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BrBRCVHe0034-71672013000100003

BrBRCVHe0034-71672013000100003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2013
Issue0001
Article number00003

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Análise fatorial de correspondência das representações sociais sobre o trabalho noturno da enfermeira

INTRODUÇÃO O Trabalho se constitui num importante fenômeno na vida das pessoas e no desenvolvimento das sociedades, contribuindo na construção e transformação do mundo em que se vive, além de influenciar e condicionar a conduta das pessoas que constituem essa sociedade. Do mesmo modo, são relevantes os processos através dos quais, a sociedade e suas instituições transmitem os valores e crenças acerca do Trabalho e o socializam com seus membros, assumindo um papel fundamental na sociedade por ser um elemento de integração social(1).

O Trabalho é, portanto, o modo como o homem produz e reproduz sua existência, estabelecendo relações sociais e objetivando sua subjetividade(2).

O conhecimento sobre o Trabalho é adquirido a partir das experiências laborais e de informações e modelos culturais que os sujeitos recebem da sociedade, por meio da educação, da comunicação e interação socialmente elaboradas e compartilhadas, adquirindo diferentes significados(1).

Na Enfermagem, o significado do Trabalho abrange, além das experiências do cotidiano da prática, os aspectos inerentes ao processo de cuidar e administrar, que, no âmbito hospitalar, se caracteriza por ser contínuo, com atividades ininterruptas durante as 24 horas, distribuídas em turnos de revezamento.

Trabalho Noturno (TN), por sua vez, é aquele realizado durante um período de, pelo menos, sete horas consecutivas, entre meia-noite e cinco horas da manhã; e trabalhador noturno, o assalariado que executa um número considerável de horas de trabalho à noite, sendo, ele, fixado pela legislação de cada país(3).

Consta na legislação brasileira que o TN é aquele compreendido entre as 22 horas de um dia até às 5 horas do dia subsequente(4). A escala de horários de serviço da enfermagem, por sua vez, está organizada, na maioria das organizações hospitalares, em turnos de 6 horas diurnas e 12 horas noturnas.

A partir das nossas vivencias profissionais como enfermeiras e docentes de enfermagem, durante o ensino clínico num hospital universitário, observamos que as enfermeiras que desenvolviam atividades no período da noite, com frequência, se queixavam das condições de trabalho nesse turno, informando que a instituição reduz drasticamente a oferta de serviços gerais, tais como de manutenção, bioimagem, laboratório e de recursos profissionais e materiais que viabilizam a assistência de enfermagem, em detrimento das reais necessidades de atendimento à clientela assistida.

Relatavam, ainda, um aparente descaso da gerência do serviço de enfermagem com os problemas informados por elas sobre o TN, gerando descontentamentos, entendendo que as suas queixas não eram consideradas importantes e, consequentemente, que o seu trabalho não era valorizado.

Preocupadas com essa realidade, optamos pelo desafio de desenvolver este estudo, proporcionando à enfermeira a oportunidade de se expressar acerca do TN, a partir de sua vivência profissional, objetivando apreender as Representações Sociais (RS) das enfermeiras de um hospital da rede pública de ensino, na cidade de Salvador-Bahia, sobre o TN, analisando o processo de construção dessas RS.

EIXO TEÓRICO E METODOLÓGICO Trata-se de um estudo de caso, descritivo e analítico, com abordagens quantitativa e qualitativa, fundamentado na Teoria das Representações Sociais (TRS)(5), como um sistema de referência que permite a interpretação dos acontecimentos reais, dando sentido à vivência profissional, sendo uma ferramenta indispensável à identificação dos aspectos cognitivos, afetivos, sociais e simbólicos do conhecimento do senso comum, através da comunicação e interação sociais(5-6).

As RS se constituem numa instância intermediária entre conceito e percepção, situando-se sobre as dimensões de atitudes, informações e de imagens, que contribuem para a formação de condutas e orientação das comunicações sociais, conduzindo aos processos de objetivação e de ancoragem(5-6).

A TRS mostra o sujeito, de modo indissociável, construindo o seu mundo na tentativa de adaptação às modificações da realidade social, influenciado pela cultura, ideologia e valores, que permitem ser, os indivíduos, simultaneamente, produto e produtor da sociedade, em constante relação com o outro(7-8).

Para a coleta de dados, utilizou-se uma ficha contendo duas partes: a primeira, com os dados sócio-demográficos que caracterizaram os sujeitos da pesquisa e a segunda, o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP), a partir dos estímulos indutores: 1 - Trabalho Noturno da Enfermeira e 2 - Você, Enfermeira, no Trabalho Noturno, por considerá-los suficientes para o alcance do objetivo proposto.

O TALP, caracterizado como um teste projetivo, permite a apreensão das projeções mentais de um grupo social de maneira espontânea e descontraída, revelando conteúdos implícitos ou latentes que podem estar mascarados nas produções discursivas, possibilitando estudar os estereótipos sociais que são partilhados espontaneamente pelos membros do grupo e a visualização das dimensões estruturantes do universo semântico específico(8).

Participaram deste estudo enfermeiras1 do Serviço de Assistência Intermediária de um hospital da rede pública de ensino, na cidade do Salvador-Bahia, escolhido por ser referência na formação de recursos humanos em saúde. Os critérios de inclusão foram ter vínculo permanente com a instituição; estar em efetivo exercício no período de coleta de dados, independentemente do turno de trabalho; ter, pelo menos, um ano de trabalho na instituição, tempo tido como necessário para o estabelecimento da interação social neste grupo de trabalhadoras, possibilitando assim, a elaboração das RSs; e aceitar participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respeitando as orientações da Resolução 196/962, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da referida organização, sob protocolo CEP 070/2007.

Solicitou-se às enfermeiras, individualmente, em seu turno de serviço e em sala previamente destinada para este fim pela coordenação de enfermagem da organização, a evocação de cinco palavras ou expressões em resposta aos estímulos indutores, as quais foram registradas pelas pesquisadoras em ficha própria, na ordem de enunciação.

Os dados, coletados em abril e maio de 2008 foram submetidos à Análise Fatorial de Correspondência (AFC), pelo Software Tri-Deux Mots(9), versão 2.2, que permite verificar correlações entre grupos, bem como visualizar as relações de atração e de afastamento entre os elementos do campo representacional acerca de determinado objeto(10).

RESULTADOS Participaram deste estudo 25 (89,3%) enfermeiras de um hospital público de ensino, na cidade do Salvador-Bahia. O banco de dados foi composto pelas variáveis fixas: turno de trabalho, outro vínculo empregatício e idade versus tempo de serviço.

Quanto ao turno de trabalho, a amostra foi composta por enfermeiras que atuavam nos turnos diurno e noturno (52%), simultaneamente, e por aquelas que trabalhavam apenas no diurno (48%); quanto ao vínculo empregatício, foi formada por enfermeiras que tinham mais de um vínculo (72%) e por outras com apenas um vínculo (28%). Considerando a variável Idade x Tempo de Serviço, as enfermeiras foram distribuídas em três categorias: aquelas que tinham idade inferior a 30 anos e menos de 10 anos de tempo de serviço (40%); aquelas com idade entre 30 e 40 anos e tempo de serviço de 10 a 19 anos (24%); e aquelas com idade igual ou maior que 41 anos e tempo de serviço de 20 anos a mais (36%).

Foram evocadas 248 palavras pelos 25 sujeitos, das quais 67 diferentes. Das respostas ao estímulo 1 - Trabalho Noturno da Enfermeira resultaram 122 evocações, 34 (27,8%) das quais distintas. Em resposta ao estímulo 2 - Você, Enfermeira, no Trabalho Noturno, produziram-se 126 palavras, sendo 33 (26,1%) diferentes. Estas foram agrupadas de acordo com o significado semântico, processados pelo software e submetidos à AFC, permitindo apreender as RS dos sujeitos do estudo. O tratamento dos dados foi efetuado tomando como referência a freqüência igual ou superior a 4 (quatro) para evocações de um mesmo estímulo indutor, apresentados na Figura_1, analisado a partir da leitura das modalidades - evocações distribuídas de maneira oposta sobre eixos ou fatores - F1 e F2, e o mapa fatorial, determinado pelas respostas mais freqüentes e relevantes aos estímulos indutores.

Na Figura_1, abaixo, o fator 1 (F1), em preto, na linha horizontal, traduz as mais fortes palavras ou expressões evocadas pelas enfermeiras do estudo e explicam 42,8% de variância, valor a que foram somados os percentuais de 31,7% relativos ao fator 2 (F2), em cinza, linha vertical do gráfico, alcançando 74,5% de variância total das respostas. As palavras em negrito referem-se às variáveis que o software apresentou como sendo relevantes (variáveis fixas ou sócio-demográficas que caracterizam os sujeitos) diante do banco de dados processado. As demais palavras correspondem às variáveis de opiniões e tiveram a sua cor definida em preto para F1 ou cinza, para F2, de acordo com a contribuição para o fator (CPF) descrito pelo software.

A AFC revelada no jogo de oposições demonstrou no F1 uma oposição entre os turnos de serviço. Diante disso, apreendeu-se das enfermeiras que trabalham nos turnos diurno e noturno, simultaneamente, as seguintes palavras: estressante (TN), autonomia (TN), sofrimento (você, enfermeira no TN), cansativo (você, enfermeira no TN), dupla jornada (você, enfermeira no TN) e responsabilidade (você, enfermeira no TN). para as enfermeiras que trabalham no diurno e que têm um vínculo empregatício, o universo semântico apresentado pela AFC foi: dificuldade (TN), dedicação (TN), sacrifício (você, enfermeira no TN), desgastante (você, enfermeira no TN) e dedicação (você, enfermeira no TN).

Em relação ao F2, o procedimento de análise baseou-se na idade x tempo de serviço. Assim, as palavras localizadas na parte superior ao eixo das abscissas, F2+, referem-se às evocações das enfermeiras com idade igual ou maior que 41 anos e tempo de serviço superior a 20 anos, representadas pelos seguintes campos semânticos: necessidade (TN), sacrifício (TN), dedicação (TN), autonomia (TN), dedicação (você, enfermeira no TN), desgastante (você, enfermeira no TN) e dupla jornada (você, enfermeira no TN). As palavras situadas na porção inferior da linha vertical, F2-, dizem respeito às evocações das enfermeiras com idade entre 30 e 40 anos e tempo de serviço de 10 a 19 anos: sofrimento (TN), administração (TN), continuidade (TN), conhecimento (TN), dificuldade (TN) e responsabilidade (você, enfermeira no TN).

DISCUSSÃO Percebe-se que as evocações das enfermeiras participantes deste estudo resultam da experiência cotidiana construída através do desenvolvimento de atividades contínuas e específicas da prática profissional. Encontramos neste universo semântico palavras que traduzem o Trabalho Noturno da Enfermeira como Trabalho de Responsabilidade, Trabalho Árduo, Trabalho de Iniciativa e Necessidade Financeira.

Os achados mostram a presença dos elementos responsabilidade e autonomia referidos como princípios fundamentais para o exercício da Enfermagem, sugerindo estarem ancorados nas bases legais desta profissão(11).

Responsabilidade é apreendida como a capacidade ou habilidade de responder ou assumir o que fazemos no mundo, em uso pleno de nossa liberdade(12). As enfermeiras no TN assumem a responsabilidade perante a organização, aos técnicos e auxiliares de enfermagem, pacientes, assim como pela prestação da assistência de enfermagem no contexto organizacional, sendo elas requeridas a todo instante para a tomada das decisões necessárias ao processo de cuidar.

A autonomia, configurada como um dos princípios da Bioética, significa autogoverno, autodeterminação da pessoa para tomar decisões, estando associada "[...] à capacidade do ser humano decidir o que é bom ou que é seu bem-estar [...]"(12).

Nesse entendimento, as enfermeiras no TN defrontam-se com situações onde lhe é exigida a tomada de decisões, muitas vezes, sem a possibilidade de consulta a outros profissionais, sendo ela responsável pela ação em si. Isso, com freqüência, aumenta a sua carga de estresse, pois tais decisões implicam na vida de pacientes e outros profissionais que aguardam uma deliberação desta profissional para a execução do cuidado de enfermagem, neste turno particular de trabalho.

Vale destacar que determinados serviços/setores dos hospitais, considerados como serviços de apoio, a exemplo do almoxarifado, farmácia, manutenção, dentre outros, não funcionam ou funcionam em parte, no turno noturno, dificultando o atendimento aos pacientes e aumentando a carga de estresse das enfermeiras.

Ademais, com freqüência, é a enfermeira a profissional requisitada por diversos setores do hospital, que não, necessariamente, da enfermagem, para intervir em situações adversas, cabendo a ela, neste turno de trabalho, a tomada de decisões administrativas no âmbito da organização, apesar desta profissional não estar formalmente autorizada para responder institucionalmente por estas outras demandas de serviço, as quais, nem sempre, estão relacionadas à assistência de enfermagem.

As expressões evocadas - desgaste, cansativo, estressante, sacrifício e sofrimento - podem ser justificadas pela longa jornada do TN. Este turno de serviço está estabelecido, na maioria das organizações hospitalares, em turnos de doze horas consecutivas, ou seja, das dezenove horas de um dia até as sete horas do dia subseqüente. Esses elementos, evocados pelas informantes, apontam para a possibilidade de que o excesso de trabalho atua diretamente como um agente estressor, sendo considerado fator que pode aumentar a exposição a riscos ocupacionais, além de favorecer a ocorrência dos chamados comportamentos não saudáveis. Ademais, o TN implica na privação do sono e na conseqüente desestruturação dos ritmos biológicos que podem afetar a saúde do trabalhador, tanto nos aspectos físicos e psíquicos, quanto nos aspectos familiares, sociais e interpessoais(13).

Outro aspecto destacado é a questão da dupla-jornada. As trabalhadoras de enfermagem se dividem entre duplas e até triplas jornadas de trabalho, considerando as horas de trabalho doméstico. Tal sobrecarga parece ser justificada, em parte, pela inserção da mulher no mercado de trabalho, que não a desvincula das tarefas domésticas e da educação dos filhos(14).

A expressão dupla-jornada, também, parece refletir o interesse das profissionais pela escolha desse turno de trabalho, considerando o acréscimo na remuneração - adicional noturno - que se constitui num atrativo, uma vez que a política econômica da área de saúde oferece salários insuficientes para o sustento da família, levando-as a procurar novas fontes de renda(15).

As RS indicam a compreensão da realidade vivenciada pelo grupo, como saber prático do senso comum, possibilitando-lhes a aquisição de conhecimentos para o desenvolvimento de atividades, conforme suas crenças e valores, servindo como quadro de referência comum, permitindo-lhes a troca social, a transmissão e a difusão do saber ingênuo. Nessa linha de entendimento, defende-se ser o senso comum o pensamento social por excelência, por ser o mais compartilhado e utilizado cotidianamente em qualquer sociedade(16).

Desse modo, a intensidade da vivência que as enfermeiras deste estudo experimentam no seu cotidiano de TN lhes exige uma contínua e profunda mobilização de energias, que vão desde a privação do sono à desestruturação dos ritmos biológicos que podem afetar a sua saúde, tanto nos aspectos físicos e psíquicos, quanto nos aspectos familiares, sociais e interpessoais, contribuindo, sobremaneira, para o seu desgaste.

A evocação dedicação, entendida como a capacidade de se entregar à realização de um objetivo ou trabalho, parece se constituir numa condição ao exercício da enfermagem, estando ancorada na construção histórico-social da profissão. A enfermagem, inicialmente considerada prática leiga, era desenvolvida por religiosos, deixando como legado uma série de valores, os quais foram legitimados e incorporados pela sociedade como características inerentes à profissão, a exemplo da abnegação, o espírito de servir, a obediência e a dedicação, marcando profundamente esta profissão até os dias atuais(17).

Analisando a evocação conhecimento, destaca-se que a enfermagem tem a função de prestar assistência ao sujeito sadio ou doente, família e comunidade, no desempenho de atividades para promoção, manutenção e recuperação da saúde, utilizando, para tanto, "[...] um saber advindo das outras ciências e de uma síntese produzida por ela própria para apreender o objeto da saúde [...]"(2).

Entretanto, para garantir que a enfermagem, em qualquer nível de atuação, promova ações baseadas no conhecimento científico, faz-se imprescindível a aquisição de conhecimentos e habilidades técnicas, de gerenciamento e liderança como necessidades primárias no desenvolvimento de suas atividades laborais, e a educação permanente dessas trabalhadoras desempenha um papel importante na obtenção dos objetivos de qualquer ação para uma assistência bem sucedida(18).

Nesse direcionamento, preceitua-se o aprimoramento dos conhecimentos técnicos, científicos e culturais para dar sustentação à prática profissional da enfermeira(11). Desse modo, conhecimento, administração, responsabilidade e autonomia parecem se constituir em condição e atitude positiva quanto ao significado do TN da enfermeira, podendo ser considerados requisitos necessários para tomada de decisões para a consecução da assistência de enfermagem nesse turno de trabalho.

As representações apreendidas se referem aos atributos e maneiras de ser ou de agir, produzindo normas de condutas, regulação de comportamentos, prescrevendo possibilidades de ação diante do objeto social representado, que, neste estudo, é o trabalho noturno da enfermeira no contexto de uma instituição hospitalar (19).

O objeto representado está inscrito num contexto ativo, concebido pelo sujeito ou grupo, ainda que parcialmente, como prolongamento de seu comportamento, atitudes e das normas às quais são referidas, permitindo ao sujeito e ao grupo dar um sentido às suas condutas e compreender a realidade através de seu sistema de referências, possibilitando a adaptação e o posicionamento nesta realidade(20).

As RS são concebidas, portanto, como um processo social de comunicação e discurso, além de atributos individuais e estruturas de conhecimento individualmente acessíveis, embora compartilhadas. Desse modo, "[...] agindo no sistema de representação, os membros de um grupo criam o objeto representado, dão-lhe significado e realidade [...]"(21).

Quando se pensa na assistência de enfermagem no âmbito hospitalar observa-se ser senso comum a referência ao trabalho da enfermeira como imprescindível aos três turnos de trabalho, a saber, manhã, tarde e noite, configurando e garantindo a continuidade da assistência.

Essa forma de organização do trabalho em turnos, concentrando atividades em jornadas diurnas e noturnas, parece ser um fator que influencia na escolha da profissão, considerando-se que a enfermagem é formada predominantemente por mulheres, sugerindo interesse em conciliar a vida profissional, pessoal e familiar(15).

Toda representação é uma forma de visão global e unitária de um objeto, no caso o TN da enfermeira, e é também de um sujeito. Tomada como uma organização significante, a representação define um quadro de referência comum que possibilita as trocas sociais, a transmissão e difusão do senso comum(20).

Nesse entendimento, percebe-se que o trabalho é um fator importante na vida das pessoas, não pela grande parte do tempo dedicado às atividades laborais, mas também porque é através do trabalho que se obtém uma série de compensações econômicas, materiais, psicológicas e sociais, indispensáveis para a sobrevivência. Também, pelo trabalho se constrói a própria identidade, posicionando o sujeito no grupo social e na própria sociedade, contribuindo, desta forma, para a produção de bens e serviços.

Geralmente, a atividade laboral é desenvolvida em organizações formais, com uma estrutura definida, distintos níveis hierárquicos, horários estabelecidos e atividades determinadas para serem realizadas, além das condições necessárias para que isso aconteça, tecnologias e recursos disponíveis, de tal forma que se alcancem os objetivos definidos da maneira mais eficaz e eficiente.

Entretanto, nem sempre as condições de trabalho oferecidas são favoráveis ao desenvolvimento das diversas atividades necessárias para atender a demanda da população, especialmente em uma instituição hospitalar de ensino.

Para a enfermagem, a precariedade dos serviços de saúde é uma realidade, estando as trabalhadoras expostas a toda sorte de riscos ocupacionais, sejam eles biológicos, químicos ou físicos, baixos salários, sobrecarga de trabalho por inadequação do número de trabalhadoras em relação às necessidades de pessoal para a prestação da assistência, agravada pela justaposição de jornadas de trabalho devido ao duplo vinculo, além da própria natureza da organização do trabalho em si, com turnos de serviço ininterruptos, diuturnamente, durante todos os dias da semana, seriam alguns dos fatores que contribuem para determinar um sentido negativo ao trabalho noturno desenvolvido por este grupo de trabalhadoras.

Nesse sentido, defende-se que as RS como filtros de leitura do mundo, guia de ação e sistema de orientação de condutas e das comunicações pode favorecer a utilização dos aportes da TRS para promover mudanças baseada na transformação das RS. Preconiza-se o conhecimento das RS e uma ação sobre estas, para mediar, basear ou nortear a intervenção. Desse modo, as RS podem proporcionar meios para ajudar os atores sociais a melhorarem suas condições de vida ou de trabalho, alcançarem uma existência satisfatória, suprirem sua necessidades e desejos, respeitarem seus direitos, empoderarem-se ou conformarem-se com objetivos considerados ótimos para o bem estar individual ou coletivo(22).

Desse modo, as RS como sistemas de compreensão e interpretação da realidade, mostram-se particularmente úteis para transformar a vida cotidiana deste grupo de trabalhadoras, possibilitando a ressignificação do TN.

CONCLUSÕES No desenvolvimento deste estudo buscou-se apreender as representações sociais elaboradas pelas enfermeiras de um hospital de ensino da cidade de Salvador- Bahia, sobre o trabalho noturno desenvolvido no contexto organizacional, analisando o processo de construção dessas RS.

A AFC revelada no jogo de oposições demonstrou no Fator 1 uma oposição entre os turnos de serviço. Em relação ao Fator 2, o procedimento de análise baseou-se na idade x tempo de serviço. O fator 1 explicou 42,8% de variância e o fator 2, 31,7%, os quais, somados, alcançaram 74,5% da variância total das respostas.

Assim, para as enfermeiras que trabalham nos turnos diurno e noturno, simultaneamente, as quais se encontram em oposição às enfermeiras que trabalham no diurno e que tem apenas um vínculo empregatício, as RS sobre o TN configuram-no muito mais, como dupla jornada, situação esta que determina estresse, desgaste e sofrimento físico e mental, exigindo-lhes maior responsabilidade, pois estão, na maioria das vezes, cansadas, para o cumprimento de mais uma jornada de trabalho. Entretanto, confere-lhes, autonomia, pois são elas designadas para tomar as decisões necessárias à efetivação do trabalho da equipe de enfermagem.

para aquelas enfermeiras que trabalham no diurno e que têm um vínculo empregatício, o TN representa sacrifício, por acontecer num horário contrário à natureza humana, conferindo um caráter essencialmente desgastante às atividades laborais, constituindo-se numa dificuldade e exigindo dedicação.

Para as enfermeiras com mais idade e tempo de serviço, o TN foi representado como desgastante, sendo uma necessidade, em função da dupla jornada, o que exige sacrifício e dedicação, conferindo, porém, autonomia. para as enfermeiras com idade e tempo de serviço medianos, o TN foi representado como continuidade do serviço, centrando-se na administração da assistência, exigindo conhecimento e responsabilidade, constituindo-se numa dificuldade e causando sofrimento para as trabalhadoras.

Estas representações apreendidas referem-se aos atributos e maneiras de ser ou de agir posto para as enfermeiras, de modo geral, por seu próprio grupo, confirmando que as representações produzem normas de condutas, regulam os comportamentos, prescrevendo possibilidades de ação diante do objeto social representado, neste caso o TN da enfermeira no contexto de uma instituição hospitalar de ensino.

Portanto, através das RS, estas enfermeiras são situadas dentro de um campo social, possibilitando a elaboração de uma identidade social e individual gratificante, compatível com o sistema de normas e valores socialmente e historicamente determinados, conferindo identidade ao grupo.

Assim, as enfermeiras se referem ao TN através de representações que conferem um caráter normativo a este trabalho, prescrevendo atitudes e comportamentos socialmente construídos e aceitos como próprios da categoria, enfatizando a construção histórica da profissão enquanto dedicação e responsabilidade, autonomia, entre outros, colocados num contexto normativo.

Esses resultados conduzem à necessidade de despertar a reflexão das enfermeiras para que, em grupo, desenvolvam estratégias de trabalho voltadas para sua realidade, favorecendo um modelo de prática que considere o caráter dinâmico do trabalho noturno, propiciando o enfrentamento dos problemas cotidianos e contribuindo na elaboração de políticas de gestão de pessoas que respeitem a especificidade, subjetividade e complexidade do TN, resguardando os interesses da categoria e de sua clientela, o que irá favorecer, em alguma medida, o seu desempenho e o comprometimento ético-político da instituição com essa trabalhadora.

Igualmente, destacamos a importância da realização de novas investigações para aprofundamento dessa temática.


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