas leis: unidade e luta dos contrários, transformação da quantidade em qualidade e lei da negação da negação.

Então não para fazer esta divisão, agora é isso, agora é aquilo, com a unidade prática não ... é o que surge, e surgem problemas de dimensões que às vezes nem são aprofundados aqui, de violências, drogas... a gente tem uma linha social principalmente a questão da fome, nós trabalhamos em uma favela que esta questão era gritante; ? Este ano eu estou em uma Unidade que é diferenciada; com uma população super diferenciada este ano. Então assim as realidades são muito diferentes, os problemas também, são. Então a gente vai partindo daí, e vai fazendo sempre o ciclo (Pérola).

A concepção dialética é de que a realidade é constituída por uma unidade de contrários mostrando a incessante dinâmica processual e a prática histórica.

"Em termos formais, unidade de contrários é uma expressão pelo menos esdrúxula, pois unidade seria de iguais. Mas as totalidades históricas se mantêm em processo e, por isso, se transformam, porque contêm dinâmica interna essencial, baseada na polarização"(24).

Na realidade complexa e polarizada, semelhante a um campo magnetizado, qualquer movimento provoca ação e reação. Nesse sentido, considera-se importante salientar a complexidade da relação teoria-prática que permanece contraditória em sua dinâmica, mas deixa de ser dicotômica.

As relações teoria-prática, no transcurso de um processo histórico-social, não podem ser encaradas de forma simplista pelo fato de a prática determinar "a teoria não apenas como sua fonte ' prática que amplia com suas exigências o horizonte de problemas e soluções da teoria ', como também como finalidade ' como antecipação ideal de uma prática que ainda não existe"(9).Demonstra-se que as relações entre teoria e prática não podem ser assim encaradas, isto é, como se toda teoria se baseasse de modo direto e imediato na prática. Trata-se, portanto, de uma questão milenar em permanente tensão que atravessa séculos da História, não da Educação, mas da Humanidade, ainda considerada como uma relação controversa, contraditória e dicotômica.

"Toda pedagogia refere-se à prática, pretende-se prolongar na prática. Não tem sentido sem ela, pois é ciência da educação. Fazer pedagogia é fazer prática teórica por excelência. É descobrir e elaborar instrumentos de ação social" (25).

Na perspectiva pedagógica realiza-se de forma essencial a unidade entre teoria e prática(9); entretanto, a pedagogia, como teoria da educação, não pode abstrair-se da prática intencionada. O Currículo Integrado surge como proposta diferenciada da relação teoria-prática na formação do enfermeiro. O processo ensino-aprendizagem passa a ocorrer na prática. Acredita-se que a organização do Currículo Integrado possa favorecer a unidade teoria-prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização deste estudo permitiu reafirmar o avanço no processo de mudança curricular na Enfermagem na área da Saúde da Criança e do Adolescente em duas universidades públicas que implantaram o Currículo Integrado.

Seus resultados possibilitaram compreender que os docentes percebem que com a adoção do Currículo o conteúdo passa a ter um enfoque de interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em diferentes cenários da prática assistencial com a valorização das experiências vivenciadas em espaços extra-hospitalares. Além disso, engendrou o movimento dialético na práxis docente, refletindo-se em um movimento de articulação e aproximação entre a teoria e a prática.

Mostram, também, que os discursos dos sujeitos não são indissociados uns dos outros, nem autossuficientes. Existe uma relação entre um e outro, o que remete a polifonia, ao dialogismo e a heterogeneidade. Como resultado da análise no movimento dialético da unidade teoria-prática o objeto de nossa pesquisa, viu- se consideravelmente ampliado e ainda mais complexo.

À luz dos resultados, emergem as possibilidades de construção do idealizado.

Algumas recomendações devem ser consideradas: repensar a educação como ato político, almejar a práxis criativa na formação do perfil do enfermeiro para atuar como massa crítica; criar linhas de pesquisa sobre a práxis e adotar descritores da teoria-prática para identificar estudos científicos em banco de dados eletrônicos servindo como referencial e possibilitando avanços na construção do conhecimento; promover a unidade teoria-prática no ensino das temáticas relacionadas à criança, adolescente e família na perspectiva interdisciplinar e multiprofissional, nos diversos locais de prática e no contexto da Saúde da Família; incorporar as competências e as habilidades necessárias para a promoção da saúde dessa clientela, com a adoção de metodologias ativas, proporcionar a aprendizagem significativa no processo ensino-aprendizagem do estudante, almejando a educação permanente e a práxis criativa a partir do contexto de saúde da família.

Para que mudanças, no âmbito da área da Enfermagem/Educação/Saúde, se configurem em práxis criativa, deve-se iniciar a discussão pela questão teoria- prática. É a partir da dialética na prática do ensino crítico-reflexivo- criativo, com a adoção de metodologias ativas, que a relação teoria-prática alcança o maior grau esperado: a práxis interdisciplinar e multiprofissional. A articulação teoria-prática na formação do enfermeiro sinaliza a necessidade de se fortalecerem os diferentes campos de prática como o cenário de aprendizagem, de rever a distribuição de carga horária dissociada entre teoria e prática, favorecer o suporte das bibliotecas, entre outros, e a integração ensino- serviço-comunidade para a efetivação do projeto pedagógico.

Esperamos que este estudo contribua com a reflexão sobre a prática docente no processo de ensinar-aprender para a formação de profissionais críticos- reflexivos em uma perspectiva de transformar a realidade assistencial, com vistas a contribuir com a qualidade de vida das crianças, dos adolescentes e de suas famílias. Dessa forma, defendemos simultaneidade e indissociabilidade da unidade teórico-prática.

Acreditamos, ainda, na necessidade da realização de novos estudos que contemplem o mundo do trabalho dos enfermeiros egressos dessa formação profissional a fim de se avaliar o impacto dessa proposta pedagógica na prática assistencial.


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