Humanização no cuidado de enfermagem: contribuição ao debate sobre a Política
Nacional de Humanização
INTRODUÇÃO
Discutir a humanização na Enfermagem requer o entendimento de que este é um
conceito ampliado que pode variar desde uma escuta atentiva, uma boa relação
profissional-usuário, à reorganização dos processos de trabalho, a criação de
ouvidorias e "balcões de acolhimento", até a melhoria das estruturas do serviço
(1-3). Para isso, torna-se imprescindível aprofundar essa discussão em uma
visão integral e humanística, respeitando a individualidade, valorizando as
crenças, atentando para a comunicação e estando presente na relação de cuidado,
pois tudo isso são básicos na humanização(3).
A humanização, abordada nesta pesquisa à luz das representações de
profissionais de enfermagem e usuários, se ampara na concepção de que
representações sociais (RS) expressam formas de conhecimento prático cujo
principal propósito é orientar o sujeito a compreender e a comunicar-se no
mundo. As RS trazem, em seu conteúdo, a dimensão cognitiva (conhecimento) e o
afeto (intra-individual) do sujeito, tomando por referência o contexto no qual
o indivíduo e seu grupo se inserem. É o binômio individual-social da
representação que mostra ser esta potencialmente profícua para criar e
transformar a realidade social(4-6).
Na vivência dos processos sociais, no compartilhamento de saberes e ações, os
sujeitos trocam informações, emitem opiniões e ajuízam sobre as coisas do
cotidiano. Reelaboram ideias e imprimem mudanças e, com isso, organizam as suas
concepções de mundo, identificando seus valores e a partir disso é que se torna
possível um processo de desconstrução e reconstrução de saberes sobre o próprio
sujeito e a sociedade.
Entretanto, transformar a cultura é uma tarefa extremamente complexa, visto que
o campo cultural é influenciado por ideologias e na sociedade contemporânea, a
ideologia capitalista enfatiza a individualidade, a competitividade, o consumo,
o predomínio dos interesses materiais sobre os relacionais. Isto fragiliza a
cultura coletiva, que envolve avanços e retrocessos, movimento de resistências
e exigem análises críticas para posicionamentos mais assertivos sobre a
representação de políticas, como a da humanização da saúde, e seus processos de
implementação. Com a pretensão de produzir mudanças de cultura, faz-se
necessário refletir criticamente sobre as concepções de humanização presentes
na sociedade.
Torna-se, portanto, cada vez mais relevante o debate de tais questões entre
alunos, usuários, profissionais e gestores da saúde, pois somente dessa forma
será possível enraizar essas vertentes na sociedade contemporânea e erradicar
concepções individualistas e práticas protocolares que nada contribuem para a
humanização da assistência em saúde e, em especial, no recorte deste estudo, de
enfermagem.
Em 2003 foi criada a Política Nacional de Humanização (PNH)(7), orientada pelos
princípios da transversalidade (aumento da comunicação em cada grupo e entre os
grupos), da indissociabilidade entre atenção e gestão, estímulo à autonomia e
protagonismo de todos os partícipes (gestores, profissionais e usuários). Esta
política foi pensada no sentido de se evidenciar a interface entre o cuidado e
a gestão nos serviços de saúde, potencializando os que trabalham e os que
utilizam os serviços de saúde como protagonistas e corresponsáveis pela
produção de saúde.
Na enfermagem, a humanização toma proporções tanto no nível micro, relacionada
à assistência, quanto no nível macro, da gestão e de políticas públicas, visto
que, para se modificar a realidade, é necessário que se identifiquem
obstáculos, presentes na área da saúde, que impeçam uma assistência digna e
humana, cabendo a todos os partícipes a idealização e implementação de
estratégias eficazes, tendo como meta uma assistência eficaz, resolutiva, de
qualidade e humanizada.
Segundo a PNH, humanização é a valorização dos processos de mudança dos
sujeitos na produção de saúde(7). E esta humanização deve se expressar nas
práticas dos serviços de saúde, "com os profissionais e usuários, de forma
dialógica, em busca da construção de novos caminhos capazes de propiciar um
novo paradigma de gestão da saúde pública para todos"(3).
Este estudo se justifica pelo próprio desafio que se apresenta no âmbito das
práticas da PNH na construção de um caminho metodológico(8) para a efetivação
dos princípios desta política, ou seja, a lacuna que ainda se apresenta entre
as diretrizes da política e a sua aplicabilidade na prática assistencial que
deve estar amparado nas diferentes situações-problemas, assim como na
diversidade dos próprios sujeitos na produção do cuidado em saúde. Para tal, a
relevância deste estudo está na possibilidade de conhecer os saberes dos
profissionais de enfermagem e dos usuários sobre o que vem sendo discutido e
compreendido sobre a humanização, assim como o seu reflexo na prática
assistencial, o que possibilita identificar a presença de lacunas na
implementação da PNH nos serviços de saúde. Como as RS são entendidas como
saberes práticos, conhecendo-as, é possível entender alguns dos impasses da
implementação da PNH nas práticas de saúde.
À luz dessas questões, esse estudo tem como objetivos identificar e analisar os
elementos que conformam as representações de profissionais de enfermagem e
usuários sobre a temática da humanização no cuidado, assim como discutir a
partir de tais resultados, estratégias que busquem aproximar cada vez mais
essas questões visando como foco central a implementação efetiva da Política
Nacional de Humanização (PNH).
METODOLOGIA
Pesquisa de natureza qualitativa de abordagem exploratória, do tipo descritiva,
cujo referencial é o da Teoria das Representações Sociais (TRS)(4-6). Investiu-
se na busca de elementos constitutivos dos conteúdos das representações dos
sujeitos sobre a humanização, a partir de suas experiências com o cuidado de
enfermagem no campo hospitalar. A despeito de sua natureza qualitativa, dados
quantitativos sobre os sujeitos serviram de apoio, subsidiando as discussões
dos resultados, uma vez que à luz da TRS, as concepções dos sujeitos amparam-se
na identidade dos grupos aos quais pertencem. A congregação dos dados
quantitativos e qualitativos teve o intuito de zelar pela consistência dos
achados.
A população deste estudo é constituída de profissionais de enfermagem
(enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) de um hospital
universitário, público, federal e de usuários adultos hospitalizados no setor
de clínica médica do referido hospital. Optou-se pelo setor de clínica médica
por este ter um número significativo de usuários em tratamento prolongado e em
condições clínicas que permitissem a produção dos dados da pesquisa.
Os critérios de inclusão para os profissionais foram: ambos os sexos, que atuem
efetivamente no cuidado aos usuários hospitalizados nos setores de clínica
médica, em qualquer turno (manhã, tarde ou noite). Como critérios de exclusão
foram aplicados os seguintes: os sujeitos em atividades exclusivas de gerência,
ou afastados da assistência por licença, de qualquer natureza, ou gozo de
férias no período delimitado para a produção dos dados. De um total de 30
profissionais que trabalham neste setor, 19 atenderam aos critérios de
inclusão, porém apenas 12 aceitaram participar da pesquisa.
A escolha dos usuários se baseou na aplicação dos seguintes critérios de
inclusão: usuários adultos hospitalizados, de ambos os sexos. No período de
execução da pesquisa, deveriam estar lúcidos e orientados no tempo e no espaço,
e com a comunicação verbal preservada. Como critérios de exclusão aplicaram-se:
ter comprometimento cognitivo, de consciência ou de comunicação verbal, que
impedisse o diálogo e a realização das entrevistas, estarem com patologias que
exigissem isolamento de contato ou respiratório. De um total de 38 usuários
hospitalizados neste setor, 27 atenderam aos critérios de inclusão, porém
apenas 15 aceitaram participar da pesquisa.
Os dados foram produzidos nos meses de fevereiro, setembro e outubro de 2010,
com aplicação das técnicas de entrevistas individuais, seguindo um roteiro
semiestruturado compostos de duas partes. Na primeira, constam perguntas sobre
o perfil sócio demográfico dos sujeitos, que se impõe ao referencial teórico-
conceitual adotado, pois se faz necessário traçar as condições de produção das
ideias e concepções dos sujeitos uma vez que estas se assentam nas marcas de
pertença e de suas identidades socioculturais. Na segunda parte, constam
perguntas abertas nas quais os sujeitos foram solicitados a produzirem um
discurso sobre as suas práticas no intuito de fazer emergir seus saberes e
vivências sobre a humanização, a partir de cenas concretas de cuidado dos quais
participaram.
Para a análise do material utilizaram-se técnicas de análise de duas naturezas:
quantitativa, com aplicação de recursos da estatística simples e percentual aos
dados oriundos da primeira parte do instrumento; e qualitativa, com aplicação
dos recursos das técnicas de análise temática de conteúdo(9), aos dados
oriundos das questões abertas.
Em atendimento à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto
de pesquisa foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem
Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, protocolo nº098/2009. O
Termo de Consentimento foi assinado por todos os sujeitos. A identificação dos
sujeitos foi alfanumérica, cuja letra P significa profissionais, U significa
usuário, a letra M significa masculino e a letra F feminino, seguidos de
números arábicos que indicam a idade dos sujeitos, com hífen separando o número
indicativo da sequência de realização da entrevista.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A. Características gerais dos sujeitos
Dos 27 sujeitos que participaram dessa pesquisa, 19 eram do sexo feminino e 08
do sexo masculino. De acordo com o gráfico_1, a idade dos profissionais variou
de 21 a 64 anos, concentrando-se na faixa de 43 a 53 anos. A dos usuários
variou entre 21 e 65 anos ou mais, concentrando-se na faixa de 43 a 64 anos de
idade.
![](/img/revistas/reben/v66n4/a15gra01.jpg)
Na totalidade, a nacionalidade é brasileira, e tanto profissionais quanto
usuários eram oriundos da região sudeste e nordeste do Brasil, com a maioria se
concentrando no Rio de Janeiro (70%). O estado civil caracterizou-se em sua
maioria à situação de casado (48,14%), seguido de solteiro (33,33%), separado
ou divorciado (3,71% cada) e viúvo (11,11%). Do total de sujeitos, 13
declararam-se católicos, quatro declaram ser espíritas; sete indivíduos
declararam ser evangélicos, um é Testemunha de Jeová e dois não têm religião.
A renda familiar dos profissionais compreende desde dois até vinte salários
mínimos. Dos 12 profissionais, oito têm casa própria e carro. O tempo de
formação desses sujeitos correspondeu desde um a 12 anos de formação. O perfil
econômico dos usuários caracterizou-se, em sua maioria, pela renda familiar
entre um e dois salários mínimos (40%) e pela moradia ser própria (73,34%).
B. Categorias temáticas
Sobre os dados oriundos da análise temática de conteúdo, os elementos
constitutivos das representações dos sujeitos sobre a humanização se
organizaram em torno de três categorias: 1) Relação profissional/usuário como
elemento para humanização da assistência; 2) Qualidade no atendimento e
expressões humanizantes: recursos humanos/materiais e a instituição; 3) O
cuidado como elemento inerente à humanização da assistência.
Relação profissional/usuário como elemento para humanização da assistência
Essa categoria emergiu com muita incidência, tanto no discurso dos
profissionais quanto dos usuários, se estabelecendo através das vertentes da
comunicação/diálogo e da empatia, em co-ocorrência com a relação profissional-
usuário.
A comunicação conduz o processo de cuidar, pois é a partir da utilização desse
meio que se torna possível identificar, analisar, compreender e repassar a
situação na qual o indivíduo está inserido, possibilitando a construção de
estratégias peculiares a cada situação-problema(10). A comunicação faz com que
as idéias circulem, promove o diálogo e a interação. Ao se comunicarem, os
sujeitos têm a possibilidade de se posicionar frente a um tema, debater,
concordar, criar controvérsias, partilhar conhecimentos, o que permite ao
indivíduo compreender o mundo e caminhar nele(6). São através das conversações
(e de outras circunstâncias também) que se elaboram os saberes populares e o
senso comum. Por isso a comunicação é um elemento central na formação de RS.
Destaca-se que a comunicação é importante na construção de saberes e práticas
e, portanto, precisa ser clara, concisa e reciproca, visando o entendimento
absoluto da mensagem transmitida, sem entrar nos vieses da interpretação(10),
situação esta que emerge dos discursos tanto dos usuários quanto dos
profissionais de enfermagem.
Ainda mais, se ressalta que o diálogo e o entendimento da informação pelos
usuários são indicativos de um atendimento de qualidade nos serviços, pois os
conduzem a melhor discutir suas situações de saúde(11).
A senhora em frente ficou na quarentena (referindo-se ao isolamento
de contato) [...]. Então passaram uma coisa muito ruim dela. As
meninas não podiam nem chegar perto dela. Até que eu cheguei no
médico, o médico me explicou, nós entendemos e parou aquele pavor que
estava tendo (UF59-01).
Por exemplo, a colega... a vizinha estava chorando... cheguei perto
da cama e ela (uma profissional de enfermagem) mandou eu voltar pro
meu leito para não contaminar o leito. Mas só que eu não estava em
cima dela! Mas ela falou para o meu bem. Pro meu bem. Depois ela me
explicou a situação e eu sei que tem que ser assim mesmo. Mas eu não
tinha chegado perto não. Mas a gente fica meio constrangida (UF54-
03).
Os usuários valorizam a comunicação efetiva, permitindo o estabelecimento de
posturas, comportamentos e atitudes condizentes com uma unidade de saúde. Esta
efetividade na comunicação possibilita que o indivíduo, ao se inserir em outro
contexto, neste caso o hospitalar, compreenda como atuar neste cenário,
agregando novos conhecimentos aos antigos e reformulando os modos de agir
perante as novas situações. Por isso é importante captar conteúdos que
conformam as RS das pessoas, pois não basta conhecer o que elas pensam e
assimilam sobre um determinado tema, mas sim como agem perante a ele(12).
O conteúdo presente na unidade de registro UF59-01, anteriormente transcrita,
mostra bem a questão do contágio que tanto pavor causa, interditando as
relações através de comportamentos significantes que denotam como os saberes
sociais se engendram na conformação das práticas, levando ao afastamento ou a
aproximação, que acabam por orientar, também, práticas no âmbito do cuidado de
enfermagem(13).
Nesta consideração, evidencia-se a importância de uma das dimensões das RS: a
da informação. Na medida em que houve o encontro entre o saber do senso comum e
o técnico-científico, através das explicações dadas pelo médico, houve um
assentamento no comportamento da usuária. Esta é uma das funcionalidades das
RS: levar o sujeito a melhor lidar com o que, para ele era desconhecido(4-6).
O distanciamento entre o senso comum e o conhecimento científico,
principalmente quando o indivíduo está inserido em um contexto assistencial,
hospitalar, desencadeia sentimentos como o desamparo, ansiedade, estresse e
medo com o que poderá lhe acontecer, acarretando diversas preocupações tanto
para o próprio sujeito como para seus familiares, mantendo assim, uma posição
submissa do cuidado por se sentirem em condições desiguais frente aos
profissionais (tidos como os detentores do conhecimento científico)(14). Para
que isso não ocorra, a comunicação efetiva entre profissionais e usuários deve
ocorrer, atendendo as expectativas de ambos os lados. Quando se há conhecimento
dessas variáveis, os profissionais estarão aptos para proporcionar à família e
ao usuário o acolhimento e o cuidado humanizado necessário(15-16).
Na clinica médica eu vejo isso, eles têm muita carência de atenção.
Aquela coisa de querer conversar e muitas das vezes você não pode
fazer isso. Dá um pouco de frustação. O meu outro trabalho é em um
posto de saúde. Eu acho que lá a gente pode ouvir mais... conversar.
A escuta e o diálogo são coisas muito importantes (PF44- 08).
Assim como os usuários, os profissionais valorizam a comunicação, destacando um
dos pontos chaves no processo de cuidar em enfermagem: a escuta atentiva, que
vem ao encontro dos anseios e desejos do outro, criando vínculos solidários que
contribuem efetivamente para a humanização no cuidado(16).
No conteúdo produzido pelos profissionais, identifica-se que a ideia sobre a
humanização no cuidado está fortemente ligada às questões de empatia entre
profissionais e usuários. Esta por sua vez, é um instrumento valioso no
processo de humanização, visto que quando o indivíduo se coloca no lugar do
próximo, quando pensa no que sentiria, se estivesse em situação vivida por
outra pessoa, passa a agir de acordo com seus mais íntimos valores e ideais,
qualificando o cuidado prestado.
Não sei, pra mim, o que me ajuda é sempre relacionar que pode ser
minha mãe, pode ser meu pai ou pode ser qualquer pessoa que um dia
vai precisar, pode ser eu, pode ser amanhã. Como eu quero ser
cuidada? (PF35-05).
Porque eu trabalho com humanos assim como eu... E mesmo doentes eles
merecem atenção e amor (PM24-01).
Os registros que caracterizam os depoimentos de profissionais de enfermagem vão
ao encontro das concepções dos usuários que caracterizam as emoções, a
afetividade como expressões humanizadoras da relação profissional-usuários.
Olhar mesmo com carinho, dar atenção, conversar, ser mais sensível
(UF43-05).
Tem muitos profissionais aqui bons, carinhosos, sabe? Trata a
gente... Eu durmo bem quando eles estão no plantão (UF59-01).
Uma pessoa que entra sorrindo está nos dizendo algo, está dizendo que
é acessível, que está aberta ao diálogo, as perguntas. É muito mais
fácil, quanto mais para uma pessoa tímida, você ter acesso aquele
profissional (UM50-04).
Identifica-se que os elementos que constituem a representação da humanização
tanto para os profissionais quanto para os usuários se caracterizam na
valorização das relações interpessoais baseadas no diálogo e nas questões
subjetivas, os quais permitem uma aproximação entre eles que consequentemente
auxilia no processo saúde-doença.
No entanto, para os sujeitos desta pesquisa a humanização no cuidado de
enfermagem não se limita a tais questões, abrangendo também outras de cunho
gerenciais que se configuram em obstáculos à aplicação dos preceitos da
Política Nacional de Humanização.
Qualidade no atendimento e expressões humanizantes: recursos humanos/materiais
e a instituição
Os profissionais de enfermagem, assim como qualquer profissional da área da
saúde, para desenvolver seu trabalho de forma eficiente, atendendo aos seus
objetivos e estimulando a população em busca de qualidade de vida, precisa de
recursos apropriados(14). Mas na realidade das práticas o trabalhador se depara
com inúmeros obstáculos em seu ambiente de trabalho, os quais se caracterizam
nos resultados como aspectos que dificultam a aplicação de um cuidado mais
humanizado, em co-ocorrência com a saúde do trabalhador que reflete fortemente
na qualidade da assistência prestada.
Muitas vezes falta material para a gente trabalhar e isso dificulta
muitas vezes. A gente tem que improvisar, fazer milagre... As
condições de trabalho, de contrato de pessoal. Outro fator é a
estrutura física do hospital (risos). Aqui era um setor interditado,
ou seja, nós viemos para um setor que estava interditado, que tem
condições precárias, pisos faltando, sabe? Por mais que você limpe,
não fica limpo. Mobiliário antigo, desgastado, que não tem manutenção
(PF35-11).
Há situações que desgastam o trabalhador, tais como a falta de materiais,
mobiliário inadequado, o ritmo intenso de trabalho, além das longas jornadas de
trabalho, ritmo mecânico do trabalho com repouso insuficiente e condições de
trabalho que por si só tornam o ambiente de trabalho desumano(16-17). Para se
ter uma assistência humanizada não basta apenas investir em equipamentos e
tecnologias, mas deve-se investir também no acolhimento, baseado na
comunicação/diálogo e respeito(15,18). Para isso, torna-se necessário a
humanização também nas condições de trabalho destes profissionais. Os
funcionários que se sentem respeitados pela instituição prestam atendimento
mais eficiente.
A Política Nacional de Humanização traz consigo o conceito de ambiência que se
refere ao tratamento dado ao espaço físico, entendido como espaço social,
profissional e de relações interpessoais, o qual deve proporcionar atenção
acolhedora, resolutiva e humana(7). O que se deve analisar, a partir de tais
pressupostos, é em que condições a equipe de enfermagem está trabalhando e em
que proporções tais condições afetam a saúde do trabalhador e o cuidado por ele
prestado? Em se tratando de RS, o contexto é o maior influenciador na
construção e transformação das representações acerca de um objeto, ou seja, é
no contexto em que o indivíduo está inserido que se irá estruturar o
conhecimento e as atitudes e práticas frente ao objeto(12). Se o contexto de
trabalho é hostil, os pressupostos e dispositivos da PNH serão desacreditados,
as conversações sobre sua inoperâncias estarão cada vez mais presentes no
cotidiano e será mais difícil implementá-la, pois o senso comum sobre sua
falência será formado entre os profissionais e os usuários, levando-os a uma
naturalização sobre o caos. O contrário ocorre quando se tem uma gestão de
recursos humanos e materiais que viabiliza o trabalho que gera satisfação
profissional, levando a equipe à motivação e, consequentemente, a ações cada
vez mais humanizantes.
Neste ínterim, identifica-se que tanto os profissionais quanto os usuários
consideram que as condições de trabalho e o quantitativo de profissionais
importam à humanização da assistência.
Ah... eu acho que poderia ter mais... profissionais (UF21-06).
Mais... mais condições de trabalho. Profissionais. Mais materiais de
trabalho. Equipamentos. Acho que isso podia melhorar a assistência
(UM50-04).
É interessante identificar que dos discursos dos usuários emerja a questão
gerencial. Isto sinaliza que estes elementos integram não somente as concepções
dos profissionais, mas também fazem parte das representações dos usuários
acerca da humanização, compreendendo-a não somente em relação às questões
inter-relacionais, mas incluindo também a situação institucional e a saúde do
trabalhador. Isso indica que, para os usuários, as condições nas quais o
profissional está inserido irão refletir no seu cuidado e, para tal, torna-se
importante que esse trabalhador tenha condições adequadas para proporcionar um
atendimento que vá ao encontro dos ideais de cuidado dos usuários.
Essas questões de gestão político-financeira, de infraestrutura, oferta da
assistência, que envolvem tanto quantidade quanto qualidade dos recursos
humanos e materiais, ainda se apresentam como uma barreira para se obter um
cuidado humanizado(8). Portanto, essa temática deve ser o enfoque central nas
discussões não apenas de gestores, como também de trabalhadores e usuários da
rede pública de saúde, compreendendo e internalizando o conceito de cuidado e
humanização e sua relação com a enfermagem.
O cuidado como elemento inerente à humanização da assistência de enfermagem
O cuidado vem sendo discutido desde a década de 70 como um ideal filosófico.
Abrangendo posteriormente conceitos amplos e diversos como a atenção, a
cautela, o desvelo, o zelo; o ato de assistir, vigiar, ajudar; sendo mais do
que um ato, uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilidade e de
envolvimento afetivo; como uma forma de ser; relacionado a sentimentos; como
relação com outro ser humano e um estado que um sujeito reconhece a si mesmo em
outro e conhece o outro e importa-se com ele; como processo interativo em três
dimensões: pessoal, social e profissional e como um fenômeno moral(19).
Este ideário está impregnado nas representações sobre a enfermagem e sua
prática, o cuidado(14-16,19), e aparece claramente situado nas representações
dos profissionais.
A relação que eu faço é que não existe enfermagem sem humanização.
São duas paralelas que andam praticamente juntas. E na minha cabeça
não tem como diferenciar humanização e enfermagem. O cuidar é
enfermagem. É uma coisa só. É única. Não tem como você pensar em
enfermagem e não pensar em cuidado. O cuidado vem junto com
humanização. Falar em humanização é falar de cuidar. Não tem forma de
separar a humanização do cuidar (PF30-12).
A enfermagem é uma ciência que apresenta como essência e especificidade o
cuidado ao ser humano, seja individualmente, na família ou em comunidade de
modo integral e holístico, desenvolvendo de forma autônoma ou em equipe
atividades de promoção, prevenção, proteção e reabilitação da saúde(19-20).
O conceito de humanização agrega-se ao próprio conceito de cuidado, pois
humanizar responde pela "convivialidade, solidariedade, irmandade, amor e
respeito ao outro"(20:8). Como humanizar corresponde a cuidar/cuidado e a
enfermagem tem no eixo de sua ação o cuidar, e esse traz no seu próprio
conceito a perspectiva da humanização, logo se pode inferir que o cuidado
humanizado está fortemente ligado a esta profissão. Portanto, integra o
universo representacional de profissionais e de usuários.
Evidenciou-se nas representações dos profissionais e dos usuários, sobre a
humanização no cuidado de enfermagem, a valorização da satisfação das
necessidades com vistas ao bem-estar físico e emocional e das manifestações de
atenção, carinho e paciência, associando-o à afetividade própria do ser humano.
Nesse ínterim emerge uma das dimensões das representações sociais: a dimensão
afetiva, pois quando os sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido
ao mundo, eles também o fazem com emoção, com sentimento e com paixão(4-6).
Quando você consegue agregar não só a parte física, mas a parte
psicológica, emocional, prestar uma assistência em que ele se sinta
seguro, isso é uma assistência humanizada. Tem que gostar. Não tem
como... é o toque! Porque você tem que pegar na pessoa, você tem que
conversar, tem que olhar no olho dela e como você vai fazer isso se
você não gosta? (PF35-05).
Olha, o cuidado da enfermagem é o melhor possível. Elas têm bastante
atenção com a gente. A gente pode confiar nelas que elas são de
confiança, cuidam bem da gente, remédio na hora certa, se a gente
chama, elas vêm, se a gente precisa, elas estão sempre ao nosso lado
(UM44-01).
Essa relação interpessoal entre profissional e usuários que transpassa as
barreiras criadas pelos próprios sujeitos como forma de proteção individual, é
uma característica que nos afirma que é possível resgatar a humanização nas
práticas assistenciais de enfermagem. A qualidade das relações humanas
evidencia-se como elemento imprescindível ao alcance de preceitos da Política
Nacional de Humanização(16).
É possível tornar essa assistência algo além do técnico, do científico, que
caminha ao encontro do subjetivo e da complexidade do ser. Permitindo,
portanto, que a Política Nacional de Humanização não seja apenas uma política
que ainda encontra dificuldades para estar presente em todo o contexto
assistencial, mas sim uma política concreta, palpável, presente e
insubstituível quando se fala de cuidado de enfermagem(8,14).
A organização e discussão de tais categorias temáticas indicam que há três
elementos chaves que se congregam na conformação das representações de
profissionais e usuários sobre a humanização: as relações interpessoais entre
eles, os recursos para a oferta dos serviços (humanos e materiais) e a própria
natureza (humana) do cuidado de enfermagem.
Nesse sentido, a lógica de construção das ideias tanto dos profissionais de
enfermagem quanto dos usuários sobre a humanização passa por questões tanto
sociais, que mostram a relação entre o profissional e o usuário que viabiliza o
cuidado, quanto gerenciais, que mostram as dificuldades e facilidades no âmbito
assistencial para se obter uma assistência humanizada.
Portanto, se, à luz da TRS, a representação social é uma forma de conhecimento
que se assenta na experiência/vivência e se reporta às práticas(4), o esmero
dos profissionais na assistência desvinculado das condições estruturais para a
oferta dos serviços não se configura em uma assistência humanizada. Isto mostra
que, tanto profissionais quanto os usuários estão cientes de que uma questão
está intimamente ligada à outra, articulando os saberes sociais e os do
universo da ciência.
CONCLUSÃO
Os conteúdos das representações sociais dos profissionais de enfermagem e dos
usuários sobre a humanização do cuidado permeiam tanto as questões sociais
(comunicação/diálogo, empatia, relação profissional/usuário) quanto às questões
gerenciais (infraestrutura, materiais, recursos humanos), fazendo com que o
fator humano nas relações interpessoais emerja como um importante indicador da
qualidade da humanização no cuidado hospitalar.
Um critério importante para se avançar na implementação da Política Nacional de
Humanização e assegurar qualidade e continuidade dos seus preceitos é o
processo constante de avaliação institucional, ampliando e fomentando pesquisas
que avaliem as seguintes condições: o campo da informação, da comunicação de
massa, as questões éticas implicadas na garantia dos direitos dos pacientes, as
condições de oferta dos serviços, o dimensionamento e a qualificação dos
trabalhadores em face do quantitativo da clientela e da complexidade da
assistência.
À luz de tais conteúdos de representação sobre a humanização, cabe aos gestores
a análise minuciosa de cada questão que se apresenta como empecilho para a
implantação uniforme e global da política, assim como cabe aos profissionais
sinalizá-las de forma objetiva e embasada em seu cotidiano profissional.
Estimular a criação de estratégias eficazes para tornar uma assistência de
enfermagem humanizada e de qualidade que atendam as necessidades dos
profissionais é urgente.
Como as representações sociais traduzem-se como formas de conhecimento prático
que implica nas ações dos sujeitos frente aos objetos que lhe são dados a
pensar, os resultados deste estudo mostram que se faz preciso discutir a
Política Nacional de Humanização, suas diretrizes e práticas propostas, à luz
das concepções dos profissionais, usuários e gestores, problematizando os
elementos que importam à visão peculiar que cada um destes segmentos tem sobre
a humanização. Isto porque esta se dá na prática concreta de tais sujeitos.
O estimulo ao debate acompanha-se da necessidade evidenciada de estudos sobre
diagnósticos situacionais de campo, já que a humanização também se situa nas
condições de oferta dos serviços e do cuidado. Sem condições, torna-se difícil
agir em prol de relações interpessoais humanas e solidárias, pois no campo do
cuidado profissional, as condições de oferta são inerentes para garantir
dignidade aos partícipes do cuidado - usuário e profissional.
Portanto, a presente pesquisa indica pressupostos para que se avance na
implementação da PNH nas práticas assistenciais, justamente por compreender as
próprias concepção daqueles que estão cotidianamente no processo de cuidar e
ser cuidado. Entretanto é preciso que se aponte que tais resultados não podem
ser generalizados haja vista o cenário restrito em que esta pesquisa foi
realizada - setor de clínica médica, apresentando-se, portanto como uma
limitação do estudo. Por isso é necessário o investimento em investigações
futuras acerca da humanização, utilizando a TRS ou outras teorias e
metodologias, abrangendo outros cenários hospitalares a fim de confirmar ou
confrontar tais resultados.