Modos de ser enfermeiro-professor-no-ensino-do-cuidadode-enfermagem: um olhar
heideggeriano
INTRODUÇÃO
O cuidado revela a própria existência, ou o modo de ser da enfermagem. É
através do cuidado que a enfermagem legitima-se como profissão, e, nesse
sentido, apresentam-se em seu cotidiano diferentes funções e responsabilidades.
Uma destas é ser educador, não só para educação em saúde, mas também para a
formação de novos profissionais.
O compromisso com a formação de novos profissionais engloba, além dos aspectos
técnicos e científicos, a sensibilidade para ensinar o cuidado. Os enfermeiros-
professores precisam estar preparados para encarar uma sociedade globalizada e
com constantes avanços tecnológicos. O profissional enfermeiro está diante das
transformações do mundo moderno, e deve pensar de forma crítica, possuir
competências com compromissos éticos e de cidadania, autonomia, capacidade de
resolver problemas, refletir e transformar a sua prática, porque apenas as
habilidades técnicas não suprem mais as atuais necessidades do ser humano(1).
Assim, a formação de recursos humanos exige dos enfermeiros-professores
múltiplas competência, constituindo-se um dos grandes desafios na educação em
enfermagem, tanto para os órgãos de formação como na produção de saber(2).
Considerando que ensinar o cuidado representa um momento de encontro do ser-
professor com o ser-aluno, onde ambos se colocam no contexto, com suas
necessidades, informações, aspirações e vontades e estabelecem-se aí
oportunidades de aprendizado para ambos.
Entretanto, o cuidado revela os modos de ser de cada enfermeiro. Estes se
constroem ao longo do tempo, através de suas experiências cotidianas. Da mesma
forma, os modos de ser enfermeiro-professor estão imbricados em seus cotidianos
de ensino e suas experiências de vida, encontrando possibilidades de ensinar-
aprender o cuidado.
Foi na possibilidade de saber quem somos e como somos que surgiu o interesse de
estudar o modo de ser dos enfermeiros-professores no exercício de ensinar e
aprender o cuidado de enfermagem, na perspectiva de um referencial que
oferecesse suporte para a compreensão do ser em sua existencialidade.
Assim, o referencial fenomenológico de Martin Heidegger apresenta-se como
apropriado, visto que busca o sentido do ser tanto no aspecto da singularidade,
quanto do aspecto da universalidade. Ou seja, a fenomenologia hermenêutica
procura atentar para duas características do discurso: o hermenêutico,
referindo-se à interpretação; e o apofântico, que é o caráter revelador ou
declarativo(3).
Os modos de ser indicam as possibilidades e as maneiras de projetar-se na busca
do vir-a-ser no mundo. Ainda, para o autor, o homem é a expressão ontológica na
facticidade do existir do ser(4). O ser constrói-se no tempo, e, por conta de
existirmos no tempo, somos lançados a constantes mudanças. Ele indica, também,
que as coisas só se revelam na presença do ser-aí (Dasein), e a abertura para o
mundo está na presença da própria condição de mundo. O ser-aí doa significados
para a vida, velando e desvelando o sentido de sua a sua existência(4).
Os modos de ser para o cuidado mostram que a enfermagem precisa compreender e
dar sentido às suas ações de forma autêntica. Os estudos que utilizam o
referencial da fenomenologia abrem horizontes de possibilidades aos
profissionais, dando sentido às suas vivências e atividades, tornando-se
enfermeiros atentos e reflexivos sobre a realidade e o modo de ser de outros
(5). Destarte, existir é cuidar do ser. É exercer o poder de ser-si-mesmo, em
qualquer das situações experenciadas no cotidiano. O ser-no-mundo que é
essencialmente cuidado - cuidado-de-si-mesmo e o cuidado-de-ser-com-outros, e
por conta disso, o homem não pode ser compreendido fora das relações
significativas que constituem o próprio mundo(6).
Tendo em vista o contexto apresentado e o referencial teórico adotado, o
objetivo deste estudo é Desvelar, à luz do pensamento de Martin Heidegger, os
modos de ser dos enfermeiros-professores na experiência de ensinar-aprender o
cuidado de enfermagem em uma instituição federal de ensino superior do sul do
Brasil.
MÉTODOS
Estudo qualitativo de abordagem fenomenológica, norteado à luz do referencial
heideggeriano. Heidegger desenvolveu a fenomenologia, na qual a questão é a
compreensão do ser. Destacou que a fenomenologia não é apenas descrever a
experiência humana, mas compreender e interpretar, passando a distinguir a
pesquisa fenomenológica segundo o que a pessoa experimenta em relação a um
fenômeno e como interpreta essa experiência(7).
O estudo foi desenvolvido em uma instituição federal de ensino superior (IFES)
do sul do Brasil. Com base nesse referencial, foram realizadas as entrevistas,
mantendo-se a privacidade dos sujeitos, os mesmos foram selecionados a partir
de um convite formal, em uma reunião geral de departamento da referida
universidade, e, a partir daí, os professores que sinalizaram interesse em
participar foram contatados para agendar local, dia e hora da entrevista.
Onze enfermeiros-professores constituíram os sujeitos significativos para o
estudo, sendo o critério de inclusão foi que os enfermeiros-professores
deveriam ser professores permanentes na IFES; os critérios de exclusão foram
por: docente com menos de um ano de trabalho no departamento; professor de
contratação temporária; ter participado da banca de qualificação do projeto de
doutorado.
A técnica utilizada para captar os significados foi à entrevista
fenomenológica, que tem um caráter de desvelar o fenômeno por meio da linguagem
livre, mediante um questionamento norteador da pesquisa. Nesse tipo de
entrevista o pesquisador lança mão de sua empatia e intersubjetividade, e deixa
o sujeito entrevistado à vontade para conduzir seu pensamento e linguagem da
maneira que achar apropriada. O processo de busca das informações baseado na
fenomenologia entende que o diálogo fenomenológico é a ocasião da aproximação
com a experiência humana, é um instante, em que precisamos ouvir o que a
linguagem nos diz daquilo que emerge dos fenômenos, é um processo de
apropriação(8).
A entrevista seguiu-se em dois momentos, no mesmo encontro. O primeiro
caracterizava-se pela aproximação com o sujeito e o diálogo inicial abordava
alguns pontos referentes à sua trajetória profissional na enfermagem. Essa
estratégia foi utilizada para que o enfermeiro-professor pudesse voltar às
coisas mesmas, ou seja, reviver a sua trajetória e as experiências vividas em
seu mundo, e dessa forma antecipar indícios de sua existencialidade.
No segundo momento, era lançada a pergunta norteadora do estudo: "Quem é você,
ser enfermeiro-professor que ensina-aprende o cuidado?", a qual estava
registrada em uma tarjeta visível ao entrevistado e assim permanecia todo o
tempo da entrevista. Neste momento, o enfermeiro-professor discorreria a partir
de suas respostas anteriores, sobre a pergunta norteadora. Este momento tinha o
intuito de desvelar o ser enfermeiro-professor.
A coleta dos dados aconteceu no segundo semestre de 2010, após a aprovação do
projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa
Catarina, com o Protocolo nº 996/2010. Sendo respeitados os aspectos éticos da
pesquisa conforme o disposto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde
- Ministério da Saúde. Os sujeitos participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre Esclarecido, e tiveram seu anonimato mantido, sendo
identificados pela letra D (Docente) seguida pelo respectivo número da
entrevista. Vale ressaltar que apenas uma das pesquisadoras (doutoranda) teve
acesso à identificação dos sujeitos, e também se subtraiu das falas toda e
qualquer possibilidade de identificação.
Os depoimentos foram transcritos, organizados, e, a partir daí, decorreu-se a
leitura exaustiva das informações. Codificaram-se os dados na intenção de
agrupar os relatos que apresentavam similaridade, demonstrando o modo de ser
dos enfermeiros-professores, subsidiando o tema e as unidades de significado.
Assim, analisaram-se os dados à luz do referencial de Martin Heidegger, e em
consonância com a literatura pertinente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados foram organizados didaticamente, em duas unidades de significado: Modo
de ser enfermeiro para o cuidado e Modo de ser professor para o ensino do
cuidado. Os achados deste estudo apontam para algumas especificidades dos
enfermeiros educadores, no desafio de ensinar-aprender o cuidado de enfermagem.
Neste momento optou-se por trazer as unidades de significado a partir dos
depoimentos dos sujeitos.
A. Modo de ser Enfermeiro para o Cuidado
Mesmo o cuidado sendo a essência da enfermagem, cada enfermeiro-professor o
experencia conforme seus modos de ser no mundo. Eles demonstram em seus modos
de ser a compreensão de seu próprio ser, a partir do ente com quem se
relacionam e se comportam de modo essencial, sendo esta compreensão a partir do
mundo circundante(4). Nesse sentido, os enfermeiros-professores revelam seus
modos de ser na presença sob vários aspectos em conformidade com as
experiências vivenciadas em seus mundos, determinando assim a sua existência
para o cuidado.
Ao se apresentar no cotidiano acadêmico como ser-enfermeiro, expõe que se
construiu no tempo, nos espaços e nas relações por ele estabelecidas, indicando
em suas formas de ação seu corpo de conhecimento, imbricadas com as inúmeras
formas de se mostrar no processo de construção de suas identidades. As
possibilidades de cada ser e, neste o professor enfermeiro precisa estar
pautado em conhecimento técnico e habilidades teóricas convincentes para
realizar com sucesso em sua profissão, através de uma reflexão profunda dos
elementos que caracterizam a identidade profissional e, neste sentido o
conhecimento do processo de construção da identidade como um professor
enfermeiro, cumprindo este novo papel.(9).
Nesta unidade de significado o enfermeiro-professor aponta para a perspectiva
de ser-no-mundo como enfermeiro, pois sua compreensão existenciária reflete a
concepção que cada ser tem de sua própria capacidade de escolher e decidir
diante das possibilidades, no exercício de existir nas suas particularidades,
situações, condições, e momentos da vivência. Nesse sentido, percebe-se nestas
falas o sentido dado à sua compreensão:
Olha... Eu me acho assim, quem sou eu como enfermeiro-professor, eu me realizo
muito mais, não que eu não goste de ser professora, eu adoro ser professora!
Mas eu me sinto mais realizada como enfermeira quando eu vou para assistência.
Quando eu estou lá com os alunos, eu me sinto mais enfermeira do que só
professora enfermeira, então eu me sinto assim. (D03)
Bom... eu sempre, eu sempre me vejo como enfermeira, primeiro como enfermeira
do que professora, e é engraçado que eu vejo outras pessoas dizerem que são
professoras. Mas não eu. Digo que sou enfermeira, essa é a minha identidade
pessoal. Eu sou enfermeira, e sou professora também. Mas é sempre a minha
segunda maneira de como eu me percebo professora. (D11)
Eu acho que de certa forma tu passa isso para o aluno, tesão com a profissão,
orgulho, eu tenho orgulho de ser enfermeira! Onde eu vou, faço questão de ser
enfermeira. Quando eu fui diretora que era um cargo para a universidade toda, e
que não tinha a ver com a área da saúde, todo mundo perguntava: "Da onde veio a
professora 'D06?'". Eu fazia questão de dizer, Eu sou enfermeira, venho do
departamento de enfermagem. (D06)
Eu digo que eu incorporo a enfermeira toda vez que coloco o pé no campo e a
docente vem junto, mas primeiro eu incorporo a enfermeira. Porque eu passo o
olho e consigo ver, apreender, o que está acontecendo, o que é que poderia ser
feito. Isso é treino, são anos de treino para a questão da assistência. Então
eu acho que este aspecto foi muito importante a minha experiência como
enfermeira assistencial e gestora para a docência, e que ensina-aprende, porque
eu sempre estou aprendendo. (D02)
Parece ser o meu destino e você viu que coisa interessante eu queria ser
professor, e muitas voltas eu fui ser enfermeiro, mas ainda privilegiou e
venceu a questão da docência, então eu acho que cumpri o meu destino, e vou
ficando aqui enquanto puder, e esse a questão do cuidado... eu fui professor e
ao mesmo tempo um professor que cuida, e tenho feito isso e vou fazendo
enquanto puder...[...] e uma contradição da enfermagem que de repente apareceu
essa responsabilidade do cuidado com a vida, não só com o ser humano, e com a
vida no planeta. (D07)
Observa-se nesses trechos que os sujeitos têm maior identidade profissional com
sua formação de base, que é ser enfermeiro, e que a função de ser professor foi
assumida por alguma circunstância em sua vida, mas que tem significado
diferente. Nessa perspectiva, consolidam o seu ser como ser da presença, ou
seja, é o homem em relação ao mundo, determinado pelo cotidiano, revelando seu
modo de ser. E as mudanças que o ser sofre com o passar do tempo e suas
experiências abrem novas possibilidades de convivência(4).
O processo de significação profissional é descrito pelos enfermeiros-
professores por meio de suas vivências na prática assistencial. Eles consideram
esses momentos como de aprendizagem e de construção de ser enfermeiro. Este
mundo que foi sendo construído a partir de suas possibilidades traz para esses
enfermeiros a base de suas experiências:
Fui para o "X", hospital de referência em infecto. Na época a infecto era bem
sedimentada, e na época tava começando a pneumologia, aí foi outro desafio como
primeira enfermeira no estado, professora concursada, e fiquei... sempre
conciliando hospital, secretaria de saúde, porque às vezes eu estava no
hospital, mas sempre considero minha base o hospital "X". Trabalhei na direção
de recursos humanos, trabalhei na escola de formação e saúde." (D05)
Fiquei no Hospital "Y" de 90 a 95. Lá fiquei cinco anos, foi lá que aprendi
tudo de [...], e é aonde eu tenho o maior chão como prática assistencial,
enfermeira da assistência. (D01)
Esses sujeitos identificam-se como enfermeiros e com a possibilidade de cuidar
em ambientes hospitalares, como alicerce de sua experiência profissional. Na
prática que são apreendidas as vivências concretas que são carregadas para toda
a vida. Nesses casos, esses enfermeiros-professores desenvolveram suas
identidades pautadas nas experiências hospitalares, determinando suas formas de
agir em conformidade com outros enfermeiros. A reordenação de olhares não quer
dizer unidirecionar as ações de cuidado, mas sim conviver com pensamento
reflexivos e encontrando, perscrutando tudo aquilo que possa contribuir para um
cuidado de enfermagem compromissado com o bem, com a ética, com o respeito ao
outro(10).
Da mesma forma, ao se identificarem como enfermeiros, relatam que em suas
experiências puderam coexistir com outras pessoas, as quais serviram de modelos
e contra-modelos. Onde o "existir é estar em relação com os outros no mundo e
que o próprio ser é responsável pela sua existência, pelo seu modo de ser nas
possibilidades" (11: 195). Nessas possibilidades de conviver com pessoas, as
quais podem ser referência ou não para o futuro, revelaram seu modo de ser.
A existencialidade se mostra no cotidiano como possibilidade de estar-no-mundo,
significa que o ente é lançado na temporalidade, submetido a todas as
possibilidades e todas as limitações da condição de existir(4). Reconhecer-se
como sujeito de sua jornada, ator ou escritor de sua história, faz com que o
ser enfermeiro-professor amplie suas experiências e, neste caso, considera-se
como experiência vivida e colocada novamente em seu campo de reflexão para ser
interpretada. Neste movimento de compreensão e interpretação do Dasein,
encontra elementos importantes em sua trajetória, que podem ser considerados
como exemplos para sua formação.
A minha prática docente era a partir dos modelos que eu tive, dos meus
professores, dos que eu gostava mais. Tentava fazer do mesmo modo, mas isso me
incomodava muito. A universidade me fez ir buscando mais formação, para
compreender um pouco mais, principalmente do processo ensino. (D09)
Então, essa referência forte na minha vida profissional é de um enfermeiro e
não de um docente. Tive excelentes docentes na graduação, outros nem tanto, mas
uma coisa que eu trago na vida sempre é o seguinte: Existem para mim alguns
modelos que eu gostaria e gosto de seguir e sempre são aquelas pessoas que eu
considero. E o que eu acho que não são modelos, eu digo que são contramodelos e
os trago comigo para saber o que eu não quero fazer na vida, que eu não quero
seguir. (D02)
Outro paradigma que é meu, enquanto docente, é que o mau exemplo também ensina.
Aliás, não só como docente, mas na vida, que o mau exemplo também ensina.
Muitas vezes a pessoa só critica o mau exemplo, então eu digo: O mau exemplo no
mínimo ensina a gente a como não fazer, a como não querer ser, não é isso que
eu quero para mim. Acho que tem que mostrar ambos os lados e que o mau exemplo
deve ser visto e analisado do ponto de vista crítico.(D06)
Nessas falas compreende-se que qualquer forma de manifestação é uma expressão
ontológica do ser. Sendo a respeito das diferentes possibilidades de ação do
ser-aí junto às coisas e aos outros, não apenas no sentido manifesto, mas
também daquilo que possibilita toda manifestação do ser(4).
O ser da presença tem o seu sentido na temporalidade, ou na condição da
historicidade. Esta indica a constituição do ser, própria da presença;
explicitamente ou não, a presença é sempre o seu passado, e não apenas no
sentido do passado. Neste momento, a presença é o caminho histórico construído
a partir das experiências passadas. É o passado no modo de seu ser que
significa que ela sempre acontece a partir de seu futuro. "Em cada modo de seu
ser, também se compreende a presença, que de alguma forma já nasceu e cresceu
dentro de uma interpretação de si mesma, herdada da tradição"(4).
Os enfermeiros, ao se referirem às experiências vivenciadas com outros
profissionais, identificam alguns exemplos os quais poderiam seguir ou não, e,
por conta destes, direcionam suas práticas docentes na enfermagem. Dessa forma,
revelam que bons ou maus exemplos exigem reflexões constantes das atitudes,
reforçando que podem ensinar-aprender por meio destes, estimulando o exercício
crítico reflexivo de enfermeiros-professores e acadêmicos em todas as situações
possíveis. E eles entendem que, dessa maneira, podem ser modelo para os futuros
profissionais.
É através do cuidado com o outro que o enfermeiro torna-se singular. É no
exercício da compreensão do seu próprio ser, na reflexão sobre suas vivência e
experiências no mundo, que o homem se transforma constantemente e constrói
novos horizontes para sua trajetória de vida. É neste caminhar do movimento da
vida que os enfermeiros-professores revelam seus modos de ser no ensino do
cuidado de enfermagem.
B. Modo de ser Professor para o ensino do cuidado
Os caminhos escolhidos pelos enfermeiros pautam-se em seus modos de ser na
presença, essencialmente nas suas possibilidades, suas escolhas, no seu
apropriar-se de si mesmo. O enfermeiro é um profissional que possui
características próprias para o cuidado, e, ao assumir a atividade de docência,
busca estratégias diferenciadas para ensinar. Chama-nos a atenção para aquilo
que desejam mostrar para os alunos e que não está diretamente ligado aos
conteúdos técnicos e científicos, mas sim aos modos de ser enfermeiro no dia a
dia da enfermagem. Isso pode ser observado nos seguintes depoimentos:
Tento passar para estes meninos a importância da presença do enfermeiro. Então,
ultimamente eu tenho tentado trabalhar com os meninos, com os alunos, do
posicionamento, da assertividade, estar sempre aprendendo coisas novas, buscar
coisas novas para tentar melhorar a qualidade de vida, tanto deles mesmos como
do paciente, do cliente. E a mensagem que eu sempre tento dar para eles é que
eles estão ali porque o paciente existe, e não que eles são profissionais e o
paciente tem que gravitar ao redor deles. (D01)
Eu sempre tento mostrar para os alunos que beleza é esta profissão, o quanto a
gente pode avançar, e quanto a gente tem condições de ocupar um espaço melhor.
(D11)
Acho que agora eu tenho conhecimento suficiente para estar passando para os
alunos, ainda mais pelo fato de eu gostar do que faço. E eu sempre tento,
assim, mostrar muito para os alunos essa importância de você gostar do que faz,
de gostar da profissão de gostar do cuidado. (D03)
Meu trabalho hoje é mostrar para os alunos, enquanto enfermeiro-professor, que
você tem muitos espaços de cuidado, muitos espaços para o cuidado. E esses
espaços têm que ser ocupados pelo enfermeiro, que não ocupa todos os espaços, e
essa visão eu não tenho de agora. Como professora eu tento passar isso para os
alunos. (D08)
Eu não posso também ensinar só a técnica, eu tenho que ir além da técnica, o
aluno tem que aprender comportamento, a compaixão, a caridade, comportamento de
cuidado bom, ética, e isso tem que estar nesta proposta de ensinar o cuidado e
muitas vezes a gente não vê. A preocupação é com a técnica e não tem nenhuma
ligação com a pessoa, e eu acho que esta é a contribuição que a gente como
professora, a gente tem que dar. (D10)
Observa-se que a intenção do ensino do cuidado dos enfermeiros-professores vai
além das competências cognitivas ou atitudinais, ampliando as ações de ensino
para a realidade da enfermagem.
Então, acreditam ser importante mostrar para os alunos, ações de cuidado do
cotidiano da enfermagem e do mundo, que adquiriram por suas experiências de
cuidado ao longo do tempo. Neste cotidiano é que o homem vive suas
possibilidades, e nunca estamos acabados, mas sim abertos para futuro, no qual
temos que nos conduzir. Somos aquilo que nos tornamos, neste mundo habitual de
ser-com-os-outros é que nos envolvemos com aqueles de quem cuidamos(4). As
características precípuas sobre o professor é que o mesmo seja mais capaz de
aprendizado do que os aprendizes, o professor autêntico não ensina nada mais
que aprender, o que significa que o processo educacional autêntico é aquele em
que os alunos aprendem o próprio significado do aprendizado(4,12).
En efecto: enseñar es aun más difícil que aprender. Se sabe esto muy bien, mas
pocas veces se lo tiene en cuenta.¿ Por qué es más difícil enseñar que
aprender? No porque el maestro debe poseer un mayor caudal de conocimientos y
tenerlos siempre a disposición. El enseñar es más difícil que aprender porque
enseñar significa: dejar aprender. Más aún: el verdadero maestro no deja
aprender nada más que 'el aprender'. [...] El maestro posee respecto de los
aprendices como único privilegio el que tiene que aprender todavía mucho más
que ellos, a saber: el dejar-aprender(12).
Os enfermeiros-professores reconhecem que suas competências vão além da
transmissão de conhecimento, e percebem que ser docente é estar verdadeiramente
comprometido com os futuros profissionais do cuidado. O professor deve ser
considerado um mediador do processo de produção do conhecimento, isto é, um
sujeito de informação e de transformação pela sua capacidade de desconstruir e
construir os saberes, além de ter conhecimento do que vai ensinar, e, através
da habilidade didático-pedagógica, articular e ampliar os conteúdos
programáticos com o mundo real (13). Entretanto nesse contexto, os enfermeiros-
professores demonstram especificidades que os caracterizam na sensibilidade
para ensinar-aprender o cuidado, diante da diversidade de conteúdos que
contempla a ciência e a arte da enfermagem. Desejam ensinar para seus alunos os
desafios de ser enfermeiro, sem perderem de vista o entusiasmo para o cuidado.
O modo de ser do enfermeiro que assume a docência como forma de identidade
profissional, demonstra que esta pode ser a contribuição aos futuros
profissionais da enfermagem. Nesse movimento, os docentes constroem suas
relações com os alunos não apenas baseadas em conteúdos ou disciplinas, mas
transcendem o ensinar-aprender o cuidado de enfermagem quando mostram seu modo
de ser, na promoção da autonomia do acadêmico, nas mais diversas situações.
Uma coisa que busco fazer é criar a independência no aluno, porque se tu
colocas o aluno que nem um pintinho embaixo da asa, ele vai o tempo todo fazer
as coisas se você está do lado. Eu trabalho, é claro, que esta liberdade é uma
liberdade gradativa eu estou ali, ele sabe que eu sou uma referência, então
esse desmame paulatino é importante, porque a gente tem que ajudar o aluno a
ser enfermeiro, e na prática a gente não tem o professor. Então eu acho que
essa liberdade, essa independência, também é ensinar, ou seja, tudo se ensina.
(D06)
O aluno, ele entra na bolsa em um projeto, e ali ele tem que se desenvolver a
partir daquele projeto. Ali ele começa a desenvolver habilidades técnicas,
intelectuais e específicas, e também ali dá a oportunidade de aprender a
conviver e aprender a ser pessoa. Assim ele aprende a conviver, ele se
relaciona lá com alunos de outras áreas ou da mesma, mas sempre é também um
trabalho interdisciplinar entre alunos, e eles vão aprendendo neste convívio. E
a gente vai orientando, que todos têm o mesmo valor, todos podem aprender. O
que você sabe, ensina para o outro, e é uma troca e é muito lindo ver essa
convivência. (D08)
E é uma perspectiva que também está com o acadêmico, eu tenho sempre uma
preocupação muito grande com o acadêmico, que ele compreenda a importância
daquilo que está fazendo e que tome a decisão de aprender, e que encontre os
modos de aprendizagem que lhes são mais favoráveis eu não consigo trabalhar com
os acadêmicos sem uma relação muito próxima, eu sempre sou muito "mãezona"
(risos) e acho que isso é importante, esta relação de confiança com o aluno,
essa coparticipação. Com as acadêmicas tenho uma relação muito boa de
participação, de respostas, de afeto. Eu sou muito adepta de Freire nisso, acho
que não existe saber sem sabor, e ninguém ensina sem amorosidade, ninguém
ensina sem acreditar no ser humano. Acho que é um pouco isso, este ser. (D09)
E na questão de tu estares ensinando, é bem como está ali, tu ensina e aprende
o tempo inteiro, e isso é uma preocupação de poder, acho que tudo que vem de um
lado como o outro, a gente aprende constantemente, ser assim... Uma escada que
está lá o professor está lá em cima da escada, e o aluno lá em baixo, na
verdade estão todos juntos no mesmo espaço, no olho no olho, fazendo discussões
concordando e discordando e pudendo contribuir tanto para o crescimento de um
lado como da gente mesmo, porque a gente como professor é... e tudo na vida da
gente, a gente aprende às vezes muito mais do que acha que está ensinando.
(D04)
Espera-se do educador uma nova postura que o remete ao paradigma emergente que
propõe uma metodologia do aprender a aprender e, sugerindo, dessa forma,
posturas diferenciadas as quais abandonam o modelo da escola tradicional, que
prioriza a fragmentação do conhecimento e não favorece o desenvolvimento de um
aluno questionador(14). Para fazer a diferença na Enfermagem não basta apenas
formar novos profissionais, mas, sim, formar profissionais comprometidos com o
exercício de reflexão, pois dessa maneira a Enfermagem pode chegar ao cuidado
de excelência.
Este movimento de reflexão dos enfermeiros-professores com os alunos é o que
Heidegger esclarece como ser autêntico, sendo aquele que se recusa a aceitar as
coisas acriticamente, a agir como se tudo já estivesse claro e compreendido, ou
seja, "Todo questionar é um buscar. Toda busca retira do que se busca a sua
direção prévia. Questionar é buscar cientemente o ente naquilo que ele é e como
ele é."(4).
Outro aspecto encontrado nas identidades dos enfermeiros-professores foi que se
denominam como pesquisadores, sendo esta atividade importante para o
desenvolvimento tecno-científico da enfermagem. Entretanto, eles ressaltam que
as pesquisas desenvolvidas devem voltar-se para o aperfeiçoamento da profissão
e, consequentemente, para a valorização do cuidado. Vejamos nas falas abaixo as
colocações feitas sobre este tema:
Porque eu gosto, na enfermagem, principalmente do cuidado. Claro que pesquisa,
adoro pesquisa, pesquisa voltada para o cuidado. Eu não faço nenhuma pesquisa
que não esteja voltada para o cuidado, relacionada diretamente para o cuidado.
(D03)
Na pesquisa eu estou tão motivada. Porque na pesquisa tem um monte de coisas
que eu não sei, fica mais claro que eu estou aprendendo. Na pesquisa o foco é
sempre o cuidado, e de pesquisador também, pesquisando para o cuidado, para
melhorar o cuidado. (D011)
Eles se referem à importância da pesquisa na enfermagem, e que esta precisa
voltar-se para o cuidado, pois é a essência da profissão, e que, destarte,
podem contribuir para maior visibilidade do trabalho da enfermagem em todos os
espaços de cuidado. O conhecimento precisa ir além de disciplinas específicas e
conexas, sendo que os interesses e os objetivos da prática de ensinar, de
assistir e de pesquisar precisam abarcar suporte para a realidade de pensar e
ser no mundo e na realidade da ciência(15).
A formação, nesse aspecto, dá sentido existencial ao cuidar. Então, o pensar em
modos de cuidar em enfermagem requer a compreensão do sentido e do significado
desse cuidado, sua dimensão político-social e sua implicação sobre a vida dos
cidadãos(16).
Por outro lado, é também através da pesquisa que se aprimora o cuidado e se
desvela o sentido de ser enfermeiro, dando ênfase às atividades que contribuem
para o corpus de conhecimento da profissão.
Diante das faces que o ser enfermeiro-professor adota em sua trajetória
profissional e pessoal, podemos perceber a complexidade, em que, além de
cuidar, assume a responsabilidade de ensinar o cuidado. Com essas atitudes que
levam a comportamentos de cuidado de enfermagem, baseados no conhecimento
técnico-científico, no despertar para sensibilidade e na constante crítica de
seus fazeres. Estes são alguns dos desafios do enfermeiro-professor que
vivencia a complexa atividade de ensinar futuros profissionais o cuidado de
enfermagem, e que precisam estar munido de competências que vão além do preparo
de uma aula, ou das paredes da sala de aulas, visto que constantemente se vê em
situações variadas em seu cotidiano de trabalho(17).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da atividade de docência, os professores de enfermagem participantes do
estudo mantêm a essência da profissão, que é o cuidado, e nesse sentido se
compreendem como uma pessoa em um tempo e um espaço em movimento de
interpretação constante do seu cotidiano de ensino, no modo de ser enfermeiro
para o cuidado e no modo de ser professor para o ensino do cuidado.
O ser-enfermeiro-professor-no-ensino-do-cuidado-de-enfermagem toma como base
suas experiências profissionais e a coexistência com os outros para ensinar as
fortalezas e as dificuldades de ser enfermeiro. Em seus mundos, entendem que
são seres inacabados, que sempre buscam aprimorar o seu conhecimento no intuito
de ensinar melhor. Sentem-se desafiados e procuram então, se aprimorar
constantemente, pois reconhecem os avanços dos saberes da enfermagem. Estão
sempre abertos a novas possibilidades, e criam seus próprios sentidos para a
vida.
Os enfermeiros sujeitos desta pesquisa que estão na docência ensinando o
cuidado de enfermagem apresentam características específicas, dentre elas, a
empatia e a intersubjetividade. A capacidade de ensinar pode estabelecer na
relação aluno-professor as possibilidades de ser-no-mundo, segundo a
autenticidade de cada um desses sujeitos. Nesse contexto, abrem-se muitos
caminhos, e direcionam-se seus modos de ser, para contribuírem na formação de
profissionais críticos e reflexivos comprometidos não só com a questão
profissional, mas também com o mundo em que vivem suas experiências de cuidado.
Para exercerem esta competência de ensinar enfermagem, os enfermeiros-
professores precisam se reconhecem como tal, e têm a consciência de que ser
professor de enfermagem não é apenas transmitir conhecimento, mas, sim,
envolver-se com este universo no qual o cuidar é aprender e ensinar e, também
cuidar é ensinar a aprender, na constante reflexão do seu saber e fazer em
enfermagem, bem como dos seus modos de ser enfermeiro.
Espera-se, então, que os achados desta pesquisa possam ser uma contribuição
para os enfermeiros-professores na busca do vir a ser, em seus cotidianos de
ensino, pautados na experiência de cuidar e voltados para a formação de novos
profissionais enfermeiros.