Experiência discente com o cuidado a paciente portador de Epidermodisplasia
Verruciforme
INTRODUÇÃO
A Epidermodisplasia Verruciforme (EV) é uma genodermatose rara(1-10), de
distribuição universal(3,8). Descrita por Lewandowsky e Lutz em 1922(4,8),
caracteriza-se pela susceptibilidade à infecção por diferentes tipos de
papiloma vírus humanos (HPV)(1-8,10-12). Por ser patologia incomum,
apresentando casos isolados no mundo, torna-se difícil mensurar com exatidão
sua incidência(9). Autores descrevem que há influência de fatores genéticos,
infecciosos, ambientais e imunológicos, tratando-se de uma doença complexa(9).
Sua distribuição pode ser familiar ou isolada. Embora haja relatos de possível
herança recessiva ligada ao cromossomo X, alguns autores consideram que a
transmissão ocorre pelo mecanismo autossômico recessivo(5-10), explicado pelo
fato de apresentar elevada incidência familiar, por consanguinidade, raramente
acometendo gerações sucessivas(1-3,10). Acrescenta-se ainda que a doença
ocasiona alterações físicas, impactando o psiquismo da pessoa acometida, sendo
extremamente necessário o suporte emocional e psicológico(8).
Os vírus encontrados na EV são em sua maioria específicos da doença,
denominados HPVs associados à EV (HPVEV). A patologia normalmente se inicia na
infância, entre os cinco e onze anos de idade, manifestando-se por múltiplas
lesões verrucosas planas-símile e/ou máculas semelhantes à pitiríase versicolor
(1-3,5-6,8-12). Após determinado período, aproximadamente aos 30 anos, cerca de
30 a 50% dos doentes podem desenvolver câncer de pele múltiplos, geralmente
associado a áreas de intensa exposição solar(1-3,5,7-12).
O portador apresenta deficiências imunológicas, principalmente da imunidade
mediada por células, além disso, há presença de polimorfismos genéticos no
complexo maior de histocompatibilidade, o que determina inadequada apresentação
de antígenos específicos do HPV às células de defesa. Assim, os doentes
desenvolvem infecção disseminada e de longa duração pelo vírus, podendo
desencadear distúrbios tardios inespecíficos de imunidade celular(1-3). Acomete
ambos os sexos e qualquer etnia; e cursa sem sintomas ou com discreto prurido
(1-3).
A EV é aceita como condição pré-maligna, sendo classificada em três formas:
benigna, que se caracteriza por verrugas planas, associadas aos HPVs não-
oncogênicos dos subtipos 3 e/ou 10; maligna, com características de
polimorfismo com tendência à malignização, associada a múltiplos HPVEVs sendo
alguns oncogênicos, dos subtipos 3,4,5,7(11); ou mista, caracterizada pela
presença inicial de verrugas planas, seguida pelo aparecimento do polimorfismo
característico da forma maligna(1-2).
A transformação maligna ocorre em aproximadamente de 30 a 50% dos casos, sendo
associada a fatores como os HPVE-Vs oncogênicos, genéticos do hospedeiro e à
ação de co-carcinógenos extrínsecos, principalmente exposição a raios
ultravioleta(11), radioterapia(2), tabagismo e imunossupressão(3,12). Os
tumores malignos mais frequentemente encontrados são o carcinoma in situ, o
carcinoma espinocelular e o carcinoma basocelular. Essas neoplasias são
localmente invasivas e têm baixo potencial metastático, exceto quando
associados a outros co-carcinógenos, principalmente radioterapia local(9).
Não há tratamento específico convencional; portanto, atualmente utilizam-se de
associações terapêuticas com resultados satisfatórios, dentre as quais se
destacam os retinóides orais (acitretina) e interferon(8,11-12). Os retinóides
orais exercem efeitos benéficos devido à ação antiviral e antiproliferativa no
controle da diferenciação das células epiteliais(11). O interferon alfa-2a
sistêmico ou intralesional, em doses que variam entre 1 a 9 milhões de
unidades/dia, induz o desaparecimento das alterações histopatológicas
encontradas na EV pela ação imunomoduladora, antiviral e antiproliferativa. No
entanto, esta terapêutica pode produzir reações adversas como febre baixa
(78%), astenia (78%) e mialgias (65%), que desaparecem 12 horas após o uso da
medicação(3).
Estudos mostram que a associação da acitretina oral 0,75mg/kg/dia e interferon
(IFN) alfa-2a 3.000.000UI via subcutânea, três vezes por semana, possui efeito
satisfatório após 30 dias, com desaparecimento de mais de 50% das lesões,
principalmente no tronco, e diminuição da espessura das remanescentes em cerca
de 40%(3). Óbitos relacionados à doença são raros. Quando ocorrem são relativos
à invasão de estruturas locais ou às metástases das neoplasias(9).
RELATO DA EXPERIÊNCIA
No decorrer do estágio da disciplina de Enfermagem em Doenças Transmissíveis,
realizado na Enfermaria de Dermatologia de um hospital de ensino do interior
paulista, cuidou-se de paciente portador de Epidermodisplasia Verruciforme,
sexo masculino, 55 anos, casado, aposentado, procedente do Estado de Minas
Gerais, admitido na instituição em consequência de lesões vegetantes e
verrucosas nas mãos, pernas e pés, ulcerações interdigitais e duas úlceras de
aproximadamente 10 cm de diâmetro, próximas à região do maléolo, de fundo
colonizado, com secreção esverdeada, odor fétido e ausência de sinais
inflamatórios (Figura_1). A internação causou agitação e comentários entre
profissionais e demais pacientes ao primeiro contato, pois se trata de doença
rara e conhecida popularmente como "Homem árvore".
![](/img/revistas/reben/v66n4/a24fig01.jpg)
Segundo relatos do paciente, com 12 anos de idade observou aparecimento de
verrugas em algumas regiões das mãos, com surgimento de outras nos pés e
pernas, percebendo que houve crescimento progressivo. Fez tratamento
homeopático na cidade de origem sem melhora, relatou ainda, nunca ter feito
tratamento específico. Porém, em 2000 foi tratado de câncer de pele,
provavelmente associado à patologia de base, mas apresentou melhora das lesões.
Além disso, é portador de Albinismo Óculocutâneo, com acuidades visual e
auditiva diminuídas; nega outras patologias, consanguinidade e casos
semelhantes na família.
No período de internação foram realizados exames de rotina sem apresentar
alterações, apenas o teste tuberculínico (PPD) foi considerado como reator
forte, indicando a tuberculose infecção. O esquema terapêutico estabelecido
incluía analgésicos, antifúngicos sistêmicos e tópicos, anticoagulante,
antipsoriático e agente tópico com ação desbridante.
Durante as interações percebeu-se que era um paciente comunicativo, tranquilo
quanto à sua autoimagem, e que realizava o autocuidado sem auxílio. Ao exame
físico, não apresentou alterações; porém, eram evidentes as numerosas lesões
verrucosas irregulares, no dorso das mãos e pés, e isoladas nas pernas, com
odor fétido. Como conduta de enfermagem iniciou-se com higienização das lesões
com água e sabão antisséptico e secagem criteriosa para evitar colonização de
microorganismos. As úlceras maleolares, com bordas regulares, superficiais,
apresentavam tecido de granulação e fibrinoso, foi aplicado sulfadiazina de
prata nos dois primeiros dias e, posteriormente, tratamento tópico com papaína
a 6%, com redução do tecido fibrinótico e aumento da área de granulação.
Aceitava bem a terapêutica proposta e contribuía na execução dos cuidados,
realizando seu autocuidado e se movimentando sem auxílio, o que facilitava sua
exposição ao sol com o objetivo de diminuir a umidade das lesões.
O primeiro contato foi impactante, tanto pelo odor quanto pela imagem. Nem se
conseguia imaginar como iniciar os cuidados. Porém, percebemos que o paciente
era extremamente acessível, o que facilitou as interações e intervenções de
enfermagem. Ao observar a execução da higienização e do curativo realizado pela
supervisora, surgiram questões do tipo "seríamos capazes de executar tal
procedimento com naturalidade?" Ao término do período concluímos que seríamos
capazes de enfrentar a situação, procedendo com os cuidados com mais segurança.
No dia seguinte, após nos reapresentamos, nos paramentamos com material de
proteção por contato e iniciamos o cuidado ainda com insegurança. No entanto, o
diálogo foi estabelecido com a oportunidade de conhecermos mais sobre o
paciente. Houve reciprocidade empática, o que facilitou a execução dos
procedimentos com maior segurança. Ao secarmos as mãos do paciente, observou-se
que buscava maior contato, percebeu-se com esta atitude que sentia necessidade
do tocar e, portanto, procurou-se intensificar este contato sem receio e com
carinho.
Esta experiência possibilitou verificar a necessidade de assistir o paciente em
todos os aspectos, percebendo-o além das lesões. Acrescenta-se ainda, que o
mesmo era extremamente receptivo, alegre, foi questionado se havia se submetido
a algum tratamento para "tristeza", referiu que não e acrescentou que não teria
motivo para ser triste, nos dando um exemplo de vida.
Após a realização das interações e cuidados, foi possível estabelecer alguns
diagnósticos de enfermagem que facilitaram o maior conhecimento do paciente e a
problemática que o envolvia neste período: Risco de infecção, caracterizado por
defesas primárias inadequadas, destruição de tecidos e imunossupressão;
Integridade da pele prejudicada, caracterizada por rompimento da superfície da
pele, evidenciado por lesões verrucosas, aumento da umidade e albinismo;
Distúrbio na imagem corporal, caracterizado por mudança real na estrutura,
evidenciado pela doença e pelas lesões.
Em relação ao último diagnóstico a alteração da imagem corporal era evidente
pelas inúmeras lesões que causavam certa deformidade. Porém, o paciente não
demonstrava comportamentos negativos ou rejeição da imagem corporal, e tinha,
durante o período de internação, comportamento social normal.
ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM
Utilizamos um instrumento de classificação de pacientes, através do sistema de
avaliação de indicadores críticos, construído e validado por Perroca(13),
baseado nas necessidades individuais de cuidado de enfermagem.
O instrumento utiliza treze indicadores críticos que abrangem a dimensão
biológica e psicossocial do cuidado. Cada um desses indicadores aponta a
intensidade crescente de complexidade assistencial. A terminologia indicadores
críticos foi adotada para indicar as necessidades de cuidado de enfermagem no
paciente, que, quando associadas entre si, identificam a categoria de cuidado a
que ele pertence(13). Por meio de sua aplicação podemos classificar o paciente
em quatro categorias de cuidados, mínimos, intermediários, semi-intensivos e
intensivos. O escore mínimo a ser obtido é de 13 e o máximo de 65 pontos(14).
Com a aplicação do instrumento o paciente em questão foi classificado na
categoria de cuidados mínimos, o que corresponde aos estáveis clinicamente e
capazes de realizar o autocuidado.
CONCLUSÃO
Esta experiência proporcionou aprendizado na assistência ao paciente portador
de doença rara, complexa e de difícil resolução. Sentiu-se a necessidade de
classificar os cuidados por complexidade, método que facilitou as condutas de
enfermagem, tornando-o independente da equipe, promovendo a autonomia, uma vez
que os cuidados terão continuidade em seu domicílio. Percebeu-se ainda que,
apesar do comprometimento físico e alteração da autoimagem, o paciente se
comportava dentro da normalidade e transmitia tranquilidade. Notadamente
apresentava-se receptivo, sociável e emocionalmente equilibrado, desencadeando
uma transformação em nossa atitude profissional, passando as lesões serem
insignificantes em relação às interações. Conclui-se que este tipo de
experiência contribuiu muito para o crescimento enquanto futuros profissionais,
principalmente no que se refere à importância da promoção do cuidado de maneira
integral.