Vivência de adolescentes em atividade de promoção da saúde
INTRODUÇÃO
As possibilidades geradas pela Estratégia Saúde da Família para a apropriação
do Sistema Único de Saúde pela comunidade são muito variadas e têm otimizado o
trabalho dos vários atores envolvidos neste processo. Isso é facilitado pelo
envolvimento dos profissionais da equipe, especialmente pelo enfermeiro, com as
pessoas da comunidade adscrita, promovendo o protagonismo social, tendo como
estrutura de integração a unidade básica de saúde.
As antigas definições de Enfermagem focalizavam o cuidado aos doentes como
prática prioritária, mas há alguns anos essa profissão foi redefinida, sendo
acrescentado o papel do enfermeiro como agente promotor da saúde da população,
possuindo uma área de prática independente(1).
A Enfermagem como prestadora de cuidados na adolescência, ainda se encontra em
desenvolvimento, pois essa área foi, durante anos, marginalizada pelos
profissionais de saúde. Possivelmente isso deva ter ocorrido pelo
desconhecimento das características do adolescente e não reconhecimento, pelas
instituições de saúde, dessa fase como período distinto do desenvolvimento
humano.
Faz-se necessária uma visão mais ampla acerca do adolescente, considerando
principalmente as três etapas que ele está atravessando: a Adolescência
Precoce, quando suas preocupações estão voltadas às modificações do próprio
corpo; a Média, onde eles procuram uma identidade por meio da busca contínua de
grupos de iguais e a Tardia, quando o comportamento de adulto começa a ser
visualizado e torna-se importante a estabilidade social(2).
Algumas fases do ciclo vital humano se encontram com maior suscetibilidade ao
desenvolvimento de distúrbios no processo saúde-doença, sendo que a
adolescência pode ser encarada como o principal período para o desencadeamento
deste fato devido, principalmente, ao comportamento distinto geralmente
encontrado nos indivíduos que estão nesse grupo(3-4).
Paulatinamente, os enfermeiros estão desenvolvendo, por meio de situações
vivenciadas no cotidiano, seus espaços nas equipes de saúde, tornando possível
um melhor atendimento aos adolescentes que procuram auxílio nesses equipamentos
sociais para minimizar suas angústias e medos(5-6).
O atendimento coletivo, realizado por meio de grupos, é uma possibilidade que
deve ser vivenciada por estes profissionais, pois fornece instrumentos
facilitadores do bom desenvolvimento do processo de acompanhamento desses
jovens(7).
Partindo dessa premissa, várias vertentes foram sendo priorizadas no cuidado ao
adolescente, enfocando aspectos que permeiam a adoção de comportamentos tidos
como saudáveis, priorizando planos de ação que visem à promoção da saúde desta
tão importante parcela populacional.
Salienta-se a Política Nacional da Atenção Básica, que enfoca os aspectos de
organização e otimização da atenção à saúde na área primária, a caracterizando
por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange
a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o
tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde(7).
Agregaram-se importantes normatizações ao Sistema Único de Saúde, como a
Política Nacional de Promoção da Saúde, que enfatiza o trabalho com
adolescentes na busca de minimização de riscos que poderão acarretar distúrbios
no processo saúde-doença desses jovens, bem como se mostra como alternativa
viável para o aprimoramento de tecnologias de atenção que transformem o
indivíduo em sujeito de seu próprio cuidado(8).
Neste contexto, vimos relatar uma experiência ocorrida no município de Uruoca-
CE, Brasil, construída por enfermeiros integrantes da Estratégia Saúde da
Família e um grupo de adolescentes que discutiu os conceitos de Promoção da
Saúde e, a partir deste momento, objetivou vivenciar as práticas inerentes a
este processo.
RELATO DA EXPERIÊNCIA
Desde meados do ano de 2007, os profissionais desenvolviam trabalhos coletivos
quinzenalmente com um grupo de adolescentes do território da Unidade Básica de
Saúde - UBS da sede do município, integrante da Estratégia Saúde da Família, em
que se enfocavam discussões sobre assuntos de interesse deles, tais como:
sexualidade, uso e abuso de drogas, desenvolvimento e crescimento na
adolescência, dentre outros. As discussões acerca da promoção da saúde também
eram oportunizadas, por meio da realização de grupos operativos com
adolescentes, seguindo as premissas das políticas de atenção a esse grupo(9-
10).
No início de 2008, procurou-se uma área na qual os jovens poderiam ajudar os
profissionais da UBS e a escolhida para atuação foi a saúde da mulher,
especificamente durante o processo de gravidez, visto que ocorria resistência
das usuárias na realização da consulta odontológica e pequena participação da
família durante as consultas e procedimentos ligados ao atendimento das
gestantes.
Aliou-se a isso a importância da temática expressa por sua inserção como
prioridade a ser trabalhada após a construção e implementação das metas do
Pacto pela Vida, divisão do Pacto pela Saúde, que busca otimizar as ações e
indicadores, dentre eles os voltados para a minoração da mortalidade materna e
infantil(11).
É grande o quantitativo de demandas da atenção básica em saúde, mas, dentre
elas, o cuidado pré-natal se destaca pela responsabilidade com o binômio mãe-
filho, que envolve também a família durante a gravidez(12-13).
Então, organizou-se coletivamente um cronograma para o desenvolvimento de
atividades que buscassem impacto nos indicadores da própria comunidade de
inserção do grupo de adolescentes, com ênfase para a construção de peça teatral
na qual eles foram roteiristas, cenógrafos, diretores e atores, cabendo aos
enfermeiros da equipe de saúde assessoria para assuntos técnicos e a
organização de locais para as apresentações, sendo escolhidos centros
comunitários da área.
As atividades envolviam promoção da saúde durante o pré-natal, discutindo as
dificuldades mais comuns encontradas, principais alterações fisiológicas da
mulher, higiene e saúde bucal, importância para sua realização, bem como as
conseqüências de ações familiares para que o cuidado fosse vivenciado de forma
positiva por todos.
Buscar a autonomia dos sujeitos por meio da maior importância e atuação destes
na construção dos debates é essencial, visando à emancipação do cuidado
dispensado, o que o enfermeiro tem feito com destaque(14-15).
A preparação inicial durou dois meses, para a formatação do texto da peça,
ensaios e busca de parceiros na própria comunidade para realizar investimentos
necessários para a aquisição de materiais utilizados nas apresentações.
O poder público disponibilizou lanches para os grupos, bem como kits de
materiais de higiene pessoal a ser distribuídos entre as grávidas, buscando
assim, impulsionar as práticas saudáveis que eram discutidas também com os
jovens. Os kits incluíam sabonetes, escova de dente, creme e fio dental, e a
entrega ocorria conforme a participação efetiva das gestantes durante as
apresentações teatrais.
Foram várias sessões envolvendo o assunto escolhido, com a participação de
grávidas e seus familiares, oriundos da comunidade. Em determinados momentos os
expectadores se tornavam sujeitos da ação, sendo convidados a integrar a equipe
de atores, vivenciando situações do cotidiano e aprimorando a percepção acerca
da importância de atitudes potencializadoras para sua saúde durante o pré-
natal.
As trocas de experiência foram estimuladas, facilitando o diálogo entre equipe
de saúde e os participantes. Isso intensificou o papel do enfermeiro como
agente promotor de situações positivas para a comunidade, delimitando
especialmente sua atuação entre os jovens(9).
Esse processo grupal facilita a tomada de novas atitudes, embasadas na
construção coletiva, facilitando a promoção da saúde em comunidade(16-17).
Deve-se salientar que a participação familiar durante as consultas do pré-natal
foi otimizada, com a presença de maior número de familiares envolvidos no
processo de cuidado e ocorreu aumento da freqüência das gestantes nos
atendimentos aprazados pela equipe de saúde responsável.
Constatou-se também mudança no comportamento das gestantes durante o processo
de pré-natal, por meio de aumento na quantidade de questionamentos direcionados
aos profissionais de saúde e integração entre elas nos dias de consulta, na
sala de espera, pois descobriram que vivenciavam situações análogas durante o
processo de gestar.
Ressaltamos que foram seguidos os preceitos da Resolução nº 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, que dispõe sobre pesquisas com seres humanos, em especial no
que tange aos princípios da beneficência, não maleficência, autonomia e justiça
(18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se perceber o importante papel do enfermeiro integrante de equipe da
Estratégia Saúde da Família para a promoção da saúde da população adscrita na
área de abrangência.
Essa experiência, que perdura atualmente, denotou que é possível a interação
entre os profissionais com grupos muitas vezes marginalizados na comunidade
como os adolescentes, tornando-os modificadores de sua realidade, por meio de
vivências que os façam atentar para seu imenso potencial criativo e indutor de
práticas saudáveis na comunidade.
Também ocorreu o envolvimento das gestantes e seus familiares, melhorando a
qualidade da atenção dispensada no pré-natal pela equipe e, consequentemente,
inserindo um maior número de sujeitos na experimentação saudável do processo de
gestação.
Acreditamos que a Enfermagem, sendo produtora de conhecimento para aplicação
prática, tem o desafio de avançar na construção de saberes voltados para a
promoção à saúde da população, especialmente no que tange ao aprimoramento da
participação comunitária dos jovens.