Úlceras venosas: caracterização clínica e tratamento em usuários atendidos em
rede ambulatorial
INTRODUÇÃO
As úlceras venosas constituem-se um sério problema de saúde pública, em função
do grande número de pessoas acometidas, por necessitar de cuidados em saúde,
provocar ausência do trabalho ou perda do emprego, contribuindo para onerar o
gasto público, além de provocar o sofrimento das pessoas e a interferência na
sua qualidade de vida(1).
As úlceras venosas são responsáveis pela principal causa de úlcera de perna,
com uma ocorrência que atinge índices de até 80,0%(2), e podem acometer desde
indivíduos jovens até os mais idosos(3-5).
Independente da faixa etária acometida é observado impacto tanto no aspecto
físico como psicossocial, que incluem a dor(3), dificuldades para se locomover,
limitações no trabalho doméstico, nas atividades sociais, vergonha de expor as
pernas, limitação das atividades de lazer e restrições na vida conjugal(6). Por
isso, necessitam de cuidados apropriados e de forma resolutiva, com vista ao
restabelecimento da saúde das pessoas e seu retorno às atividades cotidianas.
Considerando a importância de um atendimento adequado a esta população, há
necessidade da atuação de uma equipe multiprofissional, na qual está inserida a
Enfermagem, que se destaca por prestar atendimento, na avaliação ampliada das
pessoas com úlceras venosas, avaliação das lesões, realização de curativos e
encaminhamentos necessários, além de ações educativas para evolução favorável
do processo de cicatrização e prevenção do aparecimento de lesões e ocorrência
de recidivas.
Estes profissionais atuam tanto em unidades de referência(5) como em unidades
ambulatoriais, as quais recebem a maior parte da demanda das pessoas acometidas
por esse agravo(2,4). Apesar disso, observa-se uma tendência das pesquisas
serem realizadas em unidades especializadas no tratamento de úlceras venosas,
conferindo às amostras características clínicas das lesões de difícil
cicatrização e refratárias ao tratamento convencional(3,5,7).
Sendo assim, a presente pesquisa objetivou analisar as características das
úlceras venosas e o tratamento recebido pela população atendida em salas de
curativos de unidades da rede ambulatorial da atenção básica em saúde, com
vistas a oferecer subsídios para a elaboração de políticas públicas
direcionadas e mais assertivas a esta clientela, além de indicar aspectos que
podem contribuir para reflexões acerca do processo de atendimento à essa
população e áreas que necessitam de pesquisas futuras.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa,
inserido em um projeto maior, intitulado "Avaliação de úlceras venosas de
estase no contexto do atendimento ambulatorial na rede municipal de saúde de
Goiânia: ampliando as perspectivas", aprovado pela Secretaria Municipal de
Saúde de Goiânia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de
Goiás (protocolo 041/2009).
A amostra de conveniência foi composta pelos indivíduos que atenderam aos
seguintes critérios de inclusão: ter idade maior ou igual a 18 anos, possuir
pelo menos uma úlcera com duração de seis semanas ou mais, em atividade,
decorrente de alteração da circulação venosa em membros inferiores e ser
usuário das salas de curativos durante o período de coleta de dados, de outubro
de 2009 a julho de 2010.
Considerou-se usuário com úlcera venosa aquele que apresentasse lesão ativa,
localizada na perna ou pé, índice tornozelo-braço > 0,9(2), com presença de, no
mínimo, dois dos sinais e sintomas de insuficiência venosa: edema em tornozelo
e/ou acima; hiperpigmentação; lipodermatoesclerose; varizes e/ou veias
reticulares e/ou telangiectasias(8); ou ainda diagnóstico médico registrado no
prontuário, ou resultado de exame complementar de imagem indicativa de trombose
venosa e/ou insuficiência venosa por obstrução e/ou refluxo dos sistemas
venosos. Os critérios de exclusão foram: apresentar sinais de alteração da
circulação arterial (palidez à elevação do membro, ausência de pulsos arteriais
distais, cianose de extremidade, tempo de enchimento capilar superior a três
segundos(9) e dor à elevação do membro); abandono do tratamento ou morte.
A abordagem dos usuários ocorreu após identificação prévia no ambiente em que
aguardavam para serem atendidos nas salas de curativo e, quando satisfeitos os
critérios de inclusão, eram esclarecidas sobre os objetivos do estudo e
procedimentos envolvidos, sendo convidados a participar do mediante
apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme a
Resolução nº 196/96.
Foram identificadas 109 pessoas em tratamento para úlceras vasculares, nas 49
salas de curativos que prestavam atendimento a essa população, no período
estabelecido para a coleta de dados - outubro de 2009 a julho de 2010. Destes,
13 se recusaram a participar e 23 não atenderam aos critérios de inclusão.
Foram incluídas inicialmente 73 pessoas na amostra, contudo, houve 15 exclusões
decorrentes de: 1 óbito, 1 desistência, 1 encaminhamento para atendimento
hospitalar, que descontinuou o tratamento na rede ambulatorial do município, 5
por mudança do setor ou do município, e 7 por frequência extremamente irregular
no tratamento nas salas de curativo e não atendiam ao cronograma de agendamento
para a continuidade do processo de coleta de dados. Com isso, a amostra deste
estudo foi de 58 pessoas.
O protocolo de pesquisa constou de procedimentos de entrevista, exame físico,
utilização da Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH) validada para úlcera de
perna(10), planigrafia e registro fotográfico das lesões, bem como a consulta a
prontuário, para identificação de registros de diagnóstico médico e resultados
de exames relativos à circulação venosa de membros inferiores.
Foram necessários de dois a quatro encontros para a finalização da coleta de
dados com cada participante, sendo considerada a disponibilidade de horário
pelo sujeito e o padrão de fluxo de atendimento da unidade.
As variáveis consideradas para a análise das características das lesões
englobaram: história de lesões anteriores, quantidade de membros com úlcera,
localização da lesão segundo as zonas (1- pé; 2- metade proximal da perna até
abaixo do tornozelo; 3- metade distal da perna até a borda inferior da patela),
tempo de duração da lesão, características do leito e condições da cicatrização
da lesão, condições das bordas e da área perilesional. Considerou-se para
avaliação das condições de atendimento à clientela, o acompanhamento com
profissional da área de saúde, a terapia tópica realizada na sala de curativo,
aplicação de terapia compressiva e o tratamento farmacológico em uso. Os dados
coletados foram digitados em um banco criado no software Statistical Package of
Social Sciences for Windows®, versão 17.0, e analisados com base em estatística
descritiva, obtendo-se frequências simples e percentuais dos eventos observados
e cálculo de medidas de tendência central e de dispersão.
RESULTADOS
Participaram do estudo 58 pessoas sendo 67,2% do gênero masculino, e com idade
de 28 a 79 anos, média de 58,97 (±13,34). Em relação ao número de membros
acometidos, a maior parte (86,2%) apresentava lesão em uma das pernas. As
características das lesões estão descritas na Tabela_1.
Quanto ao número de lesões, 63,8% apresentou uma única lesão, entretanto 12,1%
apresentaram de três a oito lesões, totalizando 102 úlceras. As úlceras eram
localizadas predominantemente em zona 2, isolada ou concomitantemente a outras
regiões, com duração de 2 a 792 meses, sendo a mediana de 24 meses, e
predomínio de menos de um ano de duração (Tabela_1).
Aproximadamente metade dos participantes (51,7%) apresentava lesões
recidivantes. Na época da coleta de dados, as lesões apresentavam na maioria
das vezes área maior que 24cm2, grande quantidade de exsudato e presença de
esfacelo, caracterizando más condições para cicatrização, considerando a
pontuação PUSH (Tabela_1). As características do exsudato estão descritas na
Tabela_2.
![](/img/revistas/reben/v65n4/a13tab2.jpg)
Observou-se que a maior parte das lesões apresentava exsudato com aspecto
purulento, destacando-se a coloração esverdeada, e odor forte (Tabela_2).
Quanto às características macroscópicas do tecido de granulação presentes no
leito das lesões, observou-se que 49 (48,0%) apresentavam coloração pálida, 39
(38,2%) coloração vermelha brilhante, 30 (24,9%) vermelho escuro, 18 (17,6%)
sangramento fácil e nove (8,8%) hipergranulação. Características de bordas e da
pele perilesional estão descritas na Tabela_3.
[/img/revistas/reben/v65n4/a13tab3.jpg]
A maioria das úlceras apresentou bordas aderidas, circunscritas, regulares e
elevadas (Tabela_3). A pele perilesão apresentava-se fina, brilhante,
descamativa, com hipertermia e hiperemia.
Em relação ao acompanhamento nas unidades de saúde, observou-se que 33 (56,9%)
participantes recebiam atendimento do técnico ou auxiliar de enfermagem, do
enfermeiro e do médico. Catorze (24,1%) recebiam atendimento apenas do técnico/
auxiliar de enfermagem, sem a participação do enfermeiro; cinco (8,6%) eram
atendidos exclusivamente pelo enfermeiro e pelo médico em relação ao tratamento
para as úlceras, enquanto que quatro (7,0%) recebiam atendimento apenas do
técnico ou auxiliar, não havendo avaliação do enfermeiro e do médico. Entre
aqueles que dispunham de acompanhamento médico, 39 (67,2%) participantes
referiram seguimento com médico angiologista, oito (13,8%) com clínico geral,
quatro (6,9%) com dermatologista, três (5,2%) com cirurgião geral e um (1,7%)
com médico da Estratégia Saúde da Família.
Em todas as salas de curativos a limpeza das lesões era realizada com solução
fisiológica. Entre as coberturas utilizadas para o tratamento das úlceras,
predominou o uso de produtos a base de ácido graxo essencial (AGE) (Figura_1).
[/img/revistas/reben/v65n4/a13fig1.jpg]
A terapia compressiva inelástica foi aplicada em apenas dois participantes
(3,9%). Não houve utilização de outros procedimentos de terapia compressiva.
Trinta e nove (67,2%) participantes referiram também realizar curativos no
domicílio, sendo que 20 (34,5%) realizam a limpeza após o banho, 12 (20,7%)
lavam a ferida durante o banho; os demais não lavam a ferida. Entre os que
realizam a limpeza da ferida, 15 (25,9%) referiram usar solução fisiológica,
enquanto que 17 (29,3%) informaram usar a água corrente com sabonete comum ou
antisséptico no leito da lesão.
Quanto à terapia farmacológica, três (5,1%) usavam medicamentos venotônicos
enquanto um (1,7%) fazia uso de anticoagulante.
DISCUSSÃO
As características sociodemográficas dos participantes assemelham-se as de
outro estudo(11)com exceção do gênero masculino que tem-se mostrado
preponderante no contexto regional entre a população acometida por úlceras de
origem vascular, conforme identificado em pesquisa anterior realizada neste
mesmo município(2), fato este que sugere a necessidade de estudos que
investiguem melhor este achado.
Como observado em nosso estudo, predominaram uma ou duas úlceras venosas por
participante. A literatura indica que estas lesões em geral são únicas(3-4),
que nos remete a possível coalescência das lesões em função do tempo, se
considerarmos que a maioria tinham mais de um ano de duração.
Os resultados sobre a quantidade de membros acometidos são similares com os
dados evidenciados em outros estudos(3-4). Recomenda-se que o enfermeiro esteja
atento, durante a consulta de enfermagem, para realizar o exame físico na perna
que não apresenta ulceração a fim de detectar sinais de surgimento de novas
lesões, pele ressecada, descamativa e com prurido.
A úlcera pode interferir na capacidade de deambulação das pessoas acometidas
(6), e no caso dos 13,8% com lesões em ambos os membros, essa situação pode
estar ainda mais comprometida. Assim, é importante que o profissional também
avalie o grau de dificuldade do usuário para andar e deslocar-se à unidade de
saúde.
A frequente recidiva identificada nesta pesquisa é um fenômeno comumente
encontrado(3-5,12)atingindo índices de aproximadamente 70,0%(3-4). Isto
significa maior demanda aos serviços de saúde, em relação tanto a recursos
materiais, estruturais e humanos, requerendo a atuação de equipe
multidisciplinar em função da interferência na qualidade de vida das pessoas
(7). Dessa forma, e considerando tratar-se de um individuo acometido por doença
crônica, é indicado que mesmo após cicatrização completa da ulcera, sejam
remarcadas consultas periódicas de enfermagem com intuito de avaliar a pele, a
cicatriz da ferida e a manutenção dos cuidados tomados pelo paciente em prol da
sua saúde(12).
As estratégias visando a prevenção devem considerar uma abordagem
multiprofissional, o uso meias de compressão, de classe III (alta compressão),
avaliação quanto a correção cirúrgica e atividades educativas, bem como o
acompanhamento regular para monitorar a condição da pele e o índice tornozelo-
braquial(13-14).
A região maleolar, principalmente medial, é a localização preferencial das
úlceras venosas de causa espontânea(9), região que está inserida na zona 2 e
que foi a mais encontrada neste estudo, convergindo com os dados de outros
autores(4-5).
Em relação à área da lesão, outros estudos brasileiros (4-5) também
identificaram maior ocorrência de lesões com área igual ou maior que 20cm2. Não
há consenso sobre o que seria uma úlcera pequena, média e grande. Há estudo(4)
que considera uma lesão grande com área maior que 60cm2, enquanto que outro(5)
refere como grande uma área acima de 150cm2. Por sua vez, uma ferida com esta
magnitude poderia ser considerada como muito grande, se fosse adotada a
classificação de pesquisadores de um outro centro de referência(3) que adota
esta categoria para lesões com área maior que 90cm2.
A avaliação da área das lesões é sempre motivo de preocupação, pois feridas com
áreas grandes demandam mais tempo para cicatrizar, mesmo quando submetidas a
tratamento adequado(14).
Tratando-se do exsudato, os resultados desta pesquisa diferenciam-se dos
achados de outros estudos que identificaram exsudato em pequena quantidade em
aproximadamente 40,0% das lesões e de aspecto seroso em aproximadamente 70,0%
(4,15).
Umidade extrema na lesão afetará de forma negativa a cicatrização da lesão e,
na avaliação, deve-se considerar, enquanto causas, possível inflamação ou
infecção, investigar se a pessoa permanece períodos prolongados com as pernas
para baixo ou ainda, a dificuldade de adesão para o uso da terapia compressiva
(16).
Observamos uma ocorrência elevada de lesões com leito de coloração pálida e
vermelho escuro, os quais se relacionam com processos infecciosos(17). Leito
granuloso em úlceras venosas representa os achados de várias pesquisas
(4,11,15), sendo associado à necrose úmida ou esfacelo(4), como observado neste
estudo.
Bordas irregulares são referidas por diferentes autores como uma característica
das úlceras venosas(5,15), porém, no presente estudo houve predomínio de bordas
regulares. Predomínio de bordas aderidas ao leito também foi identificado em
outro estudo(15), e maior frequência de bordas circunscritas(5). Outras
características, como bordas elevadas, presença de queratose e maceração são
referidas por diferentes estudos em proporções aproximadas ao encontrado na
presente pesquisa(5,15).
A pele perilesional fornece informações para o estabelecimento dos cuidados,
assim como para avaliar os resultados do tratamento(14). Os sinais
inflamatórios nas bordas e área perilesão indicam presença de infecção. A
presença de maceração, que se deve a exposição prolongada da pele a fluidos, é
um sinal de alerta quanto à cobertura utilizada, nível deficiente de
autocuidado ou do cuidado profissional.
As informações quanto ao atendimento pelos profissionais devem ser analisadas
com ressalvas, uma vez que não foi questionado se o acompanhamento era
realizado com base na interação entre os profissionais, numa perspectiva de
trabalho em equipe, ou num modelo de atendimento multiprofissional sem
integração.
Um estudo identificou serviços de saúde desarticulados entre os diferentes
níveis de assistência e com falta de continuidade do tratamento(18). A
descontinuidade da assistência também é evidenciada em outros cenários(4).
O envolvimento do profissional da área médica, concomitante à atuação do
enfermeiro e auxiliar/técnico de enfermagem foi observado em maiores proporções
em um ambulatório de angiologia e cirurgia vascular(5), no qual foi
identificada assistência médica em 100% dos casos, enfermeiro em 62,5% e do
auxiliar/técnico de enfermagem em 90,0%.
Verificou-se que o acesso à atendimento com médico cirurgião vascular/
angiologista, na presente pesquisa foi mais elevado do que o observado por um
estudioso na região Nordeste, com foco na atenção básica, que identificou que
25,7% dos participantes tiveram acesso a este especialista(4).
Os resultados do presente estudo indicam atenção precária à população com
úlceras venosas, em relação às coberturas utilizadas. Em pessoas atendidas por
profissionais da atenção básica, na cidade de Natal-RN, foi observado que em
43,2% havia uso inadequado de produtos na realização do curativo de úlceras
venosas(4).
Já em unidade de referência em angiologia e cirurgia vascular, em Natal-RN, foi
observado que os produtos disponíveis e utilizados foram ácidos graxos
essenciais (óleo de girassol manipulado) na maioria das úlceras venosas
(47,5%), seguido pela papaína 10% manipulada em creme (22,5%) e colagenase mono
(15%)(5). Destaca-se que estas coberturas não eram completamente fornecidas
pelo sistema de saúde, uma vez que parte dos usuários precisava adquiri-las.
Essa insuficiência do sistema em prover os materiais necessários ao tratamento
do usuário na atenção básica também foi identificada na cidade de Uberaba-MG
(18)
Não há evidências de que um curativo seja superior a outro, se os mesmos
promovem cicatrização em ambiente úmido(14,16), porém, se for observado excesso
de exsudato, a recomendação é para o uso de uma cobertura que controle esta
situação, tais como alginato, hidrofibra de hidrocolóide e espumas de
poliuretano(16). Estes produtos eram usados em apenas 14,7% das lesões. Esse
cenário denota a falta de adequação do sistema de saúde para atender aos
usuários, nas suas necessidades, especialmente de controle do exsudato.
Os ácidos graxos essenciais promovem quimiotaxia (atração de leucócitos) e
angiogênese, mantêm o meio úmido e aceleram o processo de granulação tecidual.
As úlceras venosas constituem uma das suas indicações, e deve ser aplicado
diretamente no leito da úlcera ou aplicar gaze úmida com solução fisiológica
suficiente para mantê-la úmida até a próxima troca, ocluindo-se com cobertura
secundária (gaze). A sua troca se fará quando a cobertura secundária estiver
saturada ou a cada 24 horas(1).
Porém, é praticamente impossível manter as gazes úmidas continuamente. Isto
acaba por favorecer sua adesão ao leito da lesão e região perilesional,
provocando traumas na sua retirada, além de ressecar o leito. Por esta razão,
as gazes são contra indicadas(14).
Uma revisão sistemática da literatura realizada sobre a utilização do AGE
concluiu que a maioria dos estudos ainda se refere a uso em animais com
trabalhos de relevância ainda escassos. Seu uso, com evidências científicas,
ainda sem grande robustez, é indicado para queimaduras, nas manifestações
cutâneas de deficiência sistêmica desses ácidos e para o tratamento de ferida
cirúrgica aberta infectada(19).
Vários fatores podem interferir na escolha adequada da cobertura, dentre elas,
a falta de conhecimento dos profissionais, restrições impostas pela equipe
médica, a existência de programas locais ou regionais com suas próprias
recomendações, uso de diretrizes para o tratamento de feridas, além dos fatores
relacionados ao reembolso financeiro pelos planos de saúde(13).
Por outro lado, falta poder de decisão à enfermagem para adotar práticas
condizentes com as diretrizes para o adequado atendimento a essa população na
atenção básica, uma vez que isso depende de uma decisão institucional e não
apenas pessoal.
Foi observado uso reduzido de terapia compressiva, em níveis menores do que
relatado por outros autores. Enquanto que, em suas pesquisas, estudiosos
encontraram de 4,0 a 56,8% de uso deste tratamento(4-5,15), na presente
pesquisa essa prática estava instituída para apenas dois participantes (3,9%).
A terapia compressiva é a medida mais importante do tratamento da pessoa com
úlcera venosa(13), visto que contribui para o retorno venoso, melhorando a
estase e o edema, o que se traduz em melhores condições clínicas na lesão e
acelerando a cicatrização(16).
No Brasil, documento do Ministério da Saúde(1)preconiza que a bota de Unna só
pode ser realizada com indicação médica. No cenário internacional(13-14,16),
preconiza-se assegurar a existência de profissional treinado para a aplicação
da terapia compressiva, e o acompanhamento sistemático e frequente das pessoas,
sem que necessariamente se restrinja a sua indicação pelo profissional médico,
contudo, deve ser realizada a avaliação por especialista vascular quando
tratar-se de pessoas com índice tornozelo-braço menor que 0,8, em pessoas com
diabetes e em casos de não ocorrer qualquer redução do tamanho da lesão em um
mês de terapia compressiva.
Não se conhece o preparo ou características da formação dos profissionais
envolvidos no atendimento à pessoas com úlceras vasculares na rede de salas de
curativo da atenção primária no cenário estudado. Também não foram encontrados
estudos nessa perspectiva realizados no Brasil. Assim, recomendam-se pesquisas
na área(20).
Observou-se que a realização do curativo no domicílio é uma prática comum e não
difere de outros cenários brasileiros, apresentando ocorrência semelhante ao
que é relatado na literatura(4-5,18). Esse cenário deve ser examinado com
prudência, uma vez que a água usada na limpeza das lesões pode não ter sua
qualidade garantida(18), os reservatórios não serem limpos periodicamente e não
apresentarem controle bacteriológico.
De qualquer modo, o sistema de saúde deveria ser capaz de atender aos usuários
nas unidades ambulatoriais ou no domicílio, com acompanhamento profissional
adequado. Por limitação da capacidade do SUS, esta população é encorajada a
assumir o tratamento de suas feridas no interior de suas residências, como um
ato da vida doméstica, intercalando com o atendimento profissional nas
instituições.
Se nas unidades de saúde o profissional identificasse as necessidades e
capacidades do usuário e de sua família em cuidar da ferida, buscasse prepará-
los para participarem no tratamento e nos cuidados domiciliares, e
estabelecesse meios com a equipe de saúde para otimizar o atendimento, o
tratamento das feridas no domicílio poderia ser seguro e resolutivo.
Entre os participantes, a terapia farmacológica mostrou-se pouco utilizada,
mesmo sendo um recurso valioso e indicado, sendo reconhecido os seus benefícios
(14,16), que incluem melhora nos sintomas venosos, contribuindo para a
qualidade de vida das pessoas.
Tendo em vista o alto impacto dos custos diretos e indiretos da úlcera venosa
para o sistema de saúde, reconhecido pelo Ministério da Saúde(1) e por
instituições internacionais(14,16), a preocupação com a organização de um
sistema de atendimento mais condizente deveria ser priorizado, além da
capacitação dos profissionais das salas de curativo das redes municipais, para
o tratamento adequado dos usuários.
Nesse sentido, é necessário desenvolver pesquisas para encontrar as respostas
necessárias à prática assistencial, tomando como base as realidades dos
serviços. Esse poderia ser o ponto de partida para garantir maior
resolubilidade ao tratamento, que representa desafio às práticas dos
profissionais, não só pela questão financeira para o sistema de saúde, mas pelo
impacto biopsicossocial das úlceras venosas para a população(6-7).
CONCLUSÕES
Esta pesquisa permitiu identificar que as úlceras venosas foram predominantes
na população masculina, na faixa etária igual ou maior de 50 anos, com
recorrência em aproximadamente metade dos casos, sendo mais comum a atividade
de uma ou duas leões por usuário, localizada na zona 2, com duração menor que
um ano.
Os aspectos macroscópicos das lesões evidenciaram-se lesões com área acima de
24cm2, leito granuloso, grande quantidade de exsudato de aspecto purulento-
esverdeado e odor forte, com pontuação na PUSH que evidencia lesões em piores
condições de cicatrização. O leito das lesões apresentava-se com coloração
pálida ou vermelha escura; as bordas eram frequentemente circunscritas,
regulares, aderidas; a área perilesional com aspecto de textura fina,
brilhante, com hipertermia e hiperemia, denotando presença de infecção.
Estas pessoas tinham acompanhamento de técnico ou auxiliar de enfermagem,
enfermeiro e médico no tratamento, sendo a especialidade médica mais referida,
cirurgia vascular e angiologista. Contudo, não se pode afirmar que estes
profissionais agiam de modo articulado entre si.
O tratamento tópico das lesões nas unidades de saúde estava sendo realizado
predominantemente com produto à base de ácido graxo essencial, intercalado com
a realização de curativo no domicílio, realizado pelo próprio usuário ou
cuidador, com os mesmos produtos usados para a cobertura, que eram empregados
nas salas de curativo. No entanto, o que muito preocupa os enfermeiros
pesquisadores desta área, é que algumas pessoas deixam as úlceras descobertas
durante o banho e ao realizar sua higiene pessoal podem deixar excreções do
corpo caírem sobre a lesão. A recomendação é que o curativo da ulcera venosa
seja feito separado, ou seja, após o banho e em seguida recolocada a bandagem
compressiva.
Os resultados deste estudo indicam uma população com lesões deterioradas, bem
como tratamento em desacordo com as principais recomendações internacionais,
apontando para necessidades de intervenções de acordo com sua apresentação
clínica, bem acompanhamento do seu estado evolutivo com métodos de avaliação
sistematizados. As intervenções exigidas, pela sua natureza multidimensional,
ou seja, terapia tópica, tratamento sistêmico das condições circulatórias,
minimização do impacto da lesão na autoimagem, autoestima, manejo da dor,
requerem atuação de equipe multiprofissional, entre os quais é preciso
assegurar a presença do enfermeiro sua responsabilização por esse atendimento
nas salas de curativo.