Transporte aéreo de pacientes: análise do conhecimento científico
INTRODUÇÃO
Estudos acerca do transporte aéreo de pacientes demonstram uma preocupação
sobre a segurança, focando os riscos para os pacientes. Entretanto, poucos
enfocam a assistência de enfermagem realizada durante o transporte do paciente,
considerado um intervalo de tempo crucial para minimizar as complicações e
representa uma área de investigação importante para a segurança do paciente(1).
O uso de helicópteros médicos, como uma estratégia para vencer o tempo e as
barreiras geográficas de acesso ao atendimento, continua a crescer. O número de
aeronaves médicas duplicou na última década nos Estados Unidos, Canadá e
Europa. Embora não haja continuidade do debate sobre a adequação de
helicópteros médicos, destaca-se a importância dos cuidados de enfermagem na
hora de ouro, pois estudos comprovam que as longas distâncias de vôo foram
associadas ao aumento da incidência de eventos adversos(1).
Sendo assim, fazem-se necessários estudos acerca do transporte aéreo de
pacientes, haja vista as complicações decorrentes das longas distâncias de vôo
e a efetividade da assistência de enfermagem que interferem diretamente no
sucesso do atendimento.
Na Força Aérea Brasileira (FAB) há constantemente missões de Evacuação
Aeromédica (EVAM) ou Missões de Misericórdia (MMI), em que é feito o transporte
aéreo de pacientes para locais com melhores recursos. Os médicos em sua
formação militar têm em seu currículo a disciplina Medicina Aeroespacial. Já a
enfermagem, infelizmente adquire o conhecimento durante o próprio transporte
aéreo, ou seja, na prática do trabalho.
O transporte aéreo vem obtendo destaque, desde seu início em 1870, na Guerra
Franco Prussiana. Depois, foi utilizado na Segunda Guerra Mundial e nas Guerras
da Coréia e Vietnã(2). Neste tipo de transporte se faz necessário a presença do
enfermeiro e, de acordo com a Emergency Nurses Association (ENA), é importante
que este profissional seja treinado e tenha experiência na assistência a
pacientes graves(3).
No Brasil, a remoção aeromédica teve início na FAB, com o Serviço de Busca e
Salvamento (SAR), em 1950. Depois, muitos outros locais implantaram esse tipo
de remoção, por exemplo, o Corpo de Bombeiros Militares do Rio de Janeiro e o
Projeto Resgate do Estado de São Paulo(3). O antigo DAC (Departamento de
Aviação Civil), hoje ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), é o órgão
responsável por homologar as aeronaves para esse tipo de remoção, bem como
supervisionar e estabelecer um currículo mínimo para a formação e treinamento
da tripulação aeromédica(3).
Há uma série de requisitos que o enfermeiro de bordo deve ter, dentre eles: boa
condição física, controle emocional, criatividade, habilidade em improvisar,
porém há poucas disciplinas e/ou cursos específicos no Brasil(3).
Este estudo tem como objetivo caracterizar a produção científica acerca do
transporte aéreo de pacientes, em bases de dados indexadas.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre a produção científica do
transporte aéreo de pacientes. A pesquisa bibliográfica pode ser realizada como
parte da pesquisa descritiva ou experimental, ou independentemente. Busca
conhecer e avaliar um problema a partir de referências teóricas publicadas em
documento(4). Tem como objetivo encontrar respostas aos problemas, e o recurso
utilizado é a consulta aos documentos bibliográficos. Tem por finalidade
colocar o pesquisador em contato com o que já se produziu a respeito do tema
pesquisado(5).
O estudo foi realizado nas bases de dados LILACS (Literatura Latino Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde) no período compreendido entre 1988 a 2007, e
MEDLINE (Bibliografia Médica) de 1997 a 2009.
O critério de escolha dos artigos e resumos foi possuir pelo menos dois dos
descritores: enfermagem militar, enfermagem, papel do profissional de
enfermagem, enfermagem em emergência, educação em enfermagem, transporte aéreo,
resgate aéreo, transporte de pacientes, medicina aeroespacial.
Após a seleção dos artigos, foi realizada a leitura analítica do material,
classificando-os de acordo com o ano de publicação, o periódico em que está
divulgado, o delineamento metodológico e a tendência temática abordada no
estudo.
A análise do delineamento metodológico das pesquisas foi realizada com base no
referencial descrito por Polit, Beck e Hungler, através das categorias de
estudos quantitativos (experimental, quase-experimental e não-experimental) e
qualitativos (etnografia, fenomenologia e teoria fundamentada)(6).
Utilizou-se a planilha do programa computacional Excel para a inserção dos
dados. A análise foi descritiva e quanti-qualitativa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas bases de dados pesquisadas foram encontradas 83 referências, sendo 76 na
Medline, entre 1997 a 2009, e quatro na Lilacs, de 1999 a 2007. Pela falta de
acesso aos resumos, foram analisadas 33 publicações da Medline.
Na Tabela_1 observa-se que no ano de 2001 a distribuição dos resumos na base de
dados Medline foi de 15,16% (n=5), e na Lilacs, no período estudado, foi de
quatro, distribuídos nos anos de 1999, 2000, 2003 e 2007.
![](/img/revistas/reben/v64n6/a21tab01.jpg)
A partir de 1997 destaca-se a produção científica sobre a enfermagem
aeromédica, que corroborou com a necessidade do enfermeiro de bordo, um
profissional especializado em transporte de pacientes aerorremovidos. No
Brasil, ainda é uma atividade recente, não existindo disciplina ou curso
específico. O treinamento desse enfermeiro é oferecido pela instituição que
realiza a remoção aeromédica e supervisionado pela Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC)(3).
A ANAC estabelece um currículo mínimo para o treinamento da tripulação
aeromédica, composta por médico e enfermeiro de bordo, segundo a legislação
vigente de 1996. São obrigatórios conhecimentos acerca de: aspectos
fisiológicos em vôo; embarque e desembarque de pacientes; segurança no interior
e em torno da aeronave; instrução aos passageiros; procedimentos apropriados de
emergência em vôo; de pousos de emergência e de evacuação de emergência.
Estabelece ainda, um programa mínimo de formação, com curso de Medicina
Aeroespacial Aplicada ao Transporte Aeromédico, com a finalidade de preparar
melhor a tripulação aeromédica(3).
A Emergency Nurses Association e a National Flight Nurses Association, dos EUA,
recomendam que sempre haja um enfermeiro treinado na equipe de remoção
aeromédica. No Brasil, a Lei do Exercício Profissional nº7498/86, estabelece
que é privativo do enfermeiro a organização e direção de áreas críticas e a
assistência direta à pacientes críticos. Os requisitos para os tripulantes são
estabelecidos através da Instrução de Aviação Civil (IAC), nº3134-135-0796, sob
o título Serviço de Assistência Aeromédica(3).
Observa-se que falta uma padronização, normatização e estabelecimento de
protocolos de assistência de enfermagem para o paciente aerorremovido. São
essenciais cursos específicos, treinamento permanente e avaliações médicas
adequadas em intervalos indicados. Estudos norte-americanos demonstram que tem
sido realizados treinamentos com equipes aeromédicas, através de simuladores
que funcionam a partir de baterias e compressores de ar dentro de helicópteros,
capazes de reproduzir uma situação real de emergência comandados por monitores
e laptops(7).
Dentre os quatro estudos indexados na base de dados Lilacs, observou-se que
50,0% (n=2) se referia à área de educação e pesquisa, abordando o perfil, a
formação e os aspectos legais do enfermeiro de bordo (1999) e a fisiologia do
vôo (2000). No ano de 2003, 100,0% (n=1) se referiu à área de cuidados do
neonato na remoção aérea. Em 2007 destaca-se 100,0% (n=1), se referindo à
história da enfermagem militar brasileira e resgate aéreo na segunda guerra
mundial.
Das 33 publicações indexadas na base Medline, 71,42% (n=5), no ano de 2001,
envolvem a tendência temática cuidado de enfermagem no transporte de crianças,
risco neonatal e materno, entubação nasotraqueal cega, classificação de
intervenções de enfermagem e paciente crítico. No ano de 2005, 13,33% (n=2),
tratam de educação permanente e pesquisa. Já em 2006, as tendências temáticas
educação e pesquisa, cuidado e saúde do trabalhador apresentaram um artigo
cada.
Quatro estudos abordam a história da enfermagem aeromédica, salvamentos aéreos,
atendimento pré-hospitalar na remoção aérea e enfermagem militar brasileira e
resgate aéreo na segunda guerra mundial, nos anos de 1997, 2000, 2003 e 2007.
Ressalta-se que a última publicação encontra-se indexada nas duas bases de
dados pesquisadas.
Os anos de 1998, 1999, 2006 e 2008, apresentaram uma publicação cada na
tendência temática saúde do trabalhador e a de gerenciamento aparece em 2002,
totalizando 66,67% (n=2) e no ano de 2004, totalizando 33,33% (n=1).
Na Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, destaca-se a presença de Flight
Nurses, enfermeiros especializados nesse tipo de atendimento, e que eram
membros das Forças Armadas. Essa importância foi confirmada em 1950, durante a
Guerra da Coréia, em que sua presença foi obrigatória, atuando na remoção de
aproximadamente 10.000 feridos com helicópteros da Marinha(8).
Avaliando o histórico da Primeira e Segunda Guerra Mundial, da Guerra da Coréia
e do Vietnã, observa-se muitos feridos, evidenciando a necessidade de um
transporte rápido e seguro, com assistência de enfermagem especializada, o que
favoreceu o avanço e desenvolvimento técnico-científico das remoções
aeromédicas(8). Nesse tipo de remoção, além da tripulação e do médico, a
Emergency Nurses Association (ENA), nos EUA, estabelece a necessidade da
presença de um enfermeiro treinado, com experiência na assistência a pacientes
graves, e que tenha especialização nessa área(3).
No Brasil, a remoção aeromédica teve início na Força Aérea Brasileira (FAB), em
que foi criado o Serviço de Busca e Salvamento (SAR), em 1950. Há também as
Missões de Misericórdia (MMI), que são meios de Busca e Salvamento, que
realizam a remoção de feridos de locais que se caracterizam com escassez de
recursos médicos ou outros meios de remoção. Há mais de 40 anos, a FAB possui
um sistema de resgate, em regiões de menor infra-estrutura, como a Amazônia e o
Centro-Oeste(8).
Já em 1988, no Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro, iniciou-se o
transporte aeromédico com o Grupo de Socorro de Emergência (GSE)(3). Em São
Paulo, em 1989, foi criado o Projeto Resgate, uma solução conjunta entre
Secretaria de Saúde e de Segurança do Estado de São Paulo, no qual a aeronave
utilizada foi um helicóptero tipo esquilo(3).
A partir da década de 90, surgem vários serviços de remoção aeromédica
privados, para atender à necessidade dos pacientes, porém poucas aeronaves são
homologadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)(3). Para que haja
essa homologação, é necessária uma complexa estrutura organizacional, com
aeronaves especialmente projetadas para esse fim, com equipamentos especiais e
com pessoal capacitado para prestar assistência aos pacientes aerorremovidos.
No que diz respeito ao ano de publicação e os periódicos em que a produção
científica está divulgada no período de 1999 a 2007, destaca-se que os da base
Lilacs, encontram-se 75,0% (n=3) na revista Acta Paulista de Enfermagem e 25,0%
(n=1) na Revista Brasileira de Enfermagem.
Dos periódicos indexados na Medline, verifica-se que 36,37% (n=12) dos artigos
foram publicados no Air Medical Journal; British Journal of Nursing, Intensive
and Critical Care Nursing, Military Medicine, Revista Brasileira de Enfermagem
com 6,06% (n=2) cada e American Journal of Emergency Medicine, Archives Disease
Childhood. Fetal and Neonatal Edition, Australian Critical Care, Australian and
New Zealand Journal Surgery, Canadian Nurse, Case Maneger, Critical Care Nurse
Clinical Noth America, Ed Management, Journal of the Society Pediatric Nurses,
Journal of Trauma, Pediatric Emergency Care, Journal of Professional Nursing e
Revista da Escola de Enfermagem da USP com 3,03% (n=1) cada.
Quanto ao delineamento metodológico, observa-se na Tabela 3 que 51,51% (n=17)
das publicações da base Medline são estudos qualitativo etnográfico, seguido
por fenomenológico 27,27% (n=9), quantitativo não experimental 15,15% (n=5) e
quase-experimental 6,07% (n=2). Na Lilacs, 50,0% (n=2), qualitativo etnográfico
e qualitativo fenomenológico e quantitativo não experimental com 25,0% (n=1)
cada.
Vale ressaltar que a realização dos estudos com delineamento metodológico
qualitativo tem sido amplamente utilizada na enfermagem em diversas áreas do
conhecimento(9). Autores identificaram que 50,0% das pesquisas publicadas no
período de 1977 a 2001 apresentaram delineamento qualitativo, sendo a
fenomenologia o mais utilizado pelos pesquisadores(10).
Na pesquisa experimental o pesquisador é um agente ativo, mais do que um
observador passivo. Os experimentos não ocorrem necessariamente em
laboratórios, podendo ser conduzidos em qualquer ambiente. A manipulação, o
controle e a randomização são características do delineamento de pesquisa
experimental. Na pesquisa quase-experimental há o envolvimento da manipulação,
porém não possui características de randomização ou de grupo controle, ou
ambas. Na pesquisa não-experimental a (não) manipulação da variável
independente deve ser considerada eticamente e é considerada descritiva, cuja
finalidade é observar, descrever e documentar os aspectos da situação, tendendo
a ser realista e de difícil crítica(6).
Os estudos descritivos são a categoria mais ampla de desenhos não experimentais
em Enfermagem. São utilizados para buscar informações precisas, construindo um
quadro de um fenômeno com as características da situação em foco; enfatizam
mais a amplitude do que a profundidade das informações. No estudo ora realizado
observou-se que esse tipo de pesquisa foi necessário para diagnosticar várias
situações de trabalho(5).
Em relação ao delineamento metodológico faz-se necessário compreender a
associação de sua escolha com o objeto a ser estudado e não à preferência do
pesquisador(11). Ou seja, dependendo do objeto estudado, são identificadas
variações sobre o delineamento metodológico usado(12).
No cenário das pesquisas qualitativas, a opção por um método e suas técnicas de
coleta, incluindo o tratamento dos dados, é importante que o pesquisador
obtenha uma visão global dos resultados, dando ênfase ao corpus que compreende
as observações e as entrevistas(12).
CONCLUSÕES
Este estudo mostra que a produção científica acerca do transporte aéreo de
pacientes, em bases de dados indexadas, iniciou-se em 1997, intensificando-se
em 2001, com prevalência de publicação internacional. As tendências temáticas
que mais apareceram foram o cuidado de enfermagem na remoção aeromédica e
educação e pesquisa na enfermagem aeroespacial.
Atualmente, a remoção aérea vem crescendo consideravelmente, devido à rapidez,
pois se percorrem grandes distâncias em intervalos de tempo menores, e pelas
condições de trânsito, principalmente nas grandes cidades. Destaca-se a escassa
regulamentação no que se refere às atribuições do enfermeiro de bordo,
enfatizando a complexidade e a especificidade na remoção dos pacientes do local
do acidente até o ambiente hospitalar.
É evidente que esse tipo de remoção, ainda recente em nosso país, requer
treinamento específico e constante atualização, visando uma assistência de
enfermagem de qualidade.
Neste estudo confirmou-se que o delineamento metodológico qualitativo tem sido
amplamente empregado nas publicações da enfermagem. Ressalta-se a importância
da inclusão do conteúdo acerca de enfermagem aeroespacial nos cursos de
graduação e pós-graduação em enfermagem, já que esta é uma área de atuação que
vem crescendo consideravelmente.
Considera-se que existem ainda muitas lacunas na produção de conhecimento sobre
o tema. Acredita-se que pesquisas que analisem esta interface, muito contribuem
para a qualificação do cuidado de enfermagem aeroespacial.
Tabela_2