Trabalho na Unidade Básica de Saúde: implicações para a qualidade de vida dos
enfermeiros
INTRODUÇÃO
A preocupação com a temática qualidade de vida no trabalho tem adquirido
dimensões significativas entre as pesquisas desenvolvidas nas ciências da
saúde, uma vez que o trabalho tem sido considerado determinante na saúde dos
indivíduos desde que o conceito de saúde deixou de estar atrelado
exclusivamente à ausência de doença. A partir desse marco, a saúde deixa de ser
um fenômeno isolado para resultar de diversas interações da vida com o meio
ambiente em que a pessoa está inserida, o equilíbrio afetivo entre as pessoas,
conhecimento do próprio corpo, solidariedade para com os outros, respeito,
dentre outros(1).
No que tange ao conceito de qualidade de vida, cabe mencionar que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) define qualidade de vida como a percepção do indivíduo
quanto à sua posição na vida, tendo por base o contexto da sua cultura e do
sistema de valores nos quais ele está inserido e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações(2).
Assim, o conceito de qualidade de vida conserva aspectos relevantes à
individualidade e à subjetividade de cada sujeito com base no seu próprio
julgamento pessoal. Deste modo, a qualidade de vida pode ser alcançada a partir
da obtenção da satisfação e realização pessoal, profissional e social. Diante
disso, o trabalho se torna elemento central para se pensar na qualidade de
vida, porque é por meio dele que as pessoas têm procurado satisfazer suas
aspirações(3).
O conceito de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) passa por noções de
motivação, satisfação, saúde e segurança no trabalho e envolve discussões sobre
as novas formas de organização do trabalho e novas tecnologias(4). Tendo isso
em vista, pretende-se aqui focalizar o trabalho em saúde, com vistas ao
questionamento acerca da qualidade de vida do profissional enfermeiro frente
aos desafios colocados pelo processo de trabalho na atenção básica.
As unidades básicas de saúde têm sido locais caracterizados por diversos
fatores que favorecem ou, até mesmo, dificultam a realização do trabalho do
enfermeiro(5). Dessa forma, esses fatores, tais como valorização e
reconhecimento profissional, educação permanente, vínculo estabelecido com a
comunidade, trabalho conjunto com todos integrantes da equipe, falta de
recursos humanos e de materiais e equipamentos, falta de compreensão e
paciência da comunidade e dificuldades de relacionamento com os gestores.
Ainda, fazem emergir nos trabalhadores sentimentos ambíguos com relação ao
trabalho, com consequências de maior ou menor impacto sobre a vida cotidiana.
Desta forma, a compreensão dos elementos do processo de trabalho na enfermagem
pode facilitar ao enfermeiro a conscientização de suas ações. O objeto de
trabalho é o ser humano, sua família e a comunidade da área de atuação da
equipe de saúde. A tarefa profissional, entendida como a própria execução do
trabalho, é o cuidado terapêutico enquanto um modo diferenciado de cuidar pela
equipe de enfermagem, com alta competência técnica, compromisso ético e
percepção de uma práxis transformadora e emancipadora. Os instrumentos de
trabalho são entendidos como os meios entre o objeto e a força de trabalho
(equipe de enfermagem). Por sua vez, esses instrumentos são projetados para
garantir a existência do produto final, isto é, o objeto de trabalho
transformado pelo cuidado terapêutico(6).
A atenção básica representa um campo de atuação privilegiado em termos de
investimentos das políticas públicas a partir da institucionalização do Sistema
Único de Saúde (SUS). Ou seja, foram introduzidos, a partir desse marco,
programas inovadores e estratégicos para a mudança no modelo assistencial do
SUS(7). Sendo assim, a atenção básica é caracterizada como um conjunto de
ações, de caráter individual ou coletivo, focados na promoção da saúde,
prevenção de agravos, tratamento e reabilitação(8). Seu conceito surgiu e se
consolidou no contexto de ampliação da descentralização do SUS e na mudança do
modelo assistencial, com o intuito de destacar as ações preventivas e de
enfrentamento dos determinantes de saúde(9).
A ênfase do trabalho na atenção básica encontra-se na atuação em equipe
multiprofissional, que consiste em uma modalidade de trabalho coletivo que se
configura na relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a
interação dos agentes de diferentes áreas profissionais(10). Para a atuação em
equipe faz-se necessário que cada profissional conheça os elementos de seu
processo de trabalho, bem como invista no planejamento de objetivos comuns aos
demais profissionais face às necessidades dos usuários.
Apesar de passados mais de vinte anos da constitucionalização do SUS, ainda é
possível constatar que o sistema enfrenta desafios importantes para sua
implantação efetiva, como a questão do financiamento e suporte na gestão das
ações de saúde, suporte de materiais e equipamentos para garantir uma
assistência de qualidade, número de profissionais adequados às demandas da
população, remuneração apropriada para o profissional da saúde, dentre outros
problemas(11). Frente a essa problemática, a qualidade de vida dos
profissionais da saúde merece ser vislumbrada, já que conviver com essas
situações pode ser desgastante à saúde do trabalhador, o que muitas vezes
traduz-se pelo sofrimento ou mesmo adoecimento do corpo e da mente.
Tendo isso em vista, o presente estudo objetivou conhecer a percepção dos
enfermeiros que atuam nas unidades básicas de saúde (UBS) de Pelotas, Rio
Grande do Sul (RS), sobre a sua QVT. Essa preocupação se justifica pela atual
conjuntura, que coloca o profissional que atua na atenção básica encarregado de
sustentar muitas das lacunas do sistema, incluindo recursos insuficientes de
trabalho, propostas políticas sem continuidade, pessoas despreparadas para
atuar com base nos princípios do SUS, população descontente e até revoltada,
dentre outras questões que repercutem diretamente no cotidiano laboral dos
trabalhadores.
METODOLOGIA
Tratou-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo. A escolha dos
sujeitos se deu de forma intencional e por acessibilidade, desta forma, foram
entrevistados sete enfermeiros atuantes em UBS de Pelotas-RS. A cidade conta
atualmente com 51 UBS, das quais seis estão ligadas às universidades e
dezessete delas contam com equipes de Estratégia de Saúde da Família, que
atendem aproximadamente 30% da população.
A abordagem aconteceu no próprio local de trabalho, sendo utilizado um roteiro
semiestruturado. As falas foram gravadas em áudio, sendo respeitados os
princípios éticos da pesquisa, como preconiza a Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde. Os objetivos da investigação e o caráter espontâneo da
participação foram esclarecidos aos participantes quando da apresentação do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto teve sua aprovação prévia
pelo comitê de ética e pesquisa da Faculdade de Enfermagem da UFPel, sob o
número 20/2009.
O material originado das falas transcritas foi tratado mediante análise
temática(12). Dessa análise emergiram os temas: (1) Condições de trabalho; (2)
Amparo dos gestores; (3) Relações interpessoais e (4) Prazer com a atividade de
cuidar.
Para melhor apresentação dos resultados, foram extraídos e utilizados recortes
das falas dos sujeitos do estudo. A fim de preservar o anonimato dos
participantes, utilizaram-se códigos de identificação com a letra E para nomeá-
los, seguida do número correspondente à ordenação das entrevistas (E1, E2).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A qualidade de vida dos enfermeiros que trabalham na atenção básica de Pelotas-
RS foi avaliada pelos participantes como resultante de fatores relacionados às
condições laborais, bem como às relações sociais constituídas e constituintes
do trabalho. A seguir esses fatores são apresentados e discutidos.
Condições de Trabalho nas Unidades Básicas de Saúde
As condições de trabalho foram muito enfocadas pelos trabalhadores
entrevistados, visto que todos salientaram a realização de um trabalho de pior
qualidade devido à falta de condições adequadas para o trabalho. A convivência
com materiais sucateados, falta de medicamentos e equipamentos foram fatores
apontados como determinantes na qualidade de vida, pelo prejuízo que isso
traria à assistência prestada e à autopercepção do próprio labor.
Os materiais estão bastante sucateados, a questão da manutenção é
complicada, muitas vezes tu não tens um esfigmomanômetro, não tens um
estetoscópio em qualidade boa, muitas vezes não tens uma cadeira para
se sentar. Às vezes eu não consigo realizar o trabalho que gostaria
por falta de materiais. (E1)
Posso dizer que minha qualidade de vida no trabalho está comprometida
porque a gente não tem material, não consigo desempenhar minhas
funções. (E5)
As limitações vivenciadas pelos enfermeiros face à inadequação de recursos para
o desempenho das atividades profissionais também foram apontadas em outro
estudo(13), revelando a interferência desse aspecto na organização do trabalho
dos serviços de atenção básica. Frente a isso, os profissionais experimentam
sentimentos de frustração por não conseguirem alcançar a qualidade da atenção
que gostariam.
Além disso, os entrevistados salientam que em decorrência da grande demanda, o
trabalho passa a ser focado em dar conta do número de atendimentos e não na
qualidade da atenção dispensada. Assim, os enfermeiros sentem que acabam
realizando suas obrigações automaticamente e não desenvolvem o cuidado como
desejado e de acordo com as prerrogativas do SUS, que preconizam o atendimento
integral e humanizado.
Há sobrecarga de trabalho, porque muitas vezes tu não consegues nem
pensar o teu fazer, na verdade tu te tornas um tarefeiro. (E1)
Sobrecarga de muitos atendimentos, até porque o nosso tipo de
trabalho deveria ser um trabalho mais focado na qualidade, mas às
vezes você tem que ficar na quantidade. (E2)
Nota-se que, apesar da proposta do SUS primar pelo investimento em ações de
promoção e prevenção da saúde, os profissionais ainda atuam sob o enfoque
curativo e com atividades fragmentadas, uma vez que as condições de trabalho
não propiciam o tempo, o espaço e as circunstâncias necessárias para o
desenvolvimento do cuidado integral.
Sobre essa questão, cabe mencionar que o conflito vivenciado pelo trabalhador
pode emergir justamente pelo fato de que a organização prescrita para o
trabalho seja inalcançável no mundo real(14). Ou seja, espera-se do trabalhador
uma produção para a qual não lhe são dadas as condições mínimas de trabalho, o
que afeta a própria expectativa do profissional, bem como dos consumidores
desses serviços.
Outro fator ressaltado pelos participantes do estudo foi a remuneração, que
adquire um significado importante para o enfermeiro, já que se constitui como
fonte de motivação para o trabalho e, consequentemente, para a qualidade de
vida. É por meio do salário que as pessoas atendem suas necessidades,
concretizam seus desejos e planejam boa parte de suas vidas. A remuneração dos
profissionais da enfermagem tem sido descrita como insuficiente, principalmente
frente às responsabilidades assumidas(15,16).
Embora não seja o único benefício proporcionado pelo trabalho, o ganho
financeiro oriundo do esforço laboral é convertido em vantagens para a vida do
trabalhador(17) e sua insuficiência não agrada aos profissionais entrevistados,
como pode ser visto nos falas a seguir descritas.
A gente ganha pouco, é uma dificuldade da nossa categoria. (E3)
A remuneração tem que te proporcionar o mínimo de qualidade de vida,
tu tem que ter condições de lazer, de moradia, de vestuário, de
aperfeiçoamento, isso é o teu salário que tem que proporcionar [...]
no momento que isso não acontece, te frustra bastante, porque apesar
de desempenhar a tua função, tu não consegue ter uma vida que seja
agradável. (E6)
Assim, os enfermeiros justificaram a relevância da remuneração para a qualidade
de vida. Segundo eles, as possibilidades que um salário digno pode proporcionar
em termos de conforto e acesso a bens de consumo interfere na qualidade de
vida.
Cabe ainda mencionar a preocupação dos entrevistados com o seu próprio acesso à
assistência para a saúde. Eles referiram que a baixa remuneração impossibilita
o acesso a serviços pagos de saúde, como pode ser conferido na seguinte fala:
Inclusive a questão do acesso a serviços de saúde nas situações que o
SUS não te oferece, isso é importante na nossa qualidade de vida.
(E6)
Ainda, a baixa remuneração origina acúmulo de vínculos empregatícios e
consequentemente, excesso de horas trabalhadas e pouco tempo para as demais
atividades da vida, como o lazer e a recreação(18). Em contrapartida, o mercado
de trabalho tem se tornado mais exigente mediante o avanço tecnológico,
requerendo um profissional mais qualificado, mais especializado. Possivelmente,
esses fatores têm prejudicado não só a vida pessoal, mas também a interação
familiar do enfermeiro(3).
A baixa remuneração tem se tornado fator de descontentamento e desânimo por não
atender às necessidades de sobrevivência com decência e conforto, levando os
profissionais da enfermagem a assumirem mais de um vínculo empregatício para
obter melhores condições de vida. Essas condições acarretam uma carga horária
de trabalho exaustiva, desgaste físico e psíquico a estes trabalhadores(16).
A remuneração tem um papel fundamental, se ela fosse um pouco melhor
no Brasil, certamente os enfermeiros se realizariam mais
profissionalmente, até por que não precisaria correr atrás de um
segundo ou terceiro emprego. (E7)
O excesso de horas trabalhadas, devido à soma de postos de trabalho, traz
cansaço e restringe ao aproveitamento da vida em família e em sociedade. Nessas
situações, o enfermeiro ainda precisa dar conta de demandas laborais diversas,
incluindo escassos intervalos para a alimentação e o descanso.
Assim o profissional não recebe um salário justo, levando-se em conta as horas
trabalhadas, os deveres impostos e a escassez de pessoal, se fazendo necessário
adequá-lo às habilidades e ao conhecimento do profissional, podendo, estes
fatores influenciarem na permanência ou abandono da profissão(17).
Porém, não se pode restringir a dignificação do trabalho exclusivamente às
questões salariais, embora sejam estas questões cruciais(17), dessa forma,
alguns participantes diminuíram a importância da remuneração, afirmando que a
qualidade do atendimento não deve ser condicionada ao salário que o trabalhador
recebe. As falas que seguem trazem à tona essa questão, no entanto, é possível
ainda assim constatar os benefícios da remuneração para a qualidade de vida.
Eu faço meu trabalho porque eu gosto, não o faço por dinheiro porque
se não eu não estaria trabalhando nesse tipo de trabalho. (E2)
Se tu te submetes a fazer um bom trabalho, independente da
remuneração tu tens que fazer um bom trabalho, mas se tu ganhares
mais, tu és valorizado, isso é um incentivo, é teu mérito, tu te
sentes muito melhor. (E4)
Enquanto existem pessoas que se sentem motivadas pelo sucesso financeiro,
outras se sentem felizes fazendo algo que gostam, desde que isso lhe dê o
retorno financeiro mínimo necessário para uma sobrevivência digna(17).
Por outro lado, um participante salientou que, embora mal remunerado, há o
fator estabilidade que pode ser considerado como ponto positivo para a QVT. O
benefício da estabilidade conferida pelo vínculo empregatício também foi
apontada em outro estudo(17), revelando que, apesar dos enfermeiros estarem
insatisfeitos com os salários oferecidos pelas instituições, estas
representariam oportunidades para colocar em prática os ensinamentos aprendidos
na Universidade, para atuar em programas de saúde estruturados e, ainda, pela
questão da estabilidade no emprego, através de concursos públicos.
E uma das poucas coisas que a gente tem de vantagem é a questão da
estabilidade. (E6)
Na contemporaneidade, o desemprego tem sido fator ameaçador da vida humana, por
isso, o trabalhador acaba se submetendo a situações indesejadas ou até nocivas
para continuar empregado. Diante das condições, por vezes adversas, com as
quais o profissional se depara, cabe salientar que não há neutralidade do
trabalho em relação à saúde do trabalhador, uma vez que este poderá
potencializar a saúde ou o adoecimento(14).
Falta de amparo dos gestores
Os enfermeiros abordados mencionaram a dificuldade no planejamento e
desenvolvimento de seu trabalho devido ao suporte insuficiente por parte dos
gestores, o que acaba implicando na QVT e, por consequência, no serviço
prestado aos usuários. Essa situação leva à diminuição da produtividade e à
baixa qualidade da assistência prestada à comunidade, gerando um sentimento de
insatisfação por parte de todos os envolvidos, como pode ser visto no trecho
que segue:
Na verdade a gente carece muito de retaguarda de chefia, então isso te deixa um
pouco insatisfeita (...) bom seria ter um amparo naquilo que tu planejas e
desejas fazer, é uma pena que aqui na UBS o suporte do município é meio
'capenga'[deficiente] e não favorece o nosso trabalho. (E1)
Nota-se que o trabalhador sente-se desassistido em relação ao apoio que recebe
de seus gestores e mesmo assim tem o desafio de colocar em prática os
princípios de humanização e integralidade. Frente a isso, questiona-se o
compromisso dos gestores na concretização desses princípios no contexto
estudado.
Cabe mencionar que o ato de gerenciar requer do indivíduo não apenas
competência, mas, acima de tudo, habilidade política para o planejamento de
recursos financeiros e de pessoas conforme a necessidade de cada contexto. O
gerenciamento do setor público constitui uma das primeiras ferramentas de
controle da economia do país e o gestor é o responsável por esta atividade(19).
Além disso, as entrevistas revelaram que a desvalorização profissional junto ao
precário reconhecimento por parte dos gestores é outro fator desmotivante e
estressante no trabalho realizado pelo enfermeiro e sua equipe, pois resulta em
profissionais frustrados e desanimados com suas perspectivas de trabalho.
As organizações reduzem o impacto dos estressores quando oferecem autonomia ao
enfermeiro, com o respaldo às decisões tomadas pelos profissionais, sendo o não
reconhecimento do profissional um estressor caracterizado em grande parte dos
estudos(20).
Às vezes a gente não é valorizado pelo que faz. Às vezes tu tenta fazer um bom
trabalho na ponta, mas tu não tens o apoio lá de cima. (E2)
Na medida em que os trabalhadores não recebem apoio da gestão, eles se sentem
desmotivados pelo não reconhecimento ao seu esforço e às consequências da
(des)qualificada assistência prestada à população. A valorização humana é uma
fonte de motivação, pois proporciona espaço e incentivo ao trabalhador, podendo
gerar crescimento pessoal e profissional(21).
Importância das relações interpessoais nas equipes das UBS
Os enfermeiros, como sujeitos sociais, estabelecem relações interpessoais em
sua prática profissional. Essas relações podem se caracterizar por apoio e
cordialidade, ou mesmo repressão e rejeição, ambas com implicações em suas
ativi(22), bem como sobre a QVT, como mencionado pelos entrevistados.
O relacionamento com a equipe que trabalho interfere, se ele é ruim a
qualidade de vida no trabalho também será péssima (... ) relação
profissional é empatia e respeito, se não tem isso não tem relação
profissional nenhuma e sim, é um grupo de pessoas que se suportam.
(E5)
Sair de casa e vir trabalhar pensando que eu vou para um lugar legal,
onde vai ter pessoas que eu gosto, me satisfaz. (E2)
O trabalho em equipe depende do esforço de cada um dos sujeitos envolvidos,
objetivando o mesmo fim. O compromisso com o cuidado do outro e o
companheirismo entre colegas são a alavanca principal para o desenvolvimento de
um trabalho qualificador na enfermagem. Torna-se importante valorizar as
relações interpessoais no ambiente de trabalho, cuidando de si e do outro(23)
com vistas à QVT.
Os valores, os fundamentos, os sentimentos e as ações dos integrantes da equipe
refletem-se na prática. Assim, o ambiente passa a ser espelho das relações
pessoais e sociais(24).
Nesse sentido, cabe ressaltar que as relações com a chefia e a comunidade
também interferem no desempenho e satisfação do profissional enfermeiro, uma
vez que a subjetividade implicada na interação constante entre trabalhador e
objeto do trabalho influencia a organização do trabalho. Tratam-se, portanto,
de interações laborais que definem a QVT.
Quando a gente não consegue ter um diálogo com a chefia é complicado
e interfere diretamente na minha qualidade de vida. (E5)
A gente tem que conseguir melhorar o ambiente, as relações entre
patrão-empregado, o vínculo que se cria com o cliente, com a
comunidade. (E7)
Dessa forma, os enfermeiros entrevistados expressaram que as relações
interpessoais com a chefia, bem como com cliente e comunidade, são influentes
na QVT. Diante disso, compreende-se que seja no âmbito das relações cotidianas
de trabalho que se fortalecem ou se destroem os vínculos humanos. Por
conseguinte, a QV T depende das características desses vínculos, que podem
estimular relações horizontais, promotoras da co-gestão e co-autonomia dos
sujeitos, ou ainda, relações verticalizadas, caracterizadas pelo autoritarismo
e subordinação.
Prazer com a atividade de cuidar
É através do trabalho que se alcança a realização e satisfação pessoal, a busca
da felicidade, o preenchimento da vida com atos significativos para si e para
os outros. Enfim, significa a identificação, o reconhecimento dentro do
contexto social, a inclusão na sociedade como um indivíduo produtivo(17).
De acordo com esse conceito, a maioria dos participantes da pesquisa referiu a
realização pessoal como fundamental para a QVT, o que também foi identificado
em outra pesquisa (25). Desta forma, destaca-se na presente investigação que os
enfermeiros atribuíram a sua sensação de utilidade à recompensa moral pelo
esforço dispendido no trabalho.
Eu acho que o trabalho é fundamental, assim, principalmente para a
gente se sentir útil, ter alguma coisa que tu faças e que seja teu,
que tenha algum beneficio para outra pessoa. (E6)<
O trabalho, ele acrescenta muito, porque a gente se realiza e se
realizando profissionalmente a gente vai se realizando do ponto de
vista humano, pessoal. (E7)
Além disso, os entrevistados ainda relataram que a atividade de cuidar
proporciona satisfação, o que foi mencionado como sendo um atributo importante
do labor do enfermeiro face ao longo tempo dispensado para o trabalho.
Eu faço o que gosto, a gente fica maior tempo do dia no trabalho, nós
ficamos oito horas aqui dentro trabalhando, eu gosto de ser
enfermeiro, gosto de fazer o que eu faço trabalhar com os pacientes,
atender as dificuldades e necessidades deles. (E4)
Eu acho que qualidade de vida é me sentir feliz no que eu faço, é eu
gostar do que faço. (E2)
Conforme já discutido em outro estudo(24), o nível de satisfação profissional
vem tornando-se fator essencial, determinante e discutível para melhor
entendimento do cuidado. O cuidar deve ser compreendido como a realização de
ações na enfermagem considerando-se inevitável à satisfação de um conjunto de
necessidades tanto da clientela, como dos integrantes da equipe de enfermagem
que executam este cuidado, envolvendo interação e autonomia.
Além do exposto, acredita-se que o trabalhador consiga satisfação com o ato de
cuidar devido ao valor simbólico da atividade(26), ou seja, o orgulho
conquistado pela realização de uma tarefa que, antes de tudo, pressupõe o bem
ao próximo, atribuindo benefícios na ordem da subjetividade. Dessa maneira,
crê-se que, quando reconhecido o cuidado terapêutico como finalidade do
processo de produção, o prazer oriundo dessa perspectiva pode vir a representar
um alicerce à QVT do enfermeiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado possibilitou compreender que a QVT é alcançada a partir da
obtenção da satisfação e realização pessoal, profissional e social, que por sua
vez emergem do contexto do serviço de saúde. Para os participantes da
investigação, as condições inadequadas para o trabalho, a desvalorização
profissional, o suporte insuficiente dos gestores e a baixa remuneração são
fatores prejudiciais da QVT dos trabalhadores que atuam na atenção básica de
Pelotas.
Contudo, os sujeitos da pesquisa ressaltaram as boas relações interpessoais
estabelecidas, principalmente entre profissionais, como fontes geradoras da
QVT. Ainda, foi salientado o benefício de se gostar da atividade desempenhada,
o que eles acreditam interferir no desempenho profissional e na organização do
trabalho.
Os resultados assinalaram a necessidade da participação ativa dos gestores nos
desafios vivenciados no cotidiano laboral dos enfermeiros que atuam na atenção
básica. Além disso, a remuneração se destacou dentre os aspectos implicados na
melhoria da QVT e do serviço prestado à comunidade.
Diante do exposto, ressalta-se a importância da constante avaliação do processo
de trabalho na atenção básica para resgatar o sentido do trabalho, bem como,
potencializar o profissional enfermeiro como transformador da sua realidade.
Como limitação do estudo, menciona-se a exclusiva participação dos
profissionais enfermeiros, uma vez que a discussão poderia ser ampliada para
uma abordagem multiprofissional. Entende-se que essa limitação instiga novas
investigações.