Perfil de morbidade de crianças hospitalizadas em um hospital público:
implicações para a Enfermagem
INTRODUÇÃO
Crianças são mais susceptíveis ao agravamento de uma enfermidade em função da
fragilidade própria do extremo da idade. Para tanto, a atenção à saúde desse
grupo deve ser compreendida como um campo prioritário para as ações da atenção
primária em saúde, visto que pode contribuir para o desenvolvimento de
estratégias de enfrentamento de problemas de morbidade, mortalidade e qualidade
de vida da população infantil. Apesar dos esforços e avanços alcançados no
setor saúde, alguns indicadores de saúde da criança, tal como a morbidade
infantil, apontam para problemas que precisam de ações, práticas e intervenções
que sejam resolutivas.
Estudar as causas de internação hospitalar em crianças menores de cinco anos
pode nos auxiliar a compreender o perfil de adoecimento nessa faixa etária e
elaborar planos de atenção à saúde que previnam o agravamento das doenças a fim
de que a hospitalização seja evitada e, quando isso não for possível,
direcionar as ações da equipe de enfermagem para o planejamento de um cuidado
mais efetivo no âmbito do hospital, minimizando as consequências da
hospitalização.
Para a elaboração desses planos de cuidado, a Enfermagem utiliza-se da
Sistematização da Assistência de Enfermagem - SAE, que contribui para organizar
o cuidado, tornando possível a operacionalização do Processo de Enfermagem. Tal
proposta dá visibilidade as ações da enfermagem no âmbito da atenção à saúde,
em qualquer ambiente onde a prática profissional ocorra, seja em instituições
prestadoras de serviços de internação hospitalar ou em serviços ambulatoriais,
assim como outros espaços de atuação da profissão(1).
Para dar sustentação ao planejamento das ações, os dados epidemiológicos são
instrumentos importantes, pois, auxiliam a fundamentar a ação de enfermagem e o
aperfeiçoamento de competência para aplicação, de modo planejado e dinâmico, do
processo assistencial, permitindo identificar, compreender, descrever, explicar
e predizer quais as necessidades da pessoa, família ou coletividade humana, em
determinado momento do processo saúde e doença(1).
Muitos programas de atenção a saúde da criança vêm sendo propostos e alguns
desenvolvidos em amplo espectro no Brasil, tanto na atenção básica quanto
especializada, com a participação dos enfermeiros, a exemplo da estratégia
"Brasileirinhos e brasileirinhas saudáveis: primeiros passos para o
desenvolvimento nacional", aprovado pela portaria GM 2395/2009(2), contudo, é
preciso acompanhar o impacto dessas ações não somente avaliando os programas de
atenção básica, mas também seu reflexo, por meio da avaliação da morbidade das
crianças.
Editorial da revista Cadernos de Saúde Pública(3) registra que as infecções
respiratórias agudas persistem como problema de saúde pública. Indica que o
Brasil é um dos países com maior número de casos anuais de pneumonia clínica em
menores de cinco anos, com incidência estimada de 0,11 episódios por criança/
ano. Destas, 30 a 50% das consultas ambulatoriais, mais de 50% das
hospitalizações e de 10 a 15 % dos óbitos são atribuídos as infeções
respiratórias agudas, sendo que 80% às pneumonias.
Apesar das reconhecidas limitações dos dados de morbidade para a caracterização
dos problemas de saúde de uma população, devido ao seu caráter seletivo (acesso
ao serviço, somente hospitalizações em hospital público, oferta de leitos
hospitalares, para citar apenas alguns) sua análise tem sido útil em avaliações
dos serviços de saúde no Brasil(4), assim como para a formulação e o
aperfeiçoamento de políticas de saúde e estratégias de cuidado. Os registros
dos serviços de saúde são importantes fontes de dados para a análise da
morbidade, servindo como indicador de saúde da população usuária daquele
serviço e ainda são úteis para o planejamento das ações de saúde a serem
desenvolvidas nos diversos serviços e programas de saúde. Assim, torna-se
importante conhecer o perfil de morbidade das crianças menores de cinco anos,
com o objetivo de preparar os serviços para as novas necessidades ou
expectativas.
Buscando contribuir com tal discussão, o presente estudo tem por objetivo
conhecer as causas de hospitalização de crianças menores de cinco anos num
hospital público no Paraná para subsidiar as ações de enfermagem, tanto no
âmbito da atenção básica quanto hospitalar.
MÉTODO
Pesquisa quantitativa, descritiva, exploratória e inferencial, cujos dados
foram colhidos junto ao Serviço de Arquivo Médico e Estatística - SAME do
Hospital Universitário do Oeste do Paraná - HUOP, em prontuários das crianças
menores de cinco anos, hospitalizadas no Alojamento Conjunto Pediátrico - ACP,
no período de junho de 2005 a junho de 2009. O total de prontuários no período
foi de 3942, referentes às internações de zero a quatorze anos. Nesse estudo,
na faixa etária de interesse, as crianças menores de cinco anos, corresponderam
a 2638 (66,92%) hospitalizações, das quais, para a amostragem, considerou-se
95% de confiança e 3% de margem de erro, obtendo-se uma amostra de 722
prontuários.
Selecionou-se os prontuários mediante amostragem sistemática, no caso, a cada
sete prontuários, um foi selecionado, para identificar as variáveis:
diagnóstico, sexo, idade, procedência, tempo de permanência e tipo de saída. O
período de coleta compreendeu duas semanas em horário integral, com oito horas
de coleta por dia, com o auxílio de seis alunas do Curso de Graduação em
Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, treinadas e
supervisionadas pela pesquisadora durante todo o período.
A classificação de faixa etária adotada para divisão do grupo em menor de um
ano incluiu crianças de zero a onze meses e 29 dias, hospitalizadas na unidade
de ACP da instituição do estudo. Aquelas crianças no período neonatal,
hospitalizadas na unidade de terapia intensiva neonatal, oriundas da própria
instituição ou transferidas de outros serviços não foram incluídas na amostra,
bem como aquelas hospitalizadas na unidade de cuidados intermediários. A faixa
etária de um a menores de cinco anos incluiu as crianças com um ano completo
até quatro anos, onze meses e 29 dias, também, hospitalizadas na mesma unidade,
excluindo-se as internações na unidade de terapia intensiva pediátrica.
Ainda, optou-se por trabalhar com a informação obtida da guia de autorização
para internação hospitalar - AIH para obtenção do diagnóstico inicial,
padronizando o documento de obtenção dessa informação, na tentativa de torná-lo
o mais fidedigno possível.
Transcreveram-se os dados em tabelas e analisou-se utilizando da estatística
descritiva com o cálculo de porcentagem e média, da estatística inferencial
paramétrica com teste t-student para a comparação de médias de duas amostras
independentes e estatística inferencial não paramétrica com teste qui-quadrado,
ambos considerando 5% de significância.
Os dados apresentados nesse estudo são parte de um estudo maior intitulado
"Resolutividade do atendimento a saúde das crianças menores de cinco anos com
queixas de doenças evitáveis", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, sob parecer nº 245/2009 -
CEP.
RESULTADOS
Apresenta-se a distribuição em menores de um ano e de um a menores de cinco
anos, segundo o sexo, na tabela_01. Para essa comparação utilizou-se o Teste
qui-quadrado, sendo possível demonstrar que foi significativamente maior a
porcentagem de internações do sexo masculino nas duas faixas etárias.
![](/img/revistas/reben/v65n4/a06tab1.jpg)
Para avaliar a significância de um grupo que chamou a atenção por sua
predominância na análise descritiva, efetuou-se o Teste qui-quadrado para
comparação entre as porcentagens de hospitalizações por causas respiratórias
com o conjunto de todas as outras causas, excluído o grupo das demais causas
definidas, que compreendeu todos os diagnósticos isolados somados. Assim, na
tabela_2 apresenta-se essa comparação.
Ao analisar o dado isoladamente, encontrou-se significância maior para as
doenças respiratórias apenas no ano de 2008. Ao contrário, analisando o
conjunto dos dados no período estudado, as doenças respiratórias são
significativas como causa de internação em relação ao conjunto de todas as
demais causas somadas.
Encontrou-se como primeiro motivo de internação hospitalar em crianças menores
de cinco anos as doenças do aparelho respiratório, com média de 49,6%. Estão
incluídas nesse agrupamento as doenças do aparelho respiratório não crônicas,
descritas no laudo médico para solicitação de Autorização de Internação
Hospitalar- AIH como broncopneumonia (BCP), pneumonia (PMN), insuficiência
respiratória aguda (IRA), infecção das vias aéreas (IVAS), bronquiolite, otite
média aguda (OMA), entre outras menos frequentes.
Os demais 51,4% são referentes a outras patologias, incluindo também aquelas
consideradas como sensíveis ao cuidado na atenção básica, como as doenças
gastrointestinais, desidratação e desnutrição, com um percentual médio de 6,5%.
As causas neonatais conduziram a morbidade hospitalar com média de 8,5%, as
causas externas (queimaduras, intoxicação exógena, acidentes automobilísticos,
quedas de altura, atropelamentos), com 2,4%, as causas cirúrgicas com média de
7,6%, as causas genitourinárias, como infecção do trato urinário (ITU),
insuficiência renal aguda (IRA) com média de 5,6%, as causas cardiológicas, com
média de 2,6%, as causas neurológicas com média de 6,4%, e as demais causas
definidas, que, como o número é reduzido, foram agrupadas, tendo média de 11,8
%, num predomínio de hospitalizações para tratamento de doenças não crônicas.
Apresenta-se a procedência segundo a causa da hospitalização na tabela_3.
[/img/revistas/reben/v65n4/a06tab3.jpg]
Tanto crianças oriundas do município de Cascavel, como aquelas de outros
municípios que foram hospitalizadas no ACP do HUOP tiveram como causa
preponderante as doenças respiratórias com 53% e 37%, respectivamente. Embora
este seja um hospital de referência regional, recebendo pacientes de uma área
geográfica que compreende 25 municípios, nas hospitalizações infantis houve
predomínio de internações de crianças do próprio município. Analisou-se ainda o
tempo médio de duração das hospitalizações, apresentado na tabela_4.
[/img/revistas/reben/v65n4/a06tab4.jpg]
Descreveu-se o tempo médio de internação de acordo com a divisão etária de
menor de um ano, correspondendo a 9,5 dias e para crianças de um a menores de
cinco anos, correspondendo a 8,4 dias. Fez-se a comparação do tempo de
internação entre as duas faixas etárias por meio do Teste t-student de
comparação de médias, sendo significativamente maior em todos os períodos, com
exceção do ano de 2009, para a faixa etária de menor de um ano. Outro aspecto
considerado foi o desfecho da hospitalização, cujos dados estão na tabela_5.
[/img/revistas/reben/v65n4/a06tab5.jpg]
Quanto ao desfecho da hospitalização, incluindo altas, transferências e óbitos,
obteve-se 95% para alta, 3,0% de transferências para outras instituições ou
mesmo outras unidades do hospital (UTI pediátrica e/ou neonatal) e 2,0% de
óbitos, correlacionado a causa de hospitalização.
DISCUSSÃO
O presente estudo utilizou exclusivamente dados de registro dos prontuários
hospitalares. Este tipo de dado é uma importante ferramenta para análises
estatísticas dos casos que levam a internação, entretanto, o uso destas
estatísticas tem limitações, pois são dados secundários, e algumas precauções
devem ser tomadas na realização de inferências sob o ponto de vista
epidemiológico.
Ao se utilizar as estatísticas hospitalares, a principal limitação encontrada é
a seletividade, já que o sistema não é universal e as internações em hospitais
privados não são incluídas. Logo, os resultados refletem tendências e padrões
das morbidades somente para a população assistida pelo SUS. Em um hospital
universitário ocorre também a limitação do registro, relacionado tanto a
variedade de profissionais quanto a diversidade de acadêmicos dos diversos
cursos de saúde que manuseiam e realizam registros nos prontuários, nem sempre
de forma adequada.
Os dados desse estudo indicam que o diagnóstico majoritário para hospitalização
foi aquele do grupo de doenças respiratórias, a exemplo de diversos estudos que
vem sendo realizados em nossa realidade há pelo menos duas décadas. Assim,
pode-se definir o perfil encontrado para hospitalizações nessa pesquisa como:
predominância de internações de menores de um ano (42%), do sexo masculino
(49,6%), por causas respiratórias (49,6%), procedentes do próprio município
(53%), com tempo médio de hospitalização de 9,5 dias e com 95% de desfecho para
alta hospitalar.
Estudo(5) realizado em Sobral, no Ceará, para descrever a morbidade referida em
crianças de 5 a 9 anos e analisar seus possíveis condicionantes aponta que, das
crianças participantes do estudo, 42,9% apresentaram morbidade referida, sendo
a causa mais frequente dos problemas de saúde relatados, classificados pela
CID-10, as doenças do aparelho respiratório (28,7%), com prevalência cinco
vezes maior que o segundo grupo de morbidade referida mais prevalente, os
sinais e sintomas não classificados em outra parte.
Estudos(6-7) apontam que, enquanto nos países desenvolvidos as IRA têm
importante participação na morbidade em crianças menores de cinco anos, nos
países em desenvolvimento essas infecções tendem a ser mais graves e operam com
componente considerável tanto na morbidade quanto na mortalidade, concentrando
cerca de 20 a 40% das consultas em serviços de pediatria, 12 a 35% das
internações hospitalares e 19% das mortes.
Em estudo(8) para caracterizar a morbidade hospitalar no município de Maringá -
PR, em 1992, na população em geral, entre os diagnósticos mais importantes
encontrou-se doenças do aparelho respiratório. Das internações, 42,8% foram de
pacientes do sexo masculino e, quando ajustadas por idade, concentrou-se em
crianças de até quatro anos, sendo os diagnósticos mais comuns nessa faixa de
idade também o grupo das doenças do aparelho respiratório. Esses achados
corroboram os de nosso estudo, com predomínio para o sexo masculino e também da
faixa etária de menor de um ano como mais susceptível.
Em estudo(9) realizado em Cuiabá, sobre a morbidade por pneumonia em crianças
menores de cinco anos, os resultados mostraram como marcante a frequência da
IRA em menores de cinco anos, pois quase a metade (49,8%) dos atendimentos
desta faixa etária ocorreu por sinais e sintomas decorrentes de algum
diagnóstico de IRA, ficando todos os outros diagnósticos (diarréia, dermatoses,
traumas, intoxicações exógenas, etc.) com a outra metade, assim como ocorreu em
nossa pesquisa, cuja causa predominante de hospitalização foi por doenças do
grupo respiratório, preponderantemente as pneumonias.
No município de Pelotas, RS, estudo(10) realizado para avaliar fatores de risco
para hospitalização por doença respiratória aguda em crianças até um ano de
idade, trouxe como resultados, em relação às características demográficas,
predomínio do sexo masculino na amostra em geral (55,6%). A média de idade e
desvio-padrão dos casos e dos controles foram, respectivamente, de 5,3±3,0
meses e de 6,2±3,2 meses e 64,9% do total da amostra apresentava menos de seis
meses de idade. As causas mais frequentes de hospitalizações foram: pneumonia
(43,7%), bronquiolite (31,0%), asma (20,3%), gripe (3,5%), otite média aguda
(0,8%) e laringite (0,6%).
Acompanhou-se cerca de 11.000 crianças pertencentes a duas coortes de base
populacional na cidade de Pelotas - RS, em 1982 e 1993, para medir a ocorrência
de hospitalizações e sua associação com peso ao nascer e renda familiar. Cerca
de 20% das crianças foram hospitalizadas pelo menos uma vez no primeiro ano de
vida e os meninos foram os mais acometidos, entre outros achados(11).
Em 1994, um estudo(12) realizado no Maranhão, revelou que a taxa de
hospitalização infantil foi de 24,4%, sendo as maiores por pneumonia (7,3%) e
diarréia (7,1%). Outro estudo(13) realizado na região metropolitana de São
Paulo, em 1996, mostrou que das crianças que foram hospitalizadas, 41,5%
apresentavam doenças do aparelho respiratório, com ênfase para infecção
respiratória aguda (27,7%). Os dados encontrados em nosso estudo, uma década
depois, corroboram os apresentados pela literatura citada, indicando que as
medidas adotadas até o momento na atenção a saúde das crianças não tem mudado
esse quadro.
Estudo(14) com crianças de um mês a 14 anos, com diagnóstico de pneumonia
adquirida na comunidade, internadas no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em
Porto Alegre, aponta como resultado uma média de idade de 2,3 anos,
predominando o gênero masculino em 59%. Constatou que poucas crianças possuíam
vacinação contra o pneumococo, refletindo a necessidade de inclusão das vacinas
antipneumocócicas no calendário vacinal.
Analisou-se as internações hospitalares por doenças respiratórias em menores de
15 anos de idade em Tangará da Serra (MT), no período de 2000 a 2005(15).
Revelou-se que a taxa de internações por doenças respiratórias em menores de 15
anos foi de 70,1/1.000 crianças, sendo 12.777 internações de crianças, das
quais 8.142 (63,7%) por doenças respiratórias. As principais causas de
internação foram: pneumonias (90,7%) e insuficiência respiratória (8,5%). Em
menores de 5 anos de idade, as internações por pneumonia foram mais de 4 vezes
o esperado para o município. Os menores de 12 meses de idade tiveram mais
internações, em média 32,4 internações por 1.000 crianças a cada ano.
Em estudo realizado para estabelecer a etiologia das infecções respiratórias
agudas e epidemiologia dos vírus respiratórios mais comuns em crianças pequenas
atendidas no hospital universitário da Universidade de São Paulo, em 2003,
observou-se que as crianças menores de cinco anos, especialmente as menores de
um ano, apresentaram uma alta taxa de hospitalização devido aos vírus
respiratórios sincicial humano, influenza, parainfluenza 1, 2 e 3,
metapneumovírus humano e adonovírus, recomendando estratégias de prevenção a
partir desse conhecimento(16).
No município de Ribeirão Preto, SP, estudo(17) revelou que os dados sobre
morbidade hospitalar indicavam entre os grupos de diagnósticos mais frequentes
nas internações de menores de um ano, as doenças do aparelho respiratório,
recomendando que a intervenção tecnicamente adequada sobre estas patologias
implicaria, basicamente, no desenvolvimento de ações em outros níveis que não o
hospitalar, entendida como referência aos serviços de atenção primária em
saúde.
Quase trinta anos após esse estudo e muitas mudanças no sistema de saúde, assim
como estratégias específicas para o grupo infantil, os dados permanecem
praticamente inalterados, com predomínio das doenças respiratórias nas causas
de hospitalização, indicando que as ações voltadas a esse grupo não têm
conseguido mudar o panorama das hospitalizações infantis.
Com relação ao indicador de mortalidade, em estudo(18) de revisão das infecções
respiratórias por vírus sincicial respiratório em crianças, a taxa de
mortalidade foi de 3,8% nos pacientes hospitalizados com pneumonia ou
bronquiolite, menor do que aquela encontrada em nosso estudo, de 18% para as
doenças respiratórias, mas maior do que aquela apreendida para todas as
patologias, que foi de 2%, no conjunto das hospitalizações.
Em estudo(19) realizado para conhecer o perfil epidemiológico das internações
pediátricas em unidade de terapia intensiva pediátrica em Maringá, no período
de janeiro de 2004 a janeiro de 2006, encontrou-se que a maior parte das
hospitalizações era de pacientes do sexo masculino (55,74%), lactentes (50,71%)
e procedentes de outros municípios (64,90%). O tempo médio de internação para
82,21% dos casos foi menos de dez dias e as causas mais frequentes de
internação foram as afecções do aparelho respiratório (41,38%) e as lesões,
envenenamentos e causas externas (9,60%). A taxa de mortalidade foi de 6,94%.
Esses achados corroboram os de nosso estudo, em que a maior parte dos pacientes
foi do sexo masculino, as causas mais frequentes de hospitalização foram as
doenças respiratórias, a média de dias de hospitalização foi inferior a dez
dias. Difere o percentual de óbitos, menor em nosso estudo e a procedência dos
pacientes. Embora as duas instituições tenham abrangência regional, houve
predomínio, em nosso estudo de hospitalização do município sede da instituição,
o que pode ter sido influenciado pelo fato de serem unidades de internação com
perfis diferentes.
O perfil de morbidade infantil permite conhecer a realidade dos fatores que
determinam a ocorrência e distribuição de saúde e doença nessa população.
Assim, ao comparar os dados obtidos localmente pode-se perceber que os mesmos
são correspondentes aos dados de outras localidades no país trazidos por
diversos autores e também aos nacionais, discutidos pelas autoras em artigo
publicado anteriormente(20). Tal fato reforça a importância de olhar
especialmente as ações de prevenção e promoção da saúde infantil que evitem os
agravos respiratórios ou possibilitem o tratamento adequado no nível da atenção
básica, uma vez que esse grupo de doenças faz parte das causas sensíveis à
atenção ambulatorial, sem necessidade de hospitalização para seu adequado
manejo.
Trazemos a seguir estudos, tanto no âmbito do hospital quanto da atenção
básica, que reforçam a importância de utilizarem-se dados epidemiológicos no
planejamento de ações de saúde.
Em estudo(21) cujo objetivo foi apresentar o panorama das internações sensíveis
à atenção primária no Estado de São Paulo, no período de 2000 a 2007, observou-
se redução nas internações por diabetes e chamou atenção o aumento de
internações por doenças relacionadas ao pré-natal e parto. Referem que estudos
que se utilizem de abordagem que resulte na produção de dados podem ser de
grande valia para os gestores envolvidos com a atenção primária, podendo
funcionar como balizadores de sua qualidade contribuindo para avaliação da
implantação das políticas de saúde.
Estudo(22) realizado no âmbito do hospital com profissionais enfermeiros, a fim
de avaliar a qualidade do cuidado, utilizou-se de indicadores de qualidade do
serviço para instrumentalizar as ações de enfermagem em busca de melhoria do
cuidado. A respeito do uso de dados epidemiológicos e de avaliação do serviço
para embasamento da prática, verificou-se que 68% da amostra estudada concordou
que os resultados dos indicadores utilizados no setor efetivamente demonstram
melhoria da prática assistencial. Quanto a utilização dos mesmos resultados dos
indicadores para embasamento da gestão do setor, 79% da amostra estudada
concordou com a afirmativa. Assim, os resultados demonstraram que os
indicadores implantados nos setores assistenciais não só contribuíram para a
melhoria da prática assistencial, mas também para tomadas de decisão setoriais
e foram instrumentos essenciais para a implementação de ações de melhoria.
Outro estudo(23) identificou nas publicações de periódicos nacionais e
internacionais os principais padrões de dados, terminologias e sistemas de
classificação utilizados no cuidado em saúde e Enfermagem e, a partir dos
diversos padrões de dados, terminologias e sistemas existentes, considerou
importante que a Enfermagem se aproprie dos mesmos visando aprimorar e renovar
a qualidade do cuidado, pois a informação é essencial para o cuidado de
Enfermagem, subsidiando o enfermeiro na tomada de decisão clinica para a
resolução e diminuição dos problemas em saúde.
Com o objetivo de avaliar a efetividade da aplicação de evidências pela
pesquisa-ação-participante (PAR) em uma unidade de enfermagem observou-se
melhora significativa na qualidade dos registros de enfermagem na avaliação de
sinais e sintomas do paciente, o ajuste psicossocial do paciente melhorou
significativamente, concluindo-se que a PAR tem servido para apresentar
evidências e melhorar os resultados de saúde(24).
Além do uso de indicadores na prática hospitalar, na rede de atenção básica são
largamente produzidos indicadores sobre a assistência prestada. Utilizar esses
indicadores, a exemplo do estudo(25) realizado para verificar a cobertura de
vacinação infantil e sua relação com a mortalidade, no município de Campina
Grande, mostra a efetividade dessa prática por enfermeiros, que podem mudar sua
realidade a partir do uso desses dados no planejamento e desenvolvimento de
ações. Os autores apontaram que a identificação da cobertura vacinal e dos
fatores responsáveis pelo retardo ou pela falta de imunizações foi ação
fundamental para a adequada monitorização dos programas de vacinação e para se
identificar e atingir as crianças que não são vacinadas.
Em relação ao ambiente hospitalar, conhecer os dados de perfil permite planejar
o cuidado de enfermagem com propriedade, desde a quantidade de recursos humanos
necessários até a qualificação de pessoal com foco na qualidade do cuidado, na
diminuição do tempo de permanência da criança no hospital e na implementação da
sistematização da assistência de enfermagem. Os dados mostram que mais de 50%
das hospitalizações são de doenças do grupo respiratório, assim, é possível
investir na capacitação da equipe de enfermagem para o cuidado a essas doenças,
identificando precocemente sinais de piora, efetivando medidas de conforto para
os sintomas e, por meio da qualidade do cuidado, reduzindo as consequências da
hospitalização.
No âmbito da atenção básica, recomenda-se que os programas voltados à saúde da
criança sejam assumidos pelo enfermeiro como prioritários, iniciando-se com a
atenção pré e perinatal. Embora não tenhamos identificado os fatores
prematuridade ou baixo peso no estudo como determinantes das hospitalizações,
enfocar essas duas características é importante, pois são sabidos fatores de
risco para o adoecimento. A assistência à criança com IRA na unidade
ambulatorial deve incluir a educação em saúde da população para reconhecimento
dos sinais de gravidade, bem como a capacitação de recursos humanos no manejo
adequado desse grupo de doenças, pois a amplitude na cobertura e na qualidade
da atenção ambulatorial tem o potencial de reduzir as taxas de hospitalização e
consequentemente os efeitos prejudiciais que esta tem sobre a criança e sua
família.
Com ações como a realização da puericultura até os dois anos de idade,
acompanhamento do crescimento e desenvolvimento até os cinco anos, avaliação
das crianças nas escolas, visitas domiciliares, incentivo a amamentação,
cobertura ampla de imunizações, que são as práticas cotidianas das unidades de
saúde, sejam saúde da família ou unidades básicas tradicionais, é possível
intervir nesse indicador. A detecção precoce dos sinais e sintomas
respiratórios, a exemplo do preconizado na estratégia AIDPI, pois estes podem
se agravar rapidamente em crianças evoluindo para as pneumonias, é outro
aspecto a ser considerado. Ter uma unidade de referência na rede de serviços,
para o encaminhamento ágil e resolutivo também é um fator que minimiza o
agravamento do quadro respiratório.
CONCLUSÃO
Embora possa parecer óbvio, a atenção dispensada pelos serviços de saúde
destinados à atenção primária poderia ser mais efetiva, a partir da intervenção
sobre os fatores de risco sabidamente relacionados com o processo de
acometimento das doenças respiratórias. Sabendo-se que as causas majoritárias
de hospitalização estão no agrupamento de doenças respiratórias, o enfermeiro
que atua na atenção básica precisa direcionar suas ações preventivas as
crianças menores de cinco anos no sentido de minimizar esse problema. Quando a
hospitalização ocorre, a enfermagem deve atuar no sentido de auxiliar na
recuperação da criança o mais breve possível e prepará-la para o retorno a
atenção básica para a continuidade dos cuidados após o período de
hospitalização almejando a redução das recidivas, constituindo-se em importante
determinante para garantir um crescimento saudável das crianças abaixo de cinco
anos. Essa medida pode se tornar efetiva com a contrarreferência do enfermeiro
do hospital para aquele da unidade de atenção básica, colocando para funcionar
uma rede de cuidados a criança que previna novos adoecimentos.
Parece-nos oportuno, portanto, a execução de mais estudos objetivando
reconhecer e avaliar a magnitude dos fatores de suscetibilidade da criança ao
adoecimento, contribuindo para práticas em saúde que considerem os dados
epidemiológicos em seu planejamento de ações e possam contribuir com a
efetividade do cuidado em saúde.