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BrBRCVHe0034-71672012000400002

BrBRCVHe0034-71672012000400002

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2012
Issue0004
Article number00002

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A complexidade e a religação de saberes interdisciplinares: contribuição do pensamento de Edgar Morin

INTRODUÇÃO Esse artigo teórico-filosófico foi organizado em três atos: primeiro, apresenta-se o pensador Edgar Morin; segundo, traz-se o arcabouço teórico- filosófico-metodológico da complexidade; terceiro, faz-se a inter-relação reflexiva da complexidade com a religação de saberes interdisciplinares na Enfermagem/Saúde. Em sua elaboração foram utilizados escritos de Morin e de outros autores que abordaram a complexidade, para alcançar o objetivo desta reflexão: aproximar a Complexidade de Edgar Morin com a religação de saberes interdisciplinares na Enfermagem/Saúde.

EDGAR MORIN Para aproximar-se de um arcabouço teórico necessidade de conhecer seu precursor, no caso, a Complexidade: Edgar Morin. A autobiografia intelectual de Edgar Morin é apresentada no seu livro Meus Demônios(1) como um entrelaço de sua vida profissional e pessoal - sua própria vida - uma vez que, para Morin, a vida intelectual é inseparável da vida de experiências. Uma vida em constante movimento, cheia de antagonismos e aproximações, entrecortada por ciclos de travessias de desertos e oásis.

Filho de judeus espanhóis, seus pais migraram para a França, durante a primeira década do século XX. Nasceu David-Salomon Nahum, em 8 de julho de 1921, em Paris, França, mas os pais optaram por chamá-lo Edgar. A família ensinou-lhe o Mediterrâneo, o gosto pelo azeite, pela berinjela. O pai se encarregou de transmitir-lhe uma cultura de cançonetas, de café-concerto, de operetas e nenhuma tradição ou um saber. A mãe lhe ensinou o gosto pelas óperas italianas.

No entanto, a mais importante lição que aprendeu na família foi aos nove anos - a morte da mãe, que marcou a sua vida ininterruptamente(1).

Na adolescência, foi um cinéfilo voraz e leitor faminto. Seja por acaso, ou por sorte, encontrou os livros que lhe falaram, perturbaram-no, transformaram-no e o formaram. Pelo livro - pelo romance - Morin chegou ao mundo. Percorreu o caminho do autodidata, movido por necessidades profundas. No livro Meus Demônios, verificam-se aspectos recorrentes do perfil e mesmo da história de Morin, em especial a sua postura de indagação contínua, que o leva a verdades e conclusões temporárias. O nome Morin foi adotado durante sua permanência no Partido Comunista, do qual foi expulso.

A posição inquieta de Morin se refletiu numa produção dinâmica e atenta aos fenômenos de seu tempo, e, especialmente, sempre aberta ao diálogo, ou seja, capaz de incorporar a complexidade de fatos e elementos do mundo vivo.

Assim, a obra de Morin espelha a imagem de um intelectual inquieto, intrigado, cético, e ao mesmo tempo crente, capaz de se indignar frente ao conjunto de situações ricamente historiadas nas múltiplas dimensões abordadas, sejam elas políticas, sociais e culturais, com as quais teve de conviver.

As respostas e mesmo a compreensão dos fatos apresentados por Morin revelam outra característica que lhe é inerente, a sua convivência pacífica, contudo não passiva, com a contradição. Ele admite que seja do choque de ideias contrárias que resulta cada um de seus livros e que a contradição tem para ele, simultaneamente, um caráter existencial e intelectual.

Como um ser humano sintonizado com o seu tempo, Morin reflete sobre o papel da ética nas sociedades a partir da própria experiência. Nesse sentido, introduz um conceito que, para ele, é emergente em dadas circunstâncias históricas e culturais: o conceito de autoética.

Tolerância, perdão e redenção fundem-se, criando uma noção de ética da compreensão, que impõe a necessidade de argumentar e refutar, em oposição a lançar-se maldição sobre os fatos ou indivíduos da sociedade. Dessa lista de valores universais, Morin sugere a urgência de constituição de uma identidade humanitária, de uma consciência planetária, da ideia de Terra pátria, que significa a matriz fundamental para a ciência com consciência e o sentimento de pertença que estabelece a ligação entre a humanidade e a Terra(1).

Morin não deixou de ser caminhante, sua vida continua errante, impulsionada por suas aspirações múltiplas e antagônicas - tão intensas e extensas em seu ser.

Ele vive sempre de recomeços. A contradição e a atitude dialógica de Morin diante de sua caminhada permitem-nos conhecer sua história de vida e compreender a produção dele no campo das ciências, assim como a gênese do pensamento complexo.

A COMPLEXIDADE Quando um pesquisador se lança na compreensão de determinado fenômeno, à semelhança de todos os seres humanos em qualquer situação, se envolve com todas as facetas que compõem sua condição humana: biológica, psíquica, social, afetiva e racional, nisso comportando sabedoria e loucura, o prosaico e o poético, firmando o que Morin denomina de homo complexus.

Foi a partir, inicialmente, de curiosidade científica, e depois de contaminação, que nos aproximamos do paradigma da complexidade. Pois, qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos: separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica), hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de noções-chave); essas operações, em que se utiliza da lógica, são de fato comandadas pela organização do pensamento, ou paradigmas, princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo, sem que tenhamos consciência disso(2).

Por trás de todo conhecimento sempre um paradigma determinando a promoção/ seleção dos conceitos-mestres da inteligibilidade e as operações lógicas- mestras, desempenhando um papel, ao mesmo tempo, subterrâneo, pois funciona de modo inconsciente e soberano, por controlar o pensamento consciente, se caracterizando como supraconsciente. Enfim, o paradigma, as estruturas de pensamento, inscritas culturalmente nos seres humanos, comandam inconscientemente seu modo de conhecer, pensar e agir(3).

Desde o século XVII, o pensamento ocidental é condicionado hegemonicamente pelo paradigma cartesiano. Trata-se de um condicionamento antigo, que foi aperfeiçoado por Aristóteles (384-322 a.C.), sobretudo com o princípio do terceiro excluído (entre duas proposições contrárias, apenas uma pode ser verdadeira), e com o princípio da identidade (A=A e A#B); e consolidado com as ideias de René Descartes (1596-1650), com a proposição da divisão do objeto em partes e o exame de cada uma delas, para então se buscar a síntese final; e com as ideias de Isaac Newton (1642-1726), para quem a incumbência da ciência consistia em procurar leis universais, que estabelecessem relações claras de causa e efeito(3).

Como bem disse Heráclito: nada dura tanto, exceto a mudança; e, apesar do paradigma cartesiano, ainda nos dias atuais, determinar predominantemente o modo de conhecer, pensar e agir dos seres humanos ocidentais, no decorrer da história da ciência um novo paradigma - o da Complexidade - começa a emergir, na medida em que os três pilares da certeza, a Ordem, Separabilidade e Razão, sobre os quais o pensamento científico se fundamentou até o século XX, começaram a ser abalados pelo desenvolvimento, também, da própria ciência(3).

O primeiro pilar, o da Ordem,baseado nas concepções determinista e mecanicista de Newton, postula que, por trás de qualquer desordem, sempre uma ordem a ser encontrada. Todavia, as descobertas no campo da termodinâmica, microfísica, cosmofísica, e com a teoria do caos, demonstraram que as noções de ordem e desordem não necessariamente se excluem.

O segundo pilar, o da Separabilidade,é balizado pelo princípio cartesiano do fenômeno para análise, e se traduz, primeiro, pela especialização e hiperespecialização disciplinar, rompidas pelas ciências sistêmicas que, percebendo o objeto constituído pelas interações entre elementos, articulam o que é separado pelas disciplinas tradicionais. E, em segundo, pela afirmação de que o observador não interfere em sua observação; mas a microfísica, com o físico Heisemberg, numa mudança radical de pensamento, vai ressaltar o contrário: o observador interfere em sua observação.

E, referente ao terceiro pilar do pensamento clássico, a Lógica Indutivo- Dedutivo-Identitária direciona a identificação com a Razão Absoluta. Karl Popper retirou o valor de prova absoluta da indução, na qual era possível atingir as leis gerais por meio de casos singulares. Popper observou que não é aceitável, em toda exatidão, afirmar uma lei do tipo "todos os cisnes são brancos", por nunca se ter visto um cisne negro(1).

Nesse sentido, percebemos que toda construção teórica subentende a história de vida de quem a compôs, reluz seu modo de pensar, perceber, interpretar e compreender a realidade de modo único, constituído ao longo da caminhada do seu artífice. Colocação acolhida por Morim, como um de seus sete princípios da complexidade, o Princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento, o qual opera a restauração do sujeito e torna presente a problemática cognitiva central: da percepção à teoria científica, todo conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro, em uma cultura e em um tempo determinados(4:211-12). Visto como um edifício, o construto epistemológico da Complexidade tem a base formada a partir de três teorias surgidas nos anos de 1940: a Teoria da Informação, a Cibernética e a Teoria dos Sistemas, comportando, ainda, as ferramentas para a teoria da organização.

A Teoria da Informação é uma ferramenta para o tratamento da incerteza, da surpresa, do inesperado, porque "permite entrar em um universo onde existem ao mesmo tempo a ordem (a redundância), a desordem (o bruto) e extrair o novo (a informação). Além do mais, a informação pode assumir a forma organizadora (programadora) no seio de uma máquina cibernética"(4).

A Cibernética veio expressar outro princípio da Complexidade adotado por Morin, o Princípio Retroativo, com o conceito do ciclo retroativo, rompemos com o princípio de causalidade linear, situamo-nos em um outro nível: não a causa age sobre o efeito, mas o efeito retroage de maneira informacional sobre a causa, permitindo a autonomia organizacional do sistema(5).

A Teoria dos Sistemas traduz outro princípio da Complexidade eleito por Morin, que é o Princípio Sistêmico ou Organizacional, que permite ligar o conhecimento das partes com o conhecimento do todo e vice-versa. Sabe-se que, de um ponto de vista sistêmico-organizacional, o todo é mais do que a soma das suas partes.

Esse ponto de vista mais do que designa os fenômenos qualitativamente novos a que chamamos de emergências. Essas emergências são efeitos organizacionais, ou seja, o produto da disposição das partes no seio da unidade sistêmica. Por outro lado, embora o todo seja mais do que a soma das partes, o todo é igualmente menos do que a soma das partes. Esse "menos" se refere às qualidades que se encontram restringidas e inibidas pelo efeito da retroação organizacional do todo sobre as partes(5).

Também a partir da Teoria dos Sistemas, Morin assume outro princípio da Complexidade, que é o Princípio da Auto-eco-organização: autonomia/dependência, pois o conceito de autonomia pode ser concebido a partir de uma teoria de sistemas ao mesmo tempo aberta e fechada; um sistema que funciona precisa de uma energia nova para sobreviver e, portanto, deve captar essa energia no ambiente. A autonomia se fundamenta na dependência do ambiente, e o conceito de autonomia passa a ser um conceito complementar e antagônico ao da dependência.

O próximo andar da Teoria da Complexidade é edificado com as ideias de Von Newmann, Von Foerster e Prigogine. Von Newman, em sua teoria dos autômatos autorreprodutores, colocou a questão da diferença entre máquinas artificiais e máquinas vivas. A contribuição de Von Foerster reside na sua descoberta do princípio da Ordem pelo barulho (order from noise).Prigogine defendeu que o organismo vivo mantém seus processos vitais em condições de não equilíbrio e, à medida que o sistema se afasta do equilíbrio, ele atinge um ponto crítico de instabilidade a partir do qual emerge um novo padrão ordenado(4).

Morin suplementou mais três princípios da Complexidade, somando sete. Esses novos princípios são: o Dialógico, o Recursivo e o Hologramático(1). O Dialógico: que nos ajuda a pensar, em um mesmo espaço mental, algumas lógicas que se completam e se excluem. Ele pode ser definido como a associação complexa (complementar/concorrente/antagonista) de instâncias conjuntamente necessárias para a existência, para o funcionamento e o desenvolvimento de um fenômeno organizado. O Recursivo: mostra-se como um processo no qual os efeitos ou produtos são simultaneamente causa produtiva do próprio processo, e no seio do qual os últimos estados são necessários para se gerarem os do início. O processo recursivo, sob esse enfoque, é aquele que se produz/reproduz a si mesmo, na condição, obviamente, de que seja alimentado por uma fonte, uma reserva ou um fluxo exterior. O Hologramático: esse princípio indica que, como em um holograma, cada parte contém praticamente a totalidade da informação do objeto representado; em qualquer organização complexa, não a parte encontra- se no todo, mas o todo encontra-se igualmente na parte.

Se, pelo viés da cosmologia moderna, o ser humano se situa/situava em um universo materialista, mecânico, linear, determinista e fragmentado, a nova cosmologia emergente o posiciona em um universo onde todos os fenômenos mantêm uma relação de interdependência, de interatividade e de inter-retroatividade, em uma realidade transpassada de incertezas, imprevisibilidade, acasos, contradições. Em síntese: complexa. Nesse sentido, conforme a definição de Morin(2): (...) a um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico (...) Assim, o pensamento complexo visa mover, conjugar, articular os diversos saberes compartimentados nos mais variados campos do conhecimento, sem perder a essência e a particularidade de cada fenômeno, religando matéria e espírito, natureza e cultura, sujeito e objeto, objetividade e subjetividade, arte, ciência, filosofia. Considera igualmente o pensamento racional-lógico- científico e o mítico-simbólico-mágico. O pensamento complexo se estabelece como requisito para o exercício da interdisciplinaridade.

Nessa direção, a complexidade dispõe de um método conexo, que segue o verso de Antônio Machado: "viajante, não existe caminho, o caminho nasce de tua caminhada"(5). Ela convida o cientista a uma caminhada sem percurso predeterminado rigidamente; e, ante o sim, lhe entrega sete princípios metodológicos para pensar a complexidade, o insuflando a elaborar suas próprias estratégias na abordagem do problema em questão.

Para Edgar Morin, o método como caminho também se vincula à experiência de pesquisa do conhecimento, compreendida como travessia geradora de conhecimento e de sabedoria(5). Enfim, o método/caminho/travessia/pesquisa e estratégia(2) absorve ao mesmo tempo programa e estratégia, isto é, se apoia em uma sequência inicial de ações, mas desde o início se prepara para receber o inesperado e modificar suas ações em função das informações surgidas(5). E a estratégia se manifesta nas situações aleatórias, é aberta, evolutiva, enfrenta o imprevisto, aprende com seus erros, exigindo competência, iniciativa, decisão e reflexão, o método se constitui "(...) como atividade pensante do sujeito vivo, não abstrato. Um sujeito capaz de aprender, de inventar e de criar sobre e durante o seu caminho"(5).

Assim, Edgar Morin, sublinhando que todo o conhecimento pode ser empregado para manipulação e que o pensamento complexo leva a uma ética da solidariedade e da não coerção (alimentando assim a ética), pensa em uma "ciência com consciência" (6), cujo princípio de ação não ordene, não manipule, não dirija, mas organize, comunique e estimule. Entretanto, o pensador enfatiza o hiato existente entre a intenção e a ação, as incertezas éticas presentes no agir pelo bem, no cumprir seu dever, exemplificando, também, através da ecologia da ação, que nos indica que toda ação escapa, cada vez mais, à vontade do seu autor, na medida em que entra no jogo das inter-retro-ações do meio onde intervém. Assim, a ação corre o risco de fracassar e também de sofrer desvio ou distorção de sentidos(7).

A lógica do pensamento complexo de Morin tem iluminado muitas discussões no campo da Enfermagem/Saúde, uma vez que, nessa área, os fenômenos que envolvem o processo de saúde e doença apresentam múltiplas dimensões(8).

A INTER-RELAÇÃO ENTRE A COMPLEXIDADE E A RELIGAÇÃO DE SABERES INTERDISCIPLINARES NA ENFERMAGEM/SAÚDE A complexidade, como epistemologia, tem como essência pilares que envolvem a busca por interpretações do significado do complexo, bem como seus alicerces, que envolvem diversas terminologias, como transdicisplinaridade, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, imbricadas com as questões da saúde e também com o cuidado de enfermagem(9).

Na abordagem complexa, o conhecimento das informações ou dos dados isolados, como refletimos, é insuficiente, visto que é preciso situá-los em seu contexto para que adquiram sentido(6). Agregada a esse processo, no ambiente de Enfermagem/Saúde, está a interdisciplinaridade, que incita à necessidade de religação dos saberes para permitir a relação da parte no todo e do todo na parte. O pensamento complexo, na perspectiva interdisciplinar, aspira ao conhecimento multidimensional, mas entende que o conhecimento completo é inatingível. Esta forma de pensar comporta o reconhecimento de um princípio de não completude e de incertezas(6).

A ideia de complexidade traz entendimento contra a clarificação, a simplificação e o reducionismo excessivos. Por aspirar ao conhecimento singular e multidimensional, os sete princípios de Morin são aplicáveis em todas as áreas da Enfermagem/Saúde.

Pensar em Enfermagem/Saúde, na lógica do pensamento complexo, pode implicar em reconhecer uma nova visão das concepções de vida, do social e de saúde vigentes. O ser humano é complexo e plural, cognoscente, socio-político- cultural, com aptidões para produzir, construir, aprender, conhecer, evoluir em busca do exercício da sua cidadania e conquista de sua autonomia(10).

Na sua incompletude, o ser humano geralmente busca o conhecimento como forma de superação de seus limites, reconhecendo sua interdependência e se fortalecendo pelas relações, interações e associações com seus pares e recursos da natureza.

Tradicionalmente, também na Enfermagem/Saúde, sob o enfoque mecanicista e simplificador, o ser humano, frequentemente, é concebido em partes/fragmentos/ pedaços. No entanto, novos referenciais, como a complexidade moriniana, vêm tentando contribuir para a compreensão do cuidado como um sistema complexo(11), isto é, percebido como um fenômeno vital, dinâmico, dialógico e essencial na vida dos seres e do ambiente.

Acredita-se que os princípios de complexidade, segundo Edgar Morin, são condizentes com o avanço da ciência e tecnologia, principalmente no ambiente de Enfermagem/Saúde, pois podem atingir a ciência com consciência/complexa(6).

A complexidade incita à construção do conhecimento na Enfermagem/Saúde, para a prática de inter-relação, de interdisciplinaridade e interação, articulando os conhecimentos das diferentes áreas. Implica em reflexão-ação-reflexão, um constante construir, desconstruir e reconstruir, que pode trazer contribuições para a evolução e inovação das práticas profissionais como ciência e disciplina reconhecidas(12).

Considera-se que a complexidade da vida envolve a inter-relação entre os objetos, bem como as interações existentes entre eles. Abarca condição humana, ser humano, conhecimento, diversidade, subjetividade, ambiente, questões econômicas, entre outros objetos, que estão inseridos nessa abordagem. Surge um novo olhar sobre o conhecimento e as consequências educativas epistemológicas e éticas(13).

Concernente aos princípios de Morin, defende-se a necessidade de discussão sobre a diversidade humana, o diálogo entre parceiros ou atores sociais, reconhecendo-se as semelhanças e diferenças instituídas biológica, social, política e culturalmente. O agir individual também traz a expressão dos aspectos culturais, sociais, afetivos e políticos que estão inter-relacionados na complexidade do ser humano e nas relações de saúde e de cuidado de enfermagem.

A complexidade atual do sistema de Enfermagem/Saúde envolve a interdisciplinaridade como ação que permeia tanto as práticas como os discursos disciplinares e suas formas de expressão, neles originando um conjunto de mediações de natureza não apenas teórica (entre as disciplinas que o compõem), mas também políticas, sociais e culturais.

Recomenda-se atentar à importância do trabalho da equipe heterogênea, imbuída da interdisciplinaridade, porque o efeito complexo do conhecimento é mais perceptível: não apenas se soma, mas se potencializa e amplia. Os órgãos formadores de futuros trabalhadores de Enfermagem/Saúde necessitam permitir a rede de olhares diversificados dos estudantes, que poderão continuar com esses e outros olhares no mundo do trabalho(14).

Considera-se que a prática de cuidado exige hoje, mais do que nunca, um exame rigoroso e aberto das formas tradicionais de pensá-la, descrevê-la e orientá- la. Faz-se necessário recuperar um pensamento problematizador e crítico, que possa permitir ir além do que é instituído como conhecimento lícito e verdadeiro, às vezes de forma arrogante, como pensamento único. O que se busca é realizar um exercício constante de interrogação do que se mostra evidente e aceitar os limites do nosso pensar e as incertezas do presente(15).

A Enfermagem/Saúde necessitam, crescentemente, direcionar o pensamento para a complexidade, para a religação dos saberes disciplinares. Os saberes e experiências, como refletidos, necessitam ser compartilhados de maneira que não exista o domínio de nenhuma disciplina sobre as outras, de nenhum profissional sobre o outro, para, assim, proporcionar um cuidado ampliado, segundo as necessidades dos usuários, respeitando e aceitando as singularidades, tanto entre os trabalhadores da saúde como entre esses e os usuários.

Novas concepções, como a complexidade, instigam-nos a pensar de outras maneiras. Assim, tais circunstâncias remetem ao ser humano - trabalhadores e usuários, a aceitar incertezas, ambivalências e contradições presentes no sistema de cuidados, para que seja possível lidar com a complexidade do real.

Entender a Enfermagem/Saúde, sob esse novo olhar, requer enfrentar desafios no âmbito da Academia (por meio dos enfermeiros docentes e dos estudantes de enfermagem), dos Serviços (através dos enfermeiros assistenciais e dos gestores) e dos usuários. Requer, enfim, compreender a enfermagem no universo das disciplinas sociais e de saúde, assim como apreender as várias disciplinas na enfermagem.


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