Capacidade funcional de idosos atendidos em unidades básicas de saúde do SUS
INTRODUÇÃO
O acelerado ritmo do crescimento da população idosa é observado mundialmente,
incluindo o Brasil e outros países latino-americanos. A expectativa de vida dos
brasileiros que em 1900 não alcançava os 35 anos de idade, em 1950 atingiu 43
anos, em 2000 68 anos e existe a expectativa de atingir os 80 anos em 2025(1).
Enquanto reduz-se a mortalidade por doenças infecto-contagiosas, cresce a
prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em consequência do
aumento da longevidade o que por sua vez podem levar a incapacidade funcional
tanto na vida adulta como também após os 60 anos de idade(2).
A capacidade funcional pode ser definida como o potencial que uma pessoa
apresenta para decidir e atuar de forma independente em sua vida, no seu
cotidiano(1). Embora o conceito de capacidade funcional seja complexo
abrangendo outros conceitos como os de deficiência, incapacidade, desvantagem,
bem como os de autonomia e independência, na prática trabalha-se com o conceito
de capacidade ou incapacidade. Define-se incapacidade funcional pela presença
de dificuldade no desempenho de certos gestos e de certas atividades da vida
cotidiana ou mesmo pela impossibilidade de desempenhá-las(3).
Os fatores mais fortemente associados com a capacidade funcional estão
relacionados com a presença de algumas doenças, deficiências ou problemas
médicos. Entretanto, observa-se, que a principal hipótese subjacente em alguns
dos estudos que identificam as associações é a de que, além dos fatores
biológicos e a presença de doenças crônicas, a capacidade funcional é
influenciada por fatores demográficos, socioeconômicos, culturais e
psicossociais. Desse modo, são citados como potenciais fatores explicativos da
capacidade funcional alguns comportamentos relacionados ao estilo de vida como
fumar, beber, comer excessivamente, não realizar exercícios, padecer de
estresse psicossocial agudo ou crônico e não manter relações sociais e de apoio
(3).
Por isso, estudos sobre a capacidade funcional em idosos tornam-se necessários,
primeiro para o entendimento de como as pessoas estão vivendo os anos
adicionais ganhos com o aumento da longevidade e assim subsidiar as atividades
e ações de saúde desenvolvidas em serviços de saúde na atenção primária. A
capacidade funcional é mais um indicador da consequência de um processo de
doença do que uma medida de incapacidade ou de morbidade específica. A
capacidade funcional vem se tornando um conceito particularmente útil para
avaliar o estado de saúde dos idosos na comunidade, porque muitos convivem com
várias doenças simultaneamente, que variam em severidade e causam diferentes
impactos na vida cotidiana(4).
A perda da capacidade funcional está associada à predisposição de fragilidade,
dependência, institucionalização, risco aumentado de quedas, morte e problemas
de mobilidade, trazendo complicações ao longo do tempo, e gerando cuidados de
longa permanência e alto custo(5).
Assim, este estudo teve como objetivo analisar a capacidade funcional dos
idosos cadastrados nas Unidades Básicas de Saúde do município de Guarapuava -
PR, Brasil.
MÉTODO
Estudo transversal, integrante de um estudo mais abrangente em amostra
representativa dos idosos cadastrados nas Unidades Básicas de Saúde residentes
no município de Guarapuava, estado do Paraná, Brasil, com inquérito domiciliar,
que analisou suas condições sociodemográficas e de saúde.
Guarapuava, com população estimada, em 2009, de 172.128 habitantes e 14.981
idosos é sede da 5ª Regional de Saúde do Estado, com coeficiente de mortalidade
infantil, em 2009, de 18,8 por mil nascidos vivos e taxa de mortalidade materna
de 83,4 por 100.000 nascidos(6). Quanto à oferta de serviços de saúde o
município conta com 30 Unidades Básicas de Saúde (UBS) distribuídas em 10
distritos sanitários, com 29 Equipes de Saúde da Família (ESF). Cada Distrito
Sanitário conta com um Centro Integrado de Atendimento (CIA) que são unidades
básicas de saúde de atendimento à população, que se diferenciam das ESF por
apresentarem especialidades médicas, como ginecologia e obstetrícia e pediatria
além de serviços de odontologia(7).
A ficha A, um dos instrumentos de cadastro da família na Estratégia Saúde da
Família- ESF, foi utilizada para levantamento dos idosos cadastrados e para a
elaboração da amostra do estudo. A relação das pessoas com 60 anos e mais de
idade, constando o nome e endereço, foi cedida pelas enfermeiras responsáveis
por cada uma das UBS. A partir do total de idosos foi realizado o cálculo da
amostra por meio de amostragem estratificada proporcional ao número de idosos
em cada UBS como segue:
Assim, o número de idosos a ser entrevistados, estabelecido para a pesquisa,
foi de 359. Foi realizado um sorteio por meio da técnica de amostragem
aleatória simples para selecionar os idosos que estavam descritos em ordem
numérica crescente nas listas das UBS.
Para as entrevistas foi utilizado o questionário Brazil Old Age Schedule (BOAS)
(8) um instrumento que avalia a vida do idoso de uma forma multidimensional,
composto por nove seções. Foram utilizadas para este estudo as seções I (dados
sociodemográficos), II (percepção de saúde) e IV (capacidade funcional). As
entrevistas foram realizadas de janeiro a abril de 2010.
A capacidade funcional dos idosos foi avaliada por meio da escala de atividades
da vida diária (AVD) presentes no questionário BOAS, composta por 15
atividades: banhar- se, vestir-se, ir ao banheiro em tempo, deitar, levantar-se
da cama ou cadeira, alimentar-se sozinho, pentear-se, cortar as unhas dos pés,
subir um lance de escada, andar no plano (atividades básicas para a manutenção
corporal ou atividades pessoais - AVDP), preparar refeições, subir escadas,
pegar ônibus, ir andando a um lugar perto de sua casa, tomar remédios na hora
certa e fazer limpeza de casa (atividades básicas para o convívio independente
na comunidade ou instrumentais - AVDI). O grau de dependência do idoso foi
classificado segundo: ausência de dependência (não apresenta incapacidade ou
dificuldade em nenhuma das AVD), dependência leve (incapacidade ou dificuldade
para realizar de uma a três das AVD) e dependência moderada e/ou grave
(incapacidade ou dificuldade em realizar quatro ou mais AVD)(8).
A análise dos fatores associados ao grau de dependência foi observada segundo
variáveis sociodemográficas: idade (60 a 69, 70 a 79 e 80 anos ou mais); sexo;
escolaridade (nenhuma, primário, ginásio ou 1° grau, 2° grau completo, curso
superior); arranjo familiar (mora sozinho, mora com alguém); trabalho
remunerado (aposentado, aposentado e trabalho remunerado); local de residência
(zona rural e zona urbana); situação conjugal (casado ou morando junto, viúvo,
divorciado, nunca se casou ou solteiro) e de percepção de saúde que é entendida
como aspecto subjetivo e particular dos indivíduos. A análise de associação foi
feita por meio de estatística indutiva ou inferencial, com a realização do
teste de qui-quadrado (chi-square - X2), teste de Fisher utilizando o software
Estatistic.
As entrevistas foram realizadas no domicílio dos idosos, de janeiro a abril de
2010, por entrevistadores devidamente treinados. As entrevistas foram aplicadas
aos idosos ou também ao seu cuidador, quando o idoso tivesse alguma limitação
em relação à comunicação. Foram registradas 13 recusas. As entrevistas foram
realizadas após o consentimento dos entrevistados e assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido (TCLE).
O Projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo
Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá-PR conforme a Resolução 196/
96 do Conselho Nacional de Saúde (Parecer 492/2009).
RESULTADOS
As mulheres referiram mais dependência funcional que os homens, tanto na
dependência leve (77,5% contra 58,6%) quanto na dependência moderada ou grave
(33,6% contra 20,3%). Os idosos de 60 a 69 anos e de 70 a 79 anos referiram
mais frequentemente dependência leve do que os idosos com mais de 80 anos. Por
outro lado, a dependência moderada ou grave foi referida por 81,6% dos idosos
de 70 a 79 anos e por 89,5% dos idosos com 80 anos ou mais.
Nota-se que entre 70 e 79 anos a prevalência de dependência moderada/grave é 3
(três) vezes maior quando comparada à faixa de 60 a 69 anos e 6 vezes quando
comparada à 80 anos ou mais de idade. A capacidade funcional moderada ou grave
está mais presente nas mulheres com RP=2,9% o está associado à dependência,
pois apresentou nível de significância de p= 0,0002. Ainda, aumenta 3 (vezes) a
prevalência das mulheres possuem dependência moderada (Tabela_1).
Tabela_2
Observou-se que, quanto menor o grau de escolaridade, maior a prevalência de
dependência moderada/grave, aumentando 1,2 para o nível primário e 3,1 para
nenhuma escolaridade e não sabe ler e escrever. A dependência moderada/grave
apresentou uma prevalência de 3,2 vezes maior para idosos que moram sozinhos
quando comparada a morar com familiares. Para viúvos, solteiros e os que nunca
se casaram a prevalência de dependência moderada/grave foi de 1,6.
Similar a dependência moderada/grave, o sexo feminino esta fortemente associada
a ter dependência leve, com razão de prevalência de 2,5 (p<0,001).
Os idosos que não sabem ler e escrever e moram só estão associados a
dependência leve (RP= 5,1, p= 0,0249). Morar só está associado a dependência
leve (RP= 1,2) (Tabela_3). Ser viúvo, divorciado ou nunca casou está associado
tanto a dependência leve como moderada/grave.
Observa-se na Tabela_3 a prevalência alta de idosos com dependência leve que
considera sua saúde ótima ou boa (p= 0,010). A prevalência de quedas foi
similar tanto no idoso sem dependência como com dependência leve.
Com relação ao grau de dependência moderada/grave observa-se que 44,9% dos
idosos perceberam sua saúde como ruim e 15,9% como péssima (p= 0,0000 e p=
0,0010). Na percepção da acuidade visual 23,2% dos idosos com dependência
moderada/grave perceberam péssima (RP= 1,1 e p= 0,235) (Tabela_04).
Ao analisar os idosos que possuem dependência leve e dependência moderada/grave
e que utilizam remédios, pôde-se observar que a prevalência é similar, 76,8% e
79,7%, respectivamente.
DISCUSSÃO
A incapacidade funcional ou desabilidade é processo dinâmico e progressivo,
consequência das DCNT e de mudanças fisiológicas associadas ao processo de
envelhecimento podendo ocorrer de forma aguda, como por exemplo, no acidente
vascular encefálico e na fratura de fêmur, que ocasionam limitações funcionais.
Denominam-se limitações funcionais as restrições na realização de ações físicas
e operações mentais fundamentais para a vida diária, em comparação às pessoas
de mesmo sexo e faixa etária. Portanto, incapacidade funcional ou desabilidade
é a limitação para a realização das atividades de vida diária AVD,
comprometendo a capacidade funcional do indivíduo para manter-se independente
(9).
Na população de idosos, a incapacidade funcional é um dos indicadores mais
comuns usados como preditor de saúde e é utilizado especialmente para avaliar
as necessidades sociais e de utilização dos serviços de saúde(10). A capacidade
funcional abrange dois grupos de atividades: atividades de vida diária (AVD) e
atividades instrumentais de vida diária (AIVD). Esse indicador tem sido
estudado para avaliar a performance dos idosos nas atividades básicas e
instrumentais de vida diária, que são considerados determinantes e fundamentais
da independência pessoal e da capacidade dos indivíduos de manter uma interação
social, de papéis e de trabalho(10).
No presente estudo, quando avaliado o grau de dependência segundo a gravidade,
70,8% dos idosos apresentaram incapacidade leve, e 19,2% apresentaram
incapacidade moderada ou grave. A incapacidade leve representa um fator para a
incapacidade(11). A incapacidade funcional é um fenômeno que difere entre
homens e mulheres. A prevalência de incapacidade para a realização de AVD foi
significativamente mais alta entre as mulheres em comparação aos homens.
Existem algumas hipóteses que explicam essa diferença, como a maior
sobrevivência das mulheres em relação aos homens; a maior prevalência de
condições incapacitantes não fatais entre as mulheres (osteoporose,
osteoartrite e depressão, por exemplo) e a maior habilidade da mulher para
reportar maior número de condições de saúde em relação aos homens da mesma
faixa etária(11).
A idade mostrou-se um fator fortemente associado à diminuição da capacidade
funcional. Os idosos com 80 anos ou mais tiveram alta prevalência de algum grau
de incapacidade funcional, quando comparados aos de 60-69 anos o que concorda
com resultados de outros estudos, como o de Joaçaba - SP para o qual idosos de
70 anos ou mais apresentam positivamente associadas com capacidade funcional
adequada(1). Estudo realizado em Belo Horizonte - MG demonstrou que entre
idosos, o risco de incapacidade funcional dobra a cada década de vida. A
dificuldade para realizar as AVD aumentou progressivamente com a idade(11).
Com relação à variável arranjo familiar, na análise dos fatores para
dependência moderada/grave foi observado que morar só está associado com
incapacidade funcional. Em um estudo multicêntrico conduzido na Finlândia,
Holanda e Espanha, que comparou a prevalência, a incidência e a recuperação da
incapacidade entre idosos que vivem na comunidade, foi demonstrado que, mesmo
quando existem diferenças culturais, os laços sociais (familiares e não
familiares) são protetores da incapacidade na velhice(12). Quando considerada a
incidência da incapacidade, os laços familiares têm maiores efeitos protetores
do que os laços não familiares, mas quando considerada a prevalência da
incapacidade, os laços não-familiares são mais protetores(11).
A capacidade funcional pode ser influenciada por fatores sociodemográficos,
econômicos, culturais, psicossociais, como comportamentos relativos ao estilo
de vida, como fumar, beber, comer excessivamente, manter relações sociais,
conjugais, dentre outros. Sabe-se que o estado de viuvez pode influenciar
negativamente a capacidade funcional do idoso(3), o que pode sugerir os
resultados do presente estudo que mostraram associação significativa entre a
viuvez e dependência grave ou moderada.
Dos fatores associados à diminuição na capacidade funcional, alguns podem ser
revertidos ou minimizados. A baixa situação econômica, a falta de segurança que
sentem em relação ao pequeno poder aquisitivo de que dispõem aumentam as
chances de perda de autonomia. Esse fator pode estar ligado também à forma como
o idoso se sente no momento, isto é, após a aposentadoria. Alguns idosos passam
a viver com rendas menores, e este fator pode influenciar sua autoestima,
comunicação, convívio social, com familiares, amigos, pois com a aposentadoria
o idoso pode relacionar à perda de sua função na sociedade, na família e do seu
estado funcional(1).
A prevalência de utilização de serviços públicos de saúde por 71% dos idosos
com dependência moderada ou grave pode indicar a necessidade de cuidados à
saúde, além da importância de criação de estratégias que garantam o acesso à
assistência médica na atenção básica a estes indivíduos(13).
A associação de quedas com dependência leve e moderada/grave e remete ao fato
das quedas serem de natureza multifatorial e dependerem de muitas condições,
como o uso de drogas, nível de atenção de cuidadores, familiares e do próprio
idoso, além da prevalência e severidade de DCNT(14). Isso pode explicar porque
idosos deste estudo obtiveram prevalência de quedas similares ao apresentar
tanto a dependência leve como a moderada/grave.
Os dados deste estudo sobre o grau de dependência dos idosos de Guarapuava, um
município de médio porte no sul do Brasil sugerem que essa população tem sido
acometida por limitações no seu cotidiano, convivendo com graus variados de
dependência na realização de atividades simples. Essa realidade reforça a
importância de se conhecer a capacidade funcional do idoso e transformar esta
atividade parte integrante da avaliação clínica realizada pela equipe de saúde
e de enfermagem.
De acordo com esta realidade, os profissionais de saúde também necessitam
realizar ações de promoção e prevenção que devem iniciar no domicílio por meio
da higiene, ventilação, alimentação, imunizações e detecção precoce de doenças,
pois, quando a pessoa está doente ou acamada, é possível prevenir a piora do
quadro, evitando-se imobilizações e perda de funcionalidade(15).
As limitações funcionais podem ser consideradas um processo que precede as
condições de incapacidade. Identificar os fatores sociodemográficos, de saúde
que podem estar relacionados com as incapacidades funcionais auxilia na
elaboração de políticas públicas com objetivo de preservar a independência dos
idosos(16).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se a importância da realização de estudos epidemiológicos de base
domiciliar, fundamentais para conhecer a distribuição dos fatores de risco
presentes na população além de levantar um perfil da situação socioeconômica,
de saúde, com fins de auxiliar na implementação de ações e políticas de saúde
para as pessoas com mais de 60 anos de idade.
Os resultados sobre a capacidade funcional sugerem que a maior parte dos idosos
entrevistados tem sido acometida por limitações no seu cotidiano, convivendo
com dependência, principalmente de grau leve, na realização de atividades
simples, reforçando a importância de avaliar a capacidade funcional do idoso e
transformar esta atividade uma parte integrante da avaliação de enfermagem e da
equipe de saúde na atenção básica.
No ponto de vista da Enfermagem, ressalta-se a importância do enfermeiro frente
à sua atuação na saúde do idoso, em especial na atenção básica, pois,
conhecendo o idoso na comunidade, é possível considerá-lo em suas múltiplas
interfaces, o que é de extrema importância para subsidiar a gestão do cuidado a
essa clientela de maneira a preservar a sua independência e autonomia, além de
promover melhor bem estar físico, psíquico e social.